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Ketchup, mostarda e mel: o que realmente precisa ir à geladeira?

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Entre ciência, legislação e boas práticas, descubra quando a refrigeração é obrigatória e quando é apenas uma questão de qualidade. Quem nunca discutiu sobre onde guardar o ketchup? Ou se a mostarda precisa mesmo ficar na geladeira depois de aberta? Embora pareçam dilemas domésticos, essas perguntas têm base científica sólida — e entender o comportamento microbiológico por trás dos condimentos é fundamental tanto para quem trabalha na indústria quanto para quem atua em serviços de alimentação ou simplesmente é dona de casa.

Aqui vai um insight importante: a recomendação “refrigerar após abrir” não está necessariamente ligada apenas à segurança microbiológica, mas também à preservação da qualidade sensorial. Produtos como molhos, geleias e manteigas têm características que dificultam o crescimento microbiano: baixa atividade de água (aw), alta acidez (pH baixo), presença de sal, açúcar ou conservantes naturais, além de terem passado por processos térmicos para eliminar patógenos.

Esses fatores, isolados ou combinados, tornam a maioria dos condimentos estável à temperatura ambiente — ao menos do ponto de vista da segurança de alimentos. O que se perde fora da geladeira, na maioria das vezes, é a cor, sabor e textura, não a inocuidade. Como explica a professora Abby Snyder, da Universidade Cornell:

“Microrganismos deteriorantes podem até se desenvolver, mas raramente os patogênicos. O principal risco é sensorial, não sanitário.”

O que dizem as normas legais brasileiras?

A RDC 727/2022 da ANVISA regula a rotulagem de alimentos embalados e estabelece que as condições de armazenamento devem constar no rótulo quando necessárias para garantir qualidade e segurança. Para quem trabalha com food service, a RDC 216/2004 determina que produtos prontos para consumo sejam mantidos sob condições que previnam contaminação. Mas atenção: isso não significa que tudo precisa estar refrigerado. A IN 161/2022, que estabelece padrões microbiológicos, reconhece que produtos com pH ácido e alta concentração de sal ou açúcar são naturalmente mais estáveis, tendo critérios menos restritivos.

E aqui entra um conceito fundamental: a tecnologia de obstáculos (hurdle technology). A RDC 331/2019 classifica alimentos com pH abaixo de 4,5 como ácidos, de baixo risco para patógenos como Clostridium botulinum. Quando combinamos acidez com baixa atividade de água (aw < 0,85 já inibe Staphylococcus aureus), criamos barreiras que tornam o produto microbiologicamente seguro sem refrigeração.

Na prática: cada condimento é um caso

  1. Ketchup é provavelmente o exemplo mais emblemático. Com pH em torno de 3,9 e aw entre 0,93-0,97, ele é naturalmente estável. É por isso que restaurantes o deixam fora da geladeira sem causar surtos de DTA. A refrigeração aqui é puramente para manter cor e sabor vibrantes por mais tempo. Conforme a RDC 216/2004, não há restrição para manter sachês individuais em temperatura ambiente no food service — desde que protegidos de luz e calor excessivo.
  2. Mostarda é ainda mais impressionante. Com pH entre 3,5-4,5 e compostos antimicrobianos naturais (isotiocianatos), ela é praticamente autoconservante. Como diz Brandon Collins, sommelier de mostarda: “É antibacteriana, então nada pode realmente crescer nela.” A geladeira apenas preserva aquele ardor característico que se perde com o tempo. Microbiologicamente falando, pode ficar na despensa sem preocupação.
  3. Mel é o campeão da estabilidade. Com aw de aproximadamente 0,6 e mais de 65% de açúcares redutores, é um ambiente hostil à vida microbiana. A IN 11/2000 do MAPA nem exige refrigeração — aliás, refrigerar mel é um erro comum que acelera a cristalização. Mas atenção ao alerta do Ministério da Saúde e da Sociedade Brasileira de Pediatria: nunca ofereça mel a bebês menores de 1 ano, devido ao risco de esporos de Clostridium botulinum. Outra informação importante: o mel de abelhas nativas (sem ferrão) tem um teor mais elevado de umidade e precisa, sim, ser mantido sob refrigeração.
  4. Maionese comercial é interessante porque muda de status. Fechada, fica em temperatura ambiente graças ao pH 3,8-4,2 e à pasteurização. Aberta, precisa ir para a geladeira — não tanto pelo risco microbiológico (o pH ácido protege), mas porque o calor desestabiliza a emulsão. E aqui vai um ponto crítico da RDC 216/2004: maionese caseira com ovos crus é proibida em estabelecimentos comerciais justamente pelo risco de Salmonella.
  5. Molho de soja tradicional, com 15-18% de sal e processo fermentativo natural, dispensa refrigeração. Mas cuidado com versões “light” reduzidas em sódio — essas podem precisar de frio; sempre confira o rótulo.
  6. Geleias, doces em pasta e compotas, apesar da alta concentração de açúcar e pH ácido, devem ir para a geladeira após abertura para evitar fungos na superfície.

