Inteligência emocional em auditorias de Segurança de Alimentos

6 min leitura

Auditorias não deveriam ser um processo tenso para os envolvidos. Porém, por mais que se tente evitar, isto pode ocorrer, entre outros motivos, porque o auditado, por mais que se diga o contrário, sente-se avaliado, e da mesma forma, o auditor sente-se pressionado.

As equipes multidisciplinares que desenvolveram e implementaram um SGSA (Sistema de Gestão em Segurança dos Alimentos), com todo esforço requerido para implantar BPF, para dar credibilidade técnica aos planos de HACCP, fazer validações de PCCs e PPROs, para criar uma cultura voltada à Segurança dos Alimentos, têm na auditoria um momento clímax de avaliação de seus trabalhos. Muito por isso, o apontamento de fragilidades ou de não conformidades gera frustrações, e aí confunde-se um resultado de caráter profissional com sentimentos pessoais.

E claro, por outro lado, os que não estão familiarizados em auditar talvez não imaginem, mas o auditor também sente-se sob pressão, uma vez que está fora da sua zona de conforto, numa empresa onde ele não conhece todos os “atores” envolvidos, não domina plenamente todos os processos e depende da cooperação de um grupo que pode não ser o mais simpático, atencioso e aberto. Além disso, ele tem muito pouco tempo para avaliar muita informação e sem a chance de errar, sabendo que tem que emitir um parecer conclusivo ao final da auditoria, e por isso, sabe que cada passo que dará estará sendo avaliado e cada frase que emitir estará sendo julgada.

Por isso, auditor e auditado estão num cenário que naturalmente pode ser um gerador de stress emocional, e sabemos que o ser humano exposto a tal situação fica no mínimo desconfortável, ou digamos, “à flor da pele”, e isso é capaz de alterar as emoções e de gerar reações que não seriam observadas numa situação cotidiana nas CNTP.

Somado a isto, tem-se o temperamento natural de cada um, e aqui podem então ser adicionadas as armadilhas e até mesmo as autossabotagens, o que cada um responde, a forma como responde, os gestos faciais, a entonação da voz, a simpatia e a antipatia entre os envolvidos, tudo são elementos que podem desencadear situações conflitantes.

Excesso de orgulho ou prepotência de ambos os lados podem ser fatais, por isso ambos devem acordar previamente a condução da auditoria em sua abertura, quando se expõem todas as regras que serão utilizadas na auditoria, incluindo escopo, critérios de definição de não conformidades, como será a condução, o que se pretende observar, o que se espera dos auditados, e sempre com tom de cordialidade profissional.

Comece bem o “relacionamento” neste momento

A regra geral, ou ideal, é que se evitem ao máximo emoções durante uma auditoria, emoções de qualquer tipo, o que é fácil falar, e, claro, difícil de pôr em prática, pois somos seres humanos e não um robô ou o senhor Spock, um alienígena Vulcano do seriado Star Trek, totalmente provido de lógica e com controle absoluto sobre suas emoções.

É evidente que sempre haverá algum fator emocional, mas temos que nos esforçar para seu controle e contenção, e até mesmo na linguagem oral e escrita devemos evitar emoções e o uso de adjetivos ou adjuntos adverbiais de intensidade ou palavras e expressões que denotem juízo de valor ou julgamento pessoal.

Qualquer informação a mais, especialmente acompanhada de exclamações ou com uso de hipérboles pode gerar muita confusão e contestação, pois não é incomum nas práticas de auditoria situações que configurem verdadeiros embates porque o auditor resolveu adjetivar constatações.

Lembre-se de que a linguagem do auditor é técnica e simples, do tipo “conforme” ou “não conforme”: a prática apresentada atende o requisito” ou “a prática apresentada não atende o requisito”.

Cuidado com excesso de expressões ou uma figuração muito teatral que possa ser mal interpretada, pois muitos dos problemas em auditorias são gerados não pelo que se fala, mas pela forma com que se fala.

Entre demonstrações de boas e más emoções, opte por emoção nenhuma. Mas o pior da emoção na auditoria é quando o auditor se deixa envolver com as constatações, faz caras e bocas, ficando irritado quando o auditado não sabe responder satisfatoriamente, quando a evidência demora para aparecer, ou quando a não conformidade é constatada.

Evite, portanto, palavras que gerem debates infrutíferos de juízo de valor ou emoção durante a auditoria

Por vezes, o auditor até não fica irritado, mas demonstra tristeza ou angústia, ou, ao contrário, deixa transparecer aquele sorriso de canto de boca de satisfação ao detectar uma não conformidade, o que é péssimo para todo o processo de auditoria, pois ele passa a transparecer como um “inimigo” que busca apontar problemas, e não um agregador que buscar avaliar um sistema de gestão.

Todas estas reações estão erradas ou na hora errada, afinal, o auditor não deve se envolver emocionalmente e muito menos deixar transparecer tais emoções. Um auditor profissional sabe que a emoção não faz parte da auditoria e que a conformidade e a não conformidade fazem parte da atividade rotineira, do processo natural de se auditar organizações.

