A resistência aos inseticidas continua um tema atual. Abordar esse tema com relativismo pode comprometer a proteção contra pragas. Estudos no Brasil e no mundo confirmam pragas menos sensíveis às formulações com mais frequência. Entender como a resistência é desenvolvida e aplicar estratégias adequadas no manejo é uma obrigação, tanto para quem aplica como para quem gerencia, e também para quem audita o trabalho.
O assunto é recorrente entre especialistas no controle de pragas. Também é abordado nas universidades, centros de pesquisa e confirmado no campo, quando populações de insetos parecem não sofrer os efeitos tóxicos esperados. Baseando-se nessa visão, profissionais encarregados de programas de controle de pragas e fabricantes de inseticidas têm ecoado a estratégia para ROTAÇÃO de grupos químicos em mesmo ambiente, para evitar que indivíduos mais tolerantes a alguns ingredientes ativos produzam populações resistentes. É o pensamento darwiniano: a seleção natural sendo vista e comprovada.
ENTRETANTO, recentemente, em pleno 2025, durante uma auditoria harmonizadora, a bióloga responsável técnica por uma empresa controladora apresentou e insistiu, de forma enfática, uma visão contrária, afirmando que resistência a inseticidas seria um tema superado em ambientes urbanos. No mínimo, essa visão contrasta bastante com as afirmações reproduzidas pelos próprios formuladores desses insumos, que têm investido milhões de dinheiros ao redor do planeta para desenvolver formulações para “contornar” a resistência.
Frente a essa divergência de visões, consciente de que há um risco real de erros graves que podem ser cometidos se aderirmos a extremos sem uma reflexão mais aprofundada, entendo que é prudente trazer alguns dados científicos recentes para sedimentar os principais argumentos sobre o tema. Fora os aspectos operacionais, temos os econômicos que pretendo citar ao final deste artigo.
O que é resistência?
Em cada população de uma mesma espécie, existem indivíduos que expressam características genéticas singulares. Em insetos, desde expressões mais visuais como cores no tegumento, tamanho de escamas e quantidade de cerdas, até expressões metabólicas como tempo de repouso, atração pela iluminação, ciclo reprodutivo, incluindo mutações ou comportamentos que ajudam alguns indivíduos a sofrerem menos frente a contaminações químicas.
A resistência ocorre quando esses poucos indivíduos com “vantagem metabólica” frente a contaminações químicas sobrevivem e procriam, em detrimento dos outros indivíduos menos adaptados, que são eliminados. Após duas ou três gerações, prevalece uma população de insetos quase “imunes” àquela formulação. E contra esses fatos, não há argumentos ou relativizações.
Na agricultura esse tema tem sido muito relevante e provoca sucessivos estudos e desenvolvimento de novas formulações. Em publicações recentes, pesquisadores no Paquistão, Índia, Estados Unidos e Brasil confirmam a prevalência de resistência a inseticidas para as pragas agrícolas e apontam estratégias para correção.
Pragas urbanas e resistência
A GRANDE PERGUNTA é: as pragas urbanas também expressam resistência com tanta frequência? Novamente recorrendo aos pesquisadores, fica evidente esse desafio. Estudos na China, Estados Unidos e Irã confirmam resistência a inseticidas em populações urbanas de baratas, mosquitos, moscas e algumas espécies de carunchos. No Brasil existem estudos ainda mais específicos, detalhando o nível de resistência metabólica de baratas e mosquitos a alguns dos piretróides mais comuns. Quando o alvo é mosquito, há uma avalanche de estudos indicando resistência a vários grupos de inseticidas.
Um estudo no Brasil sobre populações de Blattella germanica (barata de cozinha) revelou uma resposta que soa como um alerta: já existe uma forte seleção de insetos que não morrem quando expostos a deltametrina, um dos piretróides mais usados tanto pelas empresas especializadas, quanto pelos consumidores finais.
