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Surto de Doença Transmitida por Alimentos: como avaliar

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Recordemos o conceito de Doença Transmitida por Alimentos (DTA):

(…) São todas as ocorrências clínicas consequentes da ingestão de alimentos que possam estar contaminados com microrganismos patogênicos (infecciosos, toxigênicos ou infestantes), substâncias químicas, objetos lesivos ou que contenham em sua constituição estruturas naturalmente tóxicas, ou seja, são doenças consequentes da ingestão de perigos biológicos, químicos ou físicos presentes nos alimentos.

O Manual Integrado de Prevenção e Controle de Doenças Transmitidas por Alimentos, do Ministério da Saúde, define surto como:

Episódio no qual duas ou mais pessoas apresentam, num determinado período de tempo, sinais e sintomas após a ingestão de um mesmo alimento considerado contaminado por evidência clínica-epidemiológica e/ou laboratorial.

Considerando os conceitos acima descritos, devemos iniciar a avaliação de um surto de Doença Transmitida por Alimentos a partir do estudo epidemiológico, com o objetivo de identificar o provável agente etiológico. Ilustrativamente, podemos segmentar esse estudo como na figura abaixo:

1. Estudo epidemiológico

O estudo epidemiológico para identificação de um possível agente etiológico deve iniciar pelas informações obtidas por meio de entrevistas com os doentes, ou seja, pela aplicação do formulário para avaliação das doenças transmitidas por alimentos, de modo individual ou coletivo.

O formulário para avaliação das DTA objetiva obter informações sobre: período de incubação médio, duração da doença, frequência de sintomas e taxa de ataque de cada alimento envolvido. Abaixo, listo as etapas que compõem o fluxo das informações do estudo epidemiológico:

2. Análise microbiológica

Após a coleta, as amostras devem ser armazenadas em condições de refrigeração, com temperatura não superior a 4°C por, no máximo, 72h, ou em congelamento a -10°C (ou mais frio) também por no máximo 72 horas. Após o estudo epidemiológico, devem ser encaminhadas para a análise microbiológica, instrumento este de avaliação das condições higiênico-sanitárias em relação à manipulação e processamento dos alimentos.

O procedimento de análise microbiológica dos alimentos suspeitos deve seguir os requisitos dispostos na Resolução RDC Nº 724, de 01 de julho de 2022, que dispõe sobre os padrões microbiológicos dos alimentos e sua aplicação e na Instrução Normativa Nº 161, de 01 de julho de 2022, que estabelece os padrões microbiológicos dos alimentos.

3. Coprocultura

A coprocultura pode ser utilizada quando o quadro clínico do paciente indicar um processo infeccioso disentérico ou diarreico, associado a um estado febril. A partir da análise das fezes dos pacientes e dos manipuladores dos alimentos, pode-se identificar um possível microrganismo patogênico infeccioso.

4. Fluxograma de produção de alimentos

Deve-se considerar o fluxograma de preparação dos alimentos suspeitos, principalmente do alimento cuja taxa de ataque foi maior, com a finalidade de determinar as possíveis falhas nos pontos críticos de controle, durante as etapas de processamento e manipulação de alimentos. Para isso, é importante manter os registros da preparação dos alimentos dentro do tempo regulamentado pela RDC Nº216/2004, da Anvisa.

As informações obtidas com os responsáveis pela produção dos alimentos e, quando necessário, com o médico responsável pelo atendimento aos comensais doentes, complementam as informações necessárias para o estudo epidemiológico.

Denise Brasil é nutricionista, especialista em Gestão da Qualidade em Serviços de Alimentação e especialista em Gestão da Qualidade em Engenharia de Produção

Referência

Silva Junior, Eneo Alves da. Manual de Controle Higiênico Sanitário em Serviços de Alimentação – 8.ed. – São Paulo: Livraria Varela, 2020

 

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Cinco maneiras de prevenir a anisaquíase (parasita Anisakis)

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A anisaquíase é uma zoonose causada pelo parasita nematóide Anisakis simplex, que afeta os humanos de várias maneiras. A forma mais comum é a infecção do aparelho digestivo, com sintomas de dores abdominais, náuseas e vômitos. Causa inflamação intestinal de gravidade variável. Geralmente está associada à ingestão de peixe cru, mal cozido ou levemente salgado, o que permite a viabilidade do estágio larval 2. Também tem sido associada a reações alérgicas.

Neste momento, o tema é oportuno porque o governo brasileiro viabilizou uma consulta técnica antes de efetivar a Portaria SDA/MAPA nº 832: “Regulamentação técnica de identidade e qualidade para pescado congelado, pescado congelado em salmoura e pescado em salmoura congelada para enlatados”.
Este artigo tem como objetivo opinar sobre o tema a partir de uma abordagem preventiva, baseada em dados científicos e na aplicação da Análise de Riscos e não apenas na aplicação da Análise de Perigos.

Sobre o parasita Anisakis simplex

O causador da anisaquíase é um parasita que vive no estômago de mamíferos aquáticos (focas, etc.) onde desenvolve a fase adulta e deposita os seus ovos diretamente na água do mar. No mar, desenvolvem-se os estágios L1 e L2 (larva 1 e larva2). Esses dois estágios larvais são ingeridos por pequenos crustáceos, que mais tarde servirão de alimento para os peixes. É assim que os peixes com estágio L2 ficam infestados. Essas larvas instalam-se nas vísceras dos peixes, principalmente no fígado, onde são visíveis a olho nu ou com lupa. Eles também afetam os cefalópodes, lulas e polvos.

Formas de prevenção

1- Estripar o pescado imediatamente após a captura quando se tratar de pescado processado a bordo ou o mais rapidamente possível quando se tratar de pescado processado em fábrica em terra.
A evisceração dos peixes a bordo implica, na maioria dos casos, que as vísceras contaminadas com o parasita retornem ao mar. Este procedimento aumenta a contaminação dos mares com L2, podendo infestar outras colônias ou cardumes de peixes. Por esta razão, estão sendo implementadas medidas na Europa para que os navios tomem medidas a bordo para inativar as larvas dos resíduos antes de os despejarem no mar.

2- Consumir sempre peixe cozido a temperatura igual ou superior a 60°C. A temperatura de cozimento adequada inativa ou mata as larvas e as torna seguras para consumo humano. Recomenda-se nunca consumir peixe cru ou mal cozido. Produtos como sushi ou sashimi, amplamente difundidos na cultura culinária japonesa, expõem a população à infestação. É a população com mais anisaquíase no mundo.
As conservas de peixe, incluindo a pescada do Atlântico Sul, não apresentam qualquer risco de consumo devido ao seu processamento a altas temperaturas ou à esterilização comercial

3- Basear as inspeções num critério de análise de risco, tendo em conta fatores como a frequência de casos certificados de doenças, aspectos culinários e culturais da população consumidora e informação ao consumidor. O maior número de casos de anisaquíase por milhão de habitantes está no Japão, cujo costume culinário é muito diferente do Brasil. Por isso é importante colocar a lupa na realidade do risco e isso é muito menos restritivo e mais alinhado com a realidade. Nem todos os perigos são riscos e isto está na base do sistema HACCP. Lotes de peixe adequado para consumo podem ser rejeitados injustamente quando apenas a Análise de Perigos é aplicada.

4- Também está comprovado que congelar peixes ou cefalópodes por pelo menos 5 dias em temperatura igual ou inferior a 20°C negativos inativa completamente as larvas do parasita, tornando o produto inofensivo para consumo humano, mesmo que consumido cru. Na Espanha, a lei exige o congelamento do peixe que será utilizado para consumo cru. Este último refere-se aos danos potenciais que o parasita Anisakis pode causar.

5- Conforme descrito anteriormente, o desenvolvimento da larva com capacidade de infestar peixes depende da presença de mamíferos aquáticos nos quais vive sua forma adulta. Na ausência destes mamíferos, o processo não ocorre e portanto não há possibilidade de infestação dos peixes. É o caso dos peixes criados em cativeiro em poças que não têm contato com o mar. É por isso que os peixes cultivados desta forma estão livres do parasita Anisakis, desde que seja seguido um plano de alimentação adequado que não inclua restos de vísceras de outros peixes marinhos.

Por estes motivos, ao aplicar corretamente a Análise de Risco, sabemos que temos vários motivos para tornar o peixe um produto seguro para o homem no que diz respeito a parasitas.

Imagem: Olga Lioncat

Referências

https://es.wikipedia.org/wiki/Anisakis#Anisakiasis_o_anisakidosis

Revista Puerto Dr. Boris Bogovslavsky. (Argentina)

 

Parasita Anisakis: potencial perigo do sashimi

Parasita Anisakis como causa de alergia por consumo de peixes

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Intoxicação por peixes e frutos do mar contaminados por Vibrio vulnificus

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Seguindo relato anterior sobre casos de intoxicação alimentar causada pelo consumo de atum contaminado com altos níveis de histamina, temos mais um texto sobre intoxicação alimentar após consumo de peixe contaminado.

No mês de setembro noticiou-se que uma mulher americana que consumiu peixe malcozido foi submetida a amputação de seus braços e pernas e lutou pela vida permanecendo em coma durante alguns dias. Após estudo do caso detectou-se que a tilápia que ela mesma preparou em casa estava contaminada pela bactéria Vibrio vulnificus.

Vibrio vulnificus é uma bactéria gram negativa, associada ao Vibrio cholerae (cólera) e sua infecção pode causar gastroenterite e septicemia. Está presente em águas oceânicas, associada a várias espécies marinhas, como o plâncton, crustáceos e peixes ósseos, havendo relatos de caso após consumo de ostras, moluscos e camarões. Essa bactéria costuma ser encontrada em águas com temperatura superior a 21ºC, já que não resistem a temperaturas baixas e são sensíveis a variações de pH e temperaturas altas, utilizadas durante o cozimento dos alimentos.

Em pessoas saudáveis, a ingestão dessa bactéria pode causar gastroenterite com febre, diarreia, enjoos, cólicas abdominais, náuseas e vômito. Já em crianças, idosos ou pessoas imunocomprometidas, há relatos de casos mais graves incluindo septicemia, e mais de 60% dos pacientes que apresentam septicemia podem evoluir para necrose e lesões graves em membros, chegando a situações em que a amputação de um ou mais membros se faz necessária. E é uma doença que pode evoluir para o óbito nos grupos de pessoas mais susceptíveis.

A infecção acontece ou pela ingestão de alimentos contaminados e que não passaram por tratamento térmico apropriado ou por contato com a pele uma vez que o Vibrio penetra e pode causar uma inflamação na pele previamente lesionada evoluindo para celulite, lesões vasculares e necrose.

Assim, pensando em prevenção, devemos nos atentar ao preparo desses alimentos marinhos que devem ser cozidos adequadamente. Aqueles frutos do mar ou peixes que tradicionalmente são consumidos crus não devem ser oferecidos a pessoas do grupo de maior risco – idosos, crianças e imunocomprometidos.

Imagem: Terje Sollie

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Vibrio vulnificus, potencial perigo dos frutos do mar

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O Vibrio vulnificus foi descrito pela primeira vez em 1976.

É um bacilo gram-negativo com mobilidade devido à presença de flagelo polar. Não tem capacidade de esporular, é anaeróbio facultativo e termolábil. Esta última condição é essencial para a prevenção da doença.

O tema que pretendo desenvolver neste artigo está relacionado com a possibilidade de transmissão de uma doença muito perigosa causada pelo Vibrio vulnificus.

Os vibrios causadores de doenças mais conhecidos são o V. cholera e o V. parahemolíticus, sendo que o V. vulnificus tem uma frequência muito menor nas infecções, mas tem uma taxa de mortalidade que pode ultrapassar 50% dos casos. Recentemente, uma publicação na internet relatou um caso gravíssimo onde dois fatores estão envolvidos: o V. vulnificus e o consumo de tilápia.

O caso aconteceu com uma pessoa de 40 anos na Califórnia, Estados Unidos da América. Após vários dias de tratamento médico, a pessoa sofreu a amputação de ambas as pernas e braços, como último recurso para salvar a vida. Segundo a história, foi por consumo de peixe cru ou mal cozido.

Revendo a literatura publicada até o momento, esta bactéria é encontrada no ambiente aquático em áreas tropicais e subtropicais, preferencialmente com baixa salinidade e próximas ao litoral, como estuários, rios e lagos, sejam naturais ou artificiais. Há investigações que envolvem a bactéria que afeta a tilápia em lagoas de cultivo, principalmente naquelas onde não são aplicadas medidas sanitárias adequadas, como nas explorações familiares, que depois vendem seu produto em mercados públicos.

Mas mesmo assim, a maior parte dos casos descritos pelos investigadores provêm de produtos do mar que não são peixes, como ostras e outros bivalves marinhos encontrados em zonas costeiras criados natural ou artificialmente. Temperaturas da água superiores a 18°C  e baixa salinidade são propícias à multiplicação de V. vulnificus.

Humanos infectados
A forma de infecção em humanos pode ser através de feridas na pele quando a pessoa entra em água do mar ou em rios contaminados pela bactéria. Esta forma de infecção é chamada de septicemia primária.

Outra forma de infecção é através do consumo de carne de peixe ou frutos do mar, como os citados acima, contaminados pela bactéria.

Além dos sintomas característicos de uma infecção alimentar, como dores abdominais, febre, vômitos, essa bactéria produz uma toxina que entra na corrente sanguínea e atinge principalmente os membros inferiores e superiores (pernas e braços), devido à sua capacidade invasiva do células da parede vascular e a produção de toxina extracelular (citolisina) que inibe o ferro ligado ou não aos eritrócitos, impedindo a oxigenação do tecido muscular.

Como consequência dessa ação, inicia-se e progride um processo de necrose. Nos casos mais graves, foi detectada a elevada capacidade de resistência de algumas estirpes de V. vulnificus aos antibióticos, que se revelaram totalmente ineficazes no controle da bactéria.