Contaminação cruzada, o verdadeiro vilão

Aqui está o segredo que muita gente ignora: mesmo produtos microbiologicamente estáveis podem ser comprometidos por manipulação inadequada. Utensílios úmidos ou sujos, armazenamento em ambientes incorretos (com condensação) — tudo isso introduz microrganismos que não deveriam estar ali. Para a indústria e para o food service, implementar POPs claros e treinar equipes sobre contaminação cruzada é tão importante quanto escolher a temperatura de armazenamento.

Para quem formula e fabrica

Se você trabalha com desenvolvimento de produtos, sabe que estudos de vida de prateleira não são opcionais. Análises microbiológicas, avaliação sensorial, monitoramento de pH e aw, testes de desafio microbiano (challenge test) — tudo isso justifica aquela frase no rótulo. A rastreabilidade completa, incluindo condições de armazenamento por lote, não só facilita recalls como demonstra comprometimento com a qualidade. E lembre-se: a declaração no rótulo não é só para cumprir tabela — ela orienta o consumidor e protege sua marca.

O que levar dessa discussão?

Produtos com pH < 4,5 e/ou aw < 0,85 são microbiologicamente seguros à temperatura ambiente. A refrigeração, nesses casos, é aliada da qualidade, não da segurança. Mas isso não significa negligenciar o frio — ele retarda oxidação, preserva compostos voláteis e mantém a experiência sensorial que o consumidor espera.

A conformidade com a RDC 727/2022 e outras normas não é burocracia: é gestão de risco baseada em ciência. E a maior lição? Refrigerar o que é necessário é prudência. Refrigerar o que não precisa é zelo. Saber a diferença é o que separa profissionais preparados de quem apenas segue instruções.

Como sempre dizemos: a manipulação higiênica após a abertura é mais crítica que a temperatura de armazenamento. Use colheres limpas e secas, mantenha embalagens bem fechadas, e eduque equipes e consumidores sobre boas práticas. Isso, sim, faz a diferença.

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Uso consciente de aditivos na indústria de alimentos

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O uso consciente de aditivos na indústria de alimentos é fundamental para assegurar segurança, qualidade, sabor, aparência e vida útil dos produtos, sem comprometer a saúde do consumidor.

Aditivos são substâncias adicionadas intencionalmente para cumprir funções específicas, como conservantes que inibem microrganismos, antioxidantes que atrasam a oxidação, corantes e aromatizantes que melhoram aparência e paladar, além de emulsificantes e estabilizantes que mantêm a textura estável. Eles são regulamentados por autoridades competentes, que estabelecem limites de uso, condições de aplicação e avaliação de risco para cada substância.

Os princípios do uso consciente incluem segurança, transparência, justificativa tecnológica, redução e controle. A segurança envolve a aprovação oficial de cada aditivo e a observância de limites, incluindo a Ingestão Diária Admissível (IDA) quando pertinente. A transparência exige rotulagem clara, com nomes ou códigos (como os códigos E em alguns sistemas), para facilitar a compreensão do consumidor. A justificativa tecnológica requer que cada aditivo tenha função comprovável e útil no produto, evitando uso indiscriminado apenas por conveniência econômica. A redução implica buscar alternativas naturais, mudanças de processo ou formulações que diminuam a necessidade de aditivos artificiais, além de otimizar formulações já existentes. O controle de qualidade demanda monitoramento rigoroso de matérias-primas, condições de processamento e higiene para evitar contaminações que possam aumentar a necessidade de aditivos adicionais.

Boas práticas na indústria envolvem a implementação de sistemas de gestão de qualidade, como HACCP, que ajudam a identificar pontos críticos onde aditivos são necessários e onde podem ser reduzidos ou eliminados. A validação de processos assegura que a função do aditivo é efetiva sem exceder limites. O treinamento contínuo de equipes sobre regulamentação, rotulagem, segurança e boas práticas de fabricação é essencial para manter a conformidade. Além disso, investir em pesquisa e desenvolvimento é crucial para explorar alternativas naturais, ingredientes com estabilidade intrínseca e tecnologias de processamento que minimizem a dependência de aditivos artificiais, mantendo a segurança e a qualidade.

Desafios atuais incluem equilibrar segurança, custo, aceitação do consumidor e inovação. A harmonização regulatória entre países exige conformidade ampla e atualização constante diante de novas evidências científicas. A percepção pública de “químicos” na alimentação ressalta a importância da educação, da comunicação clara e de informações acessíveis que expliquem as funções dos aditivos, seus limites e os benefícios para a segurança e a qualidade sensorial.