Em relação às pragas dos grãos armazenados, também existem evidências recentes de resistência especialmente aos piretróides. Um estudo no Japão com amostras de Lasioderma serricorne (caruncho do fumo) coletadas em 6 países, revelou uma mutação presente no gene que interfere no mecanismo de ação no qual os piretróides atuam, reduzindo a resposta neurotóxica dos insetos. Este estudo aponta que existem populações dessa espécie resistentes aos piretróides.
Manejo da resistência
Respondendo ao dilema inicial que motivou esse artigo:
| SIM, a resistência a inseticidas é uma realidade comprovada e estudada exaustivamente no controle de pragas urbanas |
A quantidade de evidências científicas no Brasil e em outros países é indiscutível.
Agora vamos para uma outra pergunta: é possível contornar essa evolução dos insetos?
Novamente uma resposta positiva: SIM, é possível realizar o manejo de resistência. As estratégias mais consolidadas são:
- Formulação na dosagem correta – embora pareça insano, alguns profissionais controladores de pragas adotam concentração off label (rótulo homologou 50 ml pra 10 litros na ANVISA, mas o controlador emprega 30 ml).
- Método de tratamento correto – o rótulo indica PULVERIZAÇÃO para controle do caruncho ou da barata, mas o controlador prefere ATOMIZAÇÃO ou TERMONEBULIZAÇÃO.
- Rotação de moléculas – Tem sido frequente a empresa controladora selecionar uma única formulação ao longo de vários meses. Um exemplo? Alfacipermetrina é um piretróide muito eficiente, mas empregar somente esse ingrediente ativo por 10 meses consecutivos pode contribuir muito para a seleção de populações resistentes. Os próprios fabricantes formuladores desse ativo sugerem o emprego eventual de outros grupos químicos no mesmo ambiente. Um estudo na China evidencia um teste que confirmou quebra de resistência quando incluído um neonicotinóide na rotina de tratamentos.
- Manejo Integrado – Inseticidas isoladamente não eliminam populações de insetos. Medidas como remoção de resíduos, barreiras físicas, condições estruturais da edificação também afastam as pragas. Seria inócuo elaborar uma forte estratégia para rotação de inseticidas, quando aplicados sobre um ambiente muito contaminado.
Análise de riscos
A análise dos riscos que baseiam o escopo do programa de controle de pragas deve considerar o manejo da resistência das espécies de insetos-alvos para cada ambiente, propondo uma estratégia para rotação de inseticidas e outras medidas que limitem a seleção por populações resistentes.
Felizmente, cada vez mais auditores dos esquemas de certificação têm aumentado sua vigilância sobre a coerência entre concentração e métodos de tratamento homologados nos rótulos, e a prática efetivamente entregue na operação. Existe oportunidade para uma prática complementar, que consiste na avaliação do histórico de pelo menos 12 meses de tratamentos para evidenciar as estratégias que atenuam resistência aos inseticidas.
Aspectos econômicos
Ao revisar o artigo e reler outros já publicados aqui, na FoodSafetyBrazil, ficou evidente que o problema muitas vezes começa na visão da indústria ao contratar o parceiro para o programa controle de pragas. Soluções genéricas costumam custar menos, e isso seduz qualquer comprador focado no “save”. Empresas controladoras mais atentas incluem no mix formulações específicas ou com lançamento recente. Essa estratégia impacta o preço final, mas o resultado é precisão. Quando o critério é apenas o menor preço, o risco se espalha por toda a cadeia produtiva.
Se esse cenário faz sentido para você, compartilhe este artigo e seus doze links para publicações científicas com quem toma decisões na sua empresa. A base científica apresentada ajuda na seleção de fornecedores e formulações que refletem maturidade técnica. Caso esse entendimento ainda não tenha ficado claro, os insetos vão deixar a lição final durante a próxima auditoria, aparecendo firmes e fortes diante de todos.
4 min leituraA resistência aos inseticidas continua um tema atual. Abordar esse tema com relativismo pode comprometer a proteção contra pragas. Estudos no Brasil e no mundo confirmam pragas menos sensíveis às […]

