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EHEDG explica como atender os requisitos do GFSI para projeto sanitário em White Paper

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A vida de quem lida com normas e legislações sempre fica mais feliz quando temos pessoas especiais que “desenham” para nós, não é mesmo? Assim, o EHEDG nos fez um grande favor explicando como atender os requisitos de benchmarking do GFSI para projeto sanitário.

Entendendo o que são os requisitos de benchmarking

O  GFSI criou dois escopos de certificação em Projeto Sanitário de Edifícações e Processamento de Alimentos e Equipamento (JI e JII).

JI é para construtores de edifícios e fabricantes de equipamento.

Ou seja, um dia, se os esquemas de certificação desejarem, pode haver uma certificação de empresa de arquitetura ou um fabricante de equipamentos em normas de segurança de alimentos. O escopo está montado, seria só adotar e formatar uma norma específica para este mercado.

JII é  para usuários dos equipamentos e edificações

Assim, um dia pode ser que haja algum módulo adicional ou certificação específica para o departamento de engenharia da empresa que contrata os empreiteiros civis, arquitetura e montagem de equipamentos. Na prática, já está havendo a adoção gradual de alguns requisitos do JII pelos esquemas de certificação.

Eu cheguei a contar aqui, no post Gestão de equipamentos e projeto sanitário na FSSC 22000 6.0, onde achar o link para o documento original do GFSI para os escopos JI e JII, além de dar dicas valiosas de como  implementar essa gestão.

Vamos ao conteúdo do guia do EHEDG sobre os requisitos JI e JII do GFSI

O documento tem 59 páginas e cobre um por um dos requisitos dos documentos JI e JII em 3 seções:

Seção 1: Requisitos de  perigos e riscos  do sistema de gestão

Seção 2: Requisitos de Projeto sanitário do sistema de gestão

Seção 3: Requisitos de Boas Práticas Industriais do setor

Ele apresenta cada requisito do GFSI, tanto para o escopo JI quanto JII e traz uma interpretação de como aplicar, sendo rico em exemplos.

Traduzi um requisito aqui para vocês entenderem como funciona:

Requisito JI GMP 7.3 Treinamento

Procedimentos devem ser estabelecidos, implementados e mantidos para garantir que todos os funcionários e contratados envolvidos na construção de edifícios e instalação de equipamentos, realizados em um local de manipulação de alimentos, sejam treinados em princípios de segurança de alimentos adequados à sua tarefa.

Interpretação

Antes de iniciar o trabalho, todo o pessoal de um local de manipulação de alimentos, incluindo pessoal temporário e (sub)contratados, deve ser treinado de maneira apropriada para suas funções e, posteriormente, supervisionado adequadamente durante todo o período de trabalho.

O procedimento de treinamento fornecido para prevenir riscos à segurança de alimentos é baseado em políticas, programas e procedimentos de segurança alimentar específicos do local, incluindo:

– Identificação de necessidades de formação

– Identificação de indivíduos a serem treinados e qualificados

– Matérias/materiais de treinamento, incluindo:

– Boas práticas de fabricação (BPF) para a execução de trabalhos em locais de manipulação de alimentos

– Procedimentos de armazenamento e manuseio de materiais e ferramentas de construção

– Seleção e utilização de materiais de contato com alimentos, peças de reposição, lubrificantes etc.

– Gestão de ferramentas (limpeza, sem peças perdidas)

– Procedimentos específicos relativos a atividades de manutenção com perfuração

– Sistema de autorização de trabalho, lock-out e tag-out

– Procedimentos específicos relativos à conclusão do trabalho e entrega após a conclusão

O procedimento aborda dois escopos:

– Treinamento geral em BPF e segurança de alimentos, independentemente de onde ocorre a construção do edifício ou instalação do equipamento

– Um procedimento que faz parte do plano do projeto e abrange a implementação de procedimentos e treinamento de BPF especificamente exigidos pelo cliente ou pela situação de construção: Procedimento geral de treinamento em BPF e segurança de alimentos.

Todos os colaboradores recebem formação geral sobre questões de segurança de alimentos e os principais perigos (biológicos, físicos e químicos) à segurança de alimentos. Durante esta formação, é demonstrada a ligação entre o controle da contaminação por perigos para a segurança de alimentos. As boas práticas de engenharia e as boas práticas de fabricação devem ser claramente explicadas.

Procedimento de BPF específico do cliente/projeto: recomenda-se que o fornecedor e usuário (cliente) da construção/equipamento de alimentos realize uma pré-qualificação dos requisitos de BPF em relação à higiene e segurança de alimentos.

O usuário deve compreender os tipos de riscos que podem ocorrer durante as atividades de construção ou manutenção que o fornecedor deve executar. O usuário também deve explicar os procedimentos e práticas que o fornecedor deve seguir para garantir que os riscos sejam adequadamente mitigados.

Os fornecedores que contratam subcontratantes têm de garantir que todos os requisitos de formação mencionados são também seguidos pelos subcontratantes, se necessário, com assistência do utilizador.

Referência

– EN 1672-2:2020 Food processing machinery – Basic concepts – Part 2: Hygiene and cleanability requirements – ISO 14159:2008 Safety Of Machinery – Hygiene Requirements For The Design Of Machinery – ISO 22000:2018 Food safety management systems – Requirements for any organization in the food chain

Lindo, né?

E em breve esta maravilha será complementada com um guia de avaliação de riscos de projeto sanitário. Estou no time de peer reviewers do EHEDG e o momento é de discussões finais para que este ano ainda tenhamos mais informações para ajudar na jornada de gerenciamento de projeto sanitário.

Sabe onde conseguir o White Paper, sem pagar nada?

Aqui, no site do EHEDG: EHEDG: Guideline Catalogue

Aliás, este White Paper do GFSI é muito citado pelo Guia de Gestão de equipamentos da FSSC 22000, que inclusive foi traduzido aqui no blog. Aproveite mais esta fonte!

Leia também:

Entendendo a consulta pública de projeto sanitário do GFSI

Saiba mais sobre o EHEDG

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Abordagem One Health como solução de várias dores em segurança dos alimentos

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O Hygiena Summit Brazil aconteceu no dia 24 de agosto em São Paulo. O evento foi uma parceria entre o Food Safety Brazil e a Hygiena. A temática central foi a abordagem One Health.

De acordo com a OMS, para a promoção da “Saúde Única” (abordagem One Health), é preciso fortalecer a avaliação, gestão e comunicação de risco na área de Food Safety. Portanto, a obtenção de informações sobre os perigos em toda a cadeia, de forma global e local, é essencial para alcançar o desenvolvimento integrado e a implementação de opções de gestão com base no risco. Assim, todos estes aspectos foram tratados na programação do evento de forma a balancear conteúdo técnico e outros pilares essenciais para resultados.