O papel do consumidor é ativo nesse cenário. Ler rótulos com atenção, compreender termos técnicos e conhecer os nomes dos aditivos ajuda a fazer escolhas mais informadas. Buscar informações em fontes confiáveis, como agências regulatórias, organizações de ciência de alimentos e estudos revisados por pares, fortalece a capacidade de discernimento. Optar por produtos que adotem abordagens responsáveis de uso de aditivos, que explorem ingredientes naturais quando possível e que demonstrem compromisso com a transparência, reforça hábitos de consumo mais sustentáveis.

Em síntese, o uso consciente de aditivos na indústria de alimentos é essencial para equilibrar inovação tecnológica, segurança e saúde pública. Quando regulamentos são cumpridos, práticas são transparentes e a comunicação com o público é adequada, é possível alcançar produtos seguros, funcionais e atraentes, com menor impacto negativo sobre a saúde e o meio ambiente. O caminho passa pela fiscalização eficaz, pela pesquisa responsável e pela participação informada do consumidor, que, por sua vez, contribui para a melhoria contínua de toda a cadeia de produção alimentar.

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O Jardim da Qualidade: pare de apenas arrancar ervas daninhas e regue as flores

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Sabe qual é a grande diferença entre uma produção que alcança a qualidade e uma que vive a qualidade? A primeira foca apagar incêndios e corrigir o que deu errado. Já a segunda está focada em cultivar o que dá certo. Em vez de ver a produção como um campo minado de riscos a serem evitados, que tal enxergá-la como um jardim a ser cultivado?

O problema é que passamos tempo demais arrancando as “ervas daninhas” (os erros, as não conformidades). E isso é necessário, claro. Mas e as “flores”? As atitudes proativas, a atenção aos detalhes, o cuidado extra? Elas ficam invisíveis.

Uma cultura de qualidade genuína nasce quando a gente aprende a regá-las, a dar a elas a luz do sol do reconhecimento.

Para fazer isso, a gente precisa de um novo método, que vai além de apenas seguir procedimentos. Vamos chamar de “O Ciclo da Visibilidade Positiva”:

  • Um olhar diferenciado: o primeiro passo é mudar o foco. Em vez de procurar o erro, a liderança precisa ter um “olhar de jardineiro”: procurar genuinamente e ativamente as boas práticas. Isso pode ser um colaborador que organiza sua área de trabalho de forma impecável, um time que adere 100% a um novo protocolo ou alguém que sugere uma pequena melhoria de processo. Não é sobre o grande feito; é a consistência nas pequenas ações que constrói a excelência.
  • O fertilizar: o reconhecimento é o fertilizante. Ele deve ser imediato, específico e público. Quando você vê uma flor, não espera para elogiá-la. Você a elogia na hora. Diga em voz alta, na frente da equipe: “Pessoal, quero destacar o trabalho da Maria. A atenção dela na checagem de hoje evitou um problema potencial. Isso é o que chamamos de qualidade.” A celebração do acerto tem um poder de multiplicação que a correção do erro jamais terá.
  • A colheita: O resultado desse ciclo é uma colheita de engajamento e proatividade. Quando o esforço é visto e valorizado, o cérebro das pessoas entende que “fazer a coisa certa” compensa. O reconhecimento não só motiva quem o recebe, mas inspira toda a equipe a buscar o mesmo destaque. Ele transforma o cumprimento de uma regra em um desejo de superação. E é aí que a qualidade deixa de ser uma obrigação e se torna um valor.

Uma cultura de qualidade forte não se mede pela ausência de falhas, mas pela presença de uma excelência visível e celebrada. O verdadeiro poder da indústria de alimentos está na capacidade de cada pessoa do time se sentir um jardineiro, responsável por regar as flores, sabendo que seu cuidado faz todo o campo florescer.

Em outras palavras

A excelência em segurança e qualidade de alimentos não é um destino, mas um jardim que precisa ser cuidado todos os dias. Em vez de focar apenas arrancar as ervas daninhas dos erros, o verdadeiro segredo é regar as flores das atitudes positivas. Ao valorizarmos genuinamente o esforço, transformamos a equipe de meros executores em cuidadores da qualidade. Isso gera confiança, inspiração e, no final, um resultado mais bonito e forte para todos.

E você, na sua empresa, está apenas arrancando as ervas daninhas ou já começou a regar as flores?

Por Thiago Pontes

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Um pequeno (grande) inimigo da Segurança de Alimentos

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Estamos em guerra! Sim, isso mesmo, estamos diante de uma batalha nada fácil diante de um inimigo comum e que pode fazer com que todo o trabalho envolvido num processo produtivo de alimentos caia por terra.

