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Doença de Chagas em alerta: indícios de um possível surto na Bahia

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Nos últimos dias as notícias deram enfoque a um possível surto da doença de Chagas na Bahia. Não se sabe a origem das ocorrências, mas existe a possibilidade de ter havido transmissão oral. Exemplos clássicos de transmissão oral são por açaí e caldo de cana. Você pode acompanhar as notícias em: Surto na Bahia é alerta para transmissão da doença …  e Surto de transmissão da doença de Chagas deixa estado da Bahia em alerta.

Relembrando o conceito, a doença de Chagas é uma zoonose causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi. A infecção pode ocorrer pela transmissão vetorial, oral, transfusional, transplantar, vertical (ou congênita), acidental e oral. A transmissão por via oral ocorre quando há ingestão de alimentos contaminados por triatomíneo ou suas fezes e, também, por meio de ingestão de carne crua ou mal cozida provenientes de caça.

Atualmente existem grandes preocupações pela transmissão oral, principalmente na região Norte do Brasil, área mais afetada. Como embasamento legal, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) publicou a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 218/2005, que estabelece regulamentos técnicos para a manipulação higiênico-sanitária de alimentos e bebidas preparados com vegetais. O objetivo dessa regulamentação é promover a adoção de controles a fim de prevenir várias doenças transmitidas por alimentos, incluindo a doença de Chagas.

No Brasil, a transmissão oral tem predominado, sendo que de tempos em tempos há relatos de ocorrências. Isso acontece pela  precariedade  nos  métodos  de  controle  na  produção  de alguns alimentos, especialmente quando processados de forma artesanal.

A maioria dos indivíduos infectados com T. cruzi permanece com o parasito nos tecidos, órgãos e no sangue durante toda a vida. O tempo que os sintomas vão levar para começar a aparecer irá depender do modo de transmissão. No caso da transmissão oral, leva entre 3 a 22 dias.

São opções de prevenção para o caso de transmissão oral:

1.      Intensificar medidas de vigilância sanitária para controle na manipulação de alimentos;

2.      Investigação entomológica em casos suspeitos ou positivos de contaminação oral;

3.      A fonte de iluminação deve ser distante dos equipamentos de processamento de alimentos (evitar contaminação acidental de vetores atraídos pela luz);

4.      Realizar educação e capacitação da população e de profissionais que manipulam alimentos;

5.      Providenciar o cozimento dos alimentos acima de 45°C, a pasteurização ou a liofilização;

Como consumidores, é importante estarmos atentos à procedência dos alimentos que consumimos. Ao comprar alimentos artesanais, devemos nos informar sobre as condições de processamento e se os produtores possuem licenças sanitárias.

Imagem: Secretaria da Saúde do Paraná

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“Também errei como consumidora”, diz Doralice Goes, vítima de botulismo

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Hoje é dia de conversar com a Doralice Goes, que sobreviveu e ainda se recupera de botulismo. Ela esteve internada durante todo o ano de 2022.  Sua dura jornada de recuperação foi contada em detalhes aqui no Food Safety Brazil. Confira.

Tudo começou com o consumo de um molho pesto artesanal. Sentiu algo diferente quando provou o produto?

O sabor estava maravilhoso, não notei diferença no aspecto, sabor ou odor.

Até então você tinha preocupações em relação a conservas em vidro?

Por ironia, minha mãe morria de medo da doença botulismo e, por isso, nos criou fervendo o palmito (em conserva) por 15 minutos sempre – costume que carreguei para a vida. Ela faleceu em 2010 e não soube do meu caso. Mas o molho eu não fervi.

Como é  ficar paralisada dos pés à cabeça?

A mente completamente lúcida não para… a gente fica preocupado com tudo que ficou. Meus gatos, minhas contas para pagar, o site de vendas que eu tinha que estava no ar sem ter quem gerenciasse.

Qual foi o momento mais difícil da sua internação? (Saiba mais sobre a história aqui)

Quando fiquei em acidose depois de cinco dias decanulada. Estava há sete meses intubada na UTI. Logo que me retiraram dos aparelhos, tenho uma foto… esverdeada, inchada e feliz por sair daquela situação, porém a alegria não durou muito.  Tinha ficado duas semanas tentando manter a respiração ambiente no mínimo possível. Despreparada a voltar a respirar de forma autônoma, sem forças físicas ou motores, me senti muito mal, a fisioterapeuta queria me forçar a lutar pela minha independência. Porém a condição não foi acompanhada por exame de gasometria e teste de força. A oxigenação estava baixíssima e ninguém viu isso… no monitoramento oscilavam os parâmetros de gás carbônico e oxigênio.

Passei três dias delirando, vomitando sem parar e sem dormir. Achava que o médico estava tentando me matar e em uma das alucinações vi meu corpo sendo preparado para autópsia…. “Eu não morri”, eu dizia, segundo as minhas irmãs e as técnicas de enfermagem que cuidavam de mim. Eu repetia esta frase tanto nas horas de delírio, quanto de consciência. Me lembro de cada segundo destes 3 dias onde se misturavam realidade e delírio. Nunca perdi a noção de que estava na UTI daquele hospital em Brasília. Vi pessoas se despedindo de mim, chorando pela minha morte.

Os médicos não sabiam o que eu tinha. A  minha irmã, que é pedagoga, é quem trouxe a hipótese que eu estava com acidose. A confirmação veio com exame de imagens e gasometria e fui reintubada às pressas.

Outro ponto decepcionante é que ninguém do meu trabalho veio me visitar durante toda a minha internação.

 

O que é ser uma sobrevivente do botulismo?

A minha psicóloga me perguntou outro dia o que o botulismo significa na minha vida. Ainda não sei a resposta. É um desafio diário e sei que não acabou. Da hora em que acordo até quando me deito penso no que aconteceu comigo.  Sinto dores diárias no trapézio, lombar, braço direito, lado onde estava a traqueostomia, e calcanhar ao caminhar. Quando saí do hospital estava com 41% de gordura, ou seja, obesidade mórbida, embora eu tivesse o mesmo peso, 70 kg. Meu corpo perdeu músculos que se transformaram em gordura. Não emagreci como acontece normalmente. Em casa nenhuma roupa me servia, passei 4 meses muito inchada. O botulismo não passou e não sei se vai passar um dia da minha vida.

Meu dia a dia mudou totalmente, eu vivia saindo para comer (risos).  Agora a rotina é a reabilitação,  acompanhamento multidisciplinar para a redução da dor, sessões com fisiatra e choques para redução da dor, liberação miofacial, além da fisioterapia e outras atividades diárias. Desrosquear uma embalagem de suco é difícil, não tenho força nas mãos. Há dúvidas se ainda terei sequelas que aparecerão só no futuro. Tenho uma dor no tórax que me acompanhou a UTI inteira e voltou no mês passado. Deu fibrose pulmonar, no raio x desta semana ficou comprovado. Minha carteira de motorista sairá como PCD.

O botulismo arrasou com o meu corpo quando passou por ele. Novas conexões cerebrais tiveram que ser construídas para que eu tivesse funções vitais.

Não choro ao lembrar, consigo falar sobre o assunto, me faz digerir aquilo tudo. Vejo que estou bem, é uma evolução diária e posso ajudar outras pessoas para conscientizar em vários níveis. Tenho feito contato com várias mídias, com Ministério da Saúde, autoridades. Não sei aonde vou chegar, mas isso virou uma missão, me motiva a viver,  compartilhar me ajuda a viver.

É maravilhoso voltar a morar com meus gatos, sair com amigos, “ter controle” de meus movimentos mesmo com limitações. Deixar aquela experiência de ficar trancada num hospital e trancada no meu corpo. Lidar com as consequências financeiras é o que mais me abala. Estou no Serasa, sou prática e esse é um problema maior para mim do que estar passando pela reabilitação.

Se pudesse voltar no tempo, eu acho que teria tido de novo, me sinto mais forte hoje. Minha vida passou a ter mais sentido e quero levar adiante a missão de divulgar o botulismo.

Como tem sido o diálogo com os envolvidos na causa do problema?

O fabricante me enviou ajuda psicológica por quatro sessões enquanto eu estava internada, mas nem consegui dar continuidade porque ainda sentia muita dor naquela fase. A  impossibilidade de me comunicar inviabilizava as sessões naquele momento. O foco ali era sobreviver, respirar. Depois enviaram um recado para a minha irmã que ele estava muito deprimido e consternado. A empresa foi fechada e pararam de trabalhar com alimentos. São palavras…não acredito que ele ficou mais deprimido do que eu. E todas as minhas dívidas? Não tive apoio neste sentido e estou com uma vaquinha aberta para poder custear um processo.

Também li dos organizadores da feira que chegaram a ficar em dúvida se mandariam uma cesta ou não de presente porque talvez eu não quisesse consumir… acho que teriam que ter mandado! Ficam dizendo o que pensaram que deveriam ter feito, e por que não fizeram? Muita fala, não fizeram nada.

Como é a sua relação com a comida hoje? Ainda consome artesanais?

Comi molho pesto ainda no hospital, mas minhas irmãs e médicos pararam de consumir. Tenho uma clareza que não é o produto em si, pois a contaminação está em tudo, no solo. Não é sobre banir, e sim sobre saber a procedência. Não adianta parar de comer um alimento se você pode pegar uma bactéria no ar.

Minha relação com a comida é a mesma, só que agora estou olhando validade, a procedência.

Fui a uma feira semana passada no shopping e me interessei por uma geleia de bacon. Parei para conversar com o produtor, e descobri que era tecnólogo de alimentos. E ele explicou como era o processo e como fervia os vidros. Filmei a validade. Fiquei mais tranquila e comprei.