Maneira de prevenção
Conforme mencionado no início do artigo, é uma bactéria que não tem capacidade de formar esporos e também é termolábil, o que significa que cozinhar completamente os alimentos mata as bactérias. A bactéria morre quando cozinhada a uma temperatura igual ou superior a 74°C durante 5 minutos. Portanto, a cozedura completa é a melhor e mais eficaz prevenção. Conhecer a origem do produto é sempre uma forma eficaz de reduzir o risco, mas isso não o cancela. Nunca consuma frutos do mar crus (peixes, mariscos e algas marinhas), pois nem o melhor chef do mundo consegue detectar a presença de V. vulnificus em alimentos crus.

Problemas associados
– Fatores contribuintes como a presença de doenças pré-existentes como diabetes, doenças hepáticas ou renais e pessoas com imunidade reduzida complicam muito a situação do paciente
– Aumento da temperatura dos mares e de outras massas de água como consequência das alterações climáticas
– Contaminação nas áreas de cultivo e coleta de moluscos bivalves
– Falta de informação por parte dos consumidores e minimização do risco de consumo de frutos do mar crus
– Resistência aos antibióticos, um processo em constante aumento

Referências: 

https://www.google.com/search?gs_ssp=eJzj4tTP1TdISjPNyjNg9GIvycxJLMhMBAA-KwZK&q=tilapia&rlz=1C1CHZL_esUY977UY977&oq=&aqs=chrome.1.35i39i362j4

https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/raq.12743

https://www.revista.unam.mx/vol.6/num4/art32/abr_art32.pdf (Patógeno oportunista Vibrio Vulnificus)

https://www.google.com/search?q=tilapia+brasileira&rlz=1C1CHZL_esUY977UY977&oq=&aqs=chrome.5.35i39i362j46i39i199i362i465l2j35i39i362j46i39i362j35i39i3

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Uso de barba na indústria e em serviços de alimentação: pode ou não pode?

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Neste post, vou abordar a falta de regulamentação específica em muitos setores de produção e manipulação em alimentos sobre o uso de barba por manipuladores de alimentos.

É importante adotar uma abordagem intuitiva para garantir a segurança dos alimentos, levando em consideração os potenciais riscos associados à presença de barba na indústria alimentícia.

Em post escrito em 30 de dezembro de 2014 por Juliane Dias, as legislações sobre Boas Práticas de Fabricação (BPF) não estão atualizadas até a data atual. Vou comentar algumas das principais legislações existentes sobre o assunto:

RDC 216 de 2004 da ANVISA: principal legislação da ANVISA sobre BPF para estabelecimentos de serviços de alimentação. Estabelece em seu artigo 4, item 4.6.6:

4.6.6 Os manipuladores devem usar cabelos presos e protegidos por redes, toucas ou outro acessório apropriado para esse fim, não sendo permitido o uso de barba. As unhas devem estar curtas e sem esmalte ou base. Durante a manipulação, devem ser retirados todos os objetos de adorno pessoal e a maquiagem.

RDC 275/2002 da Anvisa – Regulamento Técnico de Procedimentos Operacionais Padronizados aplicados aos Estabelecimentos Produtores/Industrializadores de Alimentos e a Lista de Verificação das Boas Praticas de Fabricação em Estabelecimentos Produtores/Industrializadores de Alimentos, estabelece em seu anexo II (check list de inspeção), item 3.1.3:

“3.1.3 Asseio pessoal: boa apresentação, asseio corporal, mãos limpas, unhas curtas, sem esmalte, sem adornos (anéis, pulseiras, brincos, etc.); manipuladores barbeados, com os cabelos protegidos.”

Segundo o dicionário, a palavra barbeado significa:

“ a barba aparada ou rapada”

Assim, estar barbeado significa que um homem removeu completamente ou parcialmente os pelos faciais utilizando uma lâmina de barbear, proporcionando uma aparência de pele suave e sem pelos. Isso pode incluir raspar completamente a barba, deixar apenas um cavanhaque ou manter uma barba aparada e bem cuidada. A escolha de estar barbeado ou não é uma decisão pessoal e pode variar de acordo com as preferências individuais, estilo pessoal ou requisitos profissionais. Acredito que a legislação, por ser do ano de 2002, descreveu o termo incorretamente. O correto, para não ter duplo sentido, é o verbo: raspar a barba, ou seja, fazer a barba totalmente.

Mas melhor nem contar isto para os empresários do setor para não perder o que já alcançamos até agora.

Instrução Normativa n° 5, de 31 de março de 2000 (MAPA), que aprova em seu Art.1°, o Regulamento Técnico para a fabricação de bebidas e vinagres, inclusive vinhos e derivados da uva e do vinho, dirigido a estabelecimentos elaboradores e ou industrializadores.

A IN 05 MAPA não menciona o termo “barba”.

Portaria 78 de 30/01/2009, válida somente para o Estado do Rio Grande do Sul, aprova:

“A Lista de Verificação em Boas Práticas para Serviços de Alimentação, Normas para Cursos de Capacitação em Boas Práticas para Serviços de Alimentação e dá outras providências.”

Em seu anexo I, na lista de verificação:

“Item 7.6. Manipuladores dotados de boa apresentação, asseio corporal, mãos higienizadas, unhas curtas, sem esmalte, sem adornos, sem barba ou bigode e cabelos protegidos.”

A regulamentação do uso de barba por funcionários pelo MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária) tem sido motivo de controvérsia. Embora as diretrizes para a higiene pessoal sejam estabelecidas, as regras específicas sobre o uso de barba não são claras, o que tem gerado interpretações divergentes por parte das empresas.

As legislações do MAPA em relação ao uso de barba pelos funcionários não especificam o uso de barbas para os funcionários quanto para os empregadores. Enquanto algumas empresas adotam uma política de proibição total do uso de barba, outras permitem que os funcionários usem barba desde que sigam as diretrizes de higiene pessoal estabelecidas pelo MAPA. Essa falta de clareza tem levado a diferentes interpretações da lei e, consequentemente, a diferentes práticas adotadas pelas empresas.

A Portaria n° 368, de 4 de setembro de 1997, atualizada pela Norma Interna 01 de março de 2017/MAPA, padroniza a elaboração de produtos de origem animal e refere-se ao assunto de higiene e hábitos higiênicos em seu 6° parágrafo, mas não há menção específica sobre barbas.

Um exemplo de uma divergência por parte do MAPA é a aplicação da IN n° 04, de 23 de fevereiro aplicada na produção de alimentos para rações animal. Ela é específica para as aplicações das Boas Práticas de Fabricação (BPF), como estabelece em seu art. 1°:

Art 1°: Aprovar o Regulamento Técnico sobre as condições higiênico sanitárias e de Boas práticas de Fabricação para estabelecimentos fabricantes de produtos destinados à alimentação animal e o roteiro de inspeção, constantes dos anexos.

Verifica-se que as regulamentações referentes às Boas Práticas de Fabricação (BPF) deixam a desejar em termos de clareza e não especificam se os manipuladores de alimentos devem ou não raspar suas barbas. Para nós, profissionais do ramo, é um desafio exigir a remoção da barba sem respaldo legal.

Portanto, embora não haja uma resposta definitiva sobre se o uso de barbas é permitido ou não, é fundamental priorizar a segurança dos alimentos produzidos.

Estudo da contaminação microbiológica da barbas

Existem estudos que indicam que barbas podem acumular mais bactérias do que a pele limpa, levando em consideração o impacto potencial na segurança de alimentos.
Diz o título do estudo divulgado pela live science:

“A barba dos homens contém mais bactérias nocivas do que a pele dos cães”.

Um pequeno estudo europeu descobriu que a barba do homem é mais repleta de bactérias patogênicas que a parte mais suja do pelo de um cachorro.

Para o estudo, publicado na edição de fevereiro de 2019 da revista European Radiology, os pesquisadores analisaram amostras de pele e saliva de:

– 18 homens barbudos (cujas idades variavam de 18 a 76 anos) e
– Amostras de pele e saliva de 30 cães (cujas raças variavam de schnauzer a pastor alemão),

Os pesquisadores estavam procurando por colônias de bactérias patogênicas para humanos tanto no homem quanto no cão – não em uma tentativa de envergonhar as massas hirsutas, mas testar através da ressonância magnética microrganismos em busca de 6 superbactérias.

Na verdade, eram os humanos os pacientes mais sujos. Não apenas as barbas dos homens continham significativamente mais micróbios potencialmente infecciosos do que a pele dos cães, mas os homens também deixavam os scanners mais contaminados do que os animais.

Como o scanner de ressonância magnética usado para cães e humanos era rotineiramente limpo após o escaneamento do animal, havia uma carga bacteriana substancialmente menor em comparação com os scanners usados exclusivamente para humanos”, escreveram os pesquisadores no estudo.

Os pesquisadores analisaram cães que foram agendados para consultas de ressonância magnética de “rotina” para procurar distúrbios cerebrais e da coluna, escreveram os autores. Como os scanners de ressonância magnética são muito caros para a maioria das clínicas veterinárias, esses testes foram realizados no departamento de radiologia de um hospital europeu que realiza cerca de 8.000 exames de ressonância magnética de pacientes humanos todos os anos.

Os pesquisadores limparam a boca de cada cão em busca de amostras de bactérias e, em seguida, coletaram uma amostra simples de pelo esfregando uma placa especial de coleta de bactérias entre as omoplatas de cada cão (um local “particularmente anti-higiênico” onde infecções de pele são encontradas regularmente, escreveram os pesquisadores). Depois que os cães concluíram seus exames de ressonância magnética, os pesquisadores também coletaram amostras de três pontos do scanner.

Enquanto isso, a equipe também coletou amostras bacterianas das barbas avaliadas. Os barbudos estavam relativamente bem de saúde e não haviam sido hospitalizados em nenhum momento no ano anterior.

Pelo gráfico, 100% dos homens analisados estavam ou tinham contaminação na pele (abaixo da barba) e na saliva, contra 80% dos mesmos locais em cachorros.

Sete dos homens e quatro dos cães testaram positivo para microrganismos patogênicos humanos – o tipo de bactéria que pode deixar uma pessoa doente se colonizar a parte errada do corpo do hospedeiro. Esses microrganismos incluem o Enterococcus faecalis, uma bactéria intestinal comum que é conhecida por causar infecções (especialmente infecções do trato urinário) em humanos, e vários casos de Staphylococcus aureus, uma bactéria colonizadora de pele/mucosa comum que pode viver em até 50% de todos os adultos humanos, mas pode causar infecções graves se entrar na corrente sanguínea.

Imagens das bactérias principais encontradas:

Figura 1 Enterococcus faecalis

Figura 2 Staphylococcus aureus

Agora que estamos cientes de que as barbas são consideradas anti-higiênicas, surge a pergunta: por que chefs e cozinheiros renomados estão adotando estilos de barba elegantes e bem cuidadas, mesmo enfrentando restrições? Por que a ANVISA não os adverte?

No que diz respeito ao perigo físico causado por pelos de barba nos alimentos, que também causa repulsa, a ministra do STF Nancy Andrighi, relatora do recurso especial, afirmou:

“A distinção entre as hipóteses de ingestão ou não do alimento insalubre pelo consumidor, bem como da deglutição do próprio corpo estranho, para além da hipótese de efetivo comprometimento de sua saúde, é de inegável relevância no momento da quantificação da indenização.

Dessa forma, qualquer tipo de objeto estranho, como o pelo da barba em questão, é considerado prejudicial à saúde humana. Seria prudente alertar as empresas sobre essa questão, a fim de evitar possíveis processos judiciais e repensar suas políticas em relação às barbas. Mas o que dizem as leis trabalhistas a respeito disso? Segundo a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), o trabalhador tem o direito de usar barba, a menos que haja uma justificativa plausível, que diz:

Sobre padrões de cabelo, barba e outros aspectos da aparência física, “a jurisprudência trabalhista entende que somente é permitido exigir quando houver justificativa plausível (como para trabalhador da saúde).

Ao analisar a combinação do parágrafo da CLT com a decisão do STF mencionada, compreendo que a alimentação é um assunto de extrema importância para a saúde e, por essa razão, é proibido o uso de barbas.

Este texto explanou a discussão sobre vários aspectos deste assunto polêmico que é a utilização de barbas tanto na indústria de alimentos como em serviços de alimentação. O rigor deve ser sempre nosso, profissionais da área, de garantir que fornecemos e nos responsabilizamos pela produção e elaboração de produtos seguros e higiênicos.

Para obter mais detalhes sobre o uso de barba, sugiro acessar o post da engenheira de alimentos criadora deste blog, Juliane Dias, que está disponível aqui.

Até o próximo post!

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Intoxicação alimentar por atum contaminado: o que aconteceu?

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No final de agosto foi noticiado um surto de origem alimentar em nove creches da região de Campinas, envolvendo 60 pessoas, entre alunos e funcionários das instituições. Os sintomas aconteceram em julho e após as análises concluiu-se que a causa foi o consumo de atum contendo altos níveis de histamina.

A ANVISA, através da Resolução 3124/2023, solicitou o recolhimento do lote do produto, pela seguinte motivação: “Considerando a ocorrência de surto compatível com intoxicação alimentar por histamina após o consumo do alimento, em Centros de Educação Infantil de Campinas, São Paulo, e a confirmação de contaminação do produto com histamina acima dos limites tolerados pela legislação sanitária, evidenciada pelo RELATÓRIO DE ENSAIO Nº RE-TC 03.105/23, do Instituto de Tecnologia de Alimentos – ITAL.”

Trata-se de um lote fabricado em 8 de maio deste ano, com validade até 8 de maio de 2025.

Segundo informações da Secretaria de Saúde de Campinas, as crianças com sintomas de intoxicação apresentaram manchas vermelhas pelo corpo, coceira e sete delas tiveram diarreia.