É necessária muita atenção pois esse inimigo é muito ágil e veloz, e não temos a rapidez necessária para capturá-lo facilmente. Além disso, geralmente nunca está sozinho, tem armas perigosíssimas em seu poder mesmo não sendo intencional. E a pior notícia: é muito comum onde quer que haja alimentos e resíduos por perto. Tenho certeza de que você já o enfrentou pelo menos uma vez na vida. Estou me referindo à musca dumestica, mais conhecida como MOSCA.

Imagem gerada por ChatGPT

A mosca é um dos insetos mais comuns que existem e uma presença habitual na maioria dos climas da Terra. Pode pousar em diferentes tipos de alimentos, contaminando-os com bactérias, sendo responsável pela propagação de numerosas doenças. A mosca adapta-se facilmente a vários ambientes e pelo fato de voar e pousar em lugares sujos como bueiro, lixo, detritos, matéria orgânica em decomposição, suas patas são repletas de microrganismos patogênicos.

Para combater esse terrível inimigo é necessário conhecê-lo a fundo: as moscas possuem um tempo de vida curto, de 30 dias aproximadamente, mas suficiente para causar enormes prejuízos. Preferem voar a uma altura de até 8 metros, mas podem superar e muito esse limite. Possuem um tamanho de 5 a 8 mm de comprimento. Têm como dieta excrementos, resíduos e matéria orgânica em decomposição e são atraídas por ambientes úmidos e quentes. Podem se reproduzir a uma velocidade absurdamente assustadora.

Todo o cuidado é pouco, se não conseguirmos derrotar esse indesejável inimigo teremos sérios problemas. Mas a batalha não está perdida pois existem maneiras simples para evitar e combater as moscas. As principais são:

– Manter o local sempre limpo;

– Jogar o lixo sempre em recipientes tampados;

– Não deixar resíduos orgânicos expostos;

– Colocar telas em portas e janelas.

Se você já possui seu controle integrado de pragas, nenhuma dessas dicas é novidade, mas qualquer ação para defender a segurança dos alimentos é sempre bem-vinda. Além disso, com as mudanças climáticas esse inseto está ficando mais resistente ou aparece com maior frequência e em quantidade muito maior do que de costume em alguns lugares. Por isso não podemos nunca baixar a guarda porque não há trégua e nem a possibilidade de cessar-fogo diante do combate às moscas.

Agora que você foi convocado para esse combate, esteja sempre alerta para que juntos possamos sair vitoriosos dessa guerra, sobretudo por tudo o que está em jogo nessa peleja. Não existe a menor possibilidade de levantar a bandeira branca da paz. Vamos à luta com todas as armas para derrotar de uma vez por todas esse pequeno (grande) inimigo da Segurança de Alimentos.

E sobre esse assunto recomendo ainda ler os textos já publicados aqui:

Moscas: origem, hábitos e sua relação com a segurança de alimentos 

Toda segunda-feira há moscas dentro da fábrica. O que está acontecendo? 

Controle de moscas: a melhor saída está na entrada

Armadilhas luminosas: como investigar o acesso das pragas?

15 dicas para você resolver o problema com as moscas de uma vez por todas!

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Animais silvestres e segurança de alimentos: contenção de “pragas” com mínimo impacto ambiental

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O crime não compensa 

O esforço contínuo para proteção da saúde e preservação de patrimônio de pessoas e indústrias elege alguns “vilões da contaminação”, digamos assim. São mosquitos, baratas, ratos, moscas, formigas, carunchos, pombos, enfim uma extensa lista de animais para os quais são mobilizados esforços de vigilância permanente e ações de controle.

Mas nem sempre o invasor contaminante é um “suspeito” com longa ficha corrida, incluindo crimes contra a vida, como dengue, leptospirose, toxoplasmose, salmonelose, ou depredação de patrimônio praticada pelos cupins, brocas, formigas e carunchos.

Metaforicamente, em alguns cenários, o delito contaminante é provocado sem dolo (ou intenção). Seria um crime circunstancial (culposo) ou até por “legítima defesa”, quando são inocentemente atraídos por iluminação, mas o ato ainda impõe ao meliante uma condenação, como consequência do enorme risco que causou à sociedade.

Portanto, precisamos lidar com responsabilidade com o fato de animais silvestres, sem associação com doenças ou danos estruturais e nenhuma perda econômica, mesmo agrícola ou paisagística, sofrerem o aumento da pressão migratória, principalmente em função das condições climáticas. A cultura food safety, incluindo o programa controle de pragas, precisa enfrentar esse cenário com lucidez. Isso inclui saber argumentar com fiscais, auditores e até críticos internos que, muitas vezes, “julgam” e “condenam” inocentes.

