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ISO 56.002 como base para a gestão da inovação em alimentos e bebidas

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O mercado de alimentos e bebidas é estonteante no que tange à gestão da inovação.

Dando um passeio pelas prateleiras e gôndolas dos supermercados é impossível não se surpreender, há sempre novos sabores, cores, texturas, aromas, tipos de embalagens, enfim, a concorrência neste mercado, os stakeholders do segmento de alimentos e suas expectativas, o anseio dos consumidores por novos produtos e a tecnologia que avança, tudo colabora para que surjam novidades o tempo todo.

Lembro sempre que em alimentos e bebidas, quando se pensa em especificações técnicas para o desenvolvimentismo de novos produtos, há que se considerar tanto a qualidade percebida, ou seja, aquilo que o consumidor tem como expectativa e espera encontrar, quanto a intrínseca, associada a garantir que novos produtos desenvolvidos nasçam seguros, como visto no artigo Food Safety agregando valor aos negócios.

Inovar é descobrir ou utilizar novas matérias-primas, insumos e aditivos, também é recombinar os já existentes criando algo novo, buscando novas sinergias, adaptando funções, desenvolvendo ou usando novas embalagens ou tecnologias que tragam melhores características e/ ou benefícios aos alimentos e bebidas.

Inova-se para criar novos sabores, texturas, sensações, para tornar alimentos mais nutritivos e/ ou saudáveis, mais práticos, sensorialmente mais prazerosos, convenientes, eventualmente para otimizar custos e tornar produtos mais competitivos, e claro, para garantir que alimentos e bebidas sejam mais seguros sob a ótica da segurança dos alimentos, enfim, por uma infinidade de razões.

Em alimentos, o homem já inova há muito tempo. Podemos resgatar isso ao período em que nossos antepassados  dominaram o fogo e começaram a cozinhar suas carnes e vegetais, afinal, isso transforma tudo! Também começaram a combinar aquilo que coletavam, colocando, por exemplo, sal e ervas nestas carnes e vegetais e descobrindo um incrível mundo novo de sabores e aromas.

Aprendemos a escolher grãos, a misturar, a macerar, fazer pastas, papas, e fomos acumulando experiências, evoluindo, usando tecnologias incríveis mesmo que empiricamente, quando, por exemplo, há alguns milênios já começamos a fazer pão, vinho, queijo e cerveja usando biotecnologia sem nem imaginar ainda que leveduras e bactérias existissem.

Desenvolvemos técnicas de conservação reduzindo atividade de água, desidratando ao sol, adicionando sal, mas também com o uso de especiarias, aumentando a pressão osmótica fazendo doces e compotas, baixando o pH com frutas cítricas como o limão, ou mesmo conservando a carne dentro da banha do animal.

As  grande navegações trouxeram um novo frenesi à inovação alimentar em todo o mundo, por permitir migrar matérias-primas e ingredientes gerando novas possibilidades e inovações.

Alguns alimentos que até então eram regionais tornaram-se parte de uma dieta internacional a ponto de na atualidade parecer que sempre estiveram em todas as partes do mundo.

Os exemplos de intercâmbios de alimentos são muitos: temos as famosas especiarias das Índias e oriente levadas para a Europa e depois para todo o ocidente; o coco que saiu do sudeste da Ásia e veio parar no Brasil a tal ponto que muitos acreditam que são nativos de nossas praias; assim como a manga que vem da Índia e em todo canto do Brasil tem um pé plantado. A cana-de-açúcar tem origem nas regiões tropicais do sul e do sudeste da Ásia e foi e ainda é intensamente cultivada nas Américas; a batata saiu da América do Sul e foi salvar a Europa da fome; o milho, que a partir da América Central ganhou o mundo, hoje é indispensável internacionalmente, sendo o Brasil e os EUA os maiores produtores. Por  sua vez, a soja tem origem na região da Manchúria no nordeste da China, e hoje, vejam só, é o Brasil que a exporta para a China; o trigo que era cultivado na Mesopotâmia virou uma importante commodity indispensável à indústria de massas, pães e biscoitos; o cacau que é originário da chuvosa Bacia do rio Amazonas, torna-se um ingrediente que vai levar ao delírio as cortes europeias e hoje é tão acessível a todos; o café, uma planta nativa das regiões altas da Etiópia, no mundo contemporâneo faz parte do consumo diário de milhões de pessoas, inclusive tomo um enquanto escrevo este artigo.

Tente imaginar o quão incrível foi para os cozinheiros e confeiteiros a partir do século XV poder criar e inovar seus pratos utilizando sabores, odores, sensações que chegavam de todas as partes como novidades aos portos europeus e até então eram desconhecidos

No entanto, novidades continuam surgindo. Recentemente foi lançado um surpreendente chocolate naturalmente num tom rosa pastel que é produzido a partir do cacau rubi, uma inovação de cor que não acontecia há mais de 80 anos neste tipo de produto, cujas cores tradicionais ficavam nos tons entre preto, marrom e branco. Além disso, este chocolate apresenta um sabor com notas diferenciadas devido à cremosidade, ser bem frutado e ter um toque mais cítrico que os chocolates tradicionais.

Atualmente são diversas as operações unitárias disponíveis para atender o segmento de alimentos e bebidas, seja numa cozinha assando, cozinhando, fritando, ensopando num fogão, microondas ou num air fryer, ou em escala industrial, onde podemos concentrar, desidratar, extrusar, transformar em pó, pasteurizar, esterilizar, destilar, fermentar, liofilizar, secar, emulsificar, microencapsular, destilar, e tantas outras tecnologias para produção de alimentos e bebidas que são usadas como se sempre tivessem existido. Soma-se a isso, a infindável gama de ingredientes, insumos e aditivos que atualmente temos à disposição como aromas naturais e artificiais, realçadores de sabor, emulsificantes, conservantes, corantes naturais e artificiais, adoçantes, realçadores de sabor,  espessantes, extraídos das mais diversas fontes como minerais, vegetais, fungos, animais, insetos, algas ou sintetizados em laboratórios.

Podemos ir buscar inovações na origem, na agricultura e na pecuária, onde inovamos muito também, seja escolhendo as espécies que melhor nos atendem como alimentos, cultivando ou até mesmo gerando novas plantas e animais pela via genética, para que sejam mais nutritivos, mais seguros, de maior produtividade, mais resistentes a pragas, etc.

A inovação na agricultura e pecuária felizmente desmontou Malthus, pois aumentamos a produtividade agrícola numa velocidade bem maior que o crescimento populacional, e olha que a população mundial disparou!

No entanto, apesar do crescente interesse das empresas no tema inovação, ainda há muitas dúvidas sobre o que, de fato, é inovar e como saber se uma organização efetivamente é inovadora.

A ISO 56.002 vem para ajudar nisso, é uma norma ISO que pretende garantir que a inovação não seja apenas um discurso vazio e sim uma cultura inerente ao cotidiano de uma empresa, portanto, é uma norma para ser aplicada a organizações que já se julgam ou pretendem ser inovadoras.

O comitê técnico da ISO para a norma de inovação foi criado em 2008 dando início aos estudos para elaboração de uma norma específica para este tema. Em 2013 o comitê já havia levantado todas as normas de inovação dos países associados e a partir de 2015 começaram as reuniões para elaboração da norma, e então, depois de várias revisões e alterações, dez anos depois do início dos primeiros trabalhos, o texto foi finalmente aprovado em junho de 2018 e traduzido e lançado no Brasil em julho de 2019.

Trata-se da primeira norma global a propor uma abordagem sistematizada à gestão da inovação nas organizações, englobando temas como a visão, estratégia, cultura, colaboração, gestão da incerteza, liderança, adaptabilidade, propriedade intelectual, inteligência estratégica, e claro, o processo de inovação propriamente dito.

Esta norma, portanto, fornece orientação para estabelecer, implementar, manter e melhorar continuamente um sistema de gerenciamento de inovação e é aplicável a:

  1. Organizações que buscam sucesso sustentado desenvolvendo e demonstrando sua capacidade de gerenciar efetivamente atividades de inovação;
  2. Usuários, clientes e outros stakeholders buscando confiança nas capacidades de inovação de uma organização;
  3. Organizações e stakeholders que buscam melhorar a comunicação através de um entendimento comum do que constitui um sistema de gestão da inovação;
  4. Provedores de treinamento, avaliação ou consultoria para sistemas de gestão da inovação;
  5. Formuladores de políticas visando maior eficácia dos programas de apoio às capacidades de inovação e competitividade das organizações e o desenvolvimento da sociedade.

Em linhas gerais, o texto da norma diz que inovação é a introdução no mercado de produtos, processos, métodos ou sistemas que não existiam anteriormente, ou que contenham alguma característica nova e diferente da até então em vigor. A norma considera, basicamente, seis pilares de inovação:

PILAR OBJETIVO
1) Liderança visionária: Ter líderes que inspiram os colaboradores a pensarem nas realizações futuras e a abraçarem a evolução;
2) Gestão de insights: Valorizar ideias de colaboradores ou consumidores que possam transformar os produtos e processos produtivos;
3) Gestão de risco: Dominar as incertezas que permeiam o cotidiano das empresas, analisando as vulnerabilidades e propondo melhorias;
4) Cultura adaptativa: Criar um comportamento baseado na resiliência, isto é, na maneira de se adaptar às demandas e diversas tendências de mercado;
5) Realização de valor: Estruturar uma rotina de melhoria colaborativa que seja capaz de trazer incrementos que agreguem valor a produtos e serviços;
6) Abordagem de processos: Criar sistemáticas que avaliem sob a perspectiva de inputs e outputs em cada etapa dos processo para que contribuam em termos de inovação. 

Esta norma provê diretrizes de gestão baseadas em uma política para inovação, a partir da qual devem ser estabelecidos os objetivos e métricas para quantificar e qualificar os resultados inovadores de uma empresa.

Todas as orientações contidas nesta norma são genéricas e devem ser aplicáveis a todos os tipos de:

  1. Organizações, independentemente do tipo, setor ou tamanho; 
    1. O foco está nas organizações estabelecidas, com o entendimento de que tanto as organizações temporárias quanto as start-ups também podem se beneficiar aplicando essas diretrizes no todo ou em parte;
  2. Inovações, por exemplo: produto, serviço, processo, modelo e método, variando de incremental a radical ou disruptiva;
  3. Abordagens, por exemplo: inovação interna e aberta, atividades de inovação direcionadas ao usuário, mercado, tecnologia e design.

Para sua implementação, a empresa deve passar por uma fase de diagnóstico, que pode ser feito tanto por uma equipe interna de gestão quanto por uma consultoria terceirizada especializada no tema. Nesta etapa, avalia-se se a cultura de inovação já existe e se precisa apenas de adaptações, ou se mudanças mais profundas devem acontecer provocadas pelo direcionamento proposto pela Norma ISO 56.002 como uma ferramenta para implantação de um novo mindset.

A implementação de um sistema de gerenciamento de inovação eficaz e eficiente pode ter impacto ou ser impactado por outros sistemas de gerenciamento e pode exigir integração em vários níveis.

Neste sentido, numa perspectiva integrada, a ISO 56.002 pode ser uma base estrutural muito útil para alavancar inovações quando se aplicar o requisito 8.3 da ISO 9.001  que trata de projeto e desenvolvimento de produtos e serviços, e claro, falando do segmento de alimentos e bebidas, ao inovar é sempre preciso considerar os requisitos da ISO 22.000 e da ISO TS 22001-2, para que novos produtos já considerem questões relacionadas com a segurança dos alimentos desde o berço.

O tema inovação em alimentos e bebidas não pode, portanto, andar descolado da segurança dos alimentos, uma vez que aquilo que é desenvolvido e ofertado aos consumidores, acima de tudo, precisa ser seguro.

Feito isso, numa fase seguinte, se estabelece um cronograma com um plano de ação, que varia caso a caso, uma vez que deve ser personalizado para cada empresa, para condução dos objetivos de inovação particulares e de interesse de cada negócio, levando em conta o contexto, portanto, o mercado, tipo e características dos produtos, recursos tecnológicos e financeiros disponíveis, questões legais, visão, valores e expectativas dos stakeholders.