Gosto da originalidade dos artesanais, das receitas de família. Outro dia provei caramelo belga, coisas que não sei se encontrarei em outro lugar.

Na feira original não voltei.

 Quais foram seus maiores aprendizados como consumidora de alimentos?

Aprendi que assumimos um risco ao comprarmos um alimento não industrial, sem procedência e sem rastreabilidade.  Para entrar com ação como consumidor e acionar empresas no Brasil, é necessário um CNPJ e um endereço para evoluir como responsabilidade civil. Se não houver, quem compra está assumindo as consequências de não ter a quem reclamar judicialmente se não tem uma sede, loja, subsede.

O fornecedor, quem coloca à disposição também responde subsidiariamente, como feiras e supermercados e podem ser acionados.

Para a prevenção do botulismo é uma cadeia produtiva… o produtor pode fazer o certo, mas se acontecer, a pessoa vai morrer na UTI ou antes porque os médicos não vão saber o que fazer. Os médicos também precisam estar cientes de que botulismo ocorre em nossos dias e estarem preparados para um atendimento de emergência nestes casos. Senão o paciente vai morrer sem a oportunidade de um diagnóstico, sem tomar o soro antibotulínico.

Eu também errei como consumidora, como não vi que comprei um produto sem data de validade? Eu tinha confiado no produtor por já ser cliente e nunca ter tido problema antes.

Qual a sua relação com outros sobreviventes?

Procuro me aproximar dos seis sobreviventes que identifiquei. Noto que eles têm vergonha de falar o que aconteceu, embora eu não entenda o porquê. Parece que querem apagar essa passagem da vida deles.

Convenci o Leo Abrantes, que consumiu salsicha de um X-tudo, a fazer uma live comigo.

Fonte da foto: Instagram

Outra que não tem receio de se abrir é a Tainny, do Rio de Janeiro. Ela é neurocientista e comeu uma pizza de palmito.

 

Fonte da imagem: Instagram.

A Rita Franco, que consumiu tofu em conserva, chegou a abrir a página Botulismo Alimentar.

Tem uma senhora, a Fran, que consumiu água de coco engarrafada no sacolão do bairro onde sempre comprava… e uma pessoa de São José do Rio Preto, que também consumiu o tofu em conserva. Essas pessoas não se expuseram ainda.

Você pretende escrever um livro sobre a sua história?

Sim, cumpri minha meta e comecei no dia 01 de julho! Me aguardem.

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Molho pesto artesanal causou tetraplegia por botulismo em Brasília

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Tomate, amêndoas, alho, manjericão, azeite e sal. Tudo isso num frasco de vidro fechado a vácuo, ou seja, numa condição favorável para crescimento de microrganismos que dispensam o oxigênio para se multiplicarem, como o Clostridium botulinum. Este molho pesto artesanal causou tetraplegia flácida, num drama contado em detalhes no post Sobrevivente de botulismo conta sua história de superação e sequelas, sobre Doralice Goes, de 46 anos.

A embalagem estava lacrada e foi aberta no momento do consumo. Foram consumidas apenas 3 colheres de sopa desse molho, acompanhadas de torradas e vinho, num domingo à noite. A segunda-feira foi um dia normal. Na terça, ela foi para a ginástica pela manhã e no final, mais ou menos às 11 horas, sentiu fraqueza e taquicardia. Mesmo assim, seguiu para o seu trabalho. No caminho, já sentia as mãos e pés formigando. Por volta das 15h, as colegas de trabalho de Dora perceberam que ela estava falando “com a língua enrolada” a ponto de não ser compreendida e  então foi dirigindo sozinha ao hospital, chegando lá às 17h. Logo ao estacionar, notou que não conseguia mais caminhar normalmente e foi se apoiando nos carros estacionados até a entrada. Trinta minutos depois ocorreu a parada respiratória, paralisia total (tetraplegia) e ela precisou ser intubada. Dali iniciou sua jornada de internação e recuperação que durou todo o resto do ano de 2022.

No segundo dia de internação, um jovem neurologista conseguiu fazer o diagnóstico do botulismo, doença rara e com sintomas que causam fácil confusão. A midríase (pupila completamente dilatada), consciência plena e paralisia flácida fechavam o quadro.

O parecer médico fez o hospital acionar a Vigilância Sanitária do Centro Oeste e esta disponibilizou o soro antibotulínico para administração imediata. Houve uma diligência à casa da vítima para perícia da “cena do crime”, a geladeira. As amostras recolhidas foram o molho pesto ingerido, mel, salmão defumado artesanal e um atum que seria de um dos gatos de Dora.

Foram longos 60 dias de espera para ter o resultado divulgado pelo Laboratório Adolfo Lutz, em São Paulo. As análises (veja na imagem abaixo) confirmaram que a única amostra implicada foi de fato o molho pesto. A toxina botulínica identificada foi a de tipo A.

As toxinas do C. botulinum agem nas membranas pré-sinápticas das junções neuromusculares, bloqueando a liberação da acetilcolina e a transmissão do impulso para a contração muscular.

Laudo do Instituto Adolfo Lutz, único laboratório no Brasil que realiza o bioensaio para toxina botulínica  em camundongos

A origem do produto

Apreciadora de alimentos artesanais, Dora sempre frequentou a Feira da Praça 13, em Brasília, cujo slogan é “compre de quem faz”.  Especializada em produtos artesanais e orgânicos, oferece uma diversidade de produtos in natura e processados, de origem animal e vegetal.

O frasco de vidro não tinha data de validade ou informações de rastreabilidade, fato que não era percebido pela consumidora, que já era compradora assídua. A única informação na rotulagem sobre cuidados de segurança de alimentos era “Após aberto, consumir em até 3 dias”. Depois ela descobriu que tinha sido produzido perto do Natal, ou seja, tinha pouco menos de um mês de vida, à temperatura ambiente.

O local de fabricação do produto foi inspecionado após a confirmação do teste positivo: era a cozinha da residência do fornecedor. Parte dos frascos era de reaproveitamento. Maiores detalhes não puderam ser compartilhados pela vítima que colaborou com este post, uma vez que há ações da Vigilância do Centro-Oeste que ocorrem em sigilo.

Dora sabe por terceiros que o fabricante ficou muito abalado com a notícia e providenciou assistência psicológica a ela por quatro sessões enquanto hospitalizada. Desde dezembro, ele tirou a página do ar e disse ter parado de produzir alimentos e encerrado a empresa. O advogado da vítima descobriu que foi aberta uma outra empresa com novo CNPJ em outro segmento.

Em relação à feira, fiz contato com um dos curadores, que preferiu não se identificar. O retorno foi que os produtores são independentes, não são ligados aos organizadores, sendo cada um responsável pelo que manipula. A feira possui Alvará e é fiscalizada. Segundo informação do contato, “alguns produtores têm Alvará Sanitário e algumas categorias que são liberadas por lei não têm” (sic).

Depois do incidente, a Vigilância Sanitária local promoveu treinamento com os produtores. Uma cartilha de BPF foi também distribuída e a organização disse estar à disposição para outras iniciativas preventivas. Dora também ganhou um exemplar da cartilha.

Era um risco previsível

A combinação de matéria-prima vegetal, que pode conter esporos de C. botulinum, embalagem com baixo teor de oxigênio, tratamento térmico suave e não controle da acidificação é uma equação potencialmente fatal bastante conhecida na engenharia de alimentos. A previsibilidade do risco de botulismo nestas condições é o motivo da existência de leis e práticas preventivas de controle de processo deste tipo de alimento no Brasil e no mundo.

Não se trata de forma particular de “culpar” uma ou outra matéria-prima ou método de fabricação. Há muitas décadas esses riscos são conhecidos e há tecnologias muito eficazes para seu controle – desde que os fabricantes tenham ciência e recursos para agir. O “segredo” é fazer um tratamento térmico e uma acidificação controlados para impedir a sobrevivência de células e a germinação de esporos e, consequente, a produção de toxinas. Os recursos para executar este controle podem ser incompatíveis com a realidade de uma produção artesanal, que em muitos casos, na verdade, são caseiras (entenda-se: feitas numa cozinha residencial, e do ponto de vista legal, informais).

Em 2014. nos EUA, houve um surto relatado pelo CDC envolvendo duas jovens que consumiram molho pesto da mesma lata. Ou seja, também um alimento envasado em anaerobiose,  comparável ao vidro do molho de Brasília, que causou tetraplegia. Um escritório de advocacia americano que acompanhou o caso levantou pontos importantes para ajudar a analisar o caso do Brasil:

– Os produtos eram manipulados na cozinha da casa dos proprietários, sendo vendidos no “stand” da fazenda e em locais não registrados

– Os produtos eram de baixa acidez

– Ingredientes: dentes de alho crus e sal moídos eram usados no processador de alimentos. Folhas frescas de manjericão e azeite eram  adicionados e depois misturados com pinoli e queijo parmesão.

– Os ingredientes eram processados em pequenos lotes e adicionados a uma panela grande devido ao tamanho limitado do processador de alimentos. O começo do lote poderia ficar parado por até uma hora em temperatura ambiente antes de ser colocado nos frascos.

– Novos frascos eram limpos colocando-os em uma máquina de lavar louça doméstica no ciclo quente com detergente e alvejante. Os frascos eram então enchidos com água e colocados no micro-ondas até à fervura. As tampas eram mantidas em água quente até o uso.