Ou seja, não é razoável condenar abelhas, vespas, andorinhas, sabiás, pica-paus, besouros, tesourinhas, cobras, morcegos e até pequenos roedores silvestres ao extermínio, por duas razões bem objetivas:

Erro 1: Eliminar animais silvestres é crime ambiental, com penas severas conforme a legislação brasileira;

Erro 2: Pragas existem em função do desequilíbrio provocado no meio ambiente pela atividade humana, portanto aumentar o extermínio de animais silvestres resulta em mais desequilíbrio, e consequentemente mais pragas.

Eu sei, é um desafio conciliar a proteção de contaminantes com responsabilidade ambiental. Precisamos controlar esses invasores, com mínimo impacto possível. Como fazer? Existem estratégias que afastam animais silvestres sem letalidade?

SIM!!!!! Várias estratégias. E vamos descrever alguns CASOS REAIS.

Uma empresa controladora de pragas atualizada, com profissionais certificados e responsável técnico atuante tem todas as ferramentas para conter sem matar. Alguns exemplos nos inspiram:

CASO REAL 1 – Morcegos

Morcegos são animais que preferem abrigos naturais, como fendas em rochas, cavernas e árvores ocas. Sua ocupação de telhados e galpões não é natural, mas ocorre quando seus abrigos originais são modificados ou eliminados. Em alguns cenários a ocupação do ambiente ocorre por poucos dias enquanto rastreiam novas fontes de abrigo.

Um controlador identificou fezes de morcego em uma área de depósito de um laticínio, e notificou o gestor da qualidade, que imediatamente pediu à empresa especializada um plano de contenção. Após o Responsável Técnico examinar o cenário, apontou que era uma espécie que se alimenta de frutas, com migração sazonal, e que possivelmente em até 4 semanas faria a migração. Apresentou-se um plano para instalação de repelentes, mas recomendaram que aguardasse o tempo de adaptação dos animais. Conclusão: em 3 semanas os animais migraram e não foi necessário nenhum investimento.

CASO REAL 2 – Andorinhas

Andorinhas são pássaros bastante adaptáveis a edificações urbanas. Embora tenham preferência por nidificar em árvores e encostas rochosas, frente a indisponibilidade de abrigo, usam telhados, calhas elétricas, beirais e outras estruturas industriais  para nidificar.

Um fiscal do MAPA notificou uma fábrica de rações para contenção de andorinhas na área de expedição, pelo risco de contaminação por fezes nos pacotes e pessoas durante o carregamento. A empresa controladora contratada não tinha domínio sobre esse tipo de invasor, e o fabricante contratou um consultor especializado, que apontou claramente a necessidade de instalar barreiras na área de expedição. Projeto caro, com várias semanas de execução, sem previsão no orçamento. Cenário desolador, mas o especialista apontou uma solução intermediária com aplicação gradual das barreiras, indicando ao fiscal do MAPA um plano de ação gradual para ser concluído em até 12 meses. Conclusão: com poucos dias e baixo orçamento, a contenção foi iniciada na área mais contaminada, o fiscal concordou com o plano gradual e em poucos meses a área estava completamente protegida.

CASO REAL 3 – Roedores silvestres

Roedores silvestres são pequenos animais que normalmente se alimentam de frutas e cereais de gramíneas presentes na vegetação periférica de cidades e áreas industriais. São predadores de pequenos insetos e servem como alimento para serpentes e pássaros.

No período sem chuva, com limitação da oferta de alimentos, esses pequenos animais migravam para uma instalação industrial fabricante de bebidas com extensa faixa verde, na qual havia porta iscas de anel primário (armadilhas para roedor na cerca), se alimentavam do raticida e morriam, causando desequilíbrio no local, inclusive com surgimento eventual de serpentes, que perdiam seu principal alimento. O responsável técnico da empresa controladora indicou a remoção do anel sanitário primário (não era requisito da norma food safety), pois não havia risco de migração por roedores urbanos, e já havia dezenas de porta-iscas protegendo as edificações, com taxa de consumo menor que 1%. Um índice de infestação muito baixo. Conclusão: embora a gestão de qualidade da indústria estivesse insegura com a remoção do anel primário, aceitou a sugestão do especialista, mantendo os pequenos roedores distantes dessa perigosa fonte alimentar, e não houve nenhuma atividade migratória para as áreas edificadas.

Cases como esses poderiam compor um webinário. Temos histórias de pica-paus, cobras, besouros, tesourinhas, formigas, abelhas e vários outros, fazendo o que os bichos fazem. O erro acontece quando não conseguimos contornar essas situações com inteligência.

UM CONVITE

Reflita – Controle de Pragas não depende de veneno. Não se apoia apenas em extermínio como estratégia de controle. Precisa de controladores certificados e responsável técnico pensante e atuante.