Uma relevante diferença dessa norma em relação às mais conhecidas, como a ISO 9.001 de qualidade, a ISO 14.001 de gestão ambiental, a ISO 45.001 de segurança e saúde ocupacional ou a ISO 22000 de segurança dos alimentos, é que a ISO 56.002 de inovação é uma norma de diretrizes e não de requisitos, por isso, sua numeração termina com o número dois, 56.002.

Isso significa que não existe um modelo único para a inovação, pois ela pode se dar de várias formas e por vários meios, e requisitos poderiam significar amarras desnecessárias. O que há, então, são diretrizes genéricas.

Portanto, a ISO 56.002 é um padrão de orientação voluntário e não contém requisitos como os usados quando uma norma é oferecida para “certificação”. A melhor maneira de usá-la é como um guia validado internacionalmente sobre como configurar um sistema de gerenciamento de inovação.

Embora não seja uma norma propriamente de certificação, existem empresas oferecendo auditorias que ao final fornecem um “atestados de conformidade” que pode servir como comprovação de que uma determinada organização segue as diretrizes de inovação.

Acima de tudo, a ISO 56.002 é uma ferramenta preciosa para as organizações que pretendem desenvolver as suas abordagens da gestão da inovação, o que evidentemente, se mostra bem apropriado ao segmento de alimentos e bebidas.

Entre os benefícios esperados da implementação da ISO 56.002 estão o envolvimento dos stakeholders nos projetos de inovação, a contínua geração de ideias, a criação de uma cultura de inovação, além do desenvolvimento de novos produtos e mesmo mercados até então não explorados por uma empresa.

Complementar à ISO 56.002, também foram desenvolvidos pela ISO outros padrões do sistema de gerenciamento da inovação:

ISO 56.000 ISO 56.003 ISO 56.004
Vocabulários e fundamentos Ferramentas e métodos de inovação Encarregada do assessment
ISO 56.005 ISO 56.006 ISO 56.007
Gestão da propriedade intelectual gerada com a inovação Diretrizes para a gestão da propriedade intelectual Gestão de ideias

 

 

 

O que funciona muito bem em uma empresa pode não funcionar em outra, e justamente por isso, além de conhecer muito sobre normas, quem faz a implementação da ISO 56.002 precisa saber, também, muito sobre técnicas e metodologias de inovação, obviamente voltadas para alimentos e bebidas se for neste segmento, para que consiga criar projetos que efetivamente tragam resultados capazes de agregar valor para a organização, e claro, para os consumidores de alimentos e bebidas.

E se você tem problemas com as mudanças e inovações, dê uma olhadinha no artigo Quociente de Adaptabilidade (QA) na gestão da segurança de alimentos que vai lhe ajudar.

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A alimentação halal: origem, tradição e certificação

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O islamismo é a religião que mais cresce no mundo e até o final deste século, se o ritmo de crescimento se mantiver, os muçulmanos irão superar os cristãos como o maior grupo religioso, portanto, este público representa um mercado significativo de alimentos para o qual a certificação halal é importante.

Atualmente 91,2% da população no Oriente Médio e Norte da África se considera muçulmana; 24,8% na Ásia-Oceania; 29,6% na África Subsaariana; 6% na Europa; e 0,6% na América.

Em números absolutos, há hoje no mundo 1,6 bilhões de pessoas que se designam muçulmanas, portanto, cerca de 23,4% da população mundial.

Embora o senso comum considere que a maioria dos seguidores dessa religião estejam no norte da África ou no Oriente Médio, apenas 20% deles encontram-se nesses lugares. A maioria dos muçulmanos (62%) está na região Ásia-Pacífico, sendo que o maior país muçulmano é a Indonésia.

Assim como para a cultura judaica, como foi visto no artigo “A alimentação kosher: origem, tradição e certificação“, para os muçulmanos a cultura, religião e hábitos alimentares também caminham juntos. Os alimentos denominados halal devem ser produzidos de acordo com determinadas regras ligadas à orientação cultural e religiosa do islamismo, e embasadas no livro sagrado Alcorão.

Desta forma, a orientação islâmica sobre a dieta determina que o consumidor verifique se o produto está em conformidade com as regras religiosas, já que, para eles, o alimento pode influenciar a alma, o comportamento e a saúde física e moral do ser humano, o que é facilitado quando tal alimento industrializado e processado contiver um selo halal.

A palavra halal para os muçulmanos, portanto, equivale então ao que o termo kosher representa para os judeus, ou seja, aquilo que está em conformidade, que é lícito, correto e autorizado para a alimentação.

Principais regras da alimentação halal

Desde que sejam respeitadas as leis islâmicas para a produção do alimentos, dentro dos procedimentos e normas ditadas pelo Alcorão e pela Jurisprudência Islâmica, e que estejam livres de contaminações que possam causar males ao ser humano na perspectiva de food safety, entende-se que são halal:

  • Peixes e outros animais aquáticos;
  • Vegetais de todos os tipos;
  • Todo produto, criado por meio da biotecnologia, extraído de vegetal, mineral ou por via microbiana para a indústria alimentar;
  • Derivados de origem animal, utilizados para consumo alimentar, desde que o animal tenha sido sacrificado conforme a lei islâmica, mediante comprovação sob a supervisão;
  • Queijo processado através do coalho microbiano;
  • Leite de vacas, ovelhas, camelas e cabras;
  • Frutas frescas ou secas, legumes, sementes, desde que não contaminadas por pesticidas.

São banidos da alimentação halal e denominados haram:

  • Animais que vivem tanto na terra como na água, como crocodilos, tartarugas e jacarés;
  • Suínos e seus derivados;
  • Sangue e derivados do sangue;
  • Animais carnívoros;
  • Répteis e insetos;
  • Todas as bebidas alcoólicas como vinho, destilados, cervejas, licores, etc;
  • Toda carne para a qual, no momento do abate, não seja invocado o nome de Allah.

Produtos industrializados halal

Para a fabricação de produtos industrializados considerados halal é necessária obediência a determinadas regras de fabricação.

O caso mais emblemático refere-se aos frigoríficos, cujas regras e normas dizem respeito à forma de abate, sendo que o ato somente pode ser realizado por um muçulmano que tenha atingido a puberdade e que durante o o sacrifício do animal pronuncie o nome de Allah, com a face voltada para Meca ou que faça uma oração dizendo o nome de Allah, tal como a Bismillah Allah-u-Akbar.

Também existem equipamentos e utensílios próprios, que devem ser sempre usados para resultar no abate correto do animal. A faca que fará a degola deve estar bem afiada, fazendo um corte no pescoço em forma de meia-lua e o processo deve ser rápido, cortando os grandes vasos, traqueia e o esôfago, fazendo com que o sangue seja totalmente extraído da carcaça. Importante que o sangue seja totalmente removido, pois é considerado como não halal, e feito isso, a carcaça deve ser lavada e higienizada, e a água do processo deve ser eliminada.

E por falar em higienização do ambiente, para as regras halal, isso nunca pode ser realizado com álcool, pois é proibido para os muçulmanos.

A importância mercadológica da certificação halal

Para uma empresa exportar alimentos para os países islâmicos, o “passaporte” é ter um certificado halal, ou seja, um documento emitido por uma agência governamental ou uma instituição certificadora halal, reconhecida pelos países muçulmanos – neste caso em especial, pelos países árabes que são o maior destino importador – atestando após uma inspeção na empresa produtora, que o produto seguiu os preceitos do islamismo.

O mercado árabe é um dos principais destinos das exportações de carne brasileira. Só no ano de 2018 a Arábia Saudita importou o montante de 482 mil toneladas de carne de frango congelada do Brasil.

As relações entre o Brasil e os países árabes sempre foram amistosas e estão em plena expansão. Segundo dados divulgados pela Câmara de Comércio Árabe-Brasileira, as exportações de carne e frango entre o Brasil e os países árabes cresceram 20%  comparando-se os anos de 2019 e 2018.

O principal destino das exportações brasileiras aos países árabes são os Emirados Árabes, Arábia Saudita, Egito e a Argélia. Por conta disso, é essencial para os exportadores brasileiros, em específico para os frigoríficos, possuir uma certificação halal.

A certificação halal ganha importância e notoriedade, portanto, conforme avançam as negociações entre o Brasil e os países cuja população tem uma comunidade islâmica relevante, por ser uma condição importante para transações comerciais.

Requisitos para obter o certificado halal

Para obter a certificação halal uma empresa precisará ser avaliada por uma instituição certificadora. Existem diversas no mundo, cada uma possuindo seus próprios símbolos ou marcas registradas, que avaliarão em três etapas se os procedimentos exigidos pelo Alcorão são seguidos na produção ou industrialização do produto para que seja considerado halal.

Numa primeira etapa de verificação ocorre a avaliação da listagem de matérias-primas, insumos e aditivos utilizados na fabricação do produto, o que pode ser realizado remotamente. Esta verificação toma como base uma lista dos itens que não são considerados lícitos pela lei islâmica como, por exemplo, os derivados do porco ou insetos.

Num segundo momento, há uma auditoria in loco, na qual os auditores verificam a transparência da empresa quanto às informações previamente passadas, além da sua conduta comercial, ou seja, se ela é justa nas negociações.

Quando se tratar de qualquer produto que utiliza proteína animal, é fiscalizado o abate, que deve ocorrer como já citado.

Por último, após a coleta de todos os dados, um Comitê de Certificação avalia todas as informações coletadas e as analisa para avaliar se realmente atendem plenamente as diretrizes exigidas para alimentos halal, e somente após a aprovação deste Comitê é que o certificado é emitido.

A legislação nacional e internacional do país de destino para alimentos, além é claro, do Alcorão, são bases da avaliação do Comitê.

O fato é que se uma organização quer exportar para os países árabes ou outros com significativo número de islâmicos e ter como público consumidor de seus produtos a comunidade muçulmana, deve respeitar as tradições e requisitos de caráter cultural e religioso destes stakeholders, e por isso a certificação halal passa a ser um diferencial necessário.

Portanto, para estas empresas, tudo aquilo que é considerado pelos muçulmanos impróprio deve ser entendido como um perigo na análise de riscos durante uma produção de alimentos halal, seguindo devidamente suas tradições e mantendo registros para rastreabilidade.

Os números atuais de muçulmanos no mundo e sua expansão mostram que efetivamente é muito significativo e relevante este grupo de stakeholders, especialmente para alguns segmentos como o frigorífico de aves e bovinos, pois atender aos critérios halal pode significar ter acesso a uma importante fatia do mercado consumidor.

Leia também:

  1. Certificação Halal: aspectos técnicos e religiosos
  2. Stakeholders do segmento de alimentos e suas expectativas
  3. A alimentação kosher: origem, tradição e certificação

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A alimentação kosher: origem, tradição e certificação

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Cada povo, etnia ou grupo social, se distingue dos demais por seus costumes, valores intelectuais e morais, padrões de comportamento, religião e, não menos importante, pela alimentação. Possivelmente, em nenhuma outra cultura a relação religião-alimentação seja tão importante e estreita quanto na judaica, com sua chamada dieta kosher.

Alimentos kosher, também conhecidos como kasher, obedecem a regras de alimentação denominadas kashrut que seguem a Torá, estando especialmente enumeradas no capítulo 11 do livro Levítico, mas também em outros textos sagrados, que trazem um conjunto de prescrições de origem divina, que determinam a dieta alimentar judaica.

Para fazer um paralelo, a Torá na fé cristã equivale, com algumas diferenças, aos cinco primeiros livros do Velho Testamento (Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio), conhecidos como Pentateuco, que diga-se, também possuem estas regras ou leis de alimentação, uma vez que ambos têm origem nas mesmas tradições.

Há vários objetivos pelos quais a comunidade judaica mantém a tradição do consumo de alimentos kosher, porém o mais importante é manter vivas as tradições do povo judeu, uma rica cultura milenar, e justamente por respeitarem fielmente tais regras ao longo do séculos, foi que se mantiveram como um povo unido, mesmo estando separados em diferentes países.

A palavra kosher, traduzida para o português, significa “adequado”, “bom” ou “correto”, ou seja, tudo aquilo que é adequado para o consumo pelos judeus.