-Os ingredientes foram misturados sem aquecimento para formar um molho e depois colocados em potes quentes. As tampas foram aplicadas e os frascos foram colocados em uma unidade de enlatamento em banho-maria.

– A água na unidade de enlatamento foi fervida e o produto foi aquecido. Não foi utilizado termômetro. Os frascos foram deixados para esfriar, a vedação ao redor da tampa foi verificada e o produto foi rotulado para distribuição.

-O rótulo não incluía uma declaração completa de ingredientes, código de lote, data de validade nem uma declaração “Perecível, manter refrigerado”.

– O pH era de 5,3 e a atividade de água foi de 0,965.

– O produto testou positivo para toxina botulínica tipo B

– Outros produtos do mesmo lote foram testados e deram negativo

– O relatório concluiu que o produto foi produzido em “condições inseguras em cozinha residencial”.

Por que os surtos por C. botulinum são tão pontuais, a ponto de num mesmo lote não haver outras embalagens positivas ou outras vítimas?

Segundo o engenheiro de alimentos Marcio Scucuglia, especialista em processos térmicos, “existe uma combinação de fatores necessários para disparar um surto, com destaque à própria quantidade do microrganismo (dependente da qualidade de matéria-prima e do seu manuseio), processo envolvido (manuseio, tempo entre processamento, processo térmico) e as condições do produto entre o preparo e o consumo (tempo e temperatura, anaerobiose)”.

Ele também pondera que como nem sempre é possível controlar as condições de manutenção e uso do alimento pelo consumidor após sair da fábrica. A tecnologia de conservas baseia-se na identificação e mitigação dos riscos, assegurando o desenho e controle dos processos térmicos inerentes à esterilidade comercial suportado pela garantia da qualidade (matéria-prima, limpeza e desinfecção, Procedimentos Operacionais Padronizados, treinamento).

Controles e legislação

Alimentos não refrigerados que são embalados em frascos hermeticamente fechados com pH maior que 4,6 e atividade de água acima de 0,85 correm o risco de favorecer a formação da toxina C. botulinum e devem ser fabricados de acordo com legislações específicas.

No estado de São Paulo há a Portaria 130/2020, que estabelece os requisitos essenciais de Boas Práticas de Fabricação (BPF) para alimentos de origem vegetal fabricados sob a forma artesanal, no âmbito do Estado de São Paulo.

Entre vários requisitos, é obrigatório implementar Procedimentos Operacionais Padronizados para higienização dos vegetais, tratamento térmico, acidificação (com medição de pH), manutenção preventiva.

A grande reflexão é se o fabricante do molho tinha conhecimentos e recursos (termômetro, pHmetro) e seguia os procedimentos acima. Ainda mais considerando que a legislação não é aplicável ao Distrito Federal e, portanto, seria só uma “inspiração” para as práticas adequadas.

Em nível nacional, contamos com a RDC Nº 726/22, que dispõe sobre os requisitos sanitários dos cogumelos comestíveis, dos produtos de frutas e dos produtos de vegetais.  Ela determina que o palmito em conserva e os produtos de vegetais não esterilizados com líquido de cobertura acidificado devem atender ao limite máximo de pH de 4,5.

Assim, para a prevenção de casos trágicos como o da sobrevivente Doralice, pessoalmente acredito que algumas perguntas a serem feitas por quem se aventura a se tornar um novo fabricante de produtos caseiros/artesanais de alto risco como conservas vegetais e temperos são:  estou disposto a estudar leis e normas e me tornar capaz de atender os requisitos técnicos de segurança dos alimentos? Terei recursos para aplicar as melhores práticas de manipulação? Farei estudos de prazo de validade? Caso conclua que seguir as legislações seja “muito pesado para um pequeno produtor, e ainda uma burocracia”, o empreendedor deve repensar se não seria melhor a migração do negócio para outro segmento que não impacte a saúde e as vidas humanas.

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Sobrevivente de botulismo conta sua história de superação e sequelas

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Dois dedos do pé direito. Durante três meses estas foram as únicas partes do corpo da sobrevivente de botulismo,  Doralice Goes,  que se movimentavam sutilmente e com muito esforço, e permitiam a comunicação dela por “alfabeto” entre os médicos e sua irmã, precisando de horas para formar uma frase.

A conquista seguinte, após 3 meses, foi abrir os olhos. Sobrevivente que superou muitas adversidades, ela contraiu botulismo em 23 de janeiro de 2022 e passou 10 meses em uma UTI.

Mesmo sem poder movimentar um músculo, ela podia ouvir tudo que acontecia ao seu redor, e tinha as sensações táteis todas preservadas no leito, como dores, frio, coceira, dormências… sem poder falar ou reagir. Sentia o toque das pessoas. Também passou pelo desespero de ouvir médicos e especialistas ao seu redor não saberem o que ela tinha e até julgando que estava inconsciente.

Por nove meses ela respirou por traqueostomia e enfrentou as muitas complicações de um corpo imóvel. Até evacuar era um desafio, requerendo injeções dolorosas de neostigmina nas pernas por seis dias seguidos para estímulo dos movimentos peristálticos.

Ela teve infecção hospitalar por bactéria resistente, KPC, Klebsiella Pneumoniae Carbapenemas, ficando completamente isolada. O quarto passou a ser identificado com uma faixa vermelha no piso e então se tornou uma “barreira sanitária”, pois todos da equipe médica e os visitantes tinham que se paramentar e desparamentar para estar em contato com a paciente. Durante os dois primeiros meses ela passou por  nove plasmaferese (pois este é o tratamento para Síndrome de Guillian Barré) e quatro transfusões de sangue. A conduta médica só mudou quando saiu o laudo confirmando a presença de toxina botulínica.

Aos sete meses de internação, houve uma tentativa de liberá-la dos respiradores, o que foi uma decisão precoce, pois teve três dias de vômitos, alucinações e insônia por acidose ácida e foi intubada novamente.

As dores das cãibras, que eram resposta à retomada de movimentos, não passavam com o uso de morfina. A sonda GTT que a alimentava chegou a vazar internamente, causando uma infecção que parou seus rins.  Foram dois meses e meio de hemodiálise.

Ainda adquiriu Covid-19 e realizou drenagem nos pulmões.

Hoje, aos 46 anos, ela tem catarata e precisa operá-la, cirurgia não coberta pelo seu plano de saúde. Não se sabe se esta foi causada pelo longo período de uso de corticóides ou por conta do botulismo.

Em um segundo hospital, com sessões de fisioterapia diárias ela foi recobrando os movimentos, a começar pelo pescoço. Durante a UTI a paralisia foi classificada como aguda de quatro membros. Atualmente tem os membros inferiores afetados por uma lesão axonal crônica, que a leva a uma condição de PNE para voltar a dirigir.

Para se colocar em pé novamente foram necessários nove meses como ilustra a imagem deste post, acima.

Doralice em sessão de hemodiálise

Perdas além da saúde física

No último eletroneuromiograma foi evidenciado que ela ainda possui neuropatia axonal crônica. Isso significa que perdeu neurônios e teve que fazer novas conexões. Na prática ela está “conquistando” a tetraparesia, ou seja, apesar da fraqueza, dores e formigamentos por todo o corpo, retoma, com esforço, a capacidade dos movimentos.

Afastada de seu trabalho como servidora pública e técnica do TJDFT, a vida de Dora é se reabilitar, e realizar palestras motivacionais e de conscientização sobre botulismo. Sua rotina intensa inclui fisioterapia motora e pulmonar, clínica da dor com fisiatra (que inclui agulhamento seco, máquinas de choque, analgesia, laser, dentre outros), atendimentos para liberação miofascial, canoagem e natação adaptada, além de Pilates.  Tem acompanhamento psicológico semanal. Por conta de seu quadro, diariamente toma uma lista de medicamentos. Visualizando o longo prazo, a advogada optou por não requerer aposentadoria por invalidez e usufruir do direito de afastamento.

Doralice deve mais de R$ 400.000,00 ao plano de saúde, por coparticipação. Também um boleto que ficou em aberto no período de internação, da ordem de dois mil reais iniciais, “cresceu” e está em mais de R$ 38 mil, sem negociação com o banco. Há dias em que não tem recursos para pegar o Uber ou renovar o plano de uma das suas atividades de reabilitação. As dívidas só crescem, pois boa parte das atividades são particulares.

O site de vendas online que possuía não está mais ativo.

O processo judicial para reparações perante o fabricante, como sabemos, é lento e custoso. Então ela abriu uma vaquinha virtual para recuperar estas e outras despesas.

https://www.vakinha.com.br/vaquinha/prejuizos-do-botulismo-alimentar

Tratar do tema do desgaste emocional é uma tarefa bastante limitada aqui nesta publicação, devido à sua abrangência e complexidade.

Diagnóstico difícil

Entre o horário de consumo do alimento contaminado e os primeiros sintomas foram aproximadamente 36 horas. Começou com cansaço extremo após um treino da academia.  Foi trabalhar sentindo as mãos e pés formigando. No meio da tarde as colegas de trabalho de Dora perceberam que a servidora estava falando “com a língua enrolada” a ponto de não ser compreendida e ela então foi dirigindo, sozinha, ao hospital. Ao chegar lá, notou que não conseguia mais caminhar normalmente e foi se escorando nos carros do estacionamento até a porta. O caso foi tratado como AVC e ela prontamente encaminhada para uma tomografia. Durante o exame, teve crise de vômito e parada respiratória, sendo intubada e iniciando a paralisia total.