O que é a intoxicação por histamina?

Intoxicação por histamina também é chamada de intoxicação pela toxina escombróide.

Atuns e outros peixes da família Scombridae, peixes conhecidos como “escuros”, são susceptíveis à formação de histamina por conterem grandes quantidades de histidina livre no tecido muscular. A transformação da histidina em histamina costuma acontecer pela ação de bactérias contaminantes quando os peixes mortos não são conservados e manuseados de forma adequada. É importante que os peixes sejam refrigerados em curto período após sua morte, para evitar esse aumento na concentração de histamina.

Um fator importante é que a histamina não é eliminada durante os processos de cocção durante a fabricação do atum enlatado.

O Brasil e outros países têm um nível máximo permitido de histamina, que é de 100 ppm no tecido muscular.

A intoxicação assemelha-se clinicamente a uma reação alérgica aguda, com a presença de um ou alguns dos sintomas abaixo elencados:

  • Dormência
  • Formigamento
  • Sensação de queimação na boca
  • Erupções cutâneas no tronco superior
  • Queda de pressão
  • Dor de cabeça
  • Coceira na pele
  • Náusea
  • Vômito
  • Diarreia

O quadro costuma ser leve, desaparecendo em poucas horas, mas há relatos de complicações em crianças, idosos ou pessoas com deficiências imunológicas.

Os cuidados com a matéria-prima adquirida, sempre que possível analisando a presença de possíveis contaminantes que possam causar intoxicação alimentar, e a rápida detecção de alterações no produto, com recolhimento de lotes no mercado, podem evitar esse tipo de ocorrência.

Imagino que a questão da histamina seja um desafio para a indústria de pescado, pois pelo levantamento que fiz, as técnicas empregadas para detecção de histamina em peixes podem ser as de cromatografia, que não estão disponíveis para a grande maioria das indústrias de alimentos, pelo seu alto custo e pela necessidade de qualificação de mão de obra. Existem, porém, testes ELISA que podem ser adquiridos pela indústria. Não tenho a informação de seu custo, mas vale o exercício sobre o custo da análise versus o custo da falha interna. Nesse caso, a detecção da falha internamente poderia evitar o adoecimento daqueles que consumiram esse lote e também a exposição da marca na mídia.

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Botulismo e neurotoxina alimentar

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Este artigo trata do botulismo e neurotoxina alimentar. Farei uma abordagem biológica diferente, mas complementar a outros excelentes artigos já publicados aqui na FSB por colegas colunistas.

O botulismo é uma infecção alimentar rara, mas com alta letalidade. Etiologicamente é causada pela toxina de uma bactéria do gênero Clostridium (C. botulinum) amplamente distribuída tanto no solo quanto na água.

Esporulação

Vamos começar com o processo de esporulação. A esporulação pode ser definida como uma forma latente adotada por certas bactérias para sobreviver em condições extremas e inicia-se com a formação do endosporo dentro da célula vegetativa. O endosporo difere da célula vegetativa pela formação de quatro camadas superficiais. A mais externa chama-se exosporium. Dentro dela está a capa dos esporos (ambos formados por proteínas). Dentro deles está o córtex, que é uma camada de peptideoglicanos, e dentro do córtex está o núcleo do esporo e a parede celular normal correspondente à célula vegetativa.

As quatro coberturas adicionais do endosporo fornecem resistência e proteção à célula vegetativa quando as condições externas tornam-se hostis à bactéria. Este processo pode ocorrer em menos de quatro horas. O composto que confere maior resistência ao endosporo uma vez concluído o processo de esporulação é o ácido dipicolínico associado a íons cálcio (dipicolinato de cálcio) e encontra-se no núcleo do esporo.

A esporulação a partir de uma célula vegetativa implica um processo de transformação altamente complexo que envolve a expressão de múltiplos genes com a produção de proteínas em nível mitocondrial, algo que ainda está sendo estudado pelos cientistas, portanto ultrapassa o escopo deste artigo. Mas o que é realmente relevante é que ele transforma uma célula vegetativa hidratada e metabolicamente ativa em um esporo desidratado (o teor de água é de apenas 10% a 25% no centro do esporo) e metabolicamente inerte com muito pouco ou nenhum consumo de oxigênio.

O esporo é uma forma muito eficiente de defesa contra um ambiente hostil e também pode ser ativado quando a bactéria não encontra nutrientes suficientes para continuar com sua forma vegetativa. O esporo tem a capacidade de persistir nesse estado de latência por muito tempo. Existem até estudos que detectaram esporos centenários que então voltam à sua forma vegetativa quando as condições hostis diminuem. Esse processo é chamado de germinação. Quando as condições para as bactérias são favoráveis, esse processo pode ser rápido e atingir o modo vegetativo em apenas 30 minutos.

Mas o leitor pode se perguntar em quais casos é importante levar em consideração o processo de formação do endosporo. Um primeiro esclarecimento é que nem todos os gêneros de bactérias têm essa capacidade. Em todos os casos, trata-se de procariontes gram-positivos, mas para fins de segurança de alimentos, os gêneros Bacillus e Clostridium são de fundamental relevância.

O Clostridium botulinum é o agente que produz a toxina botulínica quando se encontra em sua forma vegetativa, em ambiente sem a presença de oxigênio (anaerobiose) e com nutrientes suficientes para o seu desenvolvimento. É o caso de alimentos em conserva que não foram devidamente preparados.

O caso das conservas caseiras é um dos exemplos típicos. Mas a produção da toxina também pode ser decorrente de processos industriais inadequados. A indústria alimentícia teve que desenvolver procedimentos de esterilização eficazes, como o do leite leite longa vida (UHT), entre outros, para garantir a segurança dos alimentos, sejam eles embalados em potes de vidro, enlatados, ou em outros materiais. Além disso, sempre é preciso levar em  consideração fatores como boa higiene, tempo de cozimento, temperatura superior a 120 graus Celsius, pH adequado ou a combinação desses parâmetros.

A bactéria pode assumir a forma de endosporo, completar o processo de esporulação por tempo indeterminado e voltar a germinar quando as condições forem favoráveis para a produção da neurotoxina. Existem receptores de germinação com a capacidade de detectar a presença de condições adequadas para induzir a germinação. Os esporos germinam rapidamente, dissolvendo suas capas e absorvendo água com sérias consequências para o consumidor. Nos casos mais graves, a toxina afeta o sistema nervoso (neurotoxina) e pode ser letal se não for tratada com urgência. A neurotoxina inibe a formação do neurotransmissor acetilcolina. A toxina é termolábil, ou seja, pode ser inativada pelo cozimento, mas não a bactéria esporulada.

Desde a década de 1980, alguns casos de botulismo infantil foram relatados. Nesses casos, está envolvido o mel produzido pelas abelhas, que contém a forma esporulada que depois germina no aparelho digestivo do bebê, liberando a toxina.

Bioterrorismo

O governo dos Estados Unidos da América, por meio do CDC,  também tomou medidas de contingência face a um ataque terrorista que pode envolver a toxina botulínica como perigo potencialmente letal. Sem tratamento médico imediato, as pessoas com botulismo podem morrer.

A verificação da vida muito longa em forma latente dos esporos também é objeto de estudo dos astrobiólogos.

Referências:

https://www.mayoclinic.org/es/diseases-conditions/botulism/symptoms-causes/syc-20370262#:~:text=El%20botulismo%20es%20una%20afecci%C3%B3n,Clostridium%2

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4098856/

https://cals.cornell.edu/microbiology/research/active-research-labs/angert-lab/epulopiscium-en-espanol/endospora-de-bacterias

Leia também: 

Botulismo alimentar: o perigo das conservas caseiras

Imagem: OPAS 

3 min leituraEste artigo trata do botulismo e neurotoxina alimentar. Farei uma abordagem biológica diferente, mas complementar a outros excelentes artigos já publicados aqui na FSB por colegas colunistas. O botulismo é […]

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Perigos microbiológicos da embalagem de alimentos: você sabe quais são?

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Uma embalagem que vai acondicionar um alimento ou bebida precisa ser uma embalagem segura! Isto quer dizer que todos os perigos razoavelmente esperados devem estar dentro de um nível aceitável para que a saúde do consumidor não seja afetada. Dentre os perigos, não podemos deixar de fora os perigos microbiológicos da embalagem.

Quando estamos realizando análise de perigos de uma embalagem no APPCC, é comum surgir a dúvida: quais os perigos microbiológicos da embalagem? Salmonela, E. coli, S. aureus… quais devem ser considerados?

Como nem a legislação brasileira nem a literatura disponível estabelecem critérios microbiológicos para embalagem de alimentos, é comum pensarmos que não é necessário identificar e controlar. Mas não é verdade!

Na 5ª edição do perguntas e respostas da Anvisa publicado em 2020, ficou claro que apesar de não existir na legislação parâmetros microbiológicos para embalagens, devem ser seguidos os padrões microbiológicos compatíveis com os alimentos com os quais elas entrarão em contato, definidos nas normas de padrões microbiológicos de alimentos, que são atualmente a RDC n. n.724/2022 e Instrução Normativa n. 161/2022.

Desta forma, respondendo à pergunta: quais perigos microbiológicos da embalagem devem ser considerados no APPCC e gerenciados?

A resposta é: os mesmos do alimento que será acondicionado! Sendo assim, devem ser identificados no APPCC para a embalagem os perigos microbiológicos do alimento (ou bebida) conforme a RDC n. n.724/2022 e Instrução Normativa n. 161/2022, avaliado o risco (probabilidade x severidade) e determinados os controles existentes (que em geral estão relacionados com a qualificação do fornecedor).

Vamos ver um exemplo de uma embalagem plástica flexível que acondicionará biscoitos.

1º passo: checar na  Instrução Normativa n. 161/2022 o padrão microbiológico para a categoria “biscoitos”:

2º passo: identificar no APPCC estes perigos (todos para a categoria “biscoitos”)

Embalagem plástica flexível

Perigo Biológico

Salmonella

Embalagem plástica flexível

 Perigo Biológico

Bacillus cereus

Embalagem plástica flexível

Perigo Biológico

Estafilococos coagulase positiva

Embalagem plástica flexível

Perigo Biológico

Escherichia coli

Embalagem plástica flexível

Perigo Biológico

Bolores e leveduras

3º passo: avaliar o risco, determinando a probabilidade (considerar histórico de resultados analíticos, robustez da qualificação do fornecedor etc.) e a severidade (gravidade/danos à saúde) de cada microrganismo.

4º passo: Determinar os controles existentes. Exemplo: Qualificação do Fornecedor

Ao final, é muito importante estabelecer uma sistemática de verificação de atendimento do nível aceitável dos perigos microbiológicos da embalagem.

A indústria de alimentos pode (e deve) exigir do seu fornecedor de embalagem laudos de análise microbiológica. Isso porque é responsabilidade do fabricante de embalagem prevenir a contaminação microbiológica no seu processo garantindo as condições higiênicas desde o recebimento e estocagem de insumos até o transporte da embalagem. Ou seja: condições adequadas de limpeza dos equipamentos, a higiene e hábitos comportamentais dos colaboradores, a limpeza e conservação dos locais de estocagem e a utilização de veículos de transporte limpos e íntegros.

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Infecções por Cronobacter sakazakii terão notificação recomendada nos Estados Unidos

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O Conselho de Epidemiologistas Estaduais e Territoriais (CSTE), um grupo formado por especialistas dos Estados Unidos em colaboração com representantes do FDA e Associação de Laboratórios de Saúde Pública (APHL), publicou no dia 29/06/23 um posicionamento declarando que as infecções por Cronobacter sakazakii passarão a ter notificação recomendada nos EUA.

Em 2022, nos EUA, houve um surto que causou a morte de 2 bebês e acometeu 4 outras pessoas, em 3 estados. O fato gerou um grande recall provocando enorme desabastecimento de fórmulas infantis por meses, visto que a fábrica envolvida produzia fórmula para diferentes marcas. Estas investigações levaram ao atual posicionamento do CSTE.

Atualmente somente os estados de Minnesota e Michigan fazem a declaração, com reportes anuais de 2 a 4 casos apenas. Estima-se que muitos outros casos existam e que não haja o correto levantamento epidemiológico.

O conselho recomenda que infecções invasivas por Cronobacter em bebês sejam notificadas nacionalmente ao Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC).

Esta recomendação também estabelece critérios padronizados para identificação e classificação de casos para fins de vigilância em saúde pública e orienta a notificação de casos confirmados e prováveis.

Bactérias do Gênero Cronobacter fazem parte da família das Enterobacteriaceae (entenda mais sobre a importância delas aqui) e são encontradas livremente no ambiente. Já foram isoladas em alimentos secos, cereais, carnes, rações, temperos, amidos, chás, água e fórmulas infantis.

O gênero foi denominado Cronobacter em alusão à mitologia grega. O deus Cronos havia sido avisado por seus pais de que seria derrubado por seu filho. Ele então engoliu todos, mas, quando Zeus nasceu, sua mãe o escondeu em Creta. Zeus cresceu, forçou Cronus a vomitar seus irmãos, e venceu seu pai em guerra!

Estas bactérias causam infecções urinárias e em feridas em pessoas de todas as idades, mas os casos mais graves e associados ao consumo de alimentos são em neonatos com menos de 2 meses de vida, onde podem causar meningite – com taxas de 40-80% de mortalidade – e em menores de 12 meses e imunossuprimidos, causando sepse e necrose intestinal.

São bactérias extremamente bem adaptadas a condições extremas, com mecanismos de resistência ao pH do estômago e à desidratação extrema (daí a importância de analisar sua presença em leite em pó e fórmulas infantis). Mecanismos de aderência e invasão da parede intestinal são a principal via de entrada, tendo afinidade com a fibronectina das junções intercelulares intestinais (que são uma barreira de prevenção de entrada de moléculas e bactérias) e contornam as células epiteliais intestinais de indivíduos saudáveis. Outra hipótese é que a presença de lipopolissacarídeos (LPS) nestas bactérias Gram-negativas facilite a ruptura de junções estreitas do intestino, permitindo a invasão destas células por C. sakazakii.  Existem outros mecanismos importantes de adaptabilidade, mas fica para o próximo artigo!