Robério Machado, coordenador da 3ª região do MAPA, foi muito didático ao mostrar a evolução dos serviços de inspeção, desde o primeiro RIISPOA até os dias de hoje. O Ministério enxerga que, num primeiro passo, tal como um pai levando a criança na garupa da bicicleta, sentia-se provedor de todas as ferramentas para a empresa passar a fabricar um alimento, indo da aprovação da planta e formulação, até a inspeção de todos os produtos e aprovação lote a lote. Anos se passaram e os aprendizados nos fizeram chegar ao estágio do programa de autocontrole, no qual empresas e o governo andam na mesma direção, cada um com sua bicicleta.

Juan de Villena, vice-presidente de qualidade da Wanders Farmer mostrou o quanto o uso de dados quantitativos para monitoramento de Salmonella podem ser úteis para visualização da eficácia e progresso de medidas de controle, em especial programas de melhoria da higienização e redução de carga microbiana. Testes do tipo presença/ausência não são tão ricos para que se enxergue a direção que a empresa está tomando e como está evoluindo. Pode-se ter presença com altíssimas contagens, o que é um cenário ruim, ou já estar próximo a não detecção, o que pode indicar que se está no caminho correto.

Tivemos experts da Hygiena que apresentaram One Health approach na prática, como o monitoramento ambiental, de patógenos e a gestão de dados trazendo um ambiente seguro para a tomada de decisão.

A nossa presidente aqui da Associação Food Safety Brazil, Fernanda Spinassi,  representou o blog palestrando sobre Cultura positiva em Food Safety – Aprendendo com os desvios e tomando decisões com base em dados.

Ela fundamentou sua palestra na evolução do recurso humano (questões Y, Z e alfa) versus tecnologia, e como criar engajamento pensando nestas realidades. Como fazer uma conexão com as pessoas e gerar uma cultura positiva.

Cultura precisa ser fomentada para que as pessoas adotem práticas, tomem ações e tenham um comportamento natural, orgânico em relação à segurança dos alimentos. Como as pessoas podem ter essa iniciativa e serem analíticas, perceberem os riscos, pensando no dia a dia?  Um analista da qualidade sobrecarregado pode não conseguir avaliar uma tendência.

Como a liderança pode ajudar nesta transformação para dar condições e incentivar que isso aconteça? O líder deve fomentar todo tempo este sentimento na equipe. O colaborador, ao executar tarefas, deve entender a sua responsabilidade, o significado daquilo que ele faz, de forma positiva.

O líder deve lembrar que faz parte da sua rotina “puxar orelha”, corrigir, mas é preciso valorizar o que é feito de bom. Tem gente que tem aptidão para programar e utilizar uma planilha em Excel. Outros são líderes natos, envolvem, então identificar essa competência e dar espaço para que seja aplicada, é fundamental. O líder tem que saber identificar, valorizar e utilizar essas habilidades.

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ATUALIZAÇÃO: Raios X para detecção de corpos estranhos não são considerados irradiadores de alimentos

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O recente post  “Anvisa entende que alimento que passa por raios X deve ser rotulado como irradiado” causou muita polêmica e comentários nas redes sociais, uma vez que esta não era a interpretação de todo o mercado. De acordo com a resposta de um atendente do Anvisa Atende, havia uma associação direta entre um alimento que passou por raio X e um alimento irradiado, implicando em necessidade de rotulagem deste alimento para informar o consumidor.

Entenda a polêmica

Uma empresa, apenas com a finalidade de ter documentado que não precisaria rotular seu produtos que passam por raio X como irradiados, realizou uma consulta formal à Anvisa, pelo canal ANVISA atende, na expectativa de confirmar o entendimento. Eis que a resposta foi contrária ao senso comum, sendo orientada a rotulagem conforme a RDC Nº 21, DE 26 DE JANEIRO DE 2001.

O ponto que deixou brecha ao entendimento é que:

2.1.2. Alimento irradiado
É todo alimento que tenha sido intencionalmente submetido ao processo de irradiação com radiação ionizante

4.2.Fontes de radiação
As fontes de radiação são aquelas autorizadas pela Comissão Nacional de Energia Nuclear, na
conformidade das normas pertinentes, a saber:
a) Isótopos radioativos emissores de radiação gama: Cobalto – 60 e Césio – 137;
b) Raios X gerados por máquinas que trabalham com energias de até 5 MeV; (cinco milhões de eletrovolts)
c) Elétrons gerados por máquinas que trabalham com energias de até 10 MeV.

Não demorou para as manifestações no LinkedIn serem de questionamento. Até marquei a Anvisa para participar do debate. Vejam algumas interações:

A empresa que fez o questionamento recebeu uma semana depois, espontaneamente, uma atualização, conforme abaixo:

Prezado(a) Senhor(a),

Em atenção à sua solicitação, retificamos a resposta do protocolo 2023193394, tendo em vista que a resposta inicialmente informada foi atualizada.

Deste modo, segue abaixo a resposta atualizada do protocolo supracitado:

Equipamentos de raios-x utilizados na indústria de alimentos para detecção de metais (perigos físicos) não são considerados irradiadores de alimentos.

Alimentos irradiados são aqueles processados em equipamentos (raios-x, raios gama, aceleradores de elétrons) com a finalidade de inibir a germinação, reduzir a carga de microrganismos, controlar patógenos ou infestação e/ou estender o prazo de validade de alimentos perecíveis.

Portanto, para àqueles alimentos que passam por raios-x, com a finalidade exclusiva de detectar perigos físicos, não se aplicam as disposições da Resolução – RDC n. 21/2001.

O que podemos aprender com o caso?

Pelo menos eu aprendi que:

Legislação é elaborada por comitês de profissionais que tem expertise e entendimento em um tema. Por melhor que os textos sejam redigidos, sempre poderão trazer ambiguidades e “zonas cinzentas” de entendimento, pois o que é claro para os experts, pode não ser para a maioria.

Os atendentes de plantão do canal de dúvidas podem fazer intepretações simplistas no seu dia a dia, retornando para a sociedade interpretações equivocadas.

A inteligência, o bom senso e a colaboração são a fortaleza dos novos tempos.

Nem sempre é preciso braço de ferro ou tratamentos indelicados para se obter um retorno.

A Anvisa emite atualização para se retratar.