Confusos, os médicos começaram a trabalhar hipóteses como AVC de tronco, ou uma expressão grave da Síndrome de Guillian Barré, associada com dengue e chicungunha. Também cogitaram reação vacinal. Por ser uma doença rara e ter sintomas comuns a outras enfermidades, os médicos se atêm em um primeiro momento a doenças mais prevalentes, o que dificulta o diagnóstico e ação rápida.

Foi só no segundo dia de internação, que um jovem neurologista, ao avaliar suas pupilas dilatadas e ao perceber que estava consciente, fechou o diagnóstico de botulismo. Como Dora mora na Capital Federal, o soro, que é armazenado no Centro de Vigilância Epidemiológica, chegou a tempo de impedir a parada cardíaca.

Ela conhece mais sobreviventes, que também relatam que ao chegar ao hospital não tiveram o diagnóstico inicial correto. Em um caso, um jovem foi diagnosticado com sinusite e solicitado que retornasse para casa, parando de respirar ainda no caminho, mas houve tempo de ser socorrido. Em outro, os sintomas foram associados ao consumo de drogas.

Nesta imagem está a caixinha cinza com o soro antibotulínico que salvou a vida de Dora

Quer saber mais detalhes sobre o caso? A série continua aqui: Molho pesto artesanal causou tetraplegia por botulismo em Brasília 

Aqui abordamos a contaminação, o processo investigativo e o alimento implicado.

Para contratar a Doralice para ministrar palestras em empresas, escreva para palestrabotulismo@gmail.com

Todas as imagens deste post foram enviadas e autorizadas por Doralice Goes.

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Por que o início da limpeza CIP é importante?

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Normalmente imaginamos que o início da limpeza CIP é o enxágue inicial ou pré-enxágue, mas há uma etapa antes dessa. É a recuperação ou remoção de sólidos, que pode ter duas conotações:

  • A recuperação de sólidos do produto, até o ponto em que a interface produto/água não afete a qualidade do produto. Em alguns casos, a mistura de água com resíduos sólidos não pode ser recuperada e é encaminhada para sistemas de filtração ou destinada para ração animal.
  • Alguns resíduos de incrustações podem ser retirados dos equipamentos. Essa etapa é importante para que os resíduos sejam aproveitados como subprodutos ou encaminhados para ração animal.

Essas práticas podem ajudar na economia de água e redução de efluentes a serem tratados, gerando maior lucratividade da indústria.

Em algumas situações, esse início tem sido negligenciado e com isso há sobrecarga de sólidos na fase de pré-enxágue. Segundo uma ótica equivocada de economizar água e tempo, a etapa de pré-enxágue também nem sempre retira todos os resíduos, gerando a redução da eficácia da limpeza alcalina. Os problemas são:

  • Limpeza ineficaz
  • Redeposição de sujidades nas superfícies limpas
  • Contaminação microbiana carreada
  • Formação de biofilmes

Contudo, a ineficácia é causada pelo excesso de resíduos sólidos que satura as soluções de limpeza e impede que a solução aja sobre a superfície propriamente dita. Isto pode ser agravado quando o grau de resíduos é tão alto que causa a saturação da solução, gerando espuma e até gelatinização.

Fig.1 -Exemplo de solução saturada e gelatinizada

Os processos de limpeza CIP com apenas limpeza alcalina deveriam ser realizados da seguinte forma:

Fig.2 – Etapas de limpeza até enxague da limpeza alcalina

  1. Recuperação e remoção de sólidos,
  2. Enxágue inicial, realizado até a remoção completa de resíduos visíveis utilizando a água recuperada do final do enxágue após a limpeza alcalina,
  3. Limpeza alcalina realizada com solução limpa ou com qualidade adequada, com parâmetros corretos de concentração, tempo, temperatura e vazão,
  4. Enxágue, realizado com água potável e dividido em 3 etapas
    1. Recuperação de soda – interface água e solução de limpeza
    2. Descarte de interface água e solução de limpeza para eliminação de sujidades e sólidos
    3. Recuperação de água com baixa concentração de solução de limpeza.

O EHEDG, por exemplo, sugere a troca das soluções ou monitoramento da qualidade da solução.

  1.  Troca da solução alcalina nas seguintes condições:
  • A cada 3 meses
  • 30 ciclos
  • Sujidades visíveis
  • Quando o tanque for drenado
  • Antes e após manutenção

b.  Monitoramento da qualidade pode ser feito através de:

  • Teor de carbonatos
  • Alcalinidade
  • Turbidez / teor de sólidos
  • DQO

Em suma, quanto mais limpa estiver a solução alcalina, melhor será a eficácia da limpeza e menor será o risco de contaminações microbiológicas e físicas, e isso depende do início da limpeza.

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Fagos como opção aos antibióticos frente à resistência microbiana

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A humanidade precisa urgentemente de opções para fazer frente à resistência microbiana aos antibióticos e uma saída pode ser a adoção de fagos.

Fagos ou bacteriófagos são vírus que de forma seletiva parasitam e destroem bactérias. A descoberta dos fagos antecede ao uso de antibióticos, porém pelo sucesso destes últimos, acabou ficando de lado em pesquisas e aplicações na medicina.

Existem algumas aplicações promissoras que vou apresentar aqui, mas antes vamos recordar a problemática que é a resistência microbiana aos antibióticos.

– Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), trata-se de uma das 10 principais ameaças à saúde global enfrentadas pela humanidade atualmente.

– Estimativas preveem 10 milhões de mortes anuais por resistência antimicrobiana até 2050. Em 2019, mais de 1,2 milhão de pessoas em todo o mundo morreram diretamente de resistência antimicrobiana (RAM) e outros 5 milhões morreram por causas correlacionadas.

– Mesmo quando as vidas não são perdidas, períodos mais longos de padecimento e desgaste do organismo, com possíveis sequelas, como amputação e falência de órgãos podem ser esperados. Tratamentos que seriam simples poderão ser bastante críticos.

– As causas definitivas do crescente aumento da resistência ainda são discutidas e pesquisadas, sendo que as referências apontam o uso terapêutico indiscriminado ou incorreto de antibióticos pela população, além das aplicações profiláticas e em prol da produtividade na produção de animais para consumo humano.  Contudo, depois da pandemia de Covid-19, quando o uso de antibióticos se intensificou, o problema parece ter se agravado. Infecções da corrente sanguínea devido à Escherichia coli e Salmonella spp. resistentes em 2021 aumentaram pelo menos 15% em comparação com as taxas em 2017.

A resistência antimicrobiana enfraquece a medicina moderna e coloca milhões de vidas em risco

Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS

No Brasil, recentemente uma estudante de 18 anos faleceu por infecção de S. aureus de uma cepa resistente através de acne (leia aqui a notícia).

Fatos e dados importantes sobre fagos

  • Locais historicamente estratégicos de identificação e isolamento de cepas de utilidade são currais, fezes, esgoto.
  • Em um dos mecanismos de atuação, à medida que os fagos se instalam, os fagos filhos se desenvolvem, enfraquecem a parede celular da bactéria e ela explode, liberando 100 a 200 novos fagos.
  • Considerando as bibliotecas internacionais de fagos, 20 cepas são capazes de combater mais de 90% das espécies bacterianas, quando testadas.
  • Um painel de teste de resistência microbiana pode ser realizado em 8 horas, utilizando essas 20 cepas em uma única placa.
  • Os fagos são muito específicos em relação aos tipos de bactérias que infectam. Isso é bom e ruim: por um lado, pode ser muito difícil encontrar um fago específico que terá como alvo a bactéria de um paciente, mas essa especificidade também significa que não atacará a flora normal deste paciente.
  • Fagos podem ressensibilizar, ou seja, tornar bactérias resistentes a antibióticos novamente suscetíveis.
  • Na medicina, a terapia fágica é uma grande promessa para o tratamento de uma variedade de infecções. Os estudos estão priorizando infecções de difícil tratamento, como as que envolvem biofilmes em articulações protéticas e outros dispositivos implantados.
  • Aprovação de novos fagos no FDA é mais rápida e simples do que novas drogas (menos de 6 meses)
  • Por muito tempo, os bacteriófagos detêm um título indesejável na indústria de alimentos, especialmente em relação à contaminação de produtos fermentados.

Usos Potenciais de fagos para a segurança dos alimentos

Além das vias de contaminação por bactérias resistente em hospitais ou através de ferimentos/contágio onde há exposição de pele, a veiculação por alimentos é significativa.

Surtos de Salmonella, Campylobacter, Escherichia coli ou Listeria, como bem sabemos, acontecem.

Para prevenção do problema da contaminação na indústria, há a necessidade urgente de novas abordagens. Em 2006, o FDA aprovou o uso de fagos como “GRAS” – Geralmente Considerado Seguro. Têm sido usado cortes de carne vermelha e carne moída, contra E coli O157:H7.

Uma das vantagens dos fagos é que eles não afetam o sabor, a aparência ou o odor. Já existe comercialmente disponível um coquetel de fagos para Listeria, aprovado como aditivo para alimentos prontos para consumo. Existe um outro produto de fagos direcionado a espécies de Salmonella. Cada um desses produtos de fago é certificado como Kosher e Halal e não impactam a rotulagem de orgânicos.

Há ainda perspectivas para o uso de fagos para eliminação de biofilmes em superfícies de equipamentos e como alternativa para desinfetantes (leia aqui).