Quando industrializados, os produtos kosher precisam ser supervisionados por autoridades religiosas e podem ser identificados por símbolos impressos em suas embalagens, em geral, um “U” ou um “K” dentro de um círculo ou em uma moldura.

Quando estas letras (“K” ou “U”) aparecem sem nenhum adorno, significa que o fabricante alega que seu produto é kosher, mas não necessariamente foi submetido à supervisão de um rabino.

Principais regras da alimentação kosher

Para ser kosher, em linhas gerais, o alimento tem de obedecer alguns requisitos básicos encontrados na Torá:

  1. A carne consumida deve ser de animais ruminantes e que tenham cascos bipartidos;
  2. Nunca se deve ingerir sangue;
  3. Não comer animais proibidos descritos na Torá;
  4. Deve-se separar, uns dos outros, os utensílios utilizados no preparo de carnes, leite e seus derivados;
  5. Todos os vegetais e minerais podem ser consumidos.

Estas regras buscam propor uma alimentação mais pura e que nutra o corpo e a alma, então não estamos falando propriamente de food safety, mas de preceitos étnicos, de regras entendidas como importantes e de fundo cultural, religioso e espiritual para este povo.

A alimentação kosher não é vegetariana, mas o consumo de carne deve seguir uma série de regras tanto na produção quanto no preparo dos pratos. Para começar, a carne deve ser oriunda de um animal ruminante que não tenha os cascos bipartidos, por isso, coelhos e porcos não estão incluídos no cardápio.

Aves como frango, peru, ganso e pato são aceitas, mas as de rapina, ou seja, que se alimentam de outros animais, não são permitidas.

Produtos industrializados kosher

Além disso, a Torá exige que bovinos e frangos sejam abatidos de acordo com essas Leis, num ritual chamado Shechita, onde apenas uma pessoa treinada, denominada Shochet, é considerada apta a realizar o abate, e antes do Shechita é realizada uma oração especial chamada Beracha.

O objetivo do ritual é proporcionar a eliminação do máximo de sangue possível no sacrifício, com o mínimo de sofrimento, o que é obtido pela degola do animal ainda vivo, de forma a conferir uma rápida inconsciência e insensibilidade.

A degola é feita pelo corte das artérias carótidas e veias jugulares, sem, no entanto, atingir as vértebras cervicais com o uso de uma faca que é chamada chalaf. Esta apresenta quase meio metro de comprimento e deve estar sempre muito bem afiada, sendo examinada após cada execução.

Estima-se que numa degola executada com um golpe rápido, 95% dos animais atingem a inconsciência num intervalo máximo de dois segundos, minimizando, portanto, o sofrimento.

Após o abate, um inspetor verifica os órgãos internos do animal para procurar alguma anormalidade fisiológica que torne a carne não-kosher, por exemplo, o pulmão e o tendão são inspecionados e verifica-se a presença de aderência ou se os pulmões estão inflados. Além disso, a carne deve ter poucos vasos sanguíneos e nervos.

Nem todas as partes dos bovinos são consideradas apropriadas segundo a dieta kosher, os quartos dianteiros e costela são as partes mais consumidas entre os judeus.

O preparo da carne, segundo o ritual kosher, tem como objetivo eliminar o máximo de sangue, assim, o preparo requer a imersão da carne em água por 30 minutos, seguida por salga a seco, com sal grosso, durante uma hora, seguida por três imersões consecutivas em água, cada uma por um período de uma hora.

Além disso, a carne não pode ser misturada em nenhum momento com leite e derivados, nem durante o armazenamento, ou seja, desde o abate, processamento industrial, com todos os cuidados de rastreabilidade, até no momento de preparo e consumo nos lares.  Numa tradicional casa judia há que se ter talheres e utensílios separados para preparo e consumo de derivados de leite ou de carne, ou seja, esqueça o estrogonofe ou o cheeseburguer.

Já em relação aos peixes, são permitidos apenas aqueles que possuem escamas de barbatanas como atum, truta e salmão. Em contrapartida, bagres e pintados estão fora do cardápio, enquanto crustáceos e moluscos são vetados desse tipo de alimentação. Desta forma, uma paella, por exemplo, é bem inapropriada quando convidar um amigo judeu para um jantar.

Já para o consumo de leite e derivados, é preciso que um rabino acompanhe desde a ordenha até o processamento para conferir a procedência do animal e garantir que não haja contaminação cruzada do produto, por exemplo, se não existe o uso de utensílios que também foram usados na produção da carne.

Os alimentos que têm o consumo sem restrições são chamados de parve e são todos aqueles que crescem na terra, como frutas, vegetais e cereais.

No caso dos alimentos parve, a única restrição é para os derivados de uvas, como o vinho, que precisa ter sua produção acompanhada por um rabino para ser permitido. As regras básicas para um vinho se tornar kosher são:

  1. Não podem ser produzidos a partir de videiras com idade inferior a quatro anos;
  2. O vinhedo, se estiver localizado em terras sagradas, deve deixar de produzir uma vez a cada sete anos;
  3. Nos locais dos vinhedos nenhum outro tipo de planta deve ser cultivada;
  4. Todo o equipamento e matéria-prima utilizada na elaboração da bebida deve ser igualmente kosher;
  5. O vinho só pode ser manuseado por judeus ortodoxos.

Nem todos os profissionais da vinícola, como enólogos e técnicos, precisam ser judeus ortodoxos, bastando que não tenham contato físico direto com a bebida, barris, etc.

Alguns sacerdotes mais rigorosos exigem ainda que o fermentado seja fervido (pasteurizado), o que praticamente anula suas qualidades sensoriais, e neste caso o vinho chama-se mevushal.

Os ovos também são considerados parve e podem ser consumidos com carnes e laticínios, mas é preciso garantir que não haja sangue na casca, ou o ovo deve ser descartado.

Os alimentos não produzidos de acordo com as leis da Torá são considerados não-kosher e recebem a denominação de tarêf.

Requisitos para obter o certificado kosher

Para atender a comunidade judaica e facilitar a identificação, os produtos kosher devem apresentar um selo que forneça a garantia de que a produção e processamento seguiram devidamente as regras para alimentos kosher.

No mundo existem mais de 400 agências de supervisão rabínica de alimentos kosher e cada uma tem seus próprios critérios, umas mais ortodoxas e outras um pouco menos, mas todas sempre baseadas na Lei judaica, possuindo cada uma símbolos ou marca registrada próprias, que vão impressas no rótulo ou na embalagem dos produtos sob sua supervisão.

O certificado kosher, portanto, é um documento emitido para atestar que os produtos fabricados por uma determinada empresa obedecem às normas específicas que regem a dieta judaica ortodoxa.

O processo de emissão de um certificado kosher depende da colaboração e total transparência nas informações que serão permutadas entre a empresa que fabrica o produto e a entidade judaica que emitirá o documento.

Numa primeira etapa, uma pesquisa minuciosa é realizada para levantamento de dados sobre os ingredientes que compõem os produtos. Consideram-se matérias-primas, insumos, aditivos, fluxogramas e lista de fornecedores, bem como o processo de fabricação empregado, sistema de caldeiras, vapor, planta da fábrica, etc.

Esta pesquisa é realizada muitas vezes remotamente, sendo que todas as informações obtidas são preenchidas e documentadas, em caráter sigiloso, pelo departamento de kashrut responsável pela pesquisa e, se tudo estiver de acordo, segue-se para o passo seguinte.

Numa segunda etapa, após ter sido constatado que o produto ou produtos preenchem as normas da dieta kosher, é agendada uma visita de um rabino ortodoxo ou representante do rabino à planta industrial, para que a produção e o produto possam ser verificados, e se tudo estiver dentro das regras, então será aprovado e recebe o selo kosher.

Para quem não é da comunidade judaica, tudo isso pode parecer estranho e até irrelevante. Pode-se perguntar, ainda, o que tudo isso tem a ver com food safety?

Mas o fato é que se uma organização quer ter como público consumidor de seus produtos a comunidade judaica, e diria que é uma comunidade muito relevante não só em Israel, mas em diversos países, especialmente nos EUA, deve respeitar as tradições e requisitos de caráter étnico e religioso destes stakeholders.

Portanto, tudo aquilo que é considerado por eles impróprio deve ser entendido com um perigo na análise de riscos durante uma produção de alimentos kosher, seguindo devidamente suas tradições e mantendo registros para rastreabilidade.

Lembrando que muitos não judeus também consomem produtos kosher, como vegetarianos e veganos para se certificar que não há contaminação cruzada dos produtos que consomem com carne e derivados, ou diversas pessoas que identificam nestes selos um compromisso com a rastreabilidade.

Finalizo o artigo declarando meu respeito e admiração ao povo judeu, que tanto contribuiu e ainda contribui para a ciência colecionando prêmios Nobel, assim como para com os valores morais das sociedades ocidentais. Shalom!

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Quociente de Adaptabilidade (QA) na gestão da segurança de alimentos

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Todos os segmentos industriais vivem atualmente uma dinâmica de mudanças incrível, com a tecnologia crescendo em progressão geométrica (PG), muitas impulsionadas pelas novidades da quarta revolução industrial, como visto no artigo “O potencial da Indústria 4.0 favorecendo a segurança dos alimentos”. A cada dia surgem novas formas de produção, de comunicação, de controle, de análises, de monitoramentos, de rastreabilidade, etc, o que exige dos profissionais um elevado quociente de adaptabilidade.

Como se não bastasse isso tudo, 2020 está sendo marcado pela pandemia de Covid-19, que catalisou novas mudanças em tempo recorde e em escala global, sejam comportamentais ou nas formas de trabalharmos (operacionais), como, por exemplo, a necessidade de atividades, treinamentos e auditorias remotas.

Outro motivador de mudanças no segmento de alimentos e bebidas é impulsionado por diferentes grupos que representam nichos específicos, os chamados “Stakeholders do segmento de alimentos e suas expectativas”, e que influenciam os caminhos deste universo mercadológico, como a necessidade de sistemáticas para prevenir riscos de alergênicos, produtos para quem não pode consumir glúten, intolerantes à lactose, produtos para quem opta por livres de açúcar por questões estéticas ou de saúde, vegetarianos, veganos, questões étnicas como Kosher e Halal, clientes que buscam selos verdes de produção sustentável, etc.

Mas não são só estes fatores que impulsionam mudanças, há também o desejo dos consumidores por produtos cada vez mais saborosos, práticos, fáceis, prazerosos, atrativos, nutritivos, seguros, de shelf-life prolongada, o que é atendido pela indústria de alimentos e bebidas via inovação, e que conta num mercado globalizado associado com melhores estratégias logísticas com um infindável acesso a matérias primas e ingredientes diferentes, vindos dos cantos mais remotos do mundo e das origens mais distintas.

No meio disso tudo, temos então um tornado de mudanças todos os dias, e isto obviamente, impacta a segurança dos alimentos, os controles, os monitoramentos, as análises de riscos, os Planos de HACCP, as legislações a serem atendidas, etc.

Sem querer assustar ninguém, um estudo da IBM estima que nos próximos três anos, 120 milhões de pessoas nas 12 maiores economias do mundo possivelmente precisarão ser recolocadas por causa das inovações tecnológicas e a automação.

Quem faz trabalhos que máquinas podem fazer, sejam operacionais ou lidando com coleta de dados e interpretação de padrões e tomada de decisões que algoritmos e inteligência artificial sejam capazes de fazer, será substituído.

Fábricas inteiras já estão sendo conectadas ao mundo tecnológico como visto em “Inteligência das coisas aplicada à Segurança dos Alimentos”.

Isso tudo é inevitável, uma vez que é impossível conter o avanço da tecnologia, o que aliás é ótimo, pois trará mais segurança aos processos e produtos, portanto, um incremento às questões relacionadas com food safety. Este processo será capaz de baratear produtos, diminuir custos de não qualidade, evitar danos a consumidores, e mais que tudo, trazer confiança em toda a cadeia de suprimentos como foi tratado no artigo “Entendendo o blockchain na indústria de alimentos”.

Antes colocávamos máquinas para fazer aquilo que os homens não conseguiam, mas agora no meio destas mudanças, será a habilidade em saber fazer o que as máquinas não conseguem que vai gerar as melhores oportunidades no mercado de trabalho.  