Como a microbiota de recém-nascidos ainda  não está totalmente colonizada, não há uma barreira eficaz na prevenção da invasão por C. sakazakii, que ao invadir o intestino pode atingir a corrente sanguínea, e em casos mais graves, atravessar a barreira hemato-encefálica, causando meningites e algumas vezes, morte. Normalmente, bebês prematuros, imunossuprimidos ou com baixo peso têm maior risco de contaminação.

No Brasil, a Instrução Normativa 161/2022, da Anvisa, prevê que sejam analisadas no mínimo 30 amostras por lote de produção para identificação da presença de Cronobacter spp apenas em amostras de fórmulas infantis em pó para lactentes até seis meses, alimentos para nutrição enteral. Caso tenha dúvidas sobre como interpretar as contagens, veja mais detalhes aqui.

Ficou curioso? Em breve sairá outro artigo sobre este importante patógeno. Enquanto isso, leia também:

·         https://www.cdc.gov/cronobacter/outbreaks/infant-formula.html

·         https://www.foodsafetynews.com/2009/09/the-naming-of-cronobacter-sakazakii/

·         https://www.foodsafetynews.com/2022/03/publishers-platform-what-parents-need-to-know-about-cronobacter-sakazakii-and-infant-formula-today/

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Quem sugeriu que lavar as mãos era importante?

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Para evitar a propagação de doenças como gripe e coronavírus, talvez a tática menos controversa – e mais eficaz – seja lavar as mãos.

O Food Safety Brazil já escreveu muitos posts que falam sobre a importância da lavagem das mãos (que podem ser lidos aqui), mas você já se perguntou quem sugeriu que lavar as mãos era importante? A técnica que foi amplamente difundida nos anos de covid-19, no século 19 era um escândalo.

Se existisse um “pai” para lavar as mãos, ele seria Ignaz Semmelweis,  o médico húngaro que estava na vanguarda de uma abordagem mais científica da medicina no século 19. Diante de uma maternidade dirigida por médicos (Hospital Geral de Viena) na qual as mortes maternas causadas pela temida febre puerperal eram significativamente mais altas do que na clínica administrada por parteiras, ele começou a ir atrás de respostas.

Os microrganismos ainda não haviam sido descobertos e ainda se acreditava na década de 1840 que a doença se espalhava por miasma – cheiros ruins no ar – emanados de cadáveres em decomposição, esgoto ou vegetação. Os vitorianos mantinham suas janelas firmemente fechadas contra essas forças malévolas. Portanto, não parecia um problema que os médicos estagiários do Hospital Geral de Viena ficassem no necrotério dissecando cadáveres para descobrir o que os havia matado e depois aparecessem na maternidade para fazer o parto sem lavar as mãos.

Um deles acidentalmente foi cortado por um bisturi durante uma dissecação e morreu, aparentemente da mesma febre puerperal que as mães tiveram. Semmelweis levantou a hipótese de que as partículas cadavéricas do necrotério eram as culpadas, e que tais partículas nas mãos dos médicos estavam entrando nos corpos das mulheres durante o parto.

Para testar sua teoria, ele ordenou aos médicos que lavassem as mãos e os instrumentos em uma solução de cloro, uma substância com a qual ele esperava eliminar o cheiro mortal de partículas cadavéricas. Antes do experimento, diz Wahrman, “a taxa de mortalidade de novas mães chegava a 18%. Depois que Semmelweis implementou a higiene das mãos entre o necrotério e a sala de parto, a taxa de mortalidade de novas mães caiu para cerca de 1%.”

Apesar de seu sucesso, sua ideia enfrentou grande resistência e ele teve um fim trágico. Ele perdeu o emprego e acredita-se que tenha tido um colapso nervoso. Ele morreu em uma instituição psiquiátrica, pois os médicos ficaram ofendidos com a sugestão de que poderiam estar causando infecções. A maioria dos médicos em Viena naquela época vinha de famílias de classe média ou alta, e eles se consideravam pessoas muito limpas em comparação com os pobres da classe trabalhadora. Ele os estava insultando quando disse que suas mãos poderiam estar sujas.

Nos 40 anos seguintes, desenvolveu-se uma compreensão dos microrganismos e as atitudes em relação à higiene mudaram gradualmente. Em 1857, enquanto a saúde mental de Semmelweis declinava, Louis Pasteur, famoso pela pasteurização, aumentou a conscientização sobre patógenos e como matá-los com calor. Em 1876, o cientista alemão Robert Koch descobriu o bacilo do antraz, dando início ao novo campo de pesquisa da bacteriologia médica. Cólera, tuberculose, difteria e bacilos tifóides foram posteriormente identificados.

Os cirurgiões começaram a lavar as mãos. O cirurgião britânico Joseph Lister foi pioneiro na cirurgia antisséptica, que incluía a lavagem das mãos, e na década de 1890 e no início da década de 1900, a lavagem das mãos passou de algo que os médicos faziam para algo que todo mundo deveria fazer.

E aí, já imaginou que lavar as mãos é uma ação que tem 132 anos?

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Alerta: Não compre desinfetante fake, consulte a Anvisa

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Tenho recebido várias consultas sobre desinfetante e uma das principais dúvidas é relacionada às fichas técnicas ou boletins técnicos que contêm mensagens confusas.

Primeiramente vamos esclarecer alguns termos.

Detergente: tem função de limpar, ou seja, remover resíduos e sujidades. Podem arrastar microrganismos que estejam aderidos nas sujidades.

Desinfetante ou sanitizante: tem função de reduzir os microrganismos a níveis seguros, ou seja, desinfetar.

Higienização: é o processo de limpeza seguido por desinfecção.

Infelizmente algumas empresas levam muitos profissionais a usar produtos de forma errada, por dizeres dúbios e confusos como o detergente do exemplo abaixo:

Mensagem fake: Indicado para higienização e limpeza de superfícies, equipamentos e utensílios de indústrias alimentícias em geral. O produto auxilia o controle da contaminação por bactérias, fungos leveduras e vírus.

Esse alerta é porque há várias publicações em que o termo HIGIENIZAÇÃO é utilizado erradamente, porque não é realizada a desinfecção, apenas limpeza.

Da mesma forma é confusa a expressão AUXILIA NO CONTROLE DA CONTAMINAÇÃO, se não é desinfetante.

Outros termos usados são: AJUDA NA ELIMINAÇÃO DE BOLORES E BACTÉRIAS, ou qualquer outro microrganismo, só que o produto não tem comprovação de eficácia.

Os produtos que mais geram confusão são os alcalinos clorados, porque podem ser detergentes ou desinfetantes e perante a ANVISA as exigências são muito diferentes.

A legislação brasileira para desinfetantes para indústria de alimentos segue diretrizes americanas e testes AOAC Official method. As principais exigências são a estabilidade do ativo durante o prazo de validade e a eficácia da redução microbiológica de 5 logs para microrganismos selecionados, considerando a concentração e o tempo de contato informado pelo fabricante.

Já para os detergentes, só é necessário indicar a composição e não usar produtos que não estejam em uma lista permitida.

Assim, as diferenças são:

  • Detergente alcalino clorado: atua na remoção de sujidades, quebra de proteínas e branqueamento. Cuidado com o prazo de validade, pois a estabilidade do cloro é de 6 a 9 meses, dependendo das condições de armazenamento.
  • Desinfetante alcalino clorado: além de atuar como detergente alcalino clorado, reduz a carga microbiológica e efetivamente ajuda no controle de contaminação.

Há muitas novidades no mercado com apelo de desinfetante, e minha sugestão é não acreditar em tudo o que você recebe de informação. O melhor é confirmar no site da ANVISA.

É muito simples verificar se o produto é ou não desinfetante:

  1. Faça uma pesquisa na internet usando as palavras chaves: consulta saneantes ANVISA
  2. Escolha a opção de produtos saneantes e verifique se aparece “Consulta/ Saneantes – produtos registrados ou acesse o link consulta.
  3. Digite o nome do produto no campo “nome do produto”. Se aparecer a mensagem: “nenhum registro encontrado”, o produto pesquisado não é desinfetante. Se o produto for um detergente regularizado deve aparecer na consulta pelo notificados. Se o produto for registrado aparece nova tela com todas as informações.
  4. Se houver mais de um produto com o mesmo nome, clique em cima do nome do produto e aparecerão mais detalhes.
  5. Também precisa verificar se a classe terapêutica é DESINFETANTE PARA INDÚSTRIA ALIMENTÍCIA E AFINS.
  6. Para finalizar, verifique a data de vencimento do registro e a situação do produto – deve estar ativo.

Se quiser mais informações consulte a biblioteca de saneantes, que traz todas as legislações relacionadas.

O maior risco de usar produtos desinfetantes é a produção de alimentos com contagem microbiológica acima dos padrões permitidos pelas nossas legislações –  RDC 724/2022 e IN 161/2022 -, ou seja, alimentos não seguros.

Lembre-se: os biofilmes podem ser formados por utilização de desinfetantes abaixo da concentração letal para os microrganismos.

Resumindo: a verificação de registro de desinfetante é fácil e rápida, então garanta que o desinfetante selecionado não é fake.

Leia também:

Você ainda confunde desinfecção com esterilização?

Referência: ehedg

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Intoxicação alimentar massiva a bordo mudou as regras da aviação

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Imagine uma aeronave lotada com 344 passageiros e cerca de 20 tripulantes na qual 197 pessoas começaram a ter simultaneamente náuseas, vômitos, diarreia e cólicas abdominais. Este episódio caótico a bordo foi o ponto de virada para mudar regras de segurança dos alimentos na aviação.

Era 3 de fevereiro de 1975. O Boeing 747 da Japan Air Lines estava indo de Anchorage, Alasca, para Copenhague, Dinamarca. O trecho todo seria Japão – Paris. Noventa minutos antes do pouso programado em Copenhague, os comissários de bordo serviram omeletes de presunto no café da manhã. Uma hora após os passageiros consumirem uma refeição contaminada com estafilococos, começou o horror.

Em terra, cento e quarenta e quatro pessoas precisaram de hospitalização, tornando-se o maior incidente de intoxicação alimentar a bordo de um avião comercial. Trinta estavam em estado crítico. Os outros 53 foram tratados em salas de emergência improvisadas.

Como nenhum dos médicos na Dinamarca falava japonês, e apenas alguns dos passageiros eram fluentes em dinamarquês ou inglês, funcionários que falavam japonês nos restaurantes de Copenhague foram convocados ao hospital para atuar como tradutores.

A causa-raiz do problema

A equipe de investigação foi liderada pelo oficial do Serviço de Saúde Pública dos Estados Unidos, Dr. Mickey S. Eisenberg, do Departamento de Saúde do Estado do Alasca.

Testes laboratoriais de amostras de fezes e vômitos de passageiros, bem como 33 amostras de sobras de omeletes de presunto, detectaram Staphylococcus aureus.  Concentrações elevadas de toxinas produzidas pelos estafilococos também foram detectadas no presunto, explicando o tempo de incubação extremamente curto.

As refeições foram preparadas na International Inflight Catering, uma subsidiária da Japan Airlines. Verificou-se que três cozinheiros haviam preparado as refeições, um dos quais tinha lesões infectadas no dedo indicador e médio da mão direita.  As lesões nos dedos do cozinheiro estavam infectadas com estafilococos. Na época não se contava com testes de DNA, mas o interessante foi que os testes revelaram tipos de fagos idênticos e resistências a antibióticos para todas as amostras, indicando que o cozinheiro era a fonte da contaminação.

O cozinheiro suspeito preparou refeições para três das quatro cozinhas. Ele havia enfaixado os ferimentos, mas não contou ao superior, por considerar um ato banal. Além disso, a administração não verificou se ele estava bem de saúde.

O cozinheiro suspeito preparou todas as 40 omeletes servidas na primeira classe, bem como 72 de 108 para uma das cozinhas do convés principal. Além disso, ele manuseou todas as 108 omeletes para outra cozinha.

De acordo com os microbiologistas, apenas 100 células de estafilococos são suficientes para causar intoxicação alimentar. A logística de alimentação a bordo forneceu condições ideais para que as bactérias crescessem e liberassem toxinas, que induzem fortes náuseas, vômitos, diarreia e cólicas abdominais. Por serem resistentes ao calor, as toxinas não eram destruídas quando as omeletes eram aquecidas.

Antes de serem servidas, as refeições foram armazenadas em temperatura ambiente na cozinha por 6 horas e depois refrigeradas (embora a insuficientes 10°C) por 14 horas e meia. Em seguida, eram armazenadas nos fornos das aeronaves, novamente sem refrigeração, por mais 8 horas. Se a comida tivesse sido mantida adequadamente refrigerada desde o momento em que foi preparada até estar pronta para ser servida, o surto não teria ocorrido.

Como os acidentes aéreos que costumam ter mais de uma causa-raiz, os investigadores da época concluíram o que hoje é senso comum: pessoas com lesões infectadas não devem manipular alimentos e que os alimentos devem ser armazenados em temperaturas baixas o suficiente para inibir o crescimento de bactérias.

Desdobramentos

O incidente teve uma vítima fatal: a do gerente de catering da Japan Air Lines, Kenji Kuwabara, de 52 anos, que cometeu suicídio ao saber que o incidente havia sido causado por um de seus cozinheiros.

Foi apenas por acaso que o piloto e o copiloto não haviam comido nenhuma das omeletes contaminadas, já que a companhia aérea não tinha regulamentos sobre as refeições da tripulação. Como os relógios biológicos dos pilotos estavam no horário do Alasca e não no horário europeu, eles optaram por um “jantar” de bifes em vez de omeletes de café da manhã. Se não tivessem feito isso, talvez não fossem capazes de pousar a aeronave com segurança.