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Anvisa entende que alimento que passa por raios X deve ser rotulado como irradiado

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Raios X são utilizados na indústria de alimentos na inspeção para prevenção de contaminantes físicos, geralmente em produto acabado. Você entende que um alimento que passa por um aparelho de raios X recebe irradiação e, por isso, deve ser rotulado como irradiado?

ANTES DE CONTINUAR LENDO, SAIBA QUE ESTE CONTEÚDO FOI ATUALIZADO: Clique aqui para saber: https://foodsafetybrazil.org/atualizacao-raio-x-para-deteccao-de-corpos-estranhos-sao-considerados-irradiadores-de-alimentos/ 

A RDC 21/2001 traz o requisito em “4.5: Na rotulagem dos Alimentos Irradiados, além dos dizeres exigidos para os alimentos em geral e específicos do alimento, deve constar no painel principal: “ALIMENTO TRATADO POR PROCESSO DE IRRADIAÇÃO”, com as letras de tamanho não inferior a um terço (1/3) do da letra de maior tamanho nos dizeres de rotulagem.

Até pouco tempo atrás, meu entendimento para a pergunta do primeiro parágrafo era que não. Eis que uma empresa levou o questionamento para o canal Anvisa Atende.

A pergunta formulada foi a seguinte:

Um alimento submetido a Raio X com objetivo de controle de perigos físicos (vidros, silicone, etc) pode ser considerado como um alimento “Não irradiado”, uma vez que não se trata de um tratamento intencional a doses controladas de radiação ionizante, com finalidades sanitária, fitossanitária e ou tecnológica?  Nesse caso, é aplicável a RDC Nº 21/2001?  O produto deve ser rotulado com o aviso “ALIMENTO TRATADO POR PROCESSO DE IRRADIAÇÃO” ?

E esta foi a resposta:

********

Prezado(a) Senhor(a),

Em atenção a sua solicitação, considerando-se a RESOLUÇÃO DA DIRETORIA COLEGIADA- RDC Nº 21, DE 26 DE JANEIRO DE 2001, que aprovou  o REGULAMENTO TÉCNICO PARA IRRADIAÇÃO DE ALIMENTOS, e que inclui, nas definições :

“Irradiação de alimentos – Processo físico de tratamento que consiste em submeter o alimento, já embalado ou a granel, a doses controladas de radiação ionizante, com finalidades sanitária, fitossanitária e ou tecnológica.

2.1.2. Alimento irradiado – É todo alimento que tenha sido intencionalmente submetido ao processo de irradiação com radiação ionizante.

2.1.3. Radiação ionizante Qualquer radiação que ioniza átomos de materiais a ela submetidos. Para efeito deste Regulamento Técnico serão consideradas radiações ionizantes apenas aquelas de energia inferior ao limiar das reações nucleares que poderiam induzir radioatividade no alimento irradiado.”, observa-se que não haveria como o procedimento citado pelo senhor não se encontrar abrangido pela norma.

Ainda que o objetivo da irradiação tenha sido prevenção de perigos físicos, o alimento foi irradiado.

Além disso, esse objetivo se inclui entre as finalidades do processo de irradiação, expresso na norma.

Portanto, aplica-se a RDC 21/2001 na integralidade, inclusive no que se refere à informação ao consumidor (rotulagem). 

*******

E você, já havia aderido a esta interpretação?

Leia também:

Radioatividade do bem: entenda a técnica de irradiação de alimentos

Perigos radiológicos foram levantados no seu plano HACCP?

Sistema de Inspeção por Raio-X no controle de qualidade de alimentos

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Animais criados em espaços urbanos são promessa para atender a demanda por alimentos

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A criação de animais para consumo humano dentro de um perímetro urbano e de forma vertical é mais uma das técnicas promissoras para enfrentamento da demanda crescente por proteína animal.

Animais como cabras, ovelhas, vacas, porcos, aves (galinhas, patos) e búfalos podem ser encontrados em fazendas urbanas em algumas regiões do mundo, porém prédios de maior densidade estão começando.

Quem está colocando todas as fichas na verticalização em espaços urbanos para a criação de suínos é a China.  A demanda é altíssima – consomem cerca de metade de toda a carne suína do mundo. E passaram por uma enorme baixa pelo sacrifício de 100 milhões de porcos por causa da peste suína africana entre 2018 e 2020.

Lá existem prédios gigantes, como em Ezhou. São “apartamentos” de até 26 andares com vista para a estrada principal. É de longe a maior granja de suínos vertical do mundo, com capacidade para abater 1,2 milhão de animais por ano.

Fazenda vertical de criação de porcos na montanha de Yaji, China

A fazenda tem condições controladas de gás, temperatura e ventilação, com animais nutridos através de mais de 30.000 pontos de alimentação automática com o clique de um botão em uma sala de controle central.

A empresa investidora conta que os dejetos dos porcos são tratados e usados para gerar biogás, aproveitado para a geração de energia e aquecimento de água dentro da fazenda.

A área de quarentena para os funcionários da fazenda é dividida em três partes.  Na entrada eles registram seus nomes, de onde são e para qual fazenda se dirigem. Depois passam pelo processo de desinfeção das mãos, da roupa, dos sapatos, e também dos dispositivos móveis e computadores. As amostras são coletadas para testes de laboratório enquanto eles permanecem na primeira área de quarentena. Se o resultado for negativo, podem entrar na última área por mais dois dias, e de lá serem transportados para as fazendas. Mas se os resultados forem positivos, eles têm que ficar outros dias retidos.

Os funcionários entram na fazenda e não saem até o próximo dia de folga.

Em um outro complexo, na montanha Yaji,  mais uma empresa investe e faz planos de chegar a 1.300 porcos em cada um dos 12 andares.

Os suínos ficam restritos a um andar durante toda a vida para evitar a mistura de animais e cada unidade de alojamento possui um sistema de ventilação, elevadores para transporte de animais e uma tubulação específica para direcionar os leitões mortos para as áreas internas de incineração.

Suínos andando em elevador

O efeito sobre o bem-estar dos animais que vivem nesses espaços ainda é muito pouco compreendido. Acredita-se que em espaço limitado, pisos de concreto e incapacidade de exibir outros comportamentos naturais, além de um sentimento perene de frustração, os porcos possam apresentar uma baixa de imunidade, o que ao final, será um problema de saúde.

O local de Yaji usa edifícios de quarentena para trabalhadores e funcionários da empresa passarem suas vidas em uma área residencial dedicada, completa, com quadras de tênis. Ou seja, não só os animais têm uma vida confinada.  Alegam que tudo isso é para garantir padrões altíssimos de biossegurança e sistemas sofisticados de limpeza e descarte.