Há inclusive casos piores que podem ser relatados como postura inadequada do auditor, brincadeiras fora de hora, piadinhas feitas com as próprias evidências ou com não conformidades, ironia com o auditado ou mesmo entonações que tem um viés de querer humilhar o auditado, menosprezar ou denegrir a organização auditada.

Concluindo, procure concentrar-se ao máximo, evite distrações, foque a parte técnica da auditoria: BPF, CIP, HACCP, Políticas de Vidros e Plásticos Rígidos, de alergênicos, calibrações, competências e treinamentos, elementos de gestão da norma que estiver sendo referenciada, etc.

Contudo, mesmo que o auditor tenha tomado todo o cuidado durante a fase de preparação para a auditoria, mesmo que se apresente de forma amistosa na reunião de abertura e adote uma postura colaborativa, por vezes, torna-se inevitável a situação de conflito durante uma auditoria.

O conflito pode ocorrer por diferentes motivos, desde questões de divergências simplesmente técnicas, até mesmo por questões do que chamamos de contra-auditoria, que é quando o auditado, por algum motivo, adota ações para atrasar, atrapalhar ou até mesmo impedir o bom andamento da auditoria.

Mesmo que declaradamente o auditado esteja praticando uma contra-auditoria, o auditor deve manter a postura profissional e o controle emocional e não reagir.

Nunca se esqueça de que você, como auditor, é um profissional desempenhando o seu trabalho e a outra pessoa sendo auditada também é. Portanto, não é uma questão de cunho pessoal, não encare desta forma, e como já dito anteriormente, e nunca é demais repetir, não se permita dominar pelas emoções.

A regra geral que você como auditor deve ter em mente é que nunca se deve reagir a uma provocação, ironia, contestação ou ataque de qualquer natureza

Em embates mais ferrenhos, uma saída diplomática caso ocorram situações em que a entrevista ou busca de evidência se tornar insustentável com uma pessoa sendo auditada, é o auditor optar por parar a entrevista e buscar o representante da empresa e/ou o auditor líder (se não for você) e comunicar sem emoção e de forma técnica o ocorrido. Nestes casos, muitas vezes, deve-se substituir o entrevistado/auditado por outro mais “colaborativo”. Mas há relatos em que os ânimos afloraram a ponto de uma auditoria precisar ser interrompida.

Jamais como auditor entre numa discussão, bata boca ou altere o tom de voz com o auditado.

Muito menos, fale algo que possa parecer de alguma forma um tom de ameaça quanto ao resultado da auditoria!

Lembre que auditorias devem se basear nos requisitos da norma auditada (FSSC 22000, BRC, IFS Food, SQF, etc), nas ações concretas efetuadas pelas empresas, nos planejamentos e medidas de controle elaborados e nas legislações sobre segurança de alimentos aplicáveis, mas nunca naquilo que o auditor “acha”, pois não cabem opiniões pessoais ou mesmo provenientes de experiências profissionais, cabe apenas a análise e julgamento se algo está conforme ou não conforme com os critérios adotados pela organização, escopo e referenciais normativos estabelecidos. Ter isso claro e sempre em mente evita uma série de problemas.

Se surgir alguma emoção, o que é natural, pois você não é o Spock, não se desespere, controle-se e sob nenhuma hipótese deixe transparecer ou permita que a mesma afete sua capacidade de julgamento, e baseado em fatos e dados, demonstre ao auditado as evidências que possui ou a lógica de suas constatações, sempre em tom calmo, tranquilo e explicativo.

Um bom auditor, ao adquirir competências para execução de suas atividades, não se prepara apenas tecnicamente, mas também emocionalmente. Ele desenvolve, portanto, a chamada inteligência emocional, para que assim possa ser assertivo e justo, fazendo auditorias completas, pertinentes e eficazes.

Se desejar ler um pouco mais sobre este tema, sugiro o artigo Dicas para que auditado e auditor se comportem como damas ou cavalheiros .

 

Referências:

  • BERTOLINO, M. T. & COUTO, Marcello. Sistemas de Gestão Integrados: ISO 9001 + ISO 14001 + ISO 45001, com foco em resultados, Ed. Qualitymark, 2018;
  • BERTOLINO, M. T. Gerenciamento da Qualidade na Indústria Alimentícia: Ênfase em Segurança dos Alimentos, Ed. ARTMED, 2010.

27 thoughts on

Inteligência emocional em auditorias de Segurança de Alimentos

  • Márcia

    Ótima matéria, quem é auditor sabe a pressão que é em não errar, ou passar um resultado que não reflete a realidade. Passou orientações maravilhosas.

  • João Paulo Ferreira

    Excelente Marco Túlio!! Controle Emocional durante as auditorias é fator crítico e decisivo para o bom andamento dos processos e relação de auditor e auditado. Muito grato por compartilhar!