Mas é claro, também, que tantas mudanças propiciam novos negócios, diante de novos riscos e oportunidades, e ao mesmo tempo, tudo que é considerado vanguarda hoje se tornará obsoleto amanhã, e nesse cenário, uma habilidade torna-se primordial: “ADAPTAÇÃO A MUDANÇAS”.

No segmento de alimentos, então, isso é fundamental, uma vez que é utopia acreditar que se vá chegar a um Sistema de Gestão da Qualidade em Segurança de Alimentos perfeito, um momento no qual se possa dar ao luxo de dizer a frase “terminei!”, de ter um SGSA pronto, acabado e intocável, pois tudo muda e muda muito rápido.

Houve um tempo em que uma pessoa dotada do consagrado Quociente de Inteligência (QI) teria provavelmente grandes chances de sucesso com uma boa vantagem sobre os outros.

Depois se observou que nas relações de trabalho modernas e de negócios, não basta ter inteligência, é preciso saber se relacionar, lidar com pessoas, e para liderar times arrojados de sucesso, o Quociente Emocional (QE) passou a ser entendido com um grande diferencial.

Agora, as dinâmicas e interações provocadas pelas mudanças num mundo global e competitivo evidenciam que profissionais de sucesso precisam ter desenvolvido seu Quociente de Adaptabilidade (QA).

Adaptação requer saber interagir com um ambiente ao redor que constantemente é mutável. Mudam sistemas, mudam pessoas, mudam as expectativas que clientes têm de produtos e serviços o tempo todo; mudam perigos, riscos e ameaças, assim como as formas de negociar e até mesmo os códigos e padrões de comportamento.

É preciso saber tirar o melhor resultado possível de cenários desconhecidos, lidar com cenários desprovidos de nossos “marcadores” de segurança que se baseiam em encontrar situações familiares de nosso cotidiano que nos dão conforto.

E durante este processo, devemos potencializar as oportunidades enquanto se tomam medidas para prevenir, controlar ou mitigar os potenciais riscos nos processos que controlamos e nos produtos que enviamos ao mercado, sendo que muitos deles surgem inesperadamente.

Esta velocidade vertiginosa das mudanças no segmento de alimentos e bebidas, seja nos processos industriais ou nos negócios, está fazendo com que o QA seja tão importante ou mais que o QI e o QE.

Ter um QA desenvolvido significa:

  1. Ter o hábito permanente de aprender, por saber que é a única forma de não ser surpreendido bruscamente pelas mudanças, é constantemente desenvolver-se;
  2. Ler e se inteirar sobre todas as novidades que surgem em sua área de atuação, como, por exemplo, aqui no blog para quem é do segmento de alimentos e bebidas, ou seja, manter-se na frente;
  3. Desenvolver-se emocionalmente para diante de mudanças que nos tiram da zona de conforto, não “travar” e não se colocar em uma posição de “resistência”, mas observar o que a mudança requer de nós e dar o melhor;
  4. Apurar a curiosidade pessoal favorecendo a preferência pelas novidades em detrimento das rotinas;
  5. Se tornar um agente proativo que ajuda a conduzir processos de mudanças.

Absorva o fato de que a mudança é uma constante na vida, que mudanças ocorrerão sempre e cada vez mais rápido no ambiente de trabalho e de negócios, desenvolva a habilidade para lidar com isso aprimorando seu quociente de adaptabilidade e tudo ficará bem.

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O papel estratégico do SAC para a qualidade e a segurança dos alimentos

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Quando um cliente faz uma reclamação via SAC, ele está dando a oportunidade para que uma empresa possa enxergar seus erros, falhas e oportunidades de melhoria, para então corrigi-los, girando o PDCA e avançando em prol da melhoria contínua.

Mas cuidado! Ausência de reclamação não significa necessariamente satisfação de clientes.

O que ocorre é que clientes e consumidores podem não estar satisfeitos com um determinado produto ou serviço e simplesmente trocarem de produto, de fornecedor ou de marca, sem ao menos reclamarem, o que dependerá do grau de importância do produto no mercado e do número e qualidade dos concorrentes existentes.

Lembre-se, se o cliente está reclamando, é porque espera da empresa um feedback e melhoria, e ainda não desistiu do produto ou serviço da empresa, o que é muito bom. Então, trate esta reclamação como algo extremamente relevante.

A reclamação, se pertinente, deve, portanto, ser encarada como uma oportunidade!

Além disso, o número de reclamações no mercado de varejo, ou seja, do consumidor final, não indica o número exato de clientes insatisfeitos, pois como dito, muitos não se dão ao trabalho de fazer uma ligação ou enviar um e-mail ao SAC das organizações quando detectam algum problema.

Além disso, um cliente ou consumidor insatisfeito é um agente ativo de marketing negativo, contando seu problema, experiência e descontentamento a outros.

Costuma-se dizer que as reclamações são apenas uma ponta do iceberg!

Fora isso, convivemos atualmente com um novo fenômeno que veio para ficar: a força das redes sociais como o Facebook, Instagran, LinkedIn, Twitter, etc, ou grupos que se comunicam via WhatsApp e que são capazes de potencializar em progressão geométrica a amplitude de uma reclamação, inclusive com fotos, áudios e até vídeos.

Com todas estas formas de comunicação em massa, um erro de uma organização que venha a causar a insatisfação dos clientes, seja pelo produto não atender suas expectativas, estar com algum tipo de contaminante, gerar algum dano, desagradar algum grupo de stakeholders, pode imediatamente viralizar dependendo da atratividade do problema ao público e se disseminar, chegando a milhares de consumidores. Este processo pode ferir ferozmente a imagem de uma marca ou de toda uma organização.

Atuar, portanto, em redes sociais no monitoramento, tratativa e contenção de problemas é uma boa prática, estando atento às inovações que surgem na forma de se comunicar com clientes e consumidores.

Isso tudo significa que uma organização, entre as ações que desenvolve para se comunicar com o cliente, deve ter um acesso fácil de SAC (Serviço de Atendimento ao Consumidor).

Quanto mais extenso for o arsenal de atendimento, melhor para a efetiva comunicação com o consumidor.

Então, além do famoso 0800, outras opções de contato com os consumidores são o chat online, a comunicação por Voip (uma ligação feita por aplicativos como o Skype e o Hangout), as mídias sociais (Facebook, Twitter, Instagram, Whatsapp) e, claro, o tradicional e-mail.

Junto com o atendimento, independentemente da plataforma que o cliente escolher, deve ser enviado o número de protocolo com data, horário e assunto da reclamação, demonstrando que a reclamação foi acolhida e será tratada com todo zelo.

Ter uma boa sistemática de SAC, então, é necessário para toda e qualquer organização que queira mesmo sair da zona de conforto e francamente ouvir o que o consumidor tem para dizer.

Isso é muito importante e estratégico, por ser a entrada principal para o start que pode desencadear em processos de gestão de crises e até mesmo definir a necessidade de um recolhimento/ recall com foco em Food Safety, conforme tratado no artigo Emergências, gestão de crises e recall, e se a abrangência for internacional, considerar as diretrizes de  Gestão de Emergências Globais em Segurança dos Alimentos – 1ª Conferência Internacional de Segurança de Alimentos da FAO/ OMS/ AU [6/6].

Sem uma boa ferramenta de SAC, fica quase impossível medir o mercado consumidor, manter e fidelizar os clientes e consumidores que já existem e ter retroalimentações rápidas sobre como um produto está se comportando ou dando problemas no mercado.

Portanto, o SAC é uma ferramenta muito utilizada para que o cliente estabeleça o contato direto com a organização para resolver seus problemas, propor sugestões, tirar dúvidas, fazer reclamações, e muito importante, pedir ajuda frente a problemas de segurança dos alimentos.

Um bom SAC deve trabalhar de forma padronizada nos atendimentos, e isso é fundamental para garantir um bom serviço.

Porém, isso não significa que todo mundo vai usar uma “linguagem robótica” cheia de anglicanismos e o mesmo jeito de atender os clientes, mas sim que deva existir uma norma de atendimento a ser seguida em todos os aspectos que afetam um bom atendimento. Por exemplo, o formato do e-mail, como começar uma conversa pelo chat online ou ao telefone e aconselha-se, também, a existir um repertório com as principais perguntas e respostas sobre questões mais comuns e problemas recorrentes, para que haja uma linha clara de condução.

Um bom serviço de atendimento de SAC acalma o cliente, reduz crises na entrada, transforma “limões em limonadas”, coleta dados com inteligência e prudência.

Já um mau SAC incendeia uma crise e faz o consumidor ou cliente passar a odiar a empresa. Não é incomum uma marca perder seus clientes não pelos produtos ou serviços, mas pelo mau atendimento do SAC.

Num atendimento de SAC o cliente sempre tem razão, mesmo que não tenha, com isso quero dizer que o atendente nunca discute com o cliente que está fazendo um contato, tenha ele razão ou esteja falando um absurdo.

As decisões sobre a veracidade, lógica e pertinência de cada reclamação devem ser feitas em momento posterior com bases nos dados coletados durante o atendimento, por uma equipe técnica treinada, para que se julgue com fatos e rastreabilidade se a reclamação é crível ou não, inclusive para decidir quais devem constituir dados para análises estatísticas.

Lembre que quem entra em contato num SAC para uma reclamação muitas vezes está insatisfeito, inclusive podendo estar irritado o que ocasiona tons de voz alterados e pouca paciência. O atendente de SAC precisa dispor de um perfil tranquilo e apaziguador e jamais entrar na “vibe” de quem está nervoso do outro lado.

Como prática recomendada, nunca dê produtos a quem faz reclamações sem fazer coletas dos produtos reclamados, e menos ainda, nunca mande brindes, cestas de produtos ou produtos a mais do que o reclamado, pois estas práticas podem incentivar aumentos de ligações no SAC fraudulentas para ganhar produtos, além de funcionarem, mesmo que inadvertidamente e involuntariamente, como um “suborno”.

Para reclamações onde haverá substituição do produto, é aconselhável fazer o recolhimento do produto reclamado, pois ele servirá como fonte de informações e amostra para que um comitê interno possa estudar o problema a fim de identificar a causa raiz e tomar providências para evitar recorrências.

Neste sentido, sugere-se que a organização monte um comitê de SAC que periodicamente, de preferência semanalmente ou mensalmente, se reúna para analisar as amostras, distribuir tarefas e proceder investigações de problemas. Por sugestão, pode ser multidisciplinar no mesmo perfil que uma equipe montada para o APPCC/ HACCP.

Acompanhe também registros por CPF ou nome, para evitar frequentadores assíduos de SAC. Isso porque infelizmente há também pessoas desonestas que circulam pelos SACs com histórias mirabolantes para ganhar produtos.

Em casos de problema com segurança dos alimentos em que o cliente alegue dano à saúde e doença, indica-se como boa prática que seja dado todo o suporte, independentemente de culpa ou não, e que dependendo do risco e gravidade, o comitê de crises seja acionado, e que, inclusive, alguém da própria empresa seja enviado para dar suporte ao consumidor.

Isso é uma boa prática para atenuar futuramente problemas legais, e também para que a empresa demonstre sua real preocupação.

O mais importante neste caso, via acionamento do SAC, é que seja possível identificar um problema associado à Food Safety logo no início e  com isso, já tomar providências rápidas de contenção e mitigação.

No quesito de reclamações e solução de problemas, o assunto deve ser resolvido o mais rápido possível. De preferência, no momento da conversa entre o atendente e o consumidor já se deve tratar da ação imediata que será tomada, por isso, ter protocolos prévios de ações é importante.

Caso o cliente envie e-mail, responda no mesmo dia, e de preferência, em questão de poucas horas.

Logicamente, se for final de semana, pode demorar mais tempo; no entanto, aconselha-se que não ultrapasse mais que 30 horas sem resposta ou o consumidor pode resolver levar o problema para redes sociais para chamar atenção.

Uma vez conversado com o cliente, a solução do problema junto a este cliente deve ocorrer como boa prática em, no máximo, cinco dias (uma semana), nunca mais que isso, mesmo que a investigação de causa raiz leve mais tempo.