Contudo, apesar de os empresários e autoridades chinesas alegarem várias vantagens de eficiência, sustentabilidade e biossegurança e de segurança, há controvérsias.

Especialistas têm medo destas iniciativas chinesas. Nos últimos dois anos, os agricultores e consumidores chineses foram abalados por pandemia após pandemia: covid-19, uma gripe suína H1N1 que agora está se espalhando lentamente para os trabalhadores rurais; a peste suína africana (PSA), que já levou à morte até 200 milhões de suínos em um ano; e uma febre aftosa altamente patogênica, também em porcos, que os veterinários agora dizem ser endêmica.

“A China é um conglomerado de todo tipo de impulsionador de doenças emergentes”, disse Peter Daszak, zoólogo e presidente da EcoHealth Alliance. “Você tem essa incrível densidade populacional, que está se expandindo, e você tem uma incrível invasão de áreas selvagens.”

“A enorme densidade de suínos e frangos, a maioria produzidos por fazendas de pequeno a médio porte com baixa biossegurança, interligados entre si por meio de redes de transporte para um grande número de matadouros e mercados úmidos, também com falta de higiene, gera riscos de doenças infecciosas”, diz Dirk Pfeiffer, professor de medicina veterinária da City University em Hong Kong e especialista em doenças relacionadas à pecuária.

“Instalações intensivas podem reduzir as interações entre animais domesticados e selvagens e suas doenças, mas se uma doença entrar, ela pode se espalhar entre os animais como um incêndio”, disse Matthew Hayek, da Universidade de Nova York.

Dirk Pfeiffer, professor titular da One Health na City University of Hong Kong, concordou e disse: “Quanto maior a densidade de animais, maior o risco de disseminação e amplificação de patógenos infecciosos, bem como o potencial de mutação”.

“A questão provavelmente ainda mais importante será se esse tipo de produção é consistente com a necessidade de avançar para a redução do consumo de carne, considerando a ameaça aparentemente imparável de uma mudança climática devastadora”, disse ele.

“Tenho muita confiança de que em 30 a 50 anos a China será extremamente eficiente e segura, mas até lá será a parte mais difícil. Se teremos tempo suficiente para interromper a próxima pandemia antes que ela comece, é uma questão que pesa na mente de muitos especialistas”, diz Daszak.

Porcos passam praticamente toa a vida no mesmo andar

Considerações da FAO sobre a segurança dos alimentos em áreas urbanas

Há uma série de perigos potenciais para a saúde humana que podem estar associados a sistemas pecuários urbanos decorrentes de falta de higiene, condições precárias para manter os animais, moscas e parasitas que podem se reproduzir em dejetos animais, bem como o risco de zoonoses.

As aves domésticas podem transportar patógenos de origem alimentar, como Salmonella sp. que pode se espalhar para os seres humanos se práticas de higiene adequadas não forem implementadas. Embora a maioria das pessoas se recupere dessas doenças sem antibióticos, certas cepas de Salmonella estão mostrando cada vez mais resistência aos antibióticos comumente usados, agravando as preocupações de saúde pública.

A exposição a riscos químicos, como dioxinas, pode ocorrer ao alimentar o gado com material vegetal cultivado na beira da estrada, que apresenta trafego intenso. Esses perigos químicos tendem a se acumular nos tecidos adiposos dos animais e, portanto, entram na cadeia alimentar. A infraestrutura inadequada para o abate de animais, descarte de carcaças e gerenciamento de resíduos (remoção de esterco e urina) também pode representar uma série de riscos de segurança para as pessoas que vivem nas proximidades, bem como para os consumidores.

O acesso adequado a cuidados veterinários e os regulamentos que limitam o número de bandos ou rebanhos em espaços urbanos também são considerações importantes.

A piscicultura vertical é uma abordagem emergente na aquicultura, onde os peixes são criados em sistemas verticais, multitróficos, principalmente em circuito fechado. Essas estruturas podem ser construídas em áreas urbanas onde a terra é escassa ou mesmo offshore. A forma como esses sistemas usam e reutilizam a água, tratam e descartam efluentes de peixes e usam agentes antimicrobianos não apenas determina a segurança do peixe produzido, mas também pode influenciar outras questões de saúde pública, como o potencial de eutrofização em corpos d’água próximos.

Referências

Capítulo Food Safety Considerations for agriculture within urban spaces do  relatório Thinking About the Future of Food Safety – a foresight report, da FAO, que pode ser lido na íntegra aqui.

Fotos e dados sobre a China:

https://www.theguardian.com/environment/2022/nov/25/chinas-26-storey-pig-skyscraper-ready-to-produce-1-million-pigs-a-year

A 12-storey pig farm: has China found the way to tackle animal disease? | China | The Guardian

5 min leituraPorcos criados em prédios na China

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Política e denúncias de insalubridade em frigoríficos forçaram início do FDA

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Um jovem jornalista, Upton Sinclair, foi contratado por um jornal socialista para se infiltrar nas instalações de frigoríficos para fazer um “exposé”, uma denúncia sobre as condições de insalubridade em frigoríficos de Chicago. A intenção era muito mais política do que sanitária: o plano era propagar as agruras do capitalismo e das precárias condições da classe trabalhadora, contada em folhetins periódicos.

Contudo, a opinião pública ficou muito mais impactada em saber sobre a péssima qualidade do que estava comendo do que da insalubridade vivida pelos trabalhadores.  Por meses, o escritor disfarçou-se de operário, entrando nas fábricas sem ser notado e registrando as nojeiras que encontrava. O resultado foi uma ficção baseada em fatos reais sobre uma família de imigrantes lituanos e suas agruras na indústria, incluindo uma morte por intoxicação alimentar.

Cartoon divulgado nos jornais da  na época

As publicações do jornal foram consolidadas em um livro, The Jungle, de 1906.  Foi um best seller instantâneo, vendendo 25 mil exemplares em seis semanas, o que era bastante viral para a época. O fato tornou-se um escândalo internacional, repercutido por todos os jornais.

Mas o que contava o livro?

As condições de insalubridade reuniam várias situações críticas para a segurança dos alimentos:

Péssima higiene

Se os trabalhadores precisassem lavar as mãos antes de sair, eles deveriam usar os tanques de água da salmoura para os embutidos. Além disso, existiam ainda ratos e dejetos por todo o ambiente de produção, que geralmente não eram retirados para deixar a instalação minimamente limpa. O local era escuro, difícil de ver se estava limpo ou não.