Dali em diante os experts sugeriram que os membros da tripulação do cockpit comessem diferentes refeições preparadas por diferentes cozinheiros para evitar que surtos de intoxicação alimentar incapacitassem toda a tripulação, uma regra posteriormente implementada na aviação comercial.

Em 1977, a OMS publicou o Guide to Hygiene and Sanitation in Aviation e hoje há importantes diretrizes no World Food Safety Guidelines, da International Flight Association.

Mesmo assim, novas ocorrências aconteceram.

Em 1982, dez tripulantes  incluindo piloto e co-piloto da British Airways adoeceram a cerca de 35 minutos de Boston num voo de Lisboa. Descobriu-se que as refeições principais foram diferentes, mas tinha um prato em comum: a sobremesa, um pudim de tapioca. Três dias após o voo, ainda havia 6 passageiros com ocorrência.

Na Austrália, em 1980, o piloto de um avião bimotor sofreu uma intoxicação alimentar e desmaiou nos controles. Um passageiro reviveu o piloto inconsciente, que conseguiu pousar o avião com segurança.

Hoje em dia, empresas de catering que fornecem para as companhias de aviação são em sua maioria demandadas a ter uma certificação em segurança dos alimentos.

Há um filme satírico sobre intoxicação de piloto a bordo, Airplane! (1980), mas no fundo, para quem trabalha com segurança dos alimentos na aviação, isso não tem graça nenhuma.

Referências:

The New York Times

Wikipedia

Daily Mail

Fonte da imagem:  Stuff

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Doença de Chagas em alerta: indícios de um possível surto na Bahia

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Nos últimos dias as notícias deram enfoque a um possível surto da doença de Chagas na Bahia. Não se sabe a origem das ocorrências, mas existe a possibilidade de ter havido transmissão oral. Exemplos clássicos de transmissão oral são por açaí e caldo de cana. Você pode acompanhar as notícias em: Surto na Bahia é alerta para transmissão da doença …  e Surto de transmissão da doença de Chagas deixa estado da Bahia em alerta.

Relembrando o conceito, a doença de Chagas é uma zoonose causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi. A infecção pode ocorrer pela transmissão vetorial, oral, transfusional, transplantar, vertical (ou congênita), acidental e oral. A transmissão por via oral ocorre quando há ingestão de alimentos contaminados por triatomíneo ou suas fezes e, também, por meio de ingestão de carne crua ou mal cozida provenientes de caça.

Atualmente existem grandes preocupações pela transmissão oral, principalmente na região Norte do Brasil, área mais afetada. Como embasamento legal, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) publicou a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 218/2005, que estabelece regulamentos técnicos para a manipulação higiênico-sanitária de alimentos e bebidas preparados com vegetais. O objetivo dessa regulamentação é promover a adoção de controles a fim de prevenir várias doenças transmitidas por alimentos, incluindo a doença de Chagas.

No Brasil, a transmissão oral tem predominado, sendo que de tempos em tempos há relatos de ocorrências. Isso acontece pela  precariedade  nos  métodos  de  controle  na  produção  de alguns alimentos, especialmente quando processados de forma artesanal.

A maioria dos indivíduos infectados com T. cruzi permanece com o parasito nos tecidos, órgãos e no sangue durante toda a vida. O tempo que os sintomas vão levar para começar a aparecer irá depender do modo de transmissão. No caso da transmissão oral, leva entre 3 a 22 dias.

São opções de prevenção para o caso de transmissão oral:

1.      Intensificar medidas de vigilância sanitária para controle na manipulação de alimentos;

2.      Investigação entomológica em casos suspeitos ou positivos de contaminação oral;

3.      A fonte de iluminação deve ser distante dos equipamentos de processamento de alimentos (evitar contaminação acidental de vetores atraídos pela luz);

4.      Realizar educação e capacitação da população e de profissionais que manipulam alimentos;

5.      Providenciar o cozimento dos alimentos acima de 45°C, a pasteurização ou a liofilização;

Como consumidores, é importante estarmos atentos à procedência dos alimentos que consumimos. Ao comprar alimentos artesanais, devemos nos informar sobre as condições de processamento e se os produtores possuem licenças sanitárias.

Imagem: Secretaria da Saúde do Paraná

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“Também errei como consumidora”, diz Doralice Goes, vítima de botulismo

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Hoje é dia de conversar com a Doralice Goes, que sobreviveu e ainda se recupera de botulismo. Ela esteve internada durante todo o ano de 2022.  Sua dura jornada de recuperação foi contada em detalhes aqui no Food Safety Brazil. Confira.

Tudo começou com o consumo de um molho pesto artesanal. Sentiu algo diferente quando provou o produto?

O sabor estava maravilhoso, não notei diferença no aspecto, sabor ou odor.

Até então você tinha preocupações em relação a conservas em vidro?

Por ironia, minha mãe morria de medo da doença botulismo e, por isso, nos criou fervendo o palmito (em conserva) por 15 minutos sempre – costume que carreguei para a vida. Ela faleceu em 2010 e não soube do meu caso. Mas o molho eu não fervi.

Como é  ficar paralisada dos pés à cabeça?

A mente completamente lúcida não para… a gente fica preocupado com tudo que ficou. Meus gatos, minhas contas para pagar, o site de vendas que eu tinha que estava no ar sem ter quem gerenciasse.

Qual foi o momento mais difícil da sua internação? (Saiba mais sobre a história aqui)

Quando fiquei em acidose depois de cinco dias decanulada. Estava há sete meses intubada na UTI. Logo que me retiraram dos aparelhos, tenho uma foto… esverdeada, inchada e feliz por sair daquela situação, porém a alegria não durou muito.  Tinha ficado duas semanas tentando manter a respiração ambiente no mínimo possível. Despreparada a voltar a respirar de forma autônoma, sem forças físicas ou motores, me senti muito mal, a fisioterapeuta queria me forçar a lutar pela minha independência. Porém a condição não foi acompanhada por exame de gasometria e teste de força. A oxigenação estava baixíssima e ninguém viu isso… no monitoramento oscilavam os parâmetros de gás carbônico e oxigênio.

Passei três dias delirando, vomitando sem parar e sem dormir. Achava que o médico estava tentando me matar e em uma das alucinações vi meu corpo sendo preparado para autópsia…. “Eu não morri”, eu dizia, segundo as minhas irmãs e as técnicas de enfermagem que cuidavam de mim. Eu repetia esta frase tanto nas horas de delírio, quanto de consciência. Me lembro de cada segundo destes 3 dias onde se misturavam realidade e delírio. Nunca perdi a noção de que estava na UTI daquele hospital em Brasília. Vi pessoas se despedindo de mim, chorando pela minha morte.

Os médicos não sabiam o que eu tinha. A  minha irmã, que é pedagoga, é quem trouxe a hipótese que eu estava com acidose. A confirmação veio com exame de imagens e gasometria e fui reintubada às pressas.

Outro ponto decepcionante é que ninguém do meu trabalho veio me visitar durante toda a minha internação.

 

O que é ser uma sobrevivente do botulismo?

A minha psicóloga me perguntou outro dia o que o botulismo significa na minha vida. Ainda não sei a resposta. É um desafio diário e sei que não acabou. Da hora em que acordo até quando me deito penso no que aconteceu comigo.  Sinto dores diárias no trapézio, lombar, braço direito, lado onde estava a traqueostomia, e calcanhar ao caminhar. Quando saí do hospital estava com 41% de gordura, ou seja, obesidade mórbida, embora eu tivesse o mesmo peso, 70 kg. Meu corpo perdeu músculos que se transformaram em gordura. Não emagreci como acontece normalmente. Em casa nenhuma roupa me servia, passei 4 meses muito inchada. O botulismo não passou e não sei se vai passar um dia da minha vida.

Meu dia a dia mudou totalmente, eu vivia saindo para comer (risos).  Agora a rotina é a reabilitação,  acompanhamento multidisciplinar para a redução da dor, sessões com fisiatra e choques para redução da dor, liberação miofacial, além da fisioterapia e outras atividades diárias. Desrosquear uma embalagem de suco é difícil, não tenho força nas mãos. Há dúvidas se ainda terei sequelas que aparecerão só no futuro. Tenho uma dor no tórax que me acompanhou a UTI inteira e voltou no mês passado. Deu fibrose pulmonar, no raio x desta semana ficou comprovado. Minha carteira de motorista sairá como PCD.

O botulismo arrasou com o meu corpo quando passou por ele. Novas conexões cerebrais tiveram que ser construídas para que eu tivesse funções vitais.

Não choro ao lembrar, consigo falar sobre o assunto, me faz digerir aquilo tudo. Vejo que estou bem, é uma evolução diária e posso ajudar outras pessoas para conscientizar em vários níveis. Tenho feito contato com várias mídias, com Ministério da Saúde, autoridades. Não sei aonde vou chegar, mas isso virou uma missão, me motiva a viver,  compartilhar me ajuda a viver.

É maravilhoso voltar a morar com meus gatos, sair com amigos, “ter controle” de meus movimentos mesmo com limitações. Deixar aquela experiência de ficar trancada num hospital e trancada no meu corpo. Lidar com as consequências financeiras é o que mais me abala. Estou no Serasa, sou prática e esse é um problema maior para mim do que estar passando pela reabilitação.

Se pudesse voltar no tempo, eu acho que teria tido de novo, me sinto mais forte hoje. Minha vida passou a ter mais sentido e quero levar adiante a missão de divulgar o botulismo.

Como tem sido o diálogo com os envolvidos na causa do problema?

O fabricante me enviou ajuda psicológica por quatro sessões enquanto eu estava internada, mas nem consegui dar continuidade porque ainda sentia muita dor naquela fase. A  impossibilidade de me comunicar inviabilizava as sessões naquele momento. O foco ali era sobreviver, respirar. Depois enviaram um recado para a minha irmã que ele estava muito deprimido e consternado. A empresa foi fechada e pararam de trabalhar com alimentos. São palavras…não acredito que ele ficou mais deprimido do que eu. E todas as minhas dívidas? Não tive apoio neste sentido e estou com uma vaquinha aberta para poder custear um processo.

Também li dos organizadores da feira que chegaram a ficar em dúvida se mandariam uma cesta ou não de presente porque talvez eu não quisesse consumir… acho que teriam que ter mandado! Ficam dizendo o que pensaram que deveriam ter feito, e por que não fizeram? Muita fala, não fizeram nada.

Como é a sua relação com a comida hoje? Ainda consome artesanais?

Comi molho pesto ainda no hospital, mas minhas irmãs e médicos pararam de consumir. Tenho uma clareza que não é o produto em si, pois a contaminação está em tudo, no solo. Não é sobre banir, e sim sobre saber a procedência. Não adianta parar de comer um alimento se você pode pegar uma bactéria no ar.

Minha relação com a comida é a mesma, só que agora estou olhando validade, a procedência.

Fui a uma feira semana passada no shopping e me interessei por uma geleia de bacon. Parei para conversar com o produtor, e descobri que era tecnólogo de alimentos. E ele explicou como era o processo e como fervia os vidros. Filmei a validade. Fiquei mais tranquila e comprei.

Gosto da originalidade dos artesanais, das receitas de família. Outro dia provei caramelo belga, coisas que não sei se encontrarei em outro lugar.

Na feira original não voltei.

 Quais foram seus maiores aprendizados como consumidora de alimentos?

Aprendi que assumimos um risco ao comprarmos um alimento não industrial, sem procedência e sem rastreabilidade.  Para entrar com ação como consumidor e acionar empresas no Brasil, é necessário um CNPJ e um endereço para evoluir como responsabilidade civil. Se não houver, quem compra está assumindo as consequências de não ter a quem reclamar judicialmente se não tem uma sede, loja, subsede.

O fornecedor, quem coloca à disposição também responde subsidiariamente, como feiras e supermercados e podem ser acionados.

Para a prevenção do botulismo é uma cadeia produtiva… o produtor pode fazer o certo, mas se acontecer, a pessoa vai morrer na UTI ou antes porque os médicos não vão saber o que fazer. Os médicos também precisam estar cientes de que botulismo ocorre em nossos dias e estarem preparados para um atendimento de emergência nestes casos. Senão o paciente vai morrer sem a oportunidade de um diagnóstico, sem tomar o soro antibotulínico.

Eu também errei como consumidora, como não vi que comprei um produto sem data de validade? Eu tinha confiado no produtor por já ser cliente e nunca ter tido problema antes.

Qual a sua relação com outros sobreviventes?

Procuro me aproximar dos seis sobreviventes que identifiquei. Noto que eles têm vergonha de falar o que aconteceu, embora eu não entenda o porquê. Parece que querem apagar essa passagem da vida deles.

Convenci o Leo Abrantes, que consumiu salsicha de um X-tudo, a fazer uma live comigo.

Fonte da foto: Instagram

Outra que não tem receio de se abrir é a Tainny, do Rio de Janeiro. Ela é neurocientista e comeu uma pizza de palmito.

 

Fonte da imagem: Instagram.

A Rita Franco, que consumiu tofu em conserva, chegou a abrir a página Botulismo Alimentar.

Tem uma senhora, a Fran, que consumiu água de coco engarrafada no sacolão do bairro onde sempre comprava… e uma pessoa de São José do Rio Preto, que também consumiu o tofu em conserva. Essas pessoas não se expuseram ainda.

Você pretende escrever um livro sobre a sua história?

Sim, cumpri minha meta e comecei no dia 01 de julho! Me aguardem.