Concluindo a investigação de causa, dê uma devolutiva ao cliente, e logicamente, não é para entrar em pormenores técnicos, mas para agradecer o contato e se desculpar pela ocorrência que causou insatisfação, dizer que a empresa tomou providências e trabalhará para que não ocorra de novo.

Diante do exposto, acredite, o SAC é um elemento estratégico para o tema comunicação em Food Safety.

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Stakeholders do segmento de alimentos e suas expectativas

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A contextualização de uma empresas de alimentos e bebidas requer conhecer todos os atores envolvidos, chamados de partes interessadas. Em inglês, há uma palavra perfeitamente adequada para isso: stakeholders, que significa público estratégico e descreve uma pessoa ou grupo que tem interesse em uma empresa, negócio ou indústria.

STAKEHOLDER =

STAKE que significa interesse, participação, risco + HOLDER que significa aquele que possui.

Os stakeholders tem seus próprios interesses e reivindicações, sendo que uma empresa tem um papel mediador ao gerenciar conflitos entre os diferentes anseios destes grupos. Por exemplo:

Governo

 

ANVISA e MAPA Deseja que suas legislações sejam atendidas plenamente e que os produtos não causem danos aos consumidores/ evitar problemas de saúde pública.
Fisco Deseja que os impostos sejam recolhidos e pagos devidamente.
Envolvidos no negócio

 

Acionistas e investidores Desejam retorno sobre o capital investido, portanto, que os produtos no mercado sejam apreciados pelos consumidores, que as vendas sejam sustentáveis e cresçam e que custos de não qualidade sejam minimizados.
Bancos Que os negócios sejam bem dirigidos e os produtos aceitos, para que as organizações se mantenham saudáveis e prósperas, e assim, honrem seus compromissos financeiros/ empréstimos.
Empregados Que os produtos tenham sucesso no mercado e custos de não qualidade estejam sob controle, para que a empresa se mantenha sólida, os empregos garantidos e possibilidade de crescimento surjam.
Fornecedores Ter especificações claras, compras regulares e pagamentos em dia.
Clientes

 

Mercado varejo Que os produtos atendam suas expectativas quando a qualidade percebida e que não causem danos por falhas na qualidade intrínseca.
Mercado business to business Que os contratos sejam honrados por seus fornecedores quanto a especificações, prazos, volumes e qualidade intrínseca, para minimizar riscos de segurança dos alimentos provenientes de matérias-primas e insumos.
Sociedade

 

Associações Que produtos e bebidas não causem danos aos consumidores, que as empesas não pratiquem fraudes em alimentos e bebidas e façam comércio justo.
ONGs Que as empresas atendam reivindicações de grupos de interesse como alérgicos, celíacos, veganos, etc.

O conceito se torna ainda mais abrangente quando pensamos num Sistema de Gestão de Segurança dos Alimentos, pois os interesses se ampliam, passando de relações e transações comerciais, para atores que são afetados ou influenciam a empresa numa perspectiva de saúde pública, pensando em questões relacionadas com a sanidade dos alimentos, portanto, de que há garantia que os alimentos e bebidas fornecidos ao mercado são seguros, ou seja, inócuos à saúde.

A relevância deste tema nas estratégias empresariais não surgiu ao acaso, exatamente porque há no setor uma grande diversidade de grupos de reivindicação que podem ser classificados em grupos de interesse de consumidores e mercadológicos.

Pertencem aos primeiros os legisladores, órgãos públicos federais e estaduais e municipais como vigilância sanitária, organizações de defesa de consumidores, e obviamente, os próprios consumidores, que por sua vez podem ser grupos que se subdividem por terem determinadas preferências ou restrições, como celíacos, alérgicos a determinados alimentos, intolerantes à lactose, veganos, grupos que optam por alimentos orgânicos, etc.

Aos últimos pertencem clientes, investidores, instituições financeiras como bancos e outras organizações que fazem pressões via investimentos ou compra e venda em relações business to business.

Um caso são fornecedores e cadeias de suprimentos inteiras, em algumas situações bastante complexas, como por exemplo, na cadeia frigorífica que conta matrizeiros, incubatórios, criadores, abatedouros, produtores de ração, etc; de produtos da agroindústria, que vão desde produtores de sementes, produtores rurais/ agricultores, associações, pool de produtores, atravessadores, etc; cadeia de lacticínios, criadores de vacas leiteiras, processo de extração do leite nas fazendas, cadeias de logística de frio, etc.

Outro caso são as empresas cujos clientes são empresas, por exemplo, quando se produzem matérias primas, insumos e embalagens para outras empresas de alimentos e bebidas, e que neste caso, têm suas próprias especificações, critérios e exigências que se tornam condições para atendimentos contratuais.

Cada um dos grupos faz valer suas reivindicações pelos meios que lhes são disponíveis.

Aqui surgem desenvolvimentos políticos, ações dos órgãos públicos, pressão da sociedade, testes de empresas e produtos, reportagens, alterações na lei da procura motivadas não só por demanda e oferta, mas também por pressões via redes sociais como Facebook, Twitter  e Linkedin.

Há também nestes cenários pressões provenientes das percepções dos consumidores em relação às indústrias produtoras quantas às questões específicas, como por exemplo, contra o uso de gorduras hidrogenadas, de gorduras trans, contra o uso de corante amarelo tartrazina, contra o uso de matérias primas e insumos GMO, sobre bem-estar animal, exigências ambientais por parte de consumidores “verdes”, e até questões religiosas como é o caso das exigências de produção atendendo preceitos kosher e halal para as comunidades judaicas e muçulmanas respectivamente, etc.

Em paralelo, ocorre um significativo avanço na esfera legal, onde os legisladores respondem aos novos anseios da sociedade sobre estas questões, contribuindo sem dúvida como um forte impulsionador de mudanças no segmento de alimentos e bebidas, como as legislações para alergênicos e os critérios de rotulagem que são cada vez mais claros.

Como se percebe, na estruturação de um SGSA, há sempre que se considerar os interesses e expectativas dos chamados stakeholders, pois isso faz parte do entendimento do chamado contexto de uma organização, de onde se partem as diretrizes estratégicas e direcionamentos da organização.

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A ética nas atividades de food safety

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Um profissional que atua em food safety, por mais conhecimentos técnicos que tenha, será um profissional falho se não tiver bases éticas consistentes, pois são elas que no dia-a-dia direcionam o seu comportamento em cada ação que toma. Esta ética faz com que cada um dos indivíduos de uma organização utilize corretamente as bases teóricas que conhece sobre os diversos temas que domina.

A ética é a base que sustenta e direciona o indivíduo a agir corretamente.

Saber a técnica de nada adianta se um profissional negligenciar o comportamento ético na hora da tomada de decisões, optando pelo errado para favorecer a si mesmo, a outra pessoa ou uma organização, em detrimento do consumidor e dos contratos firmados em relações business to business. Acima de tudo, não se deve relativizar os conceitos sobre perigos associados com a segurança dos alimentos, podendo com isso, inclusive, colocar a saúde de consumidores em risco.

A ética trata dos princípios que motivam, distorcem, disciplinam ou orientam o comportamento humano, considerando o respeito às normas, virtudes morais e prescrições e exortações presentes em qualquer realidade social, como é claro, também dentro das relações profissionais que ocorrem em uma organização como são as indústrias de alimentos, bebidas, insumos e embalagens.

Por extensão, a ética é o conjunto de regras e preceitos de ordem de valores e moral de um indivíduo, de um grupo social ou de uma sociedade como um todo.

Assim, organizações também podem ser avaliadas pela sua ética derivada do conjunto de pessoas que nela trabalham.

A palavra “ética” vem do grego ethos e significa caráter, disposição, costume, hábito, sendo sinônima de “moral”, do latim mos, mores, que serviu de tradução para o termo grego mais antigo, significando também costume, hábito.

Mas ética não se resume apenas aos hábitos ou costumes socialmente definidos e comuns, mas busca a fundamentação para encontrar o melhor modo de agir, seja na vida privada, nas atividades profissionais dentro das organizações ou nas relações comerciais.

Isto logicamente depende do comportamento de cada indivíduo, do entendimento e comprometimento de cada um em fazer o que é correto, mesmo que seja o mais difícil, ou mesmo que para isso, haja até a necessidade de se admitir e expor falhas pessoais na condução de algum processo.

A ética ajuda a justificar os hábitos e os costumes de uma organização, e neste sentido, ela avalia a conduta humana e a moral é a qualidade desta conduta, quando julga-se do ponto de vista do CERTO e do ERRADO, inclusive a partir da nossa perspectiva de auto julgamento, portanto, daquilo que se faz quando ninguém está olhando, o que se sustenta pelo caráter.

Os valores éticos ajudam a definir, no momento de uma decisão, a resposta para:

QUERO, POSSO & DEVO?

Pois uma decisão pode ser a respeito de algo que se queira (talvez muito), para o qual se esteja preparado e se tenha o poder de fazer, mas cujos valores éticos freiam a ação, por ser algo errado, inadequado, que prejudicará a outros, como é o caso de desvios em processos que permitam a perda de controle quanto à qualidade que afeta a segurança de alimentos.

A falta de ética leva ao comportamento de enganar, disfarçar resultados, omitir problemas, fraudar produtos, agir em benefício próprio mesmo que isso prejudique a organização ou os consumidores.

A ética é, portanto, intrinsecamente relacionada à definição da moral, ao questionamento e julgamento sobre quais são os bons e maus valores no relacionamento humano ou numa atividade profissional, esclarecendo o que pode ou deve ser uma conduta adequada. Por exemplo, numa análise de valores genéricos espera-se que um profissional  da área de qualidade e food safety ético:

  1. Não minta para seus clientes descumprindo especificações;
  2. Não fraude produtos para otimizar lucro;
  3. Não disfarce problemas para enganar auditores e ser recomentado em auditorias de Food Safety;
  4. Haja corretamente frente a situações de gestão de crises, por exemplo, tomando a decisão de um recall caso isso seja necessário ao invés de esconder o fato;
  5. Atue dentro dos limites da normas e leis e não seja jamais desonesto com isso;
  6. Não libere lotes com desvios de especificação alterando laudos;
  7. Siga regras de BPF mesmo que ninguém esteja olhando;
  8. Siga rigorosamente planos de HACCP, em especial em casos de desvio de PCCs, mesmo que isso afete metas de produtividade ou leve a perda de lotes;
  9. Não minta na hora de fechar contratos prometendo cumprir especificações técnicas que previamente sabe que não é capaz;
  10. Não trafique informações ou formulações entre empresas, assim como não descumpra contratos de sigilo profissional.

Agir de forma ética é acima de tudo uma escolha pessoal, o que depende do caráter de cada indivíduo, e que ao final, certamente a vida pessoal e profissional recompensará, pois pessoas éticas atraem ao seu redor outras pessoas éticas, acabam por fazer parte de times de empresas éticas, e logicamente, isso refletirá em bases sólidas para implementação de uma cultura Food Safety como visto no artigo “Desafios brasileiros para implantação da cultura Food Safety“.

Pessoas que agem com ética são a base que sustenta um sistema de gestão em segurança dos alimentos, uma vez que trata-se do “como agir”, tão necessário como resultado de uma boa conscientização, que é justamente aquilo que sustenta uma verdadeira cultura de Segurança dos Alimentos.

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Devo considerar transgênicos como perigo?

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Já cultivamos e usamos transgênicos há 25 anos.

Alimentos geneticamente modificados (AGM) ou organismos geneticamente modificados (OGM) ou simplesmente transgênicos são aqueles produzidos com base em organismos que, através de engenharia genética, sofreram alterações específicas em seu DNA, o que é feito, por exemplo, para introdução de características desejadas.

Assim, o uso de transgênicos tem permitido aumentar a produtividade agrícola nas áreas cultivadas, com isso, aumentando também a oferta de alimentos, e portanto, barateando custos e preços ao consumidor, ao mesmo tempo que torna alguns alimentos mais nutritivos e resistentes a pragas, e assim, também permite um uso mais racional e otimizado de pesticidas.