“Armadilhas” para roedores eram pães com veneno, e muitos que morriam ficavam pelo chão mesmo ou acabavam voltando para a linha de produção depois que recuperavam a varredura.

A água dos telhados com condensado pingava sobre o produto, e milhares de ratos corriam sobre ela.

Frigorífico da época. Foto não tem cheiro, mas dá para imaginar.

Fraudes

Para tentar aumentar o volume de produção sem ter que gastar mais dinheiro com isso os trabalhadores eram orientados a dar uma “incrementada” em inúmeras receitas, principalmente as de carnes enlatadas.

Bórax e glicerina eram adicionados na comida para melhorar a aparência de uma linguiça importada da Europa que chegou branca e mofada. Os frigoríficos também usavam materiais para dar volume, como papel (já ouviram falar nesta lenda de carne com papelão no Brasil?). Qualquer coisa que caísse dentro das máquinas ficava por lá.

Sinclair até documentou uma formulação:

  • Pontas de carne defumada pequenas demais para serem cortadas com máquina
  • Tripa tratada com produtos químicos para não parecer branca e revelar sua origem
  • Restos de presunto e carne em lata recolhidos do chão;
  • Pelanca de bife;
  • Temperos o suficiente para ter gosto de alguma coisa

Reprocesso do tipo “nada se perde”

Perdas não eram permitidas dentro das fábricas, mesmo que o que se pretendesse jogar fora fosse carne estragada. Se alguma parte da produção caísse no chão, onde já estavam fezes de ratos e catarro de trabalhadores com tuberculose, ela seria colocada de volta no produto.

O presunto estragou? Sem problemas! Elzbieta, uma imigrante lituana, faz o seu trabalho diário: coloca o presunto vencido numa cortadeira, a duas mil rotações por minuto. Junta meia tonelada de presunto bom, e ninguém nem nota.

Carne humana na formulação

Acidentes de trabalho aconteciam a todo instante, algo comum nas linhas de produção do início do século 20. Porém, no caso destes frigoríficos, partes amputadas dos acidentados ficavam na comida. Alguém perdeu um dedo numa serra e ele caiu no cutter a duas mil rotações por minuto e “sumiu”.

Tragédias maiores foram descritas, como trabalhadores que às vezes caíam nos tonéis onde a gordura animal era derretida em banha, e seus corpos eram descobertos somente após cozimento prolongado. A banha era vendida para consumidor final ou para outros produtos e “vida que segue”.

Corrupção e histórico de problemas

E nesse cenário crítico, onde estavam os fiscais?  Não tinham nadinha de legislações de segurança de alimentos? Quem pensou que os EUA eram um país totalmente sem lei nesta época enganou-se.  Em 1862, Abraham Lincoln já tinha fundado o USDA, o Departamento de Agricultura. Havia uma atividade de fiscalização, embora não estruturada como é atualmente.

A partir da década de 1880, os relatórios do governo observaram os riscos à saúde provocados por alimentos contaminados.

Em 1890, foi publicado um regulamento, focado principalmente em produtos de exportação como bacon e porco salgado. Os produtores e embaladores dos EUA é que pressionaram o governo a implementar um programa de inspeção que lhes permitisse competir nos mercados estrangeiros (e foi um caso em que o poste fez xixi no cachorro). No ano seguinte, o escopo da regulamentação foi ampliado para carnes para exportação.

O primeiro escândalo generalizado relacionado a essas práticas inseguras ocorreu em 1898, quando a imprensa noticiou que a Armour & Company, um dos frigoríficos de Chicago, havia fornecido toneladas de carne enlatada ao exército dos EUA em Cuba durante a Guerra Hispano-Americana. A carne havia sido embalada com uma camada visível de ácido bórico, que supostamente preservaria a carne, mas era usado para mascarar o cheiro do produto em más condições. As tropas que comeram a carne adoeceram e ficaram sem condições para o combate. Alguns morreram.

Mas voltando aos fiscais, segundo o livro The Jungle, eles estavam lá, no escritório do chefe, recebendo uma propina para não atuarem em seus papéis. A situação de controle das grandes corporações foi relatada em livro da mesma época,  “The Greatest Trust in the World” (1905) sobre a centralização e mecanismo para escape da fiscalização, entre outros aspectos econômicos.

Reação do presidente da república

Dizem que o então presidente dos Estados Unidos, Theodore Roosevelt, engasgou-se com o café da manhã e se tornou vegetariano ao ler o livro de Sinclair. Ele mandou uma dupla de sua confiança para investigar de perto toda a história dos frigoríficos.  As fábricas ficaram sabendo e tiveram tempo para arrumar um pouco a casa, mas mesmo assim, não deu para esconder muita coisa.

Quando Roosevelt recebeu e leu o texto completo do relatório, ficou enojado. Era tudo verdade, ou até pior. Neill e Reynolds descobriram que a carne estava sendo “removida com pás de pisos de madeira imundos, empilhada em mesas raramente lavadas, empurrada de sala em sala em carrinhos de caixa podres, em todos os processos acumulava sujeira, lascas, sujeira do chão, e as expectorações de trabalhadores tuberculosos e outros doentes”. Eles também observaram trabalhadores urinando perto da carne e carne vencida sendo rotulada como nova. Só não confirmaram a parte de pessoas inteiras caindo no tanque de banha.

Atento observador da opinião pública, o presidente entendeu que  a questão da segurança de alimentos e higiene não poderia mais ser ignorada. Ele sabia que, quando os americanos soubessem da extensão total do problema, qualquer político que não apoiasse a reforma provavelmente perderia a reeleição. O assunto ganharia todos os jornais. Engenhosamente, em vez de peitar os líderes da indústria, Roosevelt decidiu aplicar pressão nos bastidores.

Com um forte senso de urgência, Roosevelt não perdeu tempo em conseguiu o apoio do congresso e em 30 de junho de 1906 – 4 meses e 4 dias após o lançamento do livro – entrava em vigor o Pure Food and Drug Act, que criou a FDA – Food and Drug Administration. Em março de 1907, também entrava em vigor o Federal Meat Inspection Act.

Essa lei inovadora autorizou os inspetores do USDA a impedir que qualquer carne contaminada ou rotulada incorretamente entrasse no comércio doméstico e estrangeiro. Isso não apenas beneficiou a indústria frigorífica e o público consumidor, mas ampliou muito a regulamentação do governo federal sobre a iniciativa privada.