Controladoras que sustentam suas estratégias apenas na aplicação repetida de defensivos, sem estudos de impacto ambiental, parecem seguir uma lógica que, além de gerar custos desnecessários, pode colocar a imagem da sua empresa em julgamento e pior, ser acusada de ter eliminado um inocente. E em tempo de boas práticas ESG, o mercado tende a não perdoar esse tipo de crime. Não perdoa mesmo.

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Cachorro-quente de rua: comer ou não comer? Eis a questão!

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Imagine a cena: você está caminhando pela cidade, sente aquele cheiro irresistível de cachorro-quente no ar, e sem pensar duas vezes, já está na fila do carrinho do tio da esquina. Mas será que é seguro o que você pretende ingerir?

Provavelmente muitas pessoas que não atuam diariamente com segurança dos alimentos simplesmente saboreiem seu cachorro-quente despreocupadamente. No entanto, profissionais da área, que estão familiarizados com os riscos, sabem que um simples cachorro-quente pode trazer uma série de problemas.

Os ingredientes: uma receita para o caos?

1 – Pão

O pão, do ponto de vista da segurança dos alimentos, é intrinsecamente seguro devido à sua baixa atividade de água (Aw), geralmente abaixo de 0,85, o que inibe o crescimento da maioria das bactérias patogênicas.

No entanto, apesar de relativamente seguro, pode conter contaminantes, principalmente fungos. A umidade elevada e a exposição ao ar favorecem o desenvolvimento de espécies como Aspergillus spp., Penicillium spp. e Fusarium spp., algumas das quais são produtoras de micotoxinas, substâncias tóxicas associadas a efeitos adversos na saúde humana.

Para minimizar o risco de contaminação, recomenda-se armazenar o pão em locais secos e arejados, evitar a exposição prolongada ao ar e, se necessário, conservar em refrigeradores ou embalagens adequadas para retardar o crescimento de fungos.

Além disso, a manipulação inadequada pode transformar o pão em um vetor para contaminação cruzada, facilitando a transmissão de Staphylococcus aureus e coliformes fecais, especialmente quando não há higienização correta das mãos e dos utensílios.

2 – Salsicha

A salsicha industrializada já vem cozida, mas isso não significa que ela está livre de perigos.

Se armazenada fora da refrigeração pode servir de substrato para a multiplicação de Listeria monocytogenes, Salmonella spp. e Escherichia coli (E. coli O157:H7).

A temperatura ideal para conservação de embutidos é abaixo de 5°C, mas no carrinho de rua muitas vezes a realidade é outra: são caixas de isopor sem controle térmico adequado, permitindo assim a proliferação bacteriana.

Há ainda um fato interessante sobre salsichas: o nome Clostridium botulinum deriva do latim “botulus” , que significa justamente salsicha. Os primeiros casos documentados de botulismo estavam associados ao consumo de salsichas contaminadas, principalmente na Alemanha do século XIX.

Essas salsichas eram produzidas com o embutimento em tripas naturais e armazenadas em condições anaeróbicas (com pouco ou nenhum oxigênio). Como o Clostridium botulinum é uma bactéria anaeróbia estrita, essas salsichas criavam um habitat ideal. Além disso, o pH neutro ou levemente alcalino e a presença de nutrientes favorecem a multiplicação das bactérias e a produção da toxina botulínica, uma das mais potentes conhecidas.

Esse problema foi reduzido com o avanço das técnicas de conservação, como a refrigeração e o uso de conservantes como os nitritos que inibem o crescimento microbiológico, lembrando que se usado de forma inadequada, os nitritos também são um problema, uma vez que podem ser convertidos a N-nitrosaminas, que são potencialmente carcinogênicos.

3 – Maionese

A maionese caseira, por vezes usada pelos vendedores de rua, pode ser uma bomba-relógio.

A maionese caseira, amplamente utilizada em lanches de rua, apresenta alto risco sanitário, principalmente por ser produzida com ovos crus, uma vez que a Salmonella spp. pode estar presente nos ovos contaminados, causando intoxicações severas.

A Salmonella pode migrar do trato intestinal das galinhas para os ovos através da casca por contaminação externa. Essa contaminação ocorre durante a postura, quando os ovos podem entrar em contato com fezes contaminadas na cloaca ou no ninho. Como a casca possui poros, uma bactéria pode penetrar, especialmente se houver umidade ou rachaduras, atingir a membrana interna e, em alguns casos, a gema, onde pode se multiplicar.

Mesmo as versões industrializadas de maionese precisam ser mantidas refrigeradas para evitar o crescimento de microrganismos patogênicos, porém, num carrinho de hot dog, mantido fora de refrigeração constantemente, a maionese pode se transformar num meio de cultivo. Por isso, pequenos volumes em sachês podem significar menos risco que em bisnagas.