Essa tecnologia já vem sendo utilizada há um quarto de século, e muito provavelmente, há alimentos geneticamente modificados ou com ingredientes nestas condições na sua alimentação.

O primeiro grande passo nesta direção ocorreu em 1994, quando o tomate transgênico Flavr Savr foi aprovado pela FDA para comercialização nos EUA, com uma modificação que proporcionou um retardo na maturação do tomate após o seu colhimento. Na ocasião foi um escândalo, com revistas sensacionalistas publicando caricaturas de tomates monstruosos e mutantes, mas na verdade ele foi uma grande inovação, favorecendo shel-life e ajudando a cadeia logística de distribuição, e o desperdício, uma vez que menos tomates estragam até chegarem às mesas dos consumidores.

Tomate GMO com shelf-life prolongado.

No ano seguinte à aprovação do tomate pelo FDA, também nos EUA, canola com composição do óleo modificada, milho, batata, soja resistente ao herbicida glifosato e abóbora resistente a vírus, todos transgênicos, também receberam aprovação para serem comercializados.

Lembrando sempre que o homem já vem “domesticando” todas estas espécies vegetais há mais de 10 mil anos, desde quando passamos de caçadores coletores para agricultores primitivos, recombinando genes de forma arcaica via cultivo para que realçassem as características que desejamos, sendo que nenhuma destas espécies que atualmente usamos comercialmente sequer se parecem ainda com seus ancestrais primitivos.

Por exemplo: uma espiga de milho do Peru pré-colombiano é completamente diferente das atuais, mesmo das não GMO, pois ao longo de milênios selecionamos plantas com espigas maiores, com mais grãos, mais produtivas e mais resistentes para o cultivo.

Em 2000, surgiu o arroz-dourado, o primeiro alimento com modificação genética com o propósito de aumentar seu valor nutritivo, pois tem um teor mais alto de beta-caroteno, um carotenóide que no corpo humano é transformado em vitamina A.

Arroz convencional X Arroz GMO com carotenoides.

Atualmente, estima-se que mais que 90% do milho, soja e algodão produzidos nos Estados Unidos e no Brasil, seus maiores produtores, sejam geneticamente modificados, alimentos que fazem parte da dieta destes países, mas também que são exportados para muitos outros destinos.

Líder global na adoção de transgênicos, os EUA também é o que mais aprova OGM com novas características. Em 2015 destacaram-se a batata com 4 características, a maçã que não escurece quando cortada e o salmão como o primeiro animal transgênico aprovado para consumo humano no mundo, que cresce mais rápido que o peixe convencional.

Nos EUA, a área plantada com milho tolerante à seca, o primeiro do mundo, aumentou 15 vezes entre 2013 e 2015.

Alimentos geneticamente modificados são cultivados em em mais de 50 países como Estados Unidos, Argentina, Japão, Coréia do Sul, Canadá, China, África do Sul, Austrália, Índia, Romênia, Espanha, Uruguai, México, Bulgária, Indonésia, Colômbia, Honduras, Alemanha, e claro, no Brasil.

Fonte: The International Service for the Acquisition of Agri-biotech Applications (ISAAA), 2016.

Diferentemente dos EUA, inicialmente a União Europeia preferiu o chamado “princípio da precaução” e por isso a aprovação dos OGM em seu território foi e ainda tem sido um tabu.

Esse princípio estabelece que na ausência de um sólido consenso a respeito de uma questão, se na ação pretendida há risco de eventualmente serem produzidos efeitos nocivos, a ação deve ser evitada.

Contudo, também este princípio tem sido criticado como impreciso, interpretado de variadas maneiras e há muitas divergências a respeito de quando ele deve ser realmente aplicado e sobre que nível de solidez e certeza deve ser exigido das provas de segurança.

Para alguns críticos, sua formulação rigorosa representa na prática um impedimento quase total a qualquer inovação, uma vez que é improvável que em qualquer campo científico sejam conseguidas certezas absolutas.

Organismos oficiais e importantes associações científicas, tais como a Associação Americana para o Avanço da Ciência, a Associação Médica Americana, a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e a própria Organização Mundial da Saúde (OMS) já deram declarações favoráveis sobre os alimentos geneticamente modificados, alegando que até agora seu consumo não demonstrou representar um risco à saúde humana maior do que os alimentos naturais.

A Associação Médica Americana, por exemplo, em seu parecer favorável disse:

“Os alimentos transgênicos têm sido consumidos por cerca de 20 anos, e neste período, não foram relatadas e/ou confirmadas consequências observáveis sobre a saúde humana na literatura sujeita à revisão por pares”.

A Organização Mundial de Saúde se manifestou de forma semelhante:

“Os OGM atualmente disponíveis no mercado internacional passaram por avaliações de segurança e não é provável que representem riscos para a saúde humana.

Além disso, não foram demonstrados efeitos para a saúde resultantes do consumo desses alimentos na população em geral dos países em que foram aprovados”.

A OMS também enfatizou que muitos alimentos convencionais, ou seja, naturais, podem ser nocivos para a saúde de algumas pessoas ou grupos por uma variedade de razões, entre elas uma sensibilidade especial a certas substâncias químicas presentes em sua composição, produzindo, por exemplo, alergias e efeitos tóxicos que não são observados no restante da população, mas que a ocorrência desses casos não invalida o conceito de que tais alimentos são considerados seguros de uma maneira geral.

A OMS também observou que alimentos convencionais usualmente não são testados laboratorialmente para pesquisar possíveis efeitos adversos, porque eles têm uma longa história de consumo genericamente seguro, ao passo que os OGM são testados.

Um estudo conjunto do Instituto de Medicina e do Conselho Nacional de Pesquisa dos Estados Unidos declarou:

“Ao contrário dos efeitos adversos para a saúde que são associados a alguns métodos de produção de alimentos tradicionais, efeitos negativos sérios semelhantes não foram identificados como resultado de técnicas de engenharia genética para a produção de alimentos.”

Isso pode ser explicado porque os organismos geneticamente modificados passam por extensos testes de composição para determinar que todas as suas características são desejáveis e para assegurar que não tenham ocorrido mudanças não intencionais nos principais componentes do alimento.

No Brasil, a Embrapa ainda enfatiza que os OGM contribuem significativamente para sustentar o aumento da demanda de produtividade por hectare:

“A produção de transgênicos é uma atividade legal e legítima, regida por legislação específica e pautada por rígidos critérios de biossegurança, e os cultivos buscam soluções sustentáveis para os desafios agrícolas e alimentares das gerações atuais e futuras, como: resistência a doenças e pragas, tolerâncias a estresses climáticos, entre muitas outras características de interesse agronômico.”

No Brasil, já são mais de 20 anos de uso dessa tecnologia e ao longo desse período de uso de organismos geneticamente modificados, não há um só estudo científico que tenha concluído que eles causam danos à saúde humana, animal ou ao meio ambiente.

Alimentos produzidos com uso desta tecnologia vem permitindo a países como o Brasil baterem seus recordes em produtividade agrícola, o que significa na prática mais alimentos para evitar a fome no mundo, e claro, uma contribuição fundamental para a balança comercial brasileira, tantas vezes já salva justamente pela agroindústria.

Tanto o Conselho Nacional de Pesquisa dos Estados Unidos como o Centro Comum de Pesquisa (o laboratório e centro de pesquisa da União Europeia e parte integral da Comissão Européia) concluíram que, atualmente já há um extenso corpo de conhecimento que avalia adequadamente a questão da segurança para consumo dos OGM, concluindo que o processo de engenharia genética e o de cultivo tradicional não são diferentes em termos de consequências imprevistas para a saúde humana e o ambiente.

Mas o uso de OGM também encontra muitos críticos, um assunto que também está permeado de correntes ideológicas que vem abraçando a “causa contra uso de OGM.”

Há, por exemplo, correntes ambientalistas que se posicionam fortemente contra o cultivo de OGM, alegando que podem representar a introdução indevida de genes no ambiente natural, porém, não existem estudos concretos e absolutos que deem sustentação a este tipo de argumento.

Talvez sejam consistentes as preocupações com a reedução de pool genético. No entanto, trata-se de um problema facilmente contornável com o uso de bancos de sementes, que inclusive já existem em muitos países.

Pool genético do milho, espécies ainda cultivadas nos Países Andinos.

Na verdade, pela perspectiva ambiental, 25 anos de uso ininterrupto desta tecnologia vem demonstrando que o cultivo de OGM está contribuindo com impactos positivos para o meio ambiente.

Isso se torna verídico quando se observa que o cultivo de OGM vem permitindo uma redução do uso de água, aumento da preservação do solo e a redução da erosão, e por otimizarem práticas agrícolas, contribuem com a redução da emissão de gases do efeito estufa e do desmatamento, uma vez que há maior produtividade por hectare plantado, fora que como já dito, permitem reduzir o uso de defensivos agrícolas. Essa tecnologia já vem sendo utilizada há um quarto de século, e muito provavelmente, há alimentos geneticamente modificados ou com ingredientes nestas condições na sua alimentação.

Diversos órgãos de avaliação de biossegurança em todo mundo estão aprovando o uso de OGM com características como composição nutricional melhorada e tolerância à seca, solos salinos e inundações.

No entanto, para atender aos consumidores que apesar da falta de evidência científica e objetiva para afirmarem que alimentos geneticamente modificados são perigosos, ainda assim fazem questão de optar por alimentos “NO GMO” ou “GMO FREE”, algumas companhias usam como estratégica comercial e de marketing oferecer produtos nestas condições para este público, abarcando este nicho mercadológico.

Diversos selos destinados ao público que opta por produtos NO GMO.

A produção de produtos livres de matérias primas e insumos OGM implica em buscar fornecedores apropriados que garantam o não uso desta tecnologia, assim como tenham absolutos cuidados com todo o manuseio e logística, para garantir a prevenção de contaminação cruzada no campo, nos silos, nas indústrias, nos caminhões ou contêineres ou vagões de trens, também em entrepostos e em portos, considerando que isso tudo não é fácil, uma vez que boa parte dessa infraestrutura é compartilhada com produtos OGM.

Contudo, se o seu cliente deseja este tipo de produto pelo motivo que for, ele deve ser levado em consideração na sua análise de riscos, agindo como se o OGM efetivamente fosse um “perigo”, porém muito mais pela perceptiva de descumprimento de requisitos contratuais em relações business to business do que por um efetivo risco àsaúde dos consumidores.

Proposta de alteração na rotulagem 

Quanto  à rotulagem, justamente se baseando no fato de que após tantos anos de cultivo e uso dos transgênicos, eles se mostram como uma alternativa de alimentos seguros para a saúde humana, tramita no Senado o Projeto de Lei (PLC 34/2015) sobre o fim da obrigatoriedade do símbolo de transgênico nas embalagens, um T em preto dentro de um triângulo amarelo, uma vez que este tipo de alerta induz o consumidor a uma conotação negativa.

O Projeto de Lei, no entanto, propõe continuar informando sobre a presença de ingredientes transgênicos, uma vez que determina que produtos que apresentem mais do que 1% de composição final transgênica deverão informar isso na embalagem no formato “(nome do produto) transgênico” ou “contém (nome do ingrediente) transgênico”.

Lembrando que atualemnte vale uma decisão do TRF que acolheu pedido do Idec para que fossem rotulados quaisquer teores de transgênicos e afastou a aplicação do decreto 4.680/03, que flexibiliza a exigência de rotulagem apenas para produtos que contêm mais de 1% de ingredientes geneticamente modificados, o que foi confirmado pelo ministro Edson Fachin, do STF.

O projeto de Lei PLC 34/2015 também facultaria o direito de os produtores de alimentos que não contêm organismos geneticamente modificados usar a informação “produto livre de transgênicos” na rotulagem, desde que comprovada por meio de análise técnica específica, permitindo usar a informação como marketing para quem quer servir a este nicho de mercado.

Mas é um tema que gera ainda muita polêmica e divide opiniões, sendo que a Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT) rejeitou, a Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) aprovou relatório favorável sob o argumento de que os OGM já são uma realidade em todo o mundo por mais de duas décadas e não há evidências de que causem danos à saúde, a Comissão de Assuntos Sociais (CAS) acompanhou o parecer contrário, mas a Comissão de Meio Ambiente (CMA) votou positivamente e a Comissão de Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor (CTFC) também o rejeitou.