Fiscais sanitários mostrando serviço para deixarem a população mais tranquila

Quanto a Sinclair, para ele seus planos foram frustrados. Em primeiro lugar, seu livro era para ser uma peça de propaganda socialista, pelos direitos dos trabalhadores. Os leitores, porém, não deram a mínima para o ser humano que caía no tacho, revoltando-se apenas com o fato de que havia ser humano no tacho virando presunto.

“Eu apontei para o coração do público e acidentalmente atingi o estômago”, lamentou o autor.

E você, sabia que o FDA tinha surgido por causa de um escândalo envolvendo frigoríficos em época de preocupação com sucessão eleitoral?

Referências

Pessoas em lata: upton sinclair, o homem que revelou 5 fatos sobre a indústria da carne dos EUA no século 20

Heroes of Food Safety: Upton Sinclair and the Meat Inspection Act of 1906

Gente em lata, o escândalo da carne em 1906

Imagem em destaque: Wikipedia

Fonte do cartoon: Hearts and Stomachs

Fotos: Newsela

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Intoxicação alimentar massiva a bordo mudou as regras da aviação

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Imagine uma aeronave lotada com 344 passageiros e cerca de 20 tripulantes na qual 197 pessoas começaram a ter simultaneamente náuseas, vômitos, diarreia e cólicas abdominais. Este episódio caótico a bordo foi o ponto de virada para mudar regras de segurança dos alimentos na aviação.

Era 3 de fevereiro de 1975. O Boeing 747 da Japan Air Lines estava indo de Anchorage, Alasca, para Copenhague, Dinamarca. O trecho todo seria Japão – Paris. Noventa minutos antes do pouso programado em Copenhague, os comissários de bordo serviram omeletes de presunto no café da manhã. Uma hora após os passageiros consumirem uma refeição contaminada com estafilococos, começou o horror.

Em terra, cento e quarenta e quatro pessoas precisaram de hospitalização, tornando-se o maior incidente de intoxicação alimentar a bordo de um avião comercial. Trinta estavam em estado crítico. Os outros 53 foram tratados em salas de emergência improvisadas.

Como nenhum dos médicos na Dinamarca falava japonês, e apenas alguns dos passageiros eram fluentes em dinamarquês ou inglês, funcionários que falavam japonês nos restaurantes de Copenhague foram convocados ao hospital para atuar como tradutores.

A causa-raiz do problema

A equipe de investigação foi liderada pelo oficial do Serviço de Saúde Pública dos Estados Unidos, Dr. Mickey S. Eisenberg, do Departamento de Saúde do Estado do Alasca.

Testes laboratoriais de amostras de fezes e vômitos de passageiros, bem como 33 amostras de sobras de omeletes de presunto, detectaram Staphylococcus aureus.  Concentrações elevadas de toxinas produzidas pelos estafilococos também foram detectadas no presunto, explicando o tempo de incubação extremamente curto.

As refeições foram preparadas na International Inflight Catering, uma subsidiária da Japan Airlines. Verificou-se que três cozinheiros haviam preparado as refeições, um dos quais tinha lesões infectadas no dedo indicador e médio da mão direita.  As lesões nos dedos do cozinheiro estavam infectadas com estafilococos. Na época não se contava com testes de DNA, mas o interessante foi que os testes revelaram tipos de fagos idênticos e resistências a antibióticos para todas as amostras, indicando que o cozinheiro era a fonte da contaminação.

O cozinheiro suspeito preparou refeições para três das quatro cozinhas. Ele havia enfaixado os ferimentos, mas não contou ao superior, por considerar um ato banal. Além disso, a administração não verificou se ele estava bem de saúde.

O cozinheiro suspeito preparou todas as 40 omeletes servidas na primeira classe, bem como 72 de 108 para uma das cozinhas do convés principal. Além disso, ele manuseou todas as 108 omeletes para outra cozinha.

De acordo com os microbiologistas, apenas 100 células de estafilococos são suficientes para causar intoxicação alimentar. A logística de alimentação a bordo forneceu condições ideais para que as bactérias crescessem e liberassem toxinas, que induzem fortes náuseas, vômitos, diarreia e cólicas abdominais. Por serem resistentes ao calor, as toxinas não eram destruídas quando as omeletes eram aquecidas.

Antes de serem servidas, as refeições foram armazenadas em temperatura ambiente na cozinha por 6 horas e depois refrigeradas (embora a insuficientes 10°C) por 14 horas e meia. Em seguida, eram armazenadas nos fornos das aeronaves, novamente sem refrigeração, por mais 8 horas. Se a comida tivesse sido mantida adequadamente refrigerada desde o momento em que foi preparada até estar pronta para ser servida, o surto não teria ocorrido.

Como os acidentes aéreos que costumam ter mais de uma causa-raiz, os investigadores da época concluíram o que hoje é senso comum: pessoas com lesões infectadas não devem manipular alimentos e que os alimentos devem ser armazenados em temperaturas baixas o suficiente para inibir o crescimento de bactérias.

Desdobramentos

O incidente teve uma vítima fatal: a do gerente de catering da Japan Air Lines, Kenji Kuwabara, de 52 anos, que cometeu suicídio ao saber que o incidente havia sido causado por um de seus cozinheiros.

Foi apenas por acaso que o piloto e o copiloto não haviam comido nenhuma das omeletes contaminadas, já que a companhia aérea não tinha regulamentos sobre as refeições da tripulação. Como os relógios biológicos dos pilotos estavam no horário do Alasca e não no horário europeu, eles optaram por um “jantar” de bifes em vez de omeletes de café da manhã. Se não tivessem feito isso, talvez não fossem capazes de pousar a aeronave com segurança.

Dali em diante os experts sugeriram que os membros da tripulação do cockpit comessem diferentes refeições preparadas por diferentes cozinheiros para evitar que surtos de intoxicação alimentar incapacitassem toda a tripulação, uma regra posteriormente implementada na aviação comercial.

Em 1977, a OMS publicou o Guide to Hygiene and Sanitation in Aviation e hoje há importantes diretrizes no World Food Safety Guidelines, da International Flight Association.

Mesmo assim, novas ocorrências aconteceram.

Em 1982, dez tripulantes  incluindo piloto e co-piloto da British Airways adoeceram a cerca de 35 minutos de Boston num voo de Lisboa. Descobriu-se que as refeições principais foram diferentes, mas tinha um prato em comum: a sobremesa, um pudim de tapioca. Três dias após o voo, ainda havia 6 passageiros com ocorrência.

Na Austrália, em 1980, o piloto de um avião bimotor sofreu uma intoxicação alimentar e desmaiou nos controles. Um passageiro reviveu o piloto inconsciente, que conseguiu pousar o avião com segurança.