6 min leituraHoje é dia de conversar com a Doralice Goes, que sobreviveu e ainda se recupera de botulismo. Ela esteve internada durante todo o ano de 2022.  Sua dura jornada de […]

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Molho pesto artesanal causou tetraplegia por botulismo em Brasília

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Tomate, amêndoas, alho, manjericão, azeite e sal. Tudo isso num frasco de vidro fechado a vácuo, ou seja, numa condição favorável para crescimento de microrganismos que dispensam o oxigênio para se multiplicarem, como o Clostridium botulinum. Este molho pesto artesanal causou tetraplegia flácida, num drama contado em detalhes no post Sobrevivente de botulismo conta sua história de superação e sequelas, sobre Doralice Goes, de 46 anos.

A embalagem estava lacrada e foi aberta no momento do consumo. Foram consumidas apenas 3 colheres de sopa desse molho, acompanhadas de torradas e vinho, num domingo à noite. A segunda-feira foi um dia normal. Na terça, ela foi para a ginástica pela manhã e no final, mais ou menos às 11 horas, sentiu fraqueza e taquicardia. Mesmo assim, seguiu para o seu trabalho. No caminho, já sentia as mãos e pés formigando. Por volta das 15h, as colegas de trabalho de Dora perceberam que ela estava falando “com a língua enrolada” a ponto de não ser compreendida e  então foi dirigindo sozinha ao hospital, chegando lá às 17h. Logo ao estacionar, notou que não conseguia mais caminhar normalmente e foi se apoiando nos carros estacionados até a entrada. Trinta minutos depois ocorreu a parada respiratória, paralisia total (tetraplegia) e ela precisou ser intubada. Dali iniciou sua jornada de internação e recuperação que durou todo o resto do ano de 2022.

No segundo dia de internação, um jovem neurologista conseguiu fazer o diagnóstico do botulismo, doença rara e com sintomas que causam fácil confusão. A midríase (pupila completamente dilatada), consciência plena e paralisia flácida fechavam o quadro.

O parecer médico fez o hospital acionar a Vigilância Sanitária do Centro Oeste e esta disponibilizou o soro antibotulínico para administração imediata. Houve uma diligência à casa da vítima para perícia da “cena do crime”, a geladeira. As amostras recolhidas foram o molho pesto ingerido, mel, salmão defumado artesanal e um atum que seria de um dos gatos de Dora.

Foram longos 60 dias de espera para ter o resultado divulgado pelo Laboratório Adolfo Lutz, em São Paulo. As análises (veja na imagem abaixo) confirmaram que a única amostra implicada foi de fato o molho pesto. A toxina botulínica identificada foi a de tipo A.

As toxinas do C. botulinum agem nas membranas pré-sinápticas das junções neuromusculares, bloqueando a liberação da acetilcolina e a transmissão do impulso para a contração muscular.

Laudo do Instituto Adolfo Lutz, único laboratório no Brasil que realiza o bioensaio para toxina botulínica  em camundongos

A origem do produto

Apreciadora de alimentos artesanais, Dora sempre frequentou a Feira da Praça 13, em Brasília, cujo slogan é “compre de quem faz”.  Especializada em produtos artesanais e orgânicos, oferece uma diversidade de produtos in natura e processados, de origem animal e vegetal.

O frasco de vidro não tinha data de validade ou informações de rastreabilidade, fato que não era percebido pela consumidora, que já era compradora assídua. A única informação na rotulagem sobre cuidados de segurança de alimentos era “Após aberto, consumir em até 3 dias”. Depois ela descobriu que tinha sido produzido perto do Natal, ou seja, tinha pouco menos de um mês de vida, à temperatura ambiente.

O local de fabricação do produto foi inspecionado após a confirmação do teste positivo: era a cozinha da residência do fornecedor. Parte dos frascos era de reaproveitamento. Maiores detalhes não puderam ser compartilhados pela vítima que colaborou com este post, uma vez que há ações da Vigilância do Centro-Oeste que ocorrem em sigilo.

Dora sabe por terceiros que o fabricante ficou muito abalado com a notícia e providenciou assistência psicológica a ela por quatro sessões enquanto hospitalizada. Desde dezembro, ele tirou a página do ar e disse ter parado de produzir alimentos e encerrado a empresa. O advogado da vítima descobriu que foi aberta uma outra empresa com novo CNPJ em outro segmento.

Em relação à feira, fiz contato com um dos curadores, que preferiu não se identificar. O retorno foi que os produtores são independentes, não são ligados aos organizadores, sendo cada um responsável pelo que manipula. A feira possui Alvará e é fiscalizada. Segundo informação do contato, “alguns produtores têm Alvará Sanitário e algumas categorias que são liberadas por lei não têm” (sic).

Depois do incidente, a Vigilância Sanitária local promoveu treinamento com os produtores. Uma cartilha de BPF foi também distribuída e a organização disse estar à disposição para outras iniciativas preventivas. Dora também ganhou um exemplar da cartilha.

Era um risco previsível

A combinação de matéria-prima vegetal, que pode conter esporos de C. botulinum, embalagem com baixo teor de oxigênio, tratamento térmico suave e não controle da acidificação é uma equação potencialmente fatal bastante conhecida na engenharia de alimentos. A previsibilidade do risco de botulismo nestas condições é o motivo da existência de leis e práticas preventivas de controle de processo deste tipo de alimento no Brasil e no mundo.

Não se trata de forma particular de “culpar” uma ou outra matéria-prima ou método de fabricação. Há muitas décadas esses riscos são conhecidos e há tecnologias muito eficazes para seu controle – desde que os fabricantes tenham ciência e recursos para agir. O “segredo” é fazer um tratamento térmico e uma acidificação controlados para impedir a sobrevivência de células e a germinação de esporos e, consequente, a produção de toxinas. Os recursos para executar este controle podem ser incompatíveis com a realidade de uma produção artesanal, que em muitos casos, na verdade, são caseiras (entenda-se: feitas numa cozinha residencial, e do ponto de vista legal, informais).

Em 2014. nos EUA, houve um surto relatado pelo CDC envolvendo duas jovens que consumiram molho pesto da mesma lata. Ou seja, também um alimento envasado em anaerobiose,  comparável ao vidro do molho de Brasília, que causou tetraplegia. Um escritório de advocacia americano que acompanhou o caso levantou pontos importantes para ajudar a analisar o caso do Brasil:

– Os produtos eram manipulados na cozinha da casa dos proprietários, sendo vendidos no “stand” da fazenda e em locais não registrados

– Os produtos eram de baixa acidez

– Ingredientes: dentes de alho crus e sal moídos eram usados no processador de alimentos. Folhas frescas de manjericão e azeite eram  adicionados e depois misturados com pinoli e queijo parmesão.

– Os ingredientes eram processados em pequenos lotes e adicionados a uma panela grande devido ao tamanho limitado do processador de alimentos. O começo do lote poderia ficar parado por até uma hora em temperatura ambiente antes de ser colocado nos frascos.

– Novos frascos eram limpos colocando-os em uma máquina de lavar louça doméstica no ciclo quente com detergente e alvejante. Os frascos eram então enchidos com água e colocados no micro-ondas até à fervura. As tampas eram mantidas em água quente até o uso.

-Os ingredientes foram misturados sem aquecimento para formar um molho e depois colocados em potes quentes. As tampas foram aplicadas e os frascos foram colocados em uma unidade de enlatamento em banho-maria.

– A água na unidade de enlatamento foi fervida e o produto foi aquecido. Não foi utilizado termômetro. Os frascos foram deixados para esfriar, a vedação ao redor da tampa foi verificada e o produto foi rotulado para distribuição.

-O rótulo não incluía uma declaração completa de ingredientes, código de lote, data de validade nem uma declaração “Perecível, manter refrigerado”.

– O pH era de 5,3 e a atividade de água foi de 0,965.

– O produto testou positivo para toxina botulínica tipo B

– Outros produtos do mesmo lote foram testados e deram negativo

– O relatório concluiu que o produto foi produzido em “condições inseguras em cozinha residencial”.

Por que os surtos por C. botulinum são tão pontuais, a ponto de num mesmo lote não haver outras embalagens positivas ou outras vítimas?

Segundo o engenheiro de alimentos Marcio Scucuglia, especialista em processos térmicos, “existe uma combinação de fatores necessários para disparar um surto, com destaque à própria quantidade do microrganismo (dependente da qualidade de matéria-prima e do seu manuseio), processo envolvido (manuseio, tempo entre processamento, processo térmico) e as condições do produto entre o preparo e o consumo (tempo e temperatura, anaerobiose)”.

Ele também pondera que como nem sempre é possível controlar as condições de manutenção e uso do alimento pelo consumidor após sair da fábrica. A tecnologia de conservas baseia-se na identificação e mitigação dos riscos, assegurando o desenho e controle dos processos térmicos inerentes à esterilidade comercial suportado pela garantia da qualidade (matéria-prima, limpeza e desinfecção, Procedimentos Operacionais Padronizados, treinamento).

Controles e legislação

Alimentos não refrigerados que são embalados em frascos hermeticamente fechados com pH maior que 4,6 e atividade de água acima de 0,85 correm o risco de favorecer a formação da toxina C. botulinum e devem ser fabricados de acordo com legislações específicas.

No estado de São Paulo há a Portaria 130/2020, que estabelece os requisitos essenciais de Boas Práticas de Fabricação (BPF) para alimentos de origem vegetal fabricados sob a forma artesanal, no âmbito do Estado de São Paulo.

Entre vários requisitos, é obrigatório implementar Procedimentos Operacionais Padronizados para higienização dos vegetais, tratamento térmico, acidificação (com medição de pH), manutenção preventiva.

A grande reflexão é se o fabricante do molho tinha conhecimentos e recursos (termômetro, pHmetro) e seguia os procedimentos acima. Ainda mais considerando que a legislação não é aplicável ao Distrito Federal e, portanto, seria só uma “inspiração” para as práticas adequadas.

Em nível nacional, contamos com a RDC Nº 726/22, que dispõe sobre os requisitos sanitários dos cogumelos comestíveis, dos produtos de frutas e dos produtos de vegetais.  Ela determina que o palmito em conserva e os produtos de vegetais não esterilizados com líquido de cobertura acidificado devem atender ao limite máximo de pH de 4,5.

Assim, para a prevenção de casos trágicos como o da sobrevivente Doralice, pessoalmente acredito que algumas perguntas a serem feitas por quem se aventura a se tornar um novo fabricante de produtos caseiros/artesanais de alto risco como conservas vegetais e temperos são:  estou disposto a estudar leis e normas e me tornar capaz de atender os requisitos técnicos de segurança dos alimentos? Terei recursos para aplicar as melhores práticas de manipulação? Farei estudos de prazo de validade? Caso conclua que seguir as legislações seja “muito pesado para um pequeno produtor, e ainda uma burocracia”, o empreendedor deve repensar se não seria melhor a migração do negócio para outro segmento que não impacte a saúde e as vidas humanas.

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Sobrevivente de botulismo conta sua história de superação e sequelas

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Dois dedos do pé direito. Durante três meses estas foram as únicas partes do corpo da sobrevivente de botulismo,  Doralice Goes,  que se movimentavam sutilmente e com muito esforço, e permitiam a comunicação dela por “alfabeto” entre os médicos e sua irmã, precisando de horas para formar uma frase.

A conquista seguinte, após 3 meses, foi abrir os olhos. Sobrevivente que superou muitas adversidades, ela contraiu botulismo em 23 de janeiro de 2022 e passou 10 meses em uma UTI.

Mesmo sem poder movimentar um músculo, ela podia ouvir tudo que acontecia ao seu redor, e tinha as sensações táteis todas preservadas no leito, como dores, frio, coceira, dormências… sem poder falar ou reagir. Sentia o toque das pessoas. Também passou pelo desespero de ouvir médicos e especialistas ao seu redor não saberem o que ela tinha e até julgando que estava inconsciente.

Por nove meses ela respirou por traqueostomia e enfrentou as muitas complicações de um corpo imóvel. Até evacuar era um desafio, requerendo injeções dolorosas de neostigmina nas pernas por seis dias seguidos para estímulo dos movimentos peristálticos.

Ela teve infecção hospitalar por bactéria resistente, KPC, Klebsiella Pneumoniae Carbapenemas, ficando completamente isolada. O quarto passou a ser identificado com uma faixa vermelha no piso e então se tornou uma “barreira sanitária”, pois todos da equipe médica e os visitantes tinham que se paramentar e desparamentar para estar em contato com a paciente. Durante os dois primeiros meses ela passou por  nove plasmaferese (pois este é o tratamento para Síndrome de Guillian Barré) e quatro transfusões de sangue. A conduta médica só mudou quando saiu o laudo confirmando a presença de toxina botulínica.

Aos sete meses de internação, houve uma tentativa de liberá-la dos respiradores, o que foi uma decisão precoce, pois teve três dias de vômitos, alucinações e insônia por acidose ácida e foi intubada novamente.

As dores das cãibras, que eram resposta à retomada de movimentos, não passavam com o uso de morfina. A sonda GTT que a alimentava chegou a vazar internamente, causando uma infecção que parou seus rins.  Foram dois meses e meio de hemodiálise.

Ainda adquiriu Covid-19 e realizou drenagem nos pulmões.

Hoje, aos 46 anos, ela tem catarata e precisa operá-la, cirurgia não coberta pelo seu plano de saúde. Não se sabe se esta foi causada pelo longo período de uso de corticóides ou por conta do botulismo.

Em um segundo hospital, com sessões de fisioterapia diárias ela foi recobrando os movimentos, a começar pelo pescoço. Durante a UTI a paralisia foi classificada como aguda de quatro membros. Atualmente tem os membros inferiores afetados por uma lesão axonal crônica, que a leva a uma condição de PNE para voltar a dirigir.

Para se colocar em pé novamente foram necessários nove meses como ilustra a imagem deste post, acima.