  • Deraldina Ramos

    Excelente o artigo, muito rico!!! Tudo começa com o controle emocional… orientações muito bem colocadas, valeu a leitura!! Parabéns Marco

  • Alexandre Cardoso Vieira

    Parabéns pela excelente matéria, pois, muitas pessoas olham uma auditoria com medo do que vem pela frente. Isso se tornou costume dentro das empresas.

    • Marco Túlio Bertolino

      É possível medir a maturidade de um sistema de gestão pela forma que uma empresa recebe uma auditoria, quanto mais maduro o sistema, mais natural é este processo, sem alvoroço e sem atividade de “preparação prévia”.

  • David Rocha

    Excelente artigo, Professor. Inteligência emocional é realmente muito importante na atmosfera de uma auditoria.

  • Valquiria

    Parabéns, excelente! Trabalho com dois lados da moeda como auditora e auditado e é exatamante isso.

    • Marco Túlio Bertolino

      Me lembrou uma frase de um amigo, para conhecer a banda tem que ouvir os dois lados do vinil.

  • Fabiana

    Adorei!! Vou compartilhar com minha equipe!!

  • Roberto Tahan

    Magnifico artigo. Parabéns. Fácil de ler. Comunicativo.

  • Tatiana Aleshinsky

    Nunca havia pensado em uma auditoria como um momento emocional.
    Tanto auditada como auditando já cometi erros mencionados no artigo e agora ficaram nítidos.
    Mais um aprendizado importante.
    Obrigada, Marco Túlio

    • Marco Túlio Bertolino

      É um momento de alta tensão emocional…rs… há em jogo vaidades, medo, em alguns momentos raiva… somos humanos e a emoção é uma característica nossa, mas na auditoria, temos que controlar isso tudo!!

  • Suzana Ebrahim Wanderley

    Mesmo que latente, o emocional sempre estará presente. O fato é que precisa ser controlado para que auditor e auditado desempenhem suas funções de forma produtiva para a empresa em questão.

  • Fernanda Fonsêca Aguiar de Almeida

    Muito importante esse tema de controle emocional em auditorias, tanto para auditados quanto para auditores. Ambos devem estar bem preparados também tecnicamente para seguir a risca os pontos da auditoria, pois na minha opinião, isso também pode diminuir essa tensão tendo assim um maior controle emocional.

  • Andrea Moreira

    Perfeito!

  • Izabel Nataly F. de França Silva

    Inteligencia emocional é um tema que é muito relevante, principalmente quando trata-se tanto de auditor quanto de auditado, pois como foi citado no texto ambos sofrem pressão e podem perder o controle emocional.
    Foi bem interessante a citação de que até mesmo caras e bocas feitas em algum momento pode gerar situações desconfortáveis.

  • Wêdja Lucena

    Inteligência emocional, de ambas as partes, é fundamental para que o ambiente seja amistoso..

    Aí receber desaprovação, é natural que todo ser humano se retraia. Mas tudo.depende da.forma como as abordagens são feitas.

    Já ouvi frases de auditores, em momentos fora da auditoria, que sentiam prazer em encontrar não conformidades, complementando que não faziam de togados em “complicar a vida do auditado”.
    Por isso, jamais imaginei que os auditores se sentiam pressionandos, mas esse artigo veio para dismistificar a. Minha ideia

  • Aline Raaby

    Excelente matéria, é uma pressão enorme ser auditado, ainda mais quando muitas vezes temos a sensação de que o auditor adora encontrar as não conformidades, realmente é muito difícil ter inteligência emocional mas super necessário, obrigada pelas dicas!

  • Lidiane

    Esse tema de extrema importância para o bom andamento do processo de auditoria e gestão de pessoas, dificilmente vemos tanta clareza com relação a estes pontos, muitas vezes tanto a equipe quanto o auditor não estão preparados para o processo de auditoria, precisamos falar mais sobre o assunto e gestão de pessoas, inteligência emocional, neurolinguística, etc.
    Muitas vezes os profissionais não estão preparados para lidar com gestão de equipes, conflitos de interesses e todas as dificuldades provenientes gestão de pessoas o que resulta em inteligência emocional ou a falta dela.

  • Andrea Martins

    Realmente buscamos PASSAR por auditoria, e não SOFRER auditoria, é um desafio enorme. Acredito que é importante estar bem preparado e estudar bem a norma que está sendo auditado. E a máxima da ética volta aqui, se colocar no lugar do outro para um momento de auditoria em harmonia. É dificil para os dois lados.
    Muito Obrigada pela Excelente reflexão de apresentar os dois lados para os dois lados.

  • Matheus Ricarte Ferreira

    Muito bom! Sou um auditor interno e esse artigo tem muito à agregar. Cabeça fria sempre!

    • Marco Túlio Bertolino

      Opa, leva o artigo para os outros auditores!!

      • Bete Silva

        Após ler esse texto concluo que os auditores Além do conhecimento técnico, também deveriam ter conhecimentos sobre linguagem corporal, pois muito do que não se diz em palavras, é expressado por posturas corporais. É isso também pode prejudicar uma auditoria.

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