Hoje em dia, empresas de catering que fornecem para as companhias de aviação são em sua maioria demandadas a ter uma certificação em segurança dos alimentos.

Há um filme satírico sobre intoxicação de piloto a bordo, Airplane! (1980), mas no fundo, para quem trabalha com segurança dos alimentos na aviação, isso não tem graça nenhuma.

Referências:

The New York Times

Wikipedia

Daily Mail

Fonte da imagem:  Stuff

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Frases de impacto em segurança dos alimentos – parte 2

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Dando continuidade à curadoria de frases que coletamos dos leitores aqui no Food Safety Brazil através do post Sua frase de impacto poderá estar no Food Safety Brazil, apresentamos o resultado de pensamentos que podem nos levar à reflexão sobre o nosso propósito enquanto profissionais de alimentos.

Mas antes, caso não tenha visto, leia o post anterior: Frases de impacto em segurança dos alimentos – parte 1

A segurança de alimentos não é um luxo, é uma necessidade básica para a saúde e bem-estar de toda a humanidade. Matheus Silva
Cuidar de nossas pessoas é um valor fundamental, por isso estou exatamente onde quero estar: alimentando a todos, seja nas preparações culinárias, capacitações e nas verificações de segurança de alimentos. Cíntia Malagutti

 

Sem o comprometimento da alta gestão, não há um sistema de gestão de segurança de alimentos. O teto da atuação de um departamento de Qualidade é definido pela Alta Direção. Leonardo Borges

 

Quando falamos de qualidade, precisamos lembrar que é fundamental que o profissional da indústria alimentícia entenda que esse alimento produzido irá chegar à mesa de muitas famílias, inclusive à própria mesa. Então que todos os dias busquemos melhorar e ter empatia para garantir que estes produtos são apropriados para consumo. Geórgia Prochnov Kempf
Inspirar pessoas a produzir alimentos seguros para o mundo é um lindo propósito de vida. Além disso, é uma forma de serviço e uma demonstração de cuidado com a sociedade. Esse é um papel muito gratificante do profissional da segurança dos alimentos. Vinícius Ferreira Siqueira Corrêa

 

 

Imagem em destaque: foto de Karolina Grabowska no Pexels

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Frases de impacto em segurança dos alimentos – parte 1

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Algumas pessoas são bem autorais. Elas criam frases de impacto por onde passam e facilitam a comunicação, ajudam a materializar uma ideia ou a fazer um conceito “pegar”. Em segurança dos alimentos não seria diferente.

Aqui no Food Safety Brazil fizemos uma chamada pelo post Sua frase de impacto poderá estar no Food Safety Brazil e compartilho a primeira parte do resultado da nossa curadoria:

“Investir em segurança dos alimentos custa dinheiro, mas não investir custa geralmente muitos mais, seja pelos riscos, custos de não qualidade, processos judiciais ou perda de imagem.” Marco Túlio Bertolino

 

“Se você propaga que segurança dos alimentos é um requisito, será um requisito. Se você propaga que segurança dos alimentos é um propósito, será um propósito.” André Pontes

 

“Oferecer alimentos de qualidade e seguros não são apenas metas a serem alcançadas, mas sim um compromisso com a saúde e o bem-estar dos consumidores.” Daiane Carrett

 

“Sua saúde começa pela segurança dos alimentos.” Leonardo Evangelista Antunes Sodré
“Garantir a segurança dos alimentos do campo à mesa vai além das normas, educação, cultura e saúde. Salva vidas!” Claudia Gaeski

 

 

 

 

 

E você, tem uma frase de impacto em segurança dos alimentos?

Imagem em destaque: foto de Andrea Piacquadio no Pexels

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“Também errei como consumidora”, diz Doralice Goes, vítima de botulismo

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Hoje é dia de conversar com a Doralice Goes, que sobreviveu e ainda se recupera de botulismo. Ela esteve internada durante todo o ano de 2022.  Sua dura jornada de recuperação foi contada em detalhes aqui no Food Safety Brazil. Confira.

Tudo começou com o consumo de um molho pesto artesanal. Sentiu algo diferente quando provou o produto?

O sabor estava maravilhoso, não notei diferença no aspecto, sabor ou odor.

Até então você tinha preocupações em relação a conservas em vidro?

Por ironia, minha mãe morria de medo da doença botulismo e, por isso, nos criou fervendo o palmito (em conserva) por 15 minutos sempre – costume que carreguei para a vida. Ela faleceu em 2010 e não soube do meu caso. Mas o molho eu não fervi.

Como é  ficar paralisada dos pés à cabeça?

A mente completamente lúcida não para… a gente fica preocupado com tudo que ficou. Meus gatos, minhas contas para pagar, o site de vendas que eu tinha que estava no ar sem ter quem gerenciasse.

Qual foi o momento mais difícil da sua internação? (Saiba mais sobre a história aqui)

Quando fiquei em acidose depois de cinco dias decanulada. Estava há sete meses intubada na UTI. Logo que me retiraram dos aparelhos, tenho uma foto… esverdeada, inchada e feliz por sair daquela situação, porém a alegria não durou muito.  Tinha ficado duas semanas tentando manter a respiração ambiente no mínimo possível. Despreparada a voltar a respirar de forma autônoma, sem forças físicas ou motores, me senti muito mal, a fisioterapeuta queria me forçar a lutar pela minha independência. Porém a condição não foi acompanhada por exame de gasometria e teste de força. A oxigenação estava baixíssima e ninguém viu isso… no monitoramento oscilavam os parâmetros de gás carbônico e oxigênio.

Passei três dias delirando, vomitando sem parar e sem dormir. Achava que o médico estava tentando me matar e em uma das alucinações vi meu corpo sendo preparado para autópsia…. “Eu não morri”, eu dizia, segundo as minhas irmãs e as técnicas de enfermagem que cuidavam de mim. Eu repetia esta frase tanto nas horas de delírio, quanto de consciência. Me lembro de cada segundo destes 3 dias onde se misturavam realidade e delírio. Nunca perdi a noção de que estava na UTI daquele hospital em Brasília. Vi pessoas se despedindo de mim, chorando pela minha morte.

Os médicos não sabiam o que eu tinha. A  minha irmã, que é pedagoga, é quem trouxe a hipótese que eu estava com acidose. A confirmação veio com exame de imagens e gasometria e fui reintubada às pressas.

Outro ponto decepcionante é que ninguém do meu trabalho veio me visitar durante toda a minha internação.

 

O que é ser uma sobrevivente do botulismo?