Sobre o tema da resistência antimicrobiana, uso de antibióticos na pecuária e avicultura, e segurança de alimentos não deixe de ler estes posts aqui do Food Safety Brazil:

Resistência antimicrobiana e segurança de alimentos
Resistência antimicrobiana ameaça a saúde pública mundial

Resistência Antimicrobiana (RAM): uma questão central em segurança de alimentos

Resistência microbiana a antibióticos de Salmonella isolada de frangos

Salmonella apresenta cada vez mais resistência a antibióticos

Se você busca dados sobre ocorrência de resistência microbiana, acesse o GLASS

Global Antimicrobial Resistance and Use Surveillance System

Aqui no blog tivemos um call para participação de brasileiros para elaboração de um documento-base para regulamentação harmonizada do uso de bacteriófagos na indústria de alimentos (confira aqui). Se você está por dentro do assunto, volte aqui para contar como estão os avanços no assunto.

Principal referência e fonte da imagem: Medscape em Can Phages Help Where Antibiotics Have Failed?

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Resistência Antimicrobiana (RAM): uma questão central em segurança de alimentos

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O surgimento e a disseminação de patógenos bacterianos resistentes aos antibióticos representa uma grave ameaça ao bem-estar humano e animal em todo o mundo e pode trazer o ressurgimento de infecções mortais intratáveis (talvez “nova pandemia”?). Notavelmente, a OMS reconhece a resistência a antibióticos (RAM) como  um dos 10 principais desafios de saúde enfrentados pela humanidade no século XXI, que põe em risco a eficácia da prevenção e do tratamento de um número cada vez maior de infecções por vírus, bactérias, fungos e parasitas.

A RAM ocorre quando microrganismos (bactérias, fungos, vírus e parasitas) sofrem alterações quando expostos a antimicrobianos (antibióticos, antifúngicos, antivirais, antimaláricos ou anti-helmínticos, por exemplos). Os microrganismos resistentes à maioria dos antimicrobianos são conhecidos como ultrarresistentes. Como resultado, os medicamentos se tornam ineficazes e as infecções persistem no corpo, aumentando o risco de propagação para outras pessoas. Como a eficácia desses medicamentos diminui devido à resistência, infecções simples podem se tornar problemáticas novamente, remontando à era pré-antibióticos. 

Os antimicrobianos têm sido considerados ferramentas essenciais na luta contra doenças infecciosas. Eles foram introduzidos na alimentação animal desde a década de 1940. Os antibióticos são convencionalmente usados em animais de produção para tratar doenças clínicas (terapia), prevenir e controlar doenças comuns (profilaxia e metafilaxia) e aumentar o crescimento animal (promoção do crescimento). Pode haver um perigo, no entanto, na subdosagem. Não é difícil tornar os micróbios resistentes à penicilina em laboratório expondo-os a concentrações insuficientes para matá-los, e a mesma coisa ocasionalmente aconteceu no corpo humano. Então, existe o perigo de que o homem facilmente subdose a si mesmo e, ao expor seus micróbios a quantidades não letais da droga, torne-os resistentes.

A administração de antibióticos aos animais ou grupos de animais para tratar doenças ou infecções é chamada de antibioticoterapia. Os principais objetivos do emprego da antibioticoterapia em animais de produção são aliviar os sintomas e o sofrimento do(s) animal(is) afetado(s), limitar a transmissão da doença a animais saudáveis do rebanho e destruir o agente etiológico. Como a doença diminui o desempenho dos animais de fazenda e pode resultar em mortalidade, as aplicações terapêuticas também são componentes essenciais para aumentar a produção pecuária lucrativa, mas também a segurança dos animais e dos produtos consumíveis associados.

A promoção do crescimento refere-se à administração de antibióticos em concentrações subterapêuticas, geralmente em um aditivo para ração animal, durante um período de tempo para melhorar o desempenho fisiológico dos animais, principalmente para obter ganho de peso e eficiência alimentar. Embora o benefício líquido real do uso de antibióticos na alimentação de animais de fazenda seja difícil de medir, essa prática provavelmente é estimulada pelo ganho econômico e pela necessidade de lidar com as crescentes demandas dos consumidores por proteínas animais. 

Em comparação com outras aplicações de antibióticos, a promoção do crescimento é a mais controversa, por várias razões:

– É considerado principalmente como um método para aumentar o ganho econômico em ciclos de crescimento mais curtos;

– A expansão das operações de pecuária exige que grandes quantidades de antibióticos sejam usadas na promoção do crescimento;

– Os antibióticos usados para promoção do crescimento não são tão rigorosamente regulamentados como outras aplicações de antibióticos;

Pensa-se que aplicações subterapêuticas de antibióticos durante um período de tempo relativamente prolongado irão exercer uma pressão seletiva que permite a emergência e persistência de agentes patogênicos resistentes aos antibióticos que podem afetar animais e humanos.

A terapia com antibióticos e a prevenção de doenças são rigorosamente regulamentadas em muitos países e exigem receita de um veterinário. Além disso, os avanços na biossegurança e outras intervenções independentes de antibióticos (principalmente vacinas) reduziram efetivamente a dependência de antibióticos na terapia e prevenção de doenças nos países desenvolvidos. 

O tratamento de infecções causadas por patógenos resistentes a antimicrobianos é caro. Patógenos bacterianos transmitidos por alimentos, como Salmonella (é bem conhecido que resiste aos antibióticos, ocorre em alimentos contaminados como carne de aves e pode ser transmitida aos seres humanos) e Campylobacter, também podem evoluir para adquirir resistência a antibióticos e causar infecções difíceis de tratar. Por exemplo, estimou-se que a Salmonella não tifóide resistente a drogas gera US$ 365 milhões em custos médicos anualmente apenas nos EUA. A extrapolação desses números em escala global sugere a necessidade de intervenções mais mitigadoras para controlar o surgimento de RAM associada à pecuária e muito trabalho ainda é necessário.

Um esforço global coordenado é urgentemente necessário para combater a RAM além das fronteiras. Embora se preveja que as intervenções sejam favoráveis, também argumenta-se que a disseminação de patógenos resistentes aos antibióticos pode não ser afetada imediatamente. Isso ocorre porque os mecanismos e mutações que levam à RAM e têm pouco ou nenhum custo de condicionamento provavelmente persistirão na ausência de pressão antibiótica. 

A resistência aos antimicrobianos representa uma ameaça crescente à saúde pública mundial. Um aumento de bactérias transmitidas por alimentos resistentes aos antibióticos complicará o tratamento de infecções e doenças transmitidas por alimentos adquiridas pela exposição a animais de produção e ao ambiente da fazenda, um surgimento ou ressurgimento de novas cepas de bactérias resistentes a antibióticos será visto e a pressão seletiva de antibióticos em operações agrícolas pode enriquecer os pools de marcadores genéticos resistentes a antibióticos e aumentar a transmissão potencial desses marcadores fora da fazenda (via escoamento, esterco e descarte de resíduos agrícolas) e requer ação de todos os setores do governo e da sociedade, além das empresas na cadeia produtiva de alimentos.

Leia a matéria completa aqui

Imagem: https://www.paho.org/es/panaftosa/resistencia-antimicrobiana-produccion-animal 

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Riscos e oportunidades dos smartphones para a segurança dos alimentos

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Strategy Analytics publicou uma estimativa de que 3,85 bilhões de pessoas possuem smartphones. Considerando que há cerca de 7,9 bilhões de pessoas no planeta Terra, isso significa que 50% de todo o mundo já possui um aparelho destes.

O Brasil é um país cuja população mergulha sem medo nas novas tecnologias. Por aqui, segundo uma pesquisa da FGV, há mais de um smartphone por habitante, pois existem 242 milhões de aparelhos em uso e o País tem pouco mais de 214 milhões de habitantes, de acordo com o IBGE.

Evidente que há pessoas com mais de um aparelho e outras que ainda não o possuem, mas o fato é que a grande maioria dos brasileiros já faz uso dos smartphones como sendo um objeto imprescindível em seu dia a dia.

Quando o homem pisou na Lua em 1969, o computador com o nome de Apollo Guidance Computer (AGC) tinha pouco mais de 4 MB de memória RAM para leitura de dados, além de 72 KB de memória ROM, enquanto um smartphone intermediário atual normalmente tem 4 GB de RAM. Isso significa que um Galaxy J8, por exemplo, tem 4 mil vezes mais capacidade de processamento que o computador da Apollo 11.

Já um iPhone com 512 GB de armazenamento tem o equivalente a 4.398.046.511.104 de bits e isso significa que sua capacidade de processamento é mais de sete milhões de vezes maior que a do AGC.

Estes números servem para mostrar que este aparelhinho que temos em mãos, que se tornou tão banal em nosso cotidiano, possui uma tecnologia muito mais avançada do que a utilizada para chegar na Lua. Claro, isso significa muitas oportunidades para os profissionais da cadeia produtiva de alimentos, mas também muitos desafios, especialmente porque sua chegada foi abrupta e a revolução disruptiva que ele vem causando é gigantesca.

O P O R T U N I D A D E S

Vamos começar pelo copo meio cheio, pois são muitas os benefícios que um smartphone pode trazer aos profissionais da cadeia produtiva de alimentos.

O mais óbvio é a possibilidade de comunicação, facilitando troca de informações, o envio de fotos, vídeos, textos, documentos, áudios gravados, podendo, por exemplo, permitir comunicação de forma rápida, precisa e simples com os membros de uma equipe de Segurança dos Alimentos.

Os smartphones podem conectar também diversos outros stakeholders como clientes, varejistas, distribuidores, transportadores, indústrias, produtores primários etc., tornando muito mais ágil as ações coordenadas, em especial, quando surgem adversidades como numa eventual gestão de crises e recall.