Doralice em sessão de hemodiálise

Perdas além da saúde física

No último eletroneuromiograma foi evidenciado que ela ainda possui neuropatia axonal crônica. Isso significa que perdeu neurônios e teve que fazer novas conexões. Na prática ela está “conquistando” a tetraparesia, ou seja, apesar da fraqueza, dores e formigamentos por todo o corpo, retoma, com esforço, a capacidade dos movimentos.

Afastada de seu trabalho como servidora pública e técnica do TJDFT, a vida de Dora é se reabilitar, e realizar palestras motivacionais e de conscientização sobre botulismo. Sua rotina intensa inclui fisioterapia motora e pulmonar, clínica da dor com fisiatra (que inclui agulhamento seco, máquinas de choque, analgesia, laser, dentre outros), atendimentos para liberação miofascial, canoagem e natação adaptada, além de Pilates.  Tem acompanhamento psicológico semanal. Por conta de seu quadro, diariamente toma uma lista de medicamentos. Visualizando o longo prazo, a advogada optou por não requerer aposentadoria por invalidez e usufruir do direito de afastamento.

Doralice deve mais de R$ 400.000,00 ao plano de saúde, por coparticipação. Também um boleto que ficou em aberto no período de internação, da ordem de dois mil reais iniciais, “cresceu” e está em mais de R$ 38 mil, sem negociação com o banco. Há dias em que não tem recursos para pegar o Uber ou renovar o plano de uma das suas atividades de reabilitação. As dívidas só crescem, pois boa parte das atividades são particulares.

O site de vendas online que possuía não está mais ativo.

O processo judicial para reparações perante o fabricante, como sabemos, é lento e custoso. Então ela abriu uma vaquinha virtual para recuperar estas e outras despesas.

https://www.vakinha.com.br/vaquinha/prejuizos-do-botulismo-alimentar

Tratar do tema do desgaste emocional é uma tarefa bastante limitada aqui nesta publicação, devido à sua abrangência e complexidade.

Diagnóstico difícil

Entre o horário de consumo do alimento contaminado e os primeiros sintomas foram aproximadamente 36 horas. Começou com cansaço extremo após um treino da academia.  Foi trabalhar sentindo as mãos e pés formigando. No meio da tarde as colegas de trabalho de Dora perceberam que a servidora estava falando “com a língua enrolada” a ponto de não ser compreendida e ela então foi dirigindo, sozinha, ao hospital. Ao chegar lá, notou que não conseguia mais caminhar normalmente e foi se escorando nos carros do estacionamento até a porta. O caso foi tratado como AVC e ela prontamente encaminhada para uma tomografia. Durante o exame, teve crise de vômito e parada respiratória, sendo intubada e iniciando a paralisia total.

Confusos, os médicos começaram a trabalhar hipóteses como AVC de tronco, ou uma expressão grave da Síndrome de Guillian Barré, associada com dengue e chicungunha. Também cogitaram reação vacinal. Por ser uma doença rara e ter sintomas comuns a outras enfermidades, os médicos se atêm em um primeiro momento a doenças mais prevalentes, o que dificulta o diagnóstico e ação rápida.

Foi só no segundo dia de internação, que um jovem neurologista, ao avaliar suas pupilas dilatadas e ao perceber que estava consciente, fechou o diagnóstico de botulismo. Como Dora mora na Capital Federal, o soro, que é armazenado no Centro de Vigilância Epidemiológica, chegou a tempo de impedir a parada cardíaca.

Ela conhece mais sobreviventes, que também relatam que ao chegar ao hospital não tiveram o diagnóstico inicial correto. Em um caso, um jovem foi diagnosticado com sinusite e solicitado que retornasse para casa, parando de respirar ainda no caminho, mas houve tempo de ser socorrido. Em outro, os sintomas foram associados ao consumo de drogas.

Nesta imagem está a caixinha cinza com o soro antibotulínico que salvou a vida de Dora

Quer saber mais detalhes sobre o caso? A série continua aqui: Molho pesto artesanal causou tetraplegia por botulismo em Brasília 

Aqui abordamos a contaminação, o processo investigativo e o alimento implicado.

Para contratar a Doralice para ministrar palestras em empresas, escreva para palestrabotulismo@gmail.com

Todas as imagens deste post foram enviadas e autorizadas por Doralice Goes.

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Por que o início da limpeza CIP é importante?

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Normalmente imaginamos que o início da limpeza CIP é o enxágue inicial ou pré-enxágue, mas há uma etapa antes dessa. É a recuperação ou remoção de sólidos, que pode ter duas conotações:

  • A recuperação de sólidos do produto, até o ponto em que a interface produto/água não afete a qualidade do produto. Em alguns casos, a mistura de água com resíduos sólidos não pode ser recuperada e é encaminhada para sistemas de filtração ou destinada para ração animal.
  • Alguns resíduos de incrustações podem ser retirados dos equipamentos. Essa etapa é importante para que os resíduos sejam aproveitados como subprodutos ou encaminhados para ração animal.

Essas práticas podem ajudar na economia de água e redução de efluentes a serem tratados, gerando maior lucratividade da indústria.

Em algumas situações, esse início tem sido negligenciado e com isso há sobrecarga de sólidos na fase de pré-enxágue. Segundo uma ótica equivocada de economizar água e tempo, a etapa de pré-enxágue também nem sempre retira todos os resíduos, gerando a redução da eficácia da limpeza alcalina. Os problemas são:

  • Limpeza ineficaz
  • Redeposição de sujidades nas superfícies limpas
  • Contaminação microbiana carreada
  • Formação de biofilmes

Contudo, a ineficácia é causada pelo excesso de resíduos sólidos que satura as soluções de limpeza e impede que a solução aja sobre a superfície propriamente dita. Isto pode ser agravado quando o grau de resíduos é tão alto que causa a saturação da solução, gerando espuma e até gelatinização.

Fig.1 -Exemplo de solução saturada e gelatinizada

Os processos de limpeza CIP com apenas limpeza alcalina deveriam ser realizados da seguinte forma:

Fig.2 – Etapas de limpeza até enxague da limpeza alcalina

  1. Recuperação e remoção de sólidos,
  2. Enxágue inicial, realizado até a remoção completa de resíduos visíveis utilizando a água recuperada do final do enxágue após a limpeza alcalina,
  3. Limpeza alcalina realizada com solução limpa ou com qualidade adequada, com parâmetros corretos de concentração, tempo, temperatura e vazão,
  4. Enxágue, realizado com água potável e dividido em 3 etapas
    1. Recuperação de soda – interface água e solução de limpeza
    2. Descarte de interface água e solução de limpeza para eliminação de sujidades e sólidos
    3. Recuperação de água com baixa concentração de solução de limpeza.

O EHEDG, por exemplo, sugere a troca das soluções ou monitoramento da qualidade da solução.

  1.  Troca da solução alcalina nas seguintes condições:
  • A cada 3 meses
  • 30 ciclos
  • Sujidades visíveis
  • Quando o tanque for drenado
  • Antes e após manutenção

b.  Monitoramento da qualidade pode ser feito através de:

  • Teor de carbonatos
  • Alcalinidade
  • Turbidez / teor de sólidos
  • DQO

Em suma, quanto mais limpa estiver a solução alcalina, melhor será a eficácia da limpeza e menor será o risco de contaminações microbiológicas e físicas, e isso depende do início da limpeza.

Leia também:

Por que o termo “validar” é de grande importância na indústria de alimentos?

 

Você faz o armazenamento da água potável de acordo com princípios sanitários?

 

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Fagos como opção aos antibióticos frente à resistência microbiana

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A humanidade precisa urgentemente de opções para fazer frente à resistência microbiana aos antibióticos e uma saída pode ser a adoção de fagos.

Fagos ou bacteriófagos são vírus que de forma seletiva parasitam e destroem bactérias. A descoberta dos fagos antecede ao uso de antibióticos, porém pelo sucesso destes últimos, acabou ficando de lado em pesquisas e aplicações na medicina.

Existem algumas aplicações promissoras que vou apresentar aqui, mas antes vamos recordar a problemática que é a resistência microbiana aos antibióticos.

– Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), trata-se de uma das 10 principais ameaças à saúde global enfrentadas pela humanidade atualmente.

– Estimativas preveem 10 milhões de mortes anuais por resistência antimicrobiana até 2050. Em 2019, mais de 1,2 milhão de pessoas em todo o mundo morreram diretamente de resistência antimicrobiana (RAM) e outros 5 milhões morreram por causas correlacionadas.

– Mesmo quando as vidas não são perdidas, períodos mais longos de padecimento e desgaste do organismo, com possíveis sequelas, como amputação e falência de órgãos podem ser esperados. Tratamentos que seriam simples poderão ser bastante críticos.

– As causas definitivas do crescente aumento da resistência ainda são discutidas e pesquisadas, sendo que as referências apontam o uso terapêutico indiscriminado ou incorreto de antibióticos pela população, além das aplicações profiláticas e em prol da produtividade na produção de animais para consumo humano.  Contudo, depois da pandemia de Covid-19, quando o uso de antibióticos se intensificou, o problema parece ter se agravado. Infecções da corrente sanguínea devido à Escherichia coli e Salmonella spp. resistentes em 2021 aumentaram pelo menos 15% em comparação com as taxas em 2017.

A resistência antimicrobiana enfraquece a medicina moderna e coloca milhões de vidas em risco

Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS

No Brasil, recentemente uma estudante de 18 anos faleceu por infecção de S. aureus de uma cepa resistente através de acne (leia aqui a notícia).

Fatos e dados importantes sobre fagos

  • Locais historicamente estratégicos de identificação e isolamento de cepas de utilidade são currais, fezes, esgoto.
  • Em um dos mecanismos de atuação, à medida que os fagos se instalam, os fagos filhos se desenvolvem, enfraquecem a parede celular da bactéria e ela explode, liberando 100 a 200 novos fagos.
  • Considerando as bibliotecas internacionais de fagos, 20 cepas são capazes de combater mais de 90% das espécies bacterianas, quando testadas.
  • Um painel de teste de resistência microbiana pode ser realizado em 8 horas, utilizando essas 20 cepas em uma única placa.
  • Os fagos são muito específicos em relação aos tipos de bactérias que infectam. Isso é bom e ruim: por um lado, pode ser muito difícil encontrar um fago específico que terá como alvo a bactéria de um paciente, mas essa especificidade também significa que não atacará a flora normal deste paciente.
  • Fagos podem ressensibilizar, ou seja, tornar bactérias resistentes a antibióticos novamente suscetíveis.
  • Na medicina, a terapia fágica é uma grande promessa para o tratamento de uma variedade de infecções. Os estudos estão priorizando infecções de difícil tratamento, como as que envolvem biofilmes em articulações protéticas e outros dispositivos implantados.
  • Aprovação de novos fagos no FDA é mais rápida e simples do que novas drogas (menos de 6 meses)
  • Por muito tempo, os bacteriófagos detêm um título indesejável na indústria de alimentos, especialmente em relação à contaminação de produtos fermentados.

Usos Potenciais de fagos para a segurança dos alimentos

Além das vias de contaminação por bactérias resistente em hospitais ou através de ferimentos/contágio onde há exposição de pele, a veiculação por alimentos é significativa.

Surtos de Salmonella, Campylobacter, Escherichia coli ou Listeria, como bem sabemos, acontecem.

Para prevenção do problema da contaminação na indústria, há a necessidade urgente de novas abordagens. Em 2006, o FDA aprovou o uso de fagos como “GRAS” – Geralmente Considerado Seguro. Têm sido usado cortes de carne vermelha e carne moída, contra E coli O157:H7.

Uma das vantagens dos fagos é que eles não afetam o sabor, a aparência ou o odor. Já existe comercialmente disponível um coquetel de fagos para Listeria, aprovado como aditivo para alimentos prontos para consumo. Existe um outro produto de fagos direcionado a espécies de Salmonella. Cada um desses produtos de fago é certificado como Kosher e Halal e não impactam a rotulagem de orgânicos.

Há ainda perspectivas para o uso de fagos para eliminação de biofilmes em superfícies de equipamentos e como alternativa para desinfetantes (leia aqui).

Sobre o tema da resistência antimicrobiana, uso de antibióticos na pecuária e avicultura, e segurança de alimentos não deixe de ler estes posts aqui do Food Safety Brazil:

Resistência antimicrobiana e segurança de alimentos
Resistência antimicrobiana ameaça a saúde pública mundial

Resistência Antimicrobiana (RAM): uma questão central em segurança de alimentos

Resistência microbiana a antibióticos de Salmonella isolada de frangos

Salmonella apresenta cada vez mais resistência a antibióticos

Se você busca dados sobre ocorrência de resistência microbiana, acesse o GLASS

Global Antimicrobial Resistance and Use Surveillance System

Aqui no blog tivemos um call para participação de brasileiros para elaboração de um documento-base para regulamentação harmonizada do uso de bacteriófagos na indústria de alimentos (confira aqui). Se você está por dentro do assunto, volte aqui para contar como estão os avanços no assunto.

Principal referência e fonte da imagem: Medscape em Can Phages Help Where Antibiotics Have Failed?

3 min leituraA humanidade precisa urgentemente de opções para fazer frente à resistência microbiana aos antibióticos e uma saída pode ser a adoção de fagos. Fagos ou bacteriófagos são vírus que de […]

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Resistência Antimicrobiana (RAM): uma questão central em segurança de alimentos

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O surgimento e a disseminação de patógenos bacterianos resistentes aos antibióticos representa uma grave ameaça ao bem-estar humano e animal em todo o mundo e pode trazer o ressurgimento de infecções mortais intratáveis (talvez “nova pandemia”?). Notavelmente, a OMS reconhece a resistência a antibióticos (RAM) como  um dos 10 principais desafios de saúde enfrentados pela humanidade no século XXI, que põe em risco a eficácia da prevenção e do tratamento de um número cada vez maior de infecções por vírus, bactérias, fungos e parasitas.