A minha psicóloga me perguntou outro dia o que o botulismo significa na minha vida. Ainda não sei a resposta. É um desafio diário e sei que não acabou. Da hora em que acordo até quando me deito penso no que aconteceu comigo.  Sinto dores diárias no trapézio, lombar, braço direito, lado onde estava a traqueostomia, e calcanhar ao caminhar. Quando saí do hospital estava com 41% de gordura, ou seja, obesidade mórbida, embora eu tivesse o mesmo peso, 70 kg. Meu corpo perdeu músculos que se transformaram em gordura. Não emagreci como acontece normalmente. Em casa nenhuma roupa me servia, passei 4 meses muito inchada. O botulismo não passou e não sei se vai passar um dia da minha vida.

Meu dia a dia mudou totalmente, eu vivia saindo para comer (risos).  Agora a rotina é a reabilitação,  acompanhamento multidisciplinar para a redução da dor, sessões com fisiatra e choques para redução da dor, liberação miofacial, além da fisioterapia e outras atividades diárias. Desrosquear uma embalagem de suco é difícil, não tenho força nas mãos. Há dúvidas se ainda terei sequelas que aparecerão só no futuro. Tenho uma dor no tórax que me acompanhou a UTI inteira e voltou no mês passado. Deu fibrose pulmonar, no raio x desta semana ficou comprovado. Minha carteira de motorista sairá como PCD.

O botulismo arrasou com o meu corpo quando passou por ele. Novas conexões cerebrais tiveram que ser construídas para que eu tivesse funções vitais.

Não choro ao lembrar, consigo falar sobre o assunto, me faz digerir aquilo tudo. Vejo que estou bem, é uma evolução diária e posso ajudar outras pessoas para conscientizar em vários níveis. Tenho feito contato com várias mídias, com Ministério da Saúde, autoridades. Não sei aonde vou chegar, mas isso virou uma missão, me motiva a viver,  compartilhar me ajuda a viver.

É maravilhoso voltar a morar com meus gatos, sair com amigos, “ter controle” de meus movimentos mesmo com limitações. Deixar aquela experiência de ficar trancada num hospital e trancada no meu corpo. Lidar com as consequências financeiras é o que mais me abala. Estou no Serasa, sou prática e esse é um problema maior para mim do que estar passando pela reabilitação.

Se pudesse voltar no tempo, eu acho que teria tido de novo, me sinto mais forte hoje. Minha vida passou a ter mais sentido e quero levar adiante a missão de divulgar o botulismo.

Como tem sido o diálogo com os envolvidos na causa do problema?

O fabricante me enviou ajuda psicológica por quatro sessões enquanto eu estava internada, mas nem consegui dar continuidade porque ainda sentia muita dor naquela fase. A  impossibilidade de me comunicar inviabilizava as sessões naquele momento. O foco ali era sobreviver, respirar. Depois enviaram um recado para a minha irmã que ele estava muito deprimido e consternado. A empresa foi fechada e pararam de trabalhar com alimentos. São palavras…não acredito que ele ficou mais deprimido do que eu. E todas as minhas dívidas? Não tive apoio neste sentido e estou com uma vaquinha aberta para poder custear um processo.

Também li dos organizadores da feira que chegaram a ficar em dúvida se mandariam uma cesta ou não de presente porque talvez eu não quisesse consumir… acho que teriam que ter mandado! Ficam dizendo o que pensaram que deveriam ter feito, e por que não fizeram? Muita fala, não fizeram nada.

Como é a sua relação com a comida hoje? Ainda consome artesanais?

Comi molho pesto ainda no hospital, mas minhas irmãs e médicos pararam de consumir. Tenho uma clareza que não é o produto em si, pois a contaminação está em tudo, no solo. Não é sobre banir, e sim sobre saber a procedência. Não adianta parar de comer um alimento se você pode pegar uma bactéria no ar.

Minha relação com a comida é a mesma, só que agora estou olhando validade, a procedência.

Fui a uma feira semana passada no shopping e me interessei por uma geleia de bacon. Parei para conversar com o produtor, e descobri que era tecnólogo de alimentos. E ele explicou como era o processo e como fervia os vidros. Filmei a validade. Fiquei mais tranquila e comprei.

Gosto da originalidade dos artesanais, das receitas de família. Outro dia provei caramelo belga, coisas que não sei se encontrarei em outro lugar.

Na feira original não voltei.

 Quais foram seus maiores aprendizados como consumidora de alimentos?

Aprendi que assumimos um risco ao comprarmos um alimento não industrial, sem procedência e sem rastreabilidade.  Para entrar com ação como consumidor e acionar empresas no Brasil, é necessário um CNPJ e um endereço para evoluir como responsabilidade civil. Se não houver, quem compra está assumindo as consequências de não ter a quem reclamar judicialmente se não tem uma sede, loja, subsede.

O fornecedor, quem coloca à disposição também responde subsidiariamente, como feiras e supermercados e podem ser acionados.

Para a prevenção do botulismo é uma cadeia produtiva… o produtor pode fazer o certo, mas se acontecer, a pessoa vai morrer na UTI ou antes porque os médicos não vão saber o que fazer. Os médicos também precisam estar cientes de que botulismo ocorre em nossos dias e estarem preparados para um atendimento de emergência nestes casos. Senão o paciente vai morrer sem a oportunidade de um diagnóstico, sem tomar o soro antibotulínico.

Eu também errei como consumidora, como não vi que comprei um produto sem data de validade? Eu tinha confiado no produtor por já ser cliente e nunca ter tido problema antes.

Qual a sua relação com outros sobreviventes?

Procuro me aproximar dos seis sobreviventes que identifiquei. Noto que eles têm vergonha de falar o que aconteceu, embora eu não entenda o porquê. Parece que querem apagar essa passagem da vida deles.

Convenci o Leo Abrantes, que consumiu salsicha de um X-tudo, a fazer uma live comigo.

Fonte da foto: Instagram

Outra que não tem receio de se abrir é a Tainny, do Rio de Janeiro. Ela é neurocientista e comeu uma pizza de palmito.

 

Fonte da imagem: Instagram.

A Rita Franco, que consumiu tofu em conserva, chegou a abrir a página Botulismo Alimentar.

Tem uma senhora, a Fran, que consumiu água de coco engarrafada no sacolão do bairro onde sempre comprava… e uma pessoa de São José do Rio Preto, que também consumiu o tofu em conserva. Essas pessoas não se expuseram ainda.

Você pretende escrever um livro sobre a sua história?

Sim, cumpri minha meta e comecei no dia 01 de julho! Me aguardem.

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