4 – Molho de tomate

Embora o molho de tomate possua pH ácido (em torno de 4,0 a 4,5), o que inibe o crescimento de muitos microrganismos patogênicos, ainda assim pode ser contaminado por bactérias acidotolerantes, como Lactobacillus spp. e Acetobacter spp., além de fungos , como Aspergillus spp., Penicillium spp. e Fusarium spp.

Fungos podem produzir micotoxinas como as fumonisinas e ocratoxinas, que são substâncias tóxicas associadas a potenciais efeitos carcinogênicos, imunossupressores e causadores de danos ao fígado e rins.

Mesmo em molhos industrializados, especialmente os que vêm em latas, embalagens de vidro ou sachês, pode ocorrer crescimento de fungos. Isto ocorre especialmente após a abertura, caso o produto fique exposto ao oxigênio, possibilitando o acesso dos esporos de fungos, e ainda mais se mantido em temperatura ambiente por longos períodos.

Além disso, há o risco de contaminação cruzada se o mesmo utensílio for usado para mexer a salsicha e o molho sem higienização adequada.

Exposição de alimentos ao consumidor em carrinhos

Molhos e outros produtos expostos em carrinhos de cachorro-quente podem, também, permitir o crescimento de Staphylococcus aureus devido à contaminação por contato direto ou indireto.

O Staphylococcus aureus, que naturalmente é encontrado na pele, nariz e garganta, pode ser transferido para os alimentos pelo toque das mãos, máquinas contaminadas ou até por gotículas expelidas ao falar ou espirrar.

O crescimento destes microrganismos ocorre entre 10°C e 45°C, especialmente na faixa de 30°C a 37°C, situação na qual pode se multiplicar rapidamente, principalmente em alimentos ricos em nutrientes, como molhos cremosos e à base de ovos. Se houver tempo suficiente e as condições forem favoráveis, pode ocorrer a produção de toxinas estafilocócicas, que são termoestáveis.

Um outro risco: produtos expostos em carrinhos, invariavelmente estão expostos a insetos carreadores de microrganismos, como moscas e baratas.

Basta uma única mosquinha pousar sobre o alimento para que uma contaminação possa ocorrer, pois durante seus voos, as moscas acabam se alimentando de tudo que é detrito, como fezes, animais mortos e matéria orgânica em decomposição. materiais repletos de microrganismos, inclusive bactérias patogênicas, que vão pegar carona em suas asas e patas até os alimentos.

Se uma mosquinha age como um avião monomotor para carrear microrganismos, uma barata pode ser associada a um Boeing 747, carreando ainda mais microrganismos pelo mesmo mecanismo de contato: detritos – alimentos.

Os perigos invisíveis: falta de higiene e armazenamento inadequado

Além dos perigos microbiológicos específicos de cada ingrediente, há riscos associados às condições de manipulação e armazenamento. Sem lavagens frequentes das mãos, sem superfícies higienizadas e sem equipamentos de refrigeração adequados, o cachorro-quente pode se tornar um verdadeiro festival de bactérias e vírus gastrointestinais.

Se o mesmo pegador é usado para a salsicha crua e a salsicha quente sem limpeza, estamos diante de um exemplo clássico de contaminação cruzada. O mesmo vale para facas, tábuas de corte e até para o manuseio do dinheiro seguido do preparo do lanche.

Alimentos perecíveis precisam de controle rigoroso de temperatura. No caso dos cachorros-quentes de rua, a refrigeração inadequada pode transformar ingredientes aparentemente inofensivos em verdadeiros veículos de intoxicação alimentar.

Outro ponto importante: observe as condições de higiene do vendedor antes de pedir seu lanche. Mãos sujas, unhas compridas e ausência de luvas podem indicar que a manipulação do alimento não está seguindo as boas práticas. E lembre-se: um simples espirro pode disseminar vírus e bactérias pelo seu lanche.

Comer ou não comer?

O cachorro-quente de rua pode ser uma opção saborosa, mas se não for preparado e armazenado sob condições sanitárias adequadas, pode representar um risco significativo à saúde.

Isso não significa que seu consumo deva ser completamente evitado, mas é essencial que o consumidor esteja atento às condições de higiene do local, ao armazenamento dos ingredientes e às práticas do manipulador.