Contudo, o potencial de uso dos smartphones vai muito além da comunicação entre pessoas, permitindo também a comunicação entre homens e máquinas. A partir do uso da Internet das coisas (IoT), com máquinas e equipamentos adotando sensores inteligentes como os de vazão, volume, pH, temperatura, nível, cor, presença, peso e o que mais for imaginável para coletar dados,  pode-se depois remeter estas informações aos usuários que mesmo remotamente terão a possiblidade de monitorar e controlar produtos e processos em tempo real via seus smartphones.

Há diversas outras aplicações úteis dos smartphones nas áreas de vendas de produtos alimentícios, análise de satisfação de clientes, prospecção de mercados, inteligência de mercados e de negócios.

Indo além, como visto no artigo Indústria 4.0, somado ao uso de grandes bancos de dados (Big Datas), Inteligência Artificial (AI) e outras tecnologias emergentes, a indústria nos próximos anos passará por uma transformação profunda e rápida, pois a velocidade com que evolui segue um crescimento em progressão geométrica, e não tenha dúvida, os smartphones são um elo central nisto.

D E S A F I O S

Enxergar os riscos é um exercício importante, pois nos possibilita prever problemas, e como é de se esperar, há também desafios no uso de smartphones para os profissionais da indústria de alimentos.

Vou direto a um dos pontos cruciais: smartphones viciam. Assim, muitos ficam com ele no bolso, mas na primeira oportunidade aproveitam para dar uma olhadinha e alguns cliques navegando em redes sociais, aplicativos, vídeos do YouTube, e espero, também aqui no blog para se informar sobre as novidades em Food Safety, porém este hábito pode trazer riscos.

Por exemplo, suponha que um manipulador de alimentos vai ao banheiro, e naquele momento íntimo de privacidade, aproveita para dar uma clicadinha. Com isso, o ambiente insalubre possibilita contaminação do aparelho, e depois, ao longo do dia, o smartphone será um ponto potencial de contaminação cruzada.

Uma pesquisa publicada pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense coletou amostras nas telas touch screen de smartphones que foram analisadas para determinar a contagem de bactérias aeróbias mesofílicas, enterobactérias, bolores e leveduras, bactérias coliformes totais e bactérias coliformes a 45°C.  Constatou-se que mais de 70% dos aparelhos analisados apresentaram contaminação elevada por bactérias mesófilas aerofílicas e bolores e leveduras, além de 25% por enterobactérias, sendo observada a presença de coliformes a 45°C em 25% dos aparelhos avaliados, como pode ser visto aqui.

Uma outra pesquisa publicada no jornal da Universidade Federal de Goiás indicou a presença de biofilmes bacterianos em smartphones de profissionais de saúde (veja aqui).

Além do evidente risco microbiológico, a distração causada pelo uso dos smartphones em ambientes produtivos pode propiciar erros no controle operacional, na dosagem de insumos, aditivos e ingredientes, no controle de pontos críticos, e com isso, gerar produtos fora da especificação e potencialmente inseguros, e claro, até mesmo acidentes do trabalho.

Outra questão relevante que precisa ser abordada refere-se a Food Defense, especialmente no que se refere à proteção das organizações e suas marcas. Pessoas mal-intencionadas, tendo em mãos câmeras, filmadoras e gravadores que integram os apetrechos de um smartphone, podem criar verdadeiras ciladas, simulando e filmando contaminações que depois podem ser viralizadas em redes sociais com o objetivo em prejudicar determinadas marcas, e aí, até que se explique, o estrago está feito.

Há também, evidentemente, o risco de espionagem industrial ao filmar ou fotografar segredos industriais.

COMO AGIR

O fato posto é que os smartphones já são uma realidade e dificilmente deixarão de ser a curto prazo. Somente deixarão de ser quando forem substituídos por algo ainda melhor e mais prático.

A questão é como devemos agir em relação ao tema, pois ao mesmo tempo que se deve respeitar a individualidade de cada um no uso de seu smartphone, há que se considerar os riscos potenciais de seu uso em ambientes de trabalho para poder preveni-los.

Seguem algumas dicas sobre como lidar com esta questão:

  1. Limite o uso dos smartphones por área e função, mapeando quais atividades desempenhadas podem ou não utilizar os smartphones e em quais ambientes/ locais/ áreas – use um critério de gestão de riscos:
    1. Profissionais que não manipulam matérias-primas, insumos, aditivos e produtos e que precisam smartphone para melhor realizar suas atividades e funções podem ter seu uso autorizado;
    2. Manipuladores diretos de matérias-primas, insumos, aditivos e produtos não devem ter permissão para uso durante horário de trabalho;
    3. Em áreas críticas de manipulação de alimentos, onde o produto, devido às suas características intrínsecas, seja muito susceptível à contaminação, ninguém deve ter autorização de uso dos smartphones;
    4. O ítem anterior também se aplica para áreas onde seja necessária a proteção de tecnologias de produção e propriedade intelectual da organização.
  2. Dentro do tema BPF – Boas Práticas de Fabricação – treine as pessoas sobre os riscos de contaminação cruzada com smartphones e capacite todos sobre como criar uma rotina de limpeza e desinfecção das mãos e dos aparelhos, usando, por exemplo, álcool 70%  ou álcool isopropílico;
  3. O tema uso de smartphones e as regras adotadas pela organização deve ser repassado já em treinamentos de integração com periódicas reciclagens no assunto, fora, é lógico, o monitoramento constante por parte das lideranças;
  4. Para os profissionais que não podem utilizar o smartphone durante o expediente de trabalho, é conveniente que a organização disponibilize armários seguros para sua guarda;
  5. Por fim, fortaleça a Cultura de Segurança dos Alimentos, disseminando um olhar crítico para que todos sejam capazes de perceber os riscos e preveni-los.

Há muito mais a se dizer sobre os riscos e oportunidades que os smartphones podem proporcionar, assim como as formas de lidar com esta questão. Deixe sua contribuição, diga como você age neste tema no seu dia a dia profissional.

Leia também:

O uso de telefones celulares e rádios comunicadores em áreas de produção de alimentos

Aplicativos para smartphones e tablets contribuindo para a segurança dos alimentos

Os impactos da 4ª Revolução Industrial no segmento de alimentos – 1

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Segurança e qualidade do uso e reúso da água na produção de lácteos

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Como resultado das Reuniões Conjuntas FAO/OMS de Especialistas em Avaliação de Risco Microbiológico (JEMRA) em 2023 foi publicado um relatório sobre a segurança e qualidade do uso e reúso da água no processamento de laticínios (veja aqui). Este relatório enfoca os microrganismos que podem representar riscos à saúde dos consumidores por meio de produtos alimentícios quando não são adequadamente controlados no ponto da cadeia de abastecimento de alimentos onde a água é reutilizada.

No setor de laticínios, é grande o volume de água potável de primeiro uso para processos produtivos, limpeza e desinfecção e a água é recirculada até que não seja mais considerada adequada. Operações de limpeza de silos, tanques, tubulações e equipamentos geram grandes volumes de efluentes com alta carga orgânica. As aplicações de água de reúso podem ser amplamente categorizadas como não para contato com alimentos ou para contato com alimentos. A aplicação determinará se uma água é adequada para o uso conforme seja recuperada de uma fonte dentro da operação de laticínios ou se um processo de recondicionamento específico (por exemplo: purificação, tratamento antimicrobiano) é necessário antes da sua reutilização.

Ao projetar e operar um cenário de reúso de água, os requisitos regulatórios vigentes (por exemplo, leis, regulamentos, padrões) e as orientações das autoridades competentes deverão ser cuidadosamente considerados. É importante ressaltar que o projeto operacional e o controle do reúso de água precisam ser adaptados às condições específicas daquela instalação de processamento de laticínios e se basear em um bom nível de compreensão e experiência em relação a uma avaliação dos perigos microbiológicos potenciais e uma abordagem de gerenciamento baseada em risco usada para alcançar o controle adequado devem apoiar o projeto e a implementação do cenário de reúso de água. A implementação e o controle contínuo de um cenário de água de reúso devem estar dentro das capacidades dos operadores. O operador precisará prevenir e/ou controlar todos os perigos potenciais (incluindo químicos, biológicos e físicos) associados à fonte de água reutilizável e considerar a aplicação pretendida da água de reúso.

Os riscos microbiológicos presentes nas possíveis fontes de geração de água de reúso (fontes de água reutilizável), bem como os riscos associados a outras partes da operação (por exemplo, ambiente da fábrica, sistema de armazenamento e distribuição) que podem contaminar um abastecimento de água tem que ser considerados, como os nutrientes podem estar presentes em um abastecimento de água de reúso após a recuperação e recondicionamento, o que pode promover o crescimento de organismos deteriorantes (limitando assim o prazo de validade) ou perigos microbiológicos (possivelmente aumentando o risco ao consumidor, dependendo da aplicação da água).

A  eficácia microbiológica do sistema de geração desta água deve ser avaliada, relacionada, por exemplo, à combinação de tecnologias, equipamentos e infraestrutura implantados para recuperação, recondicionamento e armazenamento de água. Também há necessidade de controlar consistentemente o sistema de geração de água de reúso, bem como a aplicação desta água na operação diária e o papel dos testes microbiológicos para validação e verificação na concepção e gestão da geração e uso de água de reúso e a capacidade de aplicar abordagens de teste apropriadas.

Ao avaliar potenciais perigos microbiológicos e estabelecer controles apropriados para a geração e uso de água de reúso, os seguintes pontos devem ser levados em consideração:

• se a água que foi reciclada ou recirculada várias vezes em uma operação de processo específica está levando ou resultou na formação de biofilme;

• se alguma medida específica para a preservação ou controle do crescimento microbiano é necessária durante o prazo de validade definido para o abastecimento de água de reúso; e

• a necessidade de ter disponível um abastecimento de água alternativo adequado para um propósito, como uma fonte de água potável, que pode ser usada caso o sistema de geração de água de reúso não esteja sob controle ou falhe.