CCR rejeitou, CRA aprovou, CAS rejeitou, CAM aprovou e CTFC rejeitou.

O próximo passo é ser submetido para votação na Plenária do Senado.

Fonte: Status de tramitação da PLC 34/2015 coletado no https://www25.senado.leg.br.

 

Como opinião de especialista da área de Food Safety e à luz dos riscos, considerando que após mais de duas décadas e meia de uso, não existe nada de concreto que desabone o uso de OGM:

  1. Só considero OGM como riscos em minhas análises quando trata-se da expectativa por parte de algum stakeholder do segmento business to business que solicite contratualmente o não uso de matérias primas e insumos que derivam do uso desta tecnologia, somente pela perspectiva de atendimento de especificação de cliente; 
  2. Quanto à rotulagem, por um princípio de transparência, defendo que deva sim ser identificado no rótulo, mas somente se acima de 1%, por uma questão de que valores menores podem ser devido traços provenientes de contaminação cruzada e não pelo uso intencional;
  3. Também considero que o uso do triângulo com o T de alerta é um excesso desnecessário que causa uma impressão errada aos consumidores sobre este tema, portanto, não haveria problema na PLC 34/2015 ser aprovada, mas também entendo que o assunto é polêmico e cheio de tabus para muitos.

Este é um texto autoral e não reflete necessariamente a opinião da Associação Food Safety Brazil.

9 min leituraJá cultivamos e usamos transgênicos há 25 anos. Alimentos geneticamente modificados (AGM) ou organismos geneticamente modificados (OGM) ou simplesmente transgênicos são aqueles produzidos com base em organismos que, através de engenharia genética, […]

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Minha máscara caseira realmente me protege?

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Relutei em escrever sobre este tema, porque já há muita literatura tratando deste assunto e aparentemente há informação até em demasia, diria que há mesmo alguma banalização.

Por outro lado, percebo que é um tema ainda controverso, pois alguns têm certezas demais, e muitas destas certezas são mitos e não necessariamente verdades científicas, pelo menos não ainda, uma vez que o uso das chamadas “máscaras caseiras” ainda não tem estudos que comprovem a sua real efetividade.

Busquei tratar o tema das máscaras sob a óptica de food safety, em cenários do segmento alimentício, mas foi inevitável não abordar também num contexto geral frente à pandemia que vivemos.

Vamos começar pelo básico. Por exemplo, por que um médico usa uma máscara quando está em uma cirurgia? Não é para proteger a si mesmo, mas para proteger o paciente, para evitar que sua respiração ou um espirro espalhe microrganismos no ambiente que possam vir a infectar o sujeito que está sendo operado.

De forma análoga, na indústria alimentícia, após uma análise de riscos, pode ser determinada a necessidade de uso de máscaras por manipuladores de alimentos em áreas identificadas como críticas, para proteger o alimento de uma potencial contaminação proveniente deste manipulador.

Não é uma regra geral, então deve ser analisado caso a caso, área a área, considerando as características do produtos e os riscos potenciais que possam ser minimizados com o uso de uma máscara, assim como também, os riscos do uso incorreto que podem vir a transformar a própria máscara num agente contaminante, como veremos mais adiante neste artigo.

Portanto, nestes dois exemplos, veja que as máscaras não são usadas para proteger os usuários, mas sim para proteger o ambiente de uma contaminação por patógenos provenientes de quem a está usando. No primeiro exemplo é um paciente que está sendo operado, no segundo, um alimento que está sendo processado ou manipulado.

A máscara então, ao menos é o que se espera, deve fazer uma barreira física para a boca e nariz, para evitar a dispersão de agentes patógenos num ambiente por gotículas e aerossóis.

Assim, a princípio, como profissional da indústria de alimentos, quando trato o tema máscara, é pela perspectiva de evitar que o manipulador se torne o potencial agente contaminante de uma linha industrial ou de um produto que está sendo produzido ou manipulado.

Neste sentido, o diretor-executivo da OMS, Michael Ryan, disse em abril deste ano quando tratava o tema Covid-19:

O debate sobre o uso de máscaras, em geral, é baseado, é construído, não no paradigma de se proteger. A evidência é bastante clara de que o uso de uma máscara em público não o protege necessariamente. Mas se uma pessoa doente usa uma máscara, é menos provável que ela possa infectar outras pessoas“.

Contudo, ao ser questionado sobre a necessidade de uso por toda a população, ele ressaltou que:

Máscaras cirúrgicas e médicas e máscaras como N95 e FFP2 e FFP3, respiradores, são para o sistema médico, e devemos priorizar seu uso para proteger nossos trabalhadores na linha de frente“.

Ou seja, a demanda gerada pela pandemia ocasionou uma escassez destas máscaras profissionais, e elas devem ser priorizadas para uso por quem está na linha de frente no combate à pandemia.

Mas esta fala do Ryan também nos diz que as máscaras podem proteger também os profissionais que estão em contato direto com pessoas infectadas por patógenos. Neste caso, portanto, como uma barreira de proteção para ajudar a evitar que um agente de saúde se contamine, ou seja, a via inversa do falado anteriormente.

O vice-diretor da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), Jarbas Barbosa, também abordou o tema das máscaras, e segundo ele, a ciência mostra que o uso de máscaras cirúrgicas é recomendável para pessoas que apresentam sintomas e aquelas que estão cuidando de um paciente com covid-19, além dos profissionais de saúde.

Ainda segundo Barbosa:

Quando adotamos uma recomendação, precisamos examinar a ciência por trás dessa recomendação e a viabilidade dela. Alguns países têm recomendado o uso de máscaras caseiras, feitas com panos. Não temos evidências científicas fortes de que isso terá um papel importante na redução da velocidade de transmissão. Porém, em algumas semanas, com muitos países fazendo esse tipo de recomendação, poderemos ter estudos para mostrar qual o efeito dessas medidas”.

Contudo, Barbosa foi claro ao dizer que o uso da máscara não é uma “bala de prata”, que sozinha protegerá as pessoas da infecção pelo Covid-19, dizendo:

A população precisa manter todas as outras medidas, como lavar as mãos, cobrir a tosse e o espirro, evitar contato próximo com outras pessoas.”

Higiene pessoal, portanto, continua sendo a melhor forma de prevenir a disseminação de doenças, o que vale para este vírus, e também para demais patógenos quando pensamos em cuidados no segmento alimentício.

Porém, depois veio uma nova recomendação da OMS, agora recomendando o uso por pessoas sem sintomas, mas reforçando que as máscaras cirúrgicas e respiradores, como N95, devem ser priorizadas para profissionais de saúde.

Esta medida, a priori, parte do princípio de que há muitos portadores assintomáticos que podem estar com o vírus sem saber, e o uso da máscara por eles poderia frear a velocidade de disseminação da doença. Porém, há uma corrente de virologistas dizendo que esta disseminação assintomática é desejada, justamente para criar a chamada “imunização de rebanho”, única forma efetiva de controlar a doença, mas enfim, este não é o foco deste artigo.

A OMS está colaborando com parceiros em pesquisa e desenvolvimento para entender melhor a eficácia e a eficiência das máscaras caseiras, assim como está incentivando fortemente os países que emitem recomendações para o uso de máscaras em pessoas sem sintomas a realizarem pesquisas sobre o tema.

Tais pesquisas deverão levar em consideração o tipo de tecido, características quanto ao número de camadas de tecido, se o material usado permite uma respiração adequada, repelência à água/ qualidades hidrofóbicas, formato da máscara, design e ajuste da máscara, se o tecido usado favorece a presença de patógenos ou não.

Por fim, semanas depois da declaração de que não há ainda certeza de segurança efetiva do uso de máscaras caseiras, a OMS divulgou nova informação, com diretrizes para o uso de máscaras não médicas (caseiras), que podem ser feitas em casa, segundo critérios de proteção estabelecidos por estudos da própria entidade, onde o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, durante entrevista coletiva disse:

“Baseando-se em nova pesquisa, a OMS recomenda que as máscaras fabricadas (em casa) devem consistir de ao menos três camadas, de diferentes materiais.”

Porém, a OMS não esclareceu quais seriam estes materiais indicados a utilizar, o design/ formato da máscara e muito menos como respirar adequadamente com uma máscara de 3 camadas de tecido, lembrando que uma máscara que é desconfortável, faz o usuário involuntariamente colocar a mão a todo instante.

A OMS também não divulgou os estudos nos quais se baseou para esta declaração, que a priori deveriam desmontar uma certeza baseada em probabilidade estatística de segurança efetiva pelo uso desta máscara de 3 camadas.

Contudo, já há uma enorme miríade de máscaras em tecidos diferentes, designs variados, seguindo até estampas e tendências de moda. Alguns encararam como uma tendência fashion.

Pode haver vantagens e desvantagens no uso da máscaras caseiras por pessoas sem sintomas.

Vantagens Desvantagens
Redução do risco potencial de transmissão de uma pessoa que foi infectada e está no período pré-sintomático, ou seja, antes do aparecimento de sintomas como tosse seca e febre.

 

Autocontaminação, que pode ocorrer quando a pessoa toca e reutiliza uma máscara contaminada;

Possíveis dificuldades respiratórias;

Devido a designs ou tecidos inadequados e impróprios, se sentir incomodado com o uso e mexer constantemente na máscara.

Qualquer que seja a abordagem adotada, ou mesmo o tipo de máscara, considera-se importante desenvolver uma forte estratégia de comunicação para explicar à população as circunstâncias, critérios e razões da decisão de uso ou não, e acima de tudo, as pessoas devem receber instruções claras sobre quais máscaras usar, quando e como devem agir para usar corretamente. Entre estas recomendações:

  1. Antes de colocar a máscara, higienize devidamente as mãos;
  2. Verifique se a máscara está integra, sem rasgos ou falhas;
  3. Coloque a máscara com cuidado pegando pelas alças e não pela frente;
  4. Vista a máscara de modo a cobrir completamente a boca e o nariz;
  5. Fixe a máscara com segurança para minimizar o espaço vazio entre o rosto e a máscara;
  6. Enquanto estiver usando, evite tocar na máscara;
  7. Evite falar para maximizar o tempo de uso;
  8. Quando for remover a máscara, não toque na frente, remova pela alça;
  9. Após a remoção ou sempre que tocar inadvertidamente em uma máscara usada, volte a higienizar as mãos;
  10. Se a máscara ficar úmida, substitua por uma nova máscara limpa e seca, repetindo todo o procedimento descrito até aqui;
  11. Após vestir a máscara, não pode-se mais colocar as mãos na superfície;
  12. Não reutilize máscaras descartáveis.

O tempo de uso da máscara é variável. Quanto mais a pessoa falar usando a máscara, mais rapidamente ela ficará úmida, e com isso, será necessário trocá-la.

Normalmente, falando pouco, uma máscara leva de 2 a 3 horas para umedecer e precisar ser trocada, mas se no meio disso rolar um bate papo animado, pode ser que após 15 minutos já precise de uma troca.

Por falar em conversar, evite fazê-lo, mas se isto realmente for necessário, jamais abaixe a máscara. Este é um erro que tenho observado com bastante frequência, justamente porque estando mais próximo e falando, gotículas e aerossóis escapam da boca e nariz contaminando o ambiente e o interlocutor.

Também tenho observado erros frequentes como nariz para fora da máscara, máscara no queixo, pessoas enfiando a mão dentro da máscara na boca ou no nariz, coçando os olhos e tirando e colocando a máscara a todo o momento sem seguir os cuidados necessários.

Há pessoas comendo com a máscara, que se suja de alimento ou fica úmida, e assim servirá de substrato para crescimento de alguma microbiota.

Também é comum que uma pessoa tenha uma única máscara, talvez duas, use-as o dia todo, mesmo quando já umedecidas e sem realizar as trocas recomendadas, e pior, no dia seguinte, pegue de volta a mesma máscara e use sem higienizar.

Crédito da arte da figura ao governo de Minas Gerais.

Se a máscara é descartável, armazene-a corretamente, isolando-a, por exemplo, numa sacola plástica com o devido cuidado para não se contaminar, até que chegue a um local onde ela possa ser devidamente descartada, considerando que fará uso de algumas máscaras por dia.