A RAM ocorre quando microrganismos (bactérias, fungos, vírus e parasitas) sofrem alterações quando expostos a antimicrobianos (antibióticos, antifúngicos, antivirais, antimaláricos ou anti-helmínticos, por exemplos). Os microrganismos resistentes à maioria dos antimicrobianos são conhecidos como ultrarresistentes. Como resultado, os medicamentos se tornam ineficazes e as infecções persistem no corpo, aumentando o risco de propagação para outras pessoas. Como a eficácia desses medicamentos diminui devido à resistência, infecções simples podem se tornar problemáticas novamente, remontando à era pré-antibióticos. 

Os antimicrobianos têm sido considerados ferramentas essenciais na luta contra doenças infecciosas. Eles foram introduzidos na alimentação animal desde a década de 1940. Os antibióticos são convencionalmente usados em animais de produção para tratar doenças clínicas (terapia), prevenir e controlar doenças comuns (profilaxia e metafilaxia) e aumentar o crescimento animal (promoção do crescimento). Pode haver um perigo, no entanto, na subdosagem. Não é difícil tornar os micróbios resistentes à penicilina em laboratório expondo-os a concentrações insuficientes para matá-los, e a mesma coisa ocasionalmente aconteceu no corpo humano. Então, existe o perigo de que o homem facilmente subdose a si mesmo e, ao expor seus micróbios a quantidades não letais da droga, torne-os resistentes.

A administração de antibióticos aos animais ou grupos de animais para tratar doenças ou infecções é chamada de antibioticoterapia. Os principais objetivos do emprego da antibioticoterapia em animais de produção são aliviar os sintomas e o sofrimento do(s) animal(is) afetado(s), limitar a transmissão da doença a animais saudáveis do rebanho e destruir o agente etiológico. Como a doença diminui o desempenho dos animais de fazenda e pode resultar em mortalidade, as aplicações terapêuticas também são componentes essenciais para aumentar a produção pecuária lucrativa, mas também a segurança dos animais e dos produtos consumíveis associados.

A promoção do crescimento refere-se à administração de antibióticos em concentrações subterapêuticas, geralmente em um aditivo para ração animal, durante um período de tempo para melhorar o desempenho fisiológico dos animais, principalmente para obter ganho de peso e eficiência alimentar. Embora o benefício líquido real do uso de antibióticos na alimentação de animais de fazenda seja difícil de medir, essa prática provavelmente é estimulada pelo ganho econômico e pela necessidade de lidar com as crescentes demandas dos consumidores por proteínas animais. 

Em comparação com outras aplicações de antibióticos, a promoção do crescimento é a mais controversa, por várias razões:

– É considerado principalmente como um método para aumentar o ganho econômico em ciclos de crescimento mais curtos;

– A expansão das operações de pecuária exige que grandes quantidades de antibióticos sejam usadas na promoção do crescimento;

– Os antibióticos usados para promoção do crescimento não são tão rigorosamente regulamentados como outras aplicações de antibióticos;

Pensa-se que aplicações subterapêuticas de antibióticos durante um período de tempo relativamente prolongado irão exercer uma pressão seletiva que permite a emergência e persistência de agentes patogênicos resistentes aos antibióticos que podem afetar animais e humanos.

A terapia com antibióticos e a prevenção de doenças são rigorosamente regulamentadas em muitos países e exigem receita de um veterinário. Além disso, os avanços na biossegurança e outras intervenções independentes de antibióticos (principalmente vacinas) reduziram efetivamente a dependência de antibióticos na terapia e prevenção de doenças nos países desenvolvidos. 

O tratamento de infecções causadas por patógenos resistentes a antimicrobianos é caro. Patógenos bacterianos transmitidos por alimentos, como Salmonella (é bem conhecido que resiste aos antibióticos, ocorre em alimentos contaminados como carne de aves e pode ser transmitida aos seres humanos) e Campylobacter, também podem evoluir para adquirir resistência a antibióticos e causar infecções difíceis de tratar. Por exemplo, estimou-se que a Salmonella não tifóide resistente a drogas gera US$ 365 milhões em custos médicos anualmente apenas nos EUA. A extrapolação desses números em escala global sugere a necessidade de intervenções mais mitigadoras para controlar o surgimento de RAM associada à pecuária e muito trabalho ainda é necessário.

Um esforço global coordenado é urgentemente necessário para combater a RAM além das fronteiras. Embora se preveja que as intervenções sejam favoráveis, também argumenta-se que a disseminação de patógenos resistentes aos antibióticos pode não ser afetada imediatamente. Isso ocorre porque os mecanismos e mutações que levam à RAM e têm pouco ou nenhum custo de condicionamento provavelmente persistirão na ausência de pressão antibiótica. 

A resistência aos antimicrobianos representa uma ameaça crescente à saúde pública mundial. Um aumento de bactérias transmitidas por alimentos resistentes aos antibióticos complicará o tratamento de infecções e doenças transmitidas por alimentos adquiridas pela exposição a animais de produção e ao ambiente da fazenda, um surgimento ou ressurgimento de novas cepas de bactérias resistentes a antibióticos será visto e a pressão seletiva de antibióticos em operações agrícolas pode enriquecer os pools de marcadores genéticos resistentes a antibióticos e aumentar a transmissão potencial desses marcadores fora da fazenda (via escoamento, esterco e descarte de resíduos agrícolas) e requer ação de todos os setores do governo e da sociedade, além das empresas na cadeia produtiva de alimentos.

Leia a matéria completa aqui

Imagem: https://www.paho.org/es/panaftosa/resistencia-antimicrobiana-produccion-animal 

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Riscos e oportunidades dos smartphones para a segurança dos alimentos

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Strategy Analytics publicou uma estimativa de que 3,85 bilhões de pessoas possuem smartphones. Considerando que há cerca de 7,9 bilhões de pessoas no planeta Terra, isso significa que 50% de todo o mundo já possui um aparelho destes.

O Brasil é um país cuja população mergulha sem medo nas novas tecnologias. Por aqui, segundo uma pesquisa da FGV, há mais de um smartphone por habitante, pois existem 242 milhões de aparelhos em uso e o País tem pouco mais de 214 milhões de habitantes, de acordo com o IBGE.

Evidente que há pessoas com mais de um aparelho e outras que ainda não o possuem, mas o fato é que a grande maioria dos brasileiros já faz uso dos smartphones como sendo um objeto imprescindível em seu dia a dia.

Quando o homem pisou na Lua em 1969, o computador com o nome de Apollo Guidance Computer (AGC) tinha pouco mais de 4 MB de memória RAM para leitura de dados, além de 72 KB de memória ROM, enquanto um smartphone intermediário atual normalmente tem 4 GB de RAM. Isso significa que um Galaxy J8, por exemplo, tem 4 mil vezes mais capacidade de processamento que o computador da Apollo 11.

Já um iPhone com 512 GB de armazenamento tem o equivalente a 4.398.046.511.104 de bits e isso significa que sua capacidade de processamento é mais de sete milhões de vezes maior que a do AGC.

Estes números servem para mostrar que este aparelhinho que temos em mãos, que se tornou tão banal em nosso cotidiano, possui uma tecnologia muito mais avançada do que a utilizada para chegar na Lua. Claro, isso significa muitas oportunidades para os profissionais da cadeia produtiva de alimentos, mas também muitos desafios, especialmente porque sua chegada foi abrupta e a revolução disruptiva que ele vem causando é gigantesca.

O P O R T U N I D A D E S

Vamos começar pelo copo meio cheio, pois são muitas os benefícios que um smartphone pode trazer aos profissionais da cadeia produtiva de alimentos.

O mais óbvio é a possibilidade de comunicação, facilitando troca de informações, o envio de fotos, vídeos, textos, documentos, áudios gravados, podendo, por exemplo, permitir comunicação de forma rápida, precisa e simples com os membros de uma equipe de Segurança dos Alimentos.

Os smartphones podem conectar também diversos outros stakeholders como clientes, varejistas, distribuidores, transportadores, indústrias, produtores primários etc., tornando muito mais ágil as ações coordenadas, em especial, quando surgem adversidades como numa eventual gestão de crises e recall.

Contudo, o potencial de uso dos smartphones vai muito além da comunicação entre pessoas, permitindo também a comunicação entre homens e máquinas. A partir do uso da Internet das coisas (IoT), com máquinas e equipamentos adotando sensores inteligentes como os de vazão, volume, pH, temperatura, nível, cor, presença, peso e o que mais for imaginável para coletar dados,  pode-se depois remeter estas informações aos usuários que mesmo remotamente terão a possiblidade de monitorar e controlar produtos e processos em tempo real via seus smartphones.

Há diversas outras aplicações úteis dos smartphones nas áreas de vendas de produtos alimentícios, análise de satisfação de clientes, prospecção de mercados, inteligência de mercados e de negócios.

Indo além, como visto no artigo Indústria 4.0, somado ao uso de grandes bancos de dados (Big Datas), Inteligência Artificial (AI) e outras tecnologias emergentes, a indústria nos próximos anos passará por uma transformação profunda e rápida, pois a velocidade com que evolui segue um crescimento em progressão geométrica, e não tenha dúvida, os smartphones são um elo central nisto.

D E S A F I O S

Enxergar os riscos é um exercício importante, pois nos possibilita prever problemas, e como é de se esperar, há também desafios no uso de smartphones para os profissionais da indústria de alimentos.

Vou direto a um dos pontos cruciais: smartphones viciam. Assim, muitos ficam com ele no bolso, mas na primeira oportunidade aproveitam para dar uma olhadinha e alguns cliques navegando em redes sociais, aplicativos, vídeos do YouTube, e espero, também aqui no blog para se informar sobre as novidades em Food Safety, porém este hábito pode trazer riscos.

Por exemplo, suponha que um manipulador de alimentos vai ao banheiro, e naquele momento íntimo de privacidade, aproveita para dar uma clicadinha. Com isso, o ambiente insalubre possibilita contaminação do aparelho, e depois, ao longo do dia, o smartphone será um ponto potencial de contaminação cruzada.

Uma pesquisa publicada pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense coletou amostras nas telas touch screen de smartphones que foram analisadas para determinar a contagem de bactérias aeróbias mesofílicas, enterobactérias, bolores e leveduras, bactérias coliformes totais e bactérias coliformes a 45°C.  Constatou-se que mais de 70% dos aparelhos analisados apresentaram contaminação elevada por bactérias mesófilas aerofílicas e bolores e leveduras, além de 25% por enterobactérias, sendo observada a presença de coliformes a 45°C em 25% dos aparelhos avaliados, como pode ser visto aqui.

Uma outra pesquisa publicada no jornal da Universidade Federal de Goiás indicou a presença de biofilmes bacterianos em smartphones de profissionais de saúde (veja aqui).

Além do evidente risco microbiológico, a distração causada pelo uso dos smartphones em ambientes produtivos pode propiciar erros no controle operacional, na dosagem de insumos, aditivos e ingredientes, no controle de pontos críticos, e com isso, gerar produtos fora da especificação e potencialmente inseguros, e claro, até mesmo acidentes do trabalho.

Outra questão relevante que precisa ser abordada refere-se a Food Defense, especialmente no que se refere à proteção das organizações e suas marcas. Pessoas mal-intencionadas, tendo em mãos câmeras, filmadoras e gravadores que integram os apetrechos de um smartphone, podem criar verdadeiras ciladas, simulando e filmando contaminações que depois podem ser viralizadas em redes sociais com o objetivo em prejudicar determinadas marcas, e aí, até que se explique, o estrago está feito.

Há também, evidentemente, o risco de espionagem industrial ao filmar ou fotografar segredos industriais.

COMO AGIR

O fato posto é que os smartphones já são uma realidade e dificilmente deixarão de ser a curto prazo. Somente deixarão de ser quando forem substituídos por algo ainda melhor e mais prático.

A questão é como devemos agir em relação ao tema, pois ao mesmo tempo que se deve respeitar a individualidade de cada um no uso de seu smartphone, há que se considerar os riscos potenciais de seu uso em ambientes de trabalho para poder preveni-los.

Seguem algumas dicas sobre como lidar com esta questão:

  1. Limite o uso dos smartphones por área e função, mapeando quais atividades desempenhadas podem ou não utilizar os smartphones e em quais ambientes/ locais/ áreas – use um critério de gestão de riscos:
    1. Profissionais que não manipulam matérias-primas, insumos, aditivos e produtos e que precisam smartphone para melhor realizar suas atividades e funções podem ter seu uso autorizado;
    2. Manipuladores diretos de matérias-primas, insumos, aditivos e produtos não devem ter permissão para uso durante horário de trabalho;
    3. Em áreas críticas de manipulação de alimentos, onde o produto, devido às suas características intrínsecas, seja muito susceptível à contaminação, ninguém deve ter autorização de uso dos smartphones;
    4. O ítem anterior também se aplica para áreas onde seja necessária a proteção de tecnologias de produção e propriedade intelectual da organização.
  2. Dentro do tema BPF – Boas Práticas de Fabricação – treine as pessoas sobre os riscos de contaminação cruzada com smartphones e capacite todos sobre como criar uma rotina de limpeza e desinfecção das mãos e dos aparelhos, usando, por exemplo, álcool 70%  ou álcool isopropílico;
  3. O tema uso de smartphones e as regras adotadas pela organização deve ser repassado já em treinamentos de integração com periódicas reciclagens no assunto, fora, é lógico, o monitoramento constante por parte das lideranças;
  4. Para os profissionais que não podem utilizar o smartphone durante o expediente de trabalho, é conveniente que a organização disponibilize armários seguros para sua guarda;
  5. Por fim, fortaleça a Cultura de Segurança dos Alimentos, disseminando um olhar crítico para que todos sejam capazes de perceber os riscos e preveni-los.

Há muito mais a se dizer sobre os riscos e oportunidades que os smartphones podem proporcionar, assim como as formas de lidar com esta questão. Deixe sua contribuição, diga como você age neste tema no seu dia a dia profissional.

Leia também:

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