Para a operação de alimentos, serão necessárias medidas de controle para garantir que qualquer água que entre em contato com alimentos ou superfícies de contato com alimentos seja adequada à finalidade. Os planos de controle de perigos para um processo de geração de água de reúso devem ser baseados em várias etapas derivadas da análise de perigos/avaliação de riscos. Em ambos os casos, uma abordagem baseada em riscos e evidências deve ser seguida, desde a concepção do cenário geral de água de reúso para uma operação até a implementação e controle em escala total. Dado que a microflora da água pode diferir em cada situação, assim como as condições específicas de recuperação, purificação ou tratamento antimicrobiano podem variar entre as operações, é recomendável que o operador valide adequadamente cada cenário, incluindo aspectos-chave como o desempenho do sistema de geração de água de reúso para que esteja em conformidade com as especificações exigidas.

Para identificar os perigos conhecidos ou potenciais que um abastecimento de água reutilizável pode apresentar para a reutilização segura da água nas operações de laticínios é essencial o conhecimento técnico sobre as tecnologias subjacentes à recuperação ou à água reutilizável e ao sistema de geração desta água. Igualmente crucial é a base de conhecimentos/habilidades de avaliação microbiológica e de risco para determinar cenários de reutilização de água adequados para a finalidade. Fornecedores terceirizados e provedores de soluções podem auxiliar as operações com tal experiência e conhecimento e habilidades. No entanto, a responsabilidade final recai sobre a gestão da operação de negócios de alimentos para garantir a segurança e adequação dos produtos alimentícios sendo processados ou fabricados. Para fins de verificação, testes microbiológicos e análises de, por exemplo, contagens viáveis totais ou coliformes provaram ser úteis. No entanto, a microflora relevante para a reutilização da água geralmente é específica da planta e da operação. Portanto, geralmente não é adequado confiar apenas nos testes de parâmetros microbiológicos, como os níveis de coliformes que geralmente se aplicam aos sistemas (municipais) de geração de água potável. Para reutilização de água no contexto de operações de alimentos, como no setor de laticínios, os coliformes podem não ser os mais adequados, mas pode haver outro(s) microrganismo(s) relevante(s) que podem ser melhores indicadores de possíveis perigos, eventos ou condições (por exemplo, presença de nutrientes) que pode representar um risco. É, portanto, essencial realizar um estudo específico da operação para determinar quais parâmetros ou indicadores microbiológicos podem ser apropriados para uso no controle daquele determinado sistema, assim como a vida útil máxima da água de reúso. Indicadores microbiológicos localmente específicos de processo ou controle de higiene podem ser usados para validação operacional em escala real e para verificar o controle do processo durante a operação de rotina.

Durante a operação, o processo de geração desta água deve ser monitorado diariamente, incluindo a verificação pontual de seu estado microbiológico, a fim de verificar a eficácia do controle do processo em andamento e, assim, a adequação do fornecimento de água. O monitoramento também permite a tomada de ações oportunas caso o desempenho do processo falhe ou seja considerado deficiente. Para monitoramento, a verificação microbiológica pode ser muito demorada em comparação com o teste de parâmetros físicos ou químicos. O último normalmente fornece resultados mais oportunos de controles de processo em andamento ou para identificar situações que tendem a ficar fora de controle e, portanto, pode permitir uma melhor tomada de ação imediata.

Se o seu laticínio utiliza água de reúso, vale a pena ler este relatório completo antes de continuar, pois se há muitas oportunidades para recuperação de água, também é preciso ter controle.

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Como medir ozônio na água e no ar da indústria de alimentos

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O uso de ozônio vem sendo cada vez mais divulgado na cadeia produtiva de alimentos, demonstrando sua enorme eficácia e diversidade de aplicações neste setor. Veja por exemplo, aqui, o post da palestra de Vivaldo Mason no V Workshop Food Safety Brazil, em junho de 2022, em Goiânia. Entretanto, o ozônio ainda é pouco utilizado para esse tipo de indústria. Uma das razões é que muitos desconhecem COMO MEDIR ozônio na água ou no ar e, por isso, ficam inseguros em avançar na adoção do ozônio. Este post tem o objetivo de preencher essa lacuna no conhecimento de muitos profissionais de indústrias de alimentos do Brasil.

1. Medição da concentração de ozônio na água ozonizada*
A concentração de ozônio na água pode ser medida por meio de duas tecnologias principais: kits de teste colorimétrico ou medidores eletrônicos.

1.1 Métodos colorimétricos para medição de ozônio dissolvido em água
Os métodos colorimétricos são classificados como indiretos porque utilizam reações específicas para medir ozônio e a quantificação é possível a partir do produto da reação ou degradação do reagente específico. Estes métodos são muito utilizados e possuem um custo mais baixo quando comparados ao método direto, principalmente devido à simplicidade instrumental das medidas realizadas.

1.1.1 Método colorimétrico índigo
O método de índigo utiliza o reagente químico índigo trisulfonato que reage instantaneamente e quantitativamente com o ozônio, alterando a tonalidade da cor azul do reagente em proporção direta com a quantidade de ozônio presente. Ácido malônico é adicionado ao reagente e está incluído na ampola para impedir a interferência de até 3ppm de cloro. Os resultados são expressos em ppm (ou mg / L) de O3.
Depois, a solução ozonizada passa a ser analisada por um analisador colorimétrico calibrado que avalia a concentração de ozônio dissolvido. Existem fabricantes que fornecem um kit contendo um reagente químico em ampolas, selado a vácuo e um colorímetro que avalia por meio de lâmpadas e sensores a alteração da tonalidade, obtendo a concentração de ozônio.
Desta forma, os valores obtidos são convertidos em ppm (mg/L) de ozônio dissolvido com a tabela de calibração incluída no equipamento.

Figura 1: Método Índigo para medição de ozônio dissolvido.
Fonte: fabricante

1.1.2 Método DPD
O método utilizado para medir ozônio é o DDPD (uma forma de DPD substituída com metil, que é N, N-dietil-p-fenilenodiamina) desenvolvido e patenteado pela empresa Chemetrics®. A solução ativadora de iodeto de potássio é adicionada à amostra antes da análise. O ozônio reage com o ânion iodeto para liberar iodo livre. O iodo, em seguida, reage com o reagente para produzir um DDPD azul-violeta. Pela intensidade da cor, mede-se a concentração. Vários halógenos livres também podem produzir cor azul-violeta com o reagente DDPD, e, portanto, interferir na análise de ozônio.

Figura 2: Métodos DPD para medição de ozônio dissolvido.
Fonte: fabricante

1.2 Métodos eletrônicos para medir ozônio em água

1.2.1 Monitores eletrônicos

Os monitores ou controladores eletrônicos para medir ozônio dissolvido usam um amperímetro coberto por membrana permeável mantendo-a esticada firmemente sobre um cátodo de ouro ou platina.
Uma solução de ânodo e eletrólito de prata completa o circuito interno. Durante a operação, o ozônio difunde-se da amostra através da membrana. Uma vez dentro do sensor, o ozônio reage com a solução eletrolítica para formar um composto intermediário. Uma tensão de polarização aplicada ao cátodo reduz completamente esse composto intermediário, produzindo uma corrente entre o cátodo e o ânodo medido pelo analisador.
Essa corrente é diretamente proporcional à taxa na qual o ozônio se difunde através da membrana para o sensor, o que é proporcional à concentração de ozônio na solução. As desvantagens são seu custo de aquisição mais alto. Uma vantagem do método eletrônico é que ele mede a amostra em tempo real e permite controlar o gerador de ozônio para manter os níveis de ozônio dissolvidos desejados.

Figura 3: Métodos Eletrônico para medição de ozônio dissolvido.
Fonte: fabricante

1.2.2 Método ORP para medição de ozônio em água

ORP significa “Oxidation Reduction Potential”, em português: Potencial de Redução de Oxidação, que é medido por uma sonda ORP. Em termos práticos, é um voltímetro que mede a tensão (em milivolts) através de um circuito formado por um eletrodo de referência construído com fio de prata (polo negativo) e um eletrodo de medição construído de uma banda de platina (polo positivo) com uma solução eletrolítica no meio.
Embora o ORP não meça o ozônio dissolvido e sim condutividade elétrica (a menos que o ozônio seja única substância oxidante presente na solução), ele pode ser muito útil para controlar a produção de geradores de ozônio em água que não contenha cloro, pois o cloro pode interferir na análise por ORP. Um exemplo deste tipo de medidor é em mineradores de água potável. Quando um nível predefinido de ORP é excedido, um sinal elétrico é enviado ao gerador de ozônio para diminuir a produção de ozônio e vice-versa.
O eletrodo de referência é cercado por uma solução de água e sal (eletrólito), que produz outra pequena tensão. A voltagem produzida pelo eletrodo de referência é constante e estável, portanto, fornece uma referência contra a qual a voltagem gerada pelo eletrodo de medição de platina e pelos oxidantes na água pode ser comparada.
A diferença de tensão entre os dois eletrodos está no que é realmente medido pelo medidor. Nota: pH alto ou baixo pode alterar as leituras de ORP envolvendo ozônio dissolvido devido à rápida decomposição do ozônio em pH elevado. A precisão ideal requer níveis de pH entre 6,5 e 8,0.