Crédito da arte da figura ao governo de Minas Gerais.

Se for uma máscara reutilizável,  então armazene-a protegida, de outra forma ela se tornará um foco de contaminação. Se você usa 1 a cada 2 horas, precisará de ao menos 4 máscaras por dia, que precisarão ser devidamente lavadas e higienizadas diariamente.

A lavagem pode ser feita com água e sabão ou detergente, considerando que deixar a máscara por um mínimo de 10 minutos em solução de água sanitária pode ser útil para reduzir patógenos, e após secar, recomenda-se o uso de ferro de passar, já que a alta temperatura também colabora com a inativação de patógenos.

Lembramos, é claro, que as máscaras mais comuns, confeccionadas com TNT não podem ser reutilizadas, nem lavadas, elas devem ser tratadas como descartáveis.

Caso a pessoa espirre quando estiver usando a máscara, deve imediatamente trocá-la, seguindo todo o procedimento já descrito. Não se deve ficar com a máscara quando ela estiver úmida, porque se torna um foco potencial de contaminação.

Para pessoas com cabelos longos, é recomendável que os prendam antes de colocar a máscara, para não contaminá-la com os fios.

Voltando ao nosso tema, food safety, a questão relevante: O uso de máscaras caseiras (de pano) pode ser uma boa alternativa de uso na indústria de alimentos, bebidas e embalagens?

  • Diria que não, seja por ainda não existirem evidências científicas de sua efetividade; também devido a falta de padrões para sua confecção com indicação de materiais e designs adequados; e o mais importante, devido à necessidade constante que estas máscaras têm de higienização, que a colocam em desvantagem quando comparadas com as máscaras descartáveis já testadas e aprovadas.

Por fim, quero terminar este artigo enfatizando que o uso da máscara caseira não deve causar uma falsa sensação de segurança, uma vez que, como visto, é um tema em estudo ainda, não há certezas científicas sobre sua eficácia.

Mas por um principio de que mesmo nesta incerteza, pode ser que ela represente uma proteção, é aconselhável que se faça o uso, mas não levando a potencialmente menos adesão a outras medidas preventivas já tidas como eficazes como rigor na higiene pessoal, distanciamento físico, especialmente de pessoas de grupos de risco que são os idosos e imunossuprimidos, assim como a constante higiene das mãos, evitar tocar boca e olhos.

Uma máscara usada só por usar, não tem efetividade em garantir segurança alguma, e usada sem seguir devidamente a colocação adequada ou os cuidados de higiene, pode se tornar, inclusive, um potencial foco de contaminações e meio de propagação de patógenos.

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Opinião: Coma o que quiser, desde que sua comida não coloque minha vida em risco

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Cada povo tem sua própria cultura, e dela fazem parte os hábitos alimentares e paradigmas que constroem as regras morais sobre o que é certo e digno ou errado e repugnante de se usar como comida, não é mesmo?

Para citar um exemplo pitoresco, numa recente viagem com minha filha de 7 anos, estávamos numa casa tradicional no Peru onde ela viu um monte de porquinhos-da-índia correndo pelo chão, e claro, foi logo pegando um bem fofinho. Este animal lá é chamado de cuy, criam e comem como fazemos com as galinhas. Com jeito contei isso a minha filha, que ficou bem triste ao saber que o animalzinho em suas mãos em breve seria uma refeição.

Há muitos outros exemplos interessantes associados à cultura e religião. Judeus e muçulmanos não comem carne de porco, uma vez que estes animais, apesar de terem o casco bipartido, não são ruminantes, e por isso, tanto o Talmude quando o Alcorão proíbem seu consumo, considerando-os animais imundos. Analogamente, hindus não comem carne, quanto mais de vaca, que consideram sagradas.

Por outro lado há quem considere cães um ótimo alimento, em países como China, Indonésia, Coréia, partes do México, Filipinas, Polinésia e Taiwan. Já eu vejo a pequena Yorkshire que vive em minha casa como uma filha e não como um almoço.

Franceses comem caracóis, que em seu idioma se chama “escargot“, um nome chique para um prato sofisticado e caro. Também comem “foie gras”, que nada mais é do que um “fígado gordo” de ganso ou pato que foi forçosamente alimentado à exaustão, o que levou à hipertrofia lipídica do órgão. Ambos pratos tão admirados na culinária francesa parecem para mim, que não sou tão sofisticado, tão exóticos quanto comer carne de cachorro.

Já os vegetarianos adotam um regime alimentar baseado no consumo de alimentos de origem vegetal, não se alimentando de nenhum tipo de animal, optando alguns por comerem laticínios e ou ovos, outros não.

Regionalmente aqui no Brasil também temos questões assim. Tenho alguns amigos que adoram comer caranguejo, para mim ele sequer parece um alimento; já outros amam uma boa buchada de bode, eu prefiro só olhar.

Num exemplo doméstico, estes tabus se estendem também a que parte comer ou não de um animal. Por exemplo: minha mãe gosta de comer a sambiqueira e o pé da galinha, meu pai adora uma rabada ou um mocotó de boi, já eu não incluo estes pedaços na minha dieta.

Enfim, acredito que já deu para exemplificar que em termos de hábitos alimentares, povos e culturas são bastante ecléticos.

Particularmente, não recrimino a comida de cada povo, afinal cada cultura passou por caminhos, dificuldades, circunstâncias que moldaram seus hábitos alimentares. Porém, um problema surge quando aquilo que uma determinada cultura come coloca em risco os povos de outras culturas.

Quando aquilo que você escolhe comer não coloca em risco apenas a sua saúde, mas também a de outros, isso não é um problema exclusivamente seu, mas de todos.

O Brasil é um grande exportador de proteínas de animais como vacas, frangos e porcos.  Mas para isso, há uma série de cuidados relacionados com a criação destes animais, que incluem todos os cuidados com a ração, tratos sanitários dos plantéis, monitoramento constante para prevenir doenças, vacinação, auditorias internacionais em food safety. Inclusive, se necessário, medidas extremas como o descarte de plantéis inteiros podem ser adotadas caso alguma doença que coloque a saúde das pessoas ou plantéis internacionais em risco seja identificada.

Depois temos todos os cuidados durante o abate, evisceramento e corte destes animais, incluindo rigorosas regras de BPF, o uso de medidas para prevenir riscos baseadas em Planos de HACCP, adoção de modelos de gestão baseados em normas internacionais como a FSSC 22000 ou a BRC com todos os requisitos relacionados, etc.

A adoção de todas estas medidas que fortalecem a sanidade na criação e produção de proteína animal permite a obtenção de produtos seguros, não apenas quanto à saúde do plantéis, mas também para garantir a inocuidade à saúde dos consumidores.

Tudo isso monitorado e registrado numa cadeia de custódia apta à rastreabilidade desde a criação dos animais até o destino de cada animal abatido, permitindo atender a protocolos internacionais de segurança dos alimentos.

E quando se abatem animais coletados na natureza, que muitas vezes são reservatórios de vírus, bactérias e parasitas em mercados sem condições higiênicas controladas, sendo abatidos e esfolados no chão destes locais, criando poças de sangue com restos de fezes e vísceras de animais?

Neste caso aumentamos significativamente a probabilidade de risco, inclusive da introdução de novas doenças ao homem, especialmente vírus, cujas mutações podem vir a permitir uma rota animal-homem, e depois homem-homem, o que é perigoso, causando epidemias, uma vez que as populações não possuem anticorpos para novos vírus.

Estamos em plena pandemia de COVID-19, cujos efeitos são mortes pelo mundo todo, especialmente idosos e imunossuprimidos. Na China, o epicentro do problema, mas onde esta epidemia já está em declínio, já começam a reabrir seus chamados “wet markets”.

Os mercados úmidos são locais onde se vende carne viva, peixe, produtos diversos e muitos outros animais coletados na natureza como cobras, morcegos, ratos, macacos, pangolins, gatos, cães, e tudo aquilo que poderia estar num zoológico, mas que nestes lugares são abatidos sem os devidos cuidados sanitários como já relatado.

Há um abismo em termos de cuidados sanitários entre o que se faz num frigorífico destinado a abater e processar proteínas atendendo aos critérios internacionais para exportação como tantos que temos no Brasil e os mercados úmidos que encontramos especialmente em países asiáticos.

Lembre-se de que alguns dos primeiros casos da epidemia que estamos vivenciando agora foram reportados após os infectados terem estado num destes mercados em Wuhan, a região chinesa onde começou o surto do novo coronavírus.

O comércio de carne desses animais, além de contribuir para a destruição de habitats, faz com que os seres humanos tenham um contato cada vez mais estreito com os vírus que eles carregam e que podem se espalhar rapidamente em nosso mundo ultraconectado pela globalização.

Como exemplo, a cidade de Wuhan é um centro produtor de moda que por isso tem intercâmbio permanente com Milão, de onde a COVID-19 se espalhou pela Lombardia e depois para toda a Europa e o mundo.

Estima-se que existem mais de 1,7 milhões de vírus não descobertos na vida selvagem e quase metade deles pode ser prejudicial aos seres humanos, ou seja, muitos novos vírus ainda podem ser introduzidos e causar todo este caos novamente.

A rota de entrada destes novos vírus pode ser via alimentação, no entanto, elementos patogênicos podem ser transmitidos aos seres humanos durante a captura dos animais, transporte ou abate, principalmente se forem realizados em condições sanitárias precárias ou sem equipamento de proteção como ocorrem nestes citados mercados úmidos. O problema é que é muito difícil interromper uma atividade com 5000 anos de tradição cultural, ao menos para os cidadãos que já tem arraigados estes hábitos alimentares.

Talvez a China precise realizar um grande esforço no sentido de ao menos mudar estes hábitos para as novas gerações, que francamente, poderiam começar por substituir estas fontes de proteínas exóticas pelas vacas, porcos e aves brasileiras, criados dentro de condições sanitárias adequadas, portanto, seguros aos chineses, e também, ao resto do mundo.

Mas não é só na Ásia que existe o hábito tradicional de se alimentar de animais selvagens que podem significar risco à saúde humana.

Aqui no Brasil, por exemplo, em algumas regiões ainda se caça para consumo alguns animais selvagens, como o tatu, e há pesquisas que indicam que algumas espécies são potenciais reservatórios de doenças, entre elas a hanseníase, a leishmaniose e a doença de Chagas.

Há também pesquisas que indicam que o tatu-galinha pode carregar a paracoccidiodomicose (PCM) ou blastomicose sul-americana, causada por um fungo, e esta doença pode ser passada a humanos, pela inalação de partículas infectadas que atingem os pulmões e causam infecção, o que pode ocorrer na captura e ou manejo deste animal.

Felizmente aqui a caça e comercialização destas espécies selvagens é inibida, não temos os tais wet markets como na China, onde estes animais são comercializados livremente, e isso ajuda a inibir um pouco este tipo de consumo. Ainda assim, é um tema que precisa ser trabalhando para levar esclarecimento a quem se arrisca a consumir estes animais.

Por fim, diante da epidemia que estamos presenciando, certamente o mundo precisará, via OMS ou que organização for, rever seus protocolos internacionais de segurança para prevenir, reduzir ou controlar a entrada de novos vírus que possam afetar a espécie humana, o que inclui certamente encontrar a causa ou causas raízes deste tipo de problema.

Lembrando que são casos reincidentes, afinal recentemente tivemos a H5N1 (gripe aviária) em 2004 e a H1N1 (gripe suína) em 2009, e agora estamos com a COVID-19 fazendo vítimas e paralisando toda a economia mundial em 2020.

Fica evidente que um bom lugar para começar a tratativa do problema certamente são os mercados úmidos.

Temos de debater este assunto muito seriamente, pois esta pandemia deixou a sensação de que em termos de segurança à saúde pública, nossos esforços em food safety estão arranhando um tema que pode ter uma profundidade muito maior, justamente relacionada aos hábitos alimentares de alguns, mas que colocam a todos em risco, mesmo quem não se alimenta de animais exóticos.

Este é um texto autoral e não reflete necessariamente a opinião da Associação Food Safety Brazil.

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