Figura 4: Medidor ORP para medição de ozônio
Fonte: fabricante

2. Medição de concentração de gás ozônio no ar

Sabe-se que o ozônio gasoso pode ser perigoso em altas concentrações. As empresas devem garantir que em locais habitados sejam usadas doses seguras, e nas áreas inabitadas não deve haver vazamentos para ambientes habitados. Para isso, a área deve ser monitorada para segurança das pessoas e para garantir que as concentrações apropriadas de ozônio estejam disponíveis para os fins a que se destinam.
O ozônio na fase gasosa pode ser uma ferramenta muito benéfica na indústria de processamento de alimentos. O armazenamento de alimentos processados em atmosferas modificadas contendo pequenas quantidades de ozônio gasoso ajuda no controle de bolores, leveduras e muitos contaminantes transportados pelo ar, tanto nos produtos alimentícios quanto nas superfícies das prateleiras de armazenamento e outros equipamentos.
Os ambientes com “atmosfera modificada” rica em ozônio representam as aplicações eficientes para redução de microrganismos em alimentos, mas também existem outros usos, principalmente para controle de pragas em produtos agrícolas armazenados, maturação para amaciamento de carne, armazenamento de barris de vinhos, cura de queijos etc.
Dentre as tecnologias para medir ozônio gasoso, temos:
1) adsorção de UV,
2) tecnologia de semicondutor de óxido metálico e
3) método iodométrico.

2.1 Medição de ozônio através de adsorção de radiação UV

A técnica de adsorção da radiação na região do ultravioleta é utilizada como um método direto de determinação, pois é medida diretamente a adsorção do ozônio. Esse método tem como característica a resposta próxima ao tempo real e a técnica possui sensibilidade muito precisa.
Os medidores que utilizam a tecnologia de UV são amplamente utilizados para determinar níveis de ozônio tão baixos quanto as quantidades atmosféricas típicas (menor de 0,10 ppm) até concentrações elevadas produzidas por verdadeiras usinas de ozônio com produção de 50kg a 250 kg/hora, muito usadas em tratamento de água de cidades operando com concentrações acima de 160-250 mg/L.
O método UV é muito preciso (±1%), a tecnologia é dominada por poucas empresas fabricantes. Seu custo de aquisição é alto e um equipamento custa em média USD 4.800.00 (quatro mil e oitocentos dólares) nos EUA, € 4.000,00 (quatro mil euros) na Europa e USD 2.000.00 (dois mil dólares na China).
As unidades de leituras também podem estar em peso (wt%), ou em volume podendo ser medido em partes por milhão (ppm), partes por bilhão (ppb), gramas por metro cúbico (g/m³), gramas por metro cúbico normalizado (g/Nm³), miligramas por metro cúbico (mg/m³) e miligramas por litro (mg/L).
O ozônio gasoso entra no analisador de ozônio por meio de mangueiras, preenchendo uma câmara interna que possui um sensor em uma extremidade e uma lâmpada UV do outro lado da câmara. Ao inserir o gás ele vai reagir com a radiação UV emitida pela lâmpada e o sensor fornecerá a leitura de acordo com a concentração de ozônio analisada. Quanto maior a concentração, menor será a leitura pelo sensor de UV.
Além de analisarem a concentração de ozônio, estes equipamentos também podem analisar outros dados como pressão atmosférica e temperatura do gás. Os equipamentos mais completos possuem “data logger” (capacidade de armazenar informações na memória do equipamento) e depois pode-se extraí-los por meio de uma “porta serial” ou “porta USB” para computadores por meio de um software que permite a emissão de relatórios.
Alguns fabricantes estão desenvolvendo modelos mais simples e com menos recursos, o que reduzirá o preço destes equipamentos e facilitará o acesso das empresas.

Figura 5: Diagrama esquema montagem do analisador de ozônio por absorção UV.

2.2 Medição de ozônio através de semicondutores de óxido metálico (MOS)

Esta tecnologia chama-se “Metal Oxide Semiconductor (MOS)”, em português: semicondutores de óxido metálico. Estes analisadores de ozônio em fase gasosa baseados na tecnologia MOS são mais baratos que os analisadores de UV (média de USD 100 nos EUA) e são normalmente usados em situações em que é necessário medir ozônio em concentrações baixas e com precisão menos exigente, pois sua leitura é aproximada. A faixa de leitura varia de 0 a 100ppm. O sensor necessita ser trocado periodicamente (média de 6 meses) de acordo com o tempo de utilização para garantir leitura mais precisa.
O sensor modelo MQ131 foi desenvolvido pela Hanwei Eletronics e baseia-se em uma pastilha semicondutora que ao ser montada em um circuito nas especificações do fabricante, emite uma ionização que atrai moléculas de ozônio presentes na atmosfera para o sensor. Quando o ozônio entra em contato com a superfície do sensor, libera elétrons. O sensor transforma estes elétrons em corrente elétrica medidos em milivolts. A leitura varia de acordo com a variação da concentração de ozônio em que o equipamento foi instalado.

Figura 6: Sensor pastilha semicondutora

Os sensores MOS são amplamente utilizados como dispositivos de segurança de parede ou portáteis conhecidos por detectores de ozônio para avisar os operadores se os níveis de ozônio excedem uma concentração segura. Quando isto acontece, emitem um sinal sonoro e/ou luminoso. As unidades MOS estão disponíveis nos formatos de fixação na parede, manual e até pessoal podendo ser carregado no cinto do operador. Os sensores precisam ser substituídos a cada 6 a 12 meses, dependendo do período e concentração em que ficaram expostos.

Figura 7: Unidades MOS (parede, manual)

2.3 Método Iodométrico para quantificação de ozônio gasoso

O método iodométrico, também conhecido como método por iodeto de potássio ou método KI, é um procedimento padronizado usado para medir ozônio gasoso. Este método é reconhecido e usado por fabricantes de geradores de ozônio de todo mundo na calibração de seus equipamentos. O procedimento oficial foi estabelecido por membros do Comitê de Garantia de Qualidade da International Ozone Association (IOA)**, incluindo a Pan-Americana Group (PAG), European African Group (EAG) e Nippon Islands Group (NIG).
A iodometria é um método volumétrico indireto onde um excesso de íons iodeto é adicionado a uma solução contendo o agente oxidante que irá reagir produzindo iodo que será titulado com solução padronizada de tiossulfato de sódio (Na2S2O3). Por esta razão, o método iodométrico é considerado um método de quantificação de ozônio indireto. Na determinação da concentração de ozônio gasoso, o agente oxidante é o próprio gás que é incorporado a solução de iodeto de potássio KI (2%) através de borbulhamento.
Os íons iodetos (I-) em contato com ozônio são reduzidos a iodo (I2) de acordo com a reação apresentada abaixo. A reação de formação do iodo em meio neutro é lenta, mas sua velocidade aumenta com a diminuição do pH, que é alcançado com a adição de solução de ácido sulfúrico 1N.

O3 + 2KI + H2O  I2 + O2 + 2KOH

O iodo presente em uma solução aquosa de iodeto tem uma cor intensa amarelo-castanha. Quando se titulam soluções incolores com uma solução-padrão de iodo, o próprio iodo serve como indicador. Em iodometria é comum o uso de indicadores auxiliares porque a viragem é menos perceptível, devido ao cansaço visual a que o analista é submetido. O indicador auxiliar geralmente utilizado na quantificação de ozônio é uma solução aquosa de amido, com a qual se pode determinar concentrações de iodo em solução de até 2 x 10-7 mol.L-1.
O amido é uma substância formada por 2 constituintes macromoleculares lineares, chamados amilose (alfa-amilose) e amilopectina (beta-amilose). Estas substâncias formam complexos de adsorção (complexos de transferência de carga) com o iodo. No caso da amilose, que possui conformação helicoidal, acredita-se que a cor azul intensa seja resultante da adsorção do iodo (na forma I5-) nestas cadeias. Já o complexo iodo-amilopectina produz uma cor violácea, de forma irreversível. Desta forma, o amido solúvel comercializado para uso como indicador deve consistir basicamente em amilose, separada da amilopectina.
A solução de amido, se não preservada convenientemente (em local refrigerado a 5ºC), decompõe-se em poucos dias, principalmente por causa de ações bacterianas e dos produtos de sua decomposição. Isto pode interferir nas propriedades indicadoras do amido.

3. Rastreabilidade da calibração de equipamentos

Existem diversos métodos para medição de ozônio em água e no ar com diferentes custos, praticidade e precisão. No caso de indústrias de alimentos que precisam assegurar a rastreabilidade da calibração de seus instrumentos para medir ozônio, como por exemplo indústrias certificadas ISO 22000, FSSC 22000, BRC Food ou IFS Food, os equipamentos devem ser calibrados utilizando métodos oficiais reconhecidos.
No caso da medição do ozônio em água, o método reconhecido é o Método Colorimétrico Índigo, mencionado no ítem 1.1.1 e detalhado no Standard Methods** sob o código 4500-O3 OZONE (RESIDUAL) que foi aprovado pelo Standard Methods Committee, 1997 e revisado em 2011.
No caso de medição de ozônio no ar ou na saída do gerador, o método de referência é o método iodométrico referenciado no Standard Methods sob o número 2350 D, que também é citado pela IOA – International Ozone Association***, mencionado no item 2.3 deste artigo.

Referências

*. Filho, Vivaldo M., Ozônio na Indústria de Alimentos, Editora Garcia, 287 páginas.
**. Standard Methods for Water and Waste Water, 24ª Edição. Ver em www.standardmethods.org
***. IOA – International Ozone Association. https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/01919519608547327

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