Se for impossível resistir, passe o olhar pelo crivo técnico e prefira barracas que demonstrem boas práticas em segurança dos alimentos, incluindo:

  1. Atendente com mãos limpas, unhas curtas e bem tratadas, e que faça uso de luvas descartáveis quando manipular o cachorro-quente;

  2. Uniformes limpos, touca ou boné para evitar queda de cabelos na comida;

  3. Pães e condimentos armazenados em local seco e protegido contra contaminação;
  4. Separação entre alimentos crus e prontos para consumo, incluindo o uso de utensílios diferentes para manipular alimentos crus e cozidos;

  5. Molhos e ingredientes frescos mantidos em recipientes protegidos e bem fechados;

  6. Alimentos quentes devem mantidos acima de 60°C até o consumo, assim como bebidas e ingredientes refrigerados devem permanecer abaixo de 5°C;

  7. Disponibilidade de água potável para lavagem das mãos e utensílios, com uso de detergente e sanitizante adequado para limpeza das superfícies;

  8. Lixo deve ser mantido fechado, sem acúmulo e descartado corretamente e com frequência. Não deve haver moscas, formigas ou outros insetos rodeando a barraca. Além disso, deve manter a barraca fechada quando não estiver em uso para evitar insetos e roedores;

  9. Pagamentos feitos separadamente da manipulação de alimentos;

  10. Disponibilizar guardanapos e sachês individuais para condimentos.

Seguir esses cuidados reduz os riscos de contaminação e melhora a qualidade, garantindo segurança do cachorro-quente para os clientes.

5 min leituraImagine a cena: você está caminhando pela cidade, sente aquele cheiro irresistível de cachorro-quente no ar, e sem pensar duas vezes, já está na fila do carrinho do tio da […]

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O caso do rato na Coca-Cola: a versão do consumidor e a impossibilidade técnica

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Em 2000, na cidade de Santo André (SP), o consumidor Wilson Batista de Rezende comprou uma garrafa retornável de Coca-Cola. Segundo seu relato, ao consumir parte do conteúdo, percebeu que havia um rato dentro do frasco. O episódio, rapidamente noticiado pela imprensa local, transformou-se em um dos casos mais célebres do direito do consumidor brasileiro, não apenas pela repercussão popular, mas pelos anos de debate técnico, judicial e social que se seguiram.

O processo teve início com o ajuizamento de ação de indenização por danos morais e materiais. Wilson alegava ter sido exposto a risco extremo ao ingerir parcialmente o produto e exigia compensação pela falha de segurança. A empresa, por sua vez, sustentou desde o princípio a impossibilidade técnica de contaminação por corpo estranho de grande porte em linha de produção automatizada. Assim começou um embate que atravessou perícias, recursos, disputas midiáticas e, por fim, sentença definitiva em 2025, mais de duas décadas após o fato.

Utilizar como decorativa e também para capas Imagem criada por inteligência artificial – A sombra do rato sobre a garrafa representa, de forma simbólica, o caso em questão.

A versão do consumidor

De acordo com o processo, Wilson teria adquirido a garrafa em estabelecimento regular, devidamente lacrada, e notado sabor e odor estranhos ao consumir. Ao observar contra a luz, teria constatado a presença de um pequeno roedor dentro do líquido. Fotografias foram apresentadas e, segundo os autos, a garrafa foi preservada como prova.

O impacto emocional de situações assim é evidente. Mesmo sem a ingestão integral do corpo estranho, o consumidor é confrontado com a quebra da confiança, aquilo que a doutrina jurídica chama de violação da legítima expectativa de segurança. É natural, portanto, que a versão tenha gerado forte comoção social.

O argumento da indústria

A defesa da Coca-Cola sempre foi pautada em dados técnicos de processo. O envase de bebidas em escala industrial ocorre em ambientes de alta complexidade tecnológica, compreendendo:

  • Lavagem de garrafas retornáveis em soluções cáusticas a temperaturas elevadas, capazes de remover e destruir matéria orgânica.
  • Rinsagem e esterilização de garrafas novas com jatos de água tratada e ar filtrado.
  • Envase em salas com pressão positiva, tubulações sanitárias e tampas esterilizadas.
  • Inspeção ótica e eletrônica, para detecção de partículas sólidas.
  • Controle de torque e vedação, além de testes de vácuo e pressão em amostras de cada lote.

Com essas barreiras sucessivas, a tese da defesa foi de que seria praticamente impossível que um animal inteiro atravessasse o processo sem ser destruído ou detectado. Para a empresa, a contaminação teria ocorrido posteriormente, como em situações durante o transporte, armazenagem no ponto de venda ou até mesmo por manipulação fraudulenta.

O papel das perícias

O processo judicial incluiu diversas perícias ao longo dos anos. Os especialistas avaliaram:

  • Integridade da tampa e do lacre, verificando sinais de violação.
  • Características do líquido, incluindo pH (tipicamente 2,5 em refrigerantes), presença de CO2 dissolvido e gases de putrefação.
  • Estado do corpo estranho, observando autólise, fragmentação e tempo provável de permanência.
  • Cadeia de custódia da amostra, avaliando se houve risco de contaminação posterior.

Os laudos mais recentes reforçaram a impossibilidade técnica de contaminação em linha de produção, convergindo com a tese da defesa. O argumento central foi que um roedor inteiro não resistiria ao processo de lavagem cáustica nem passaria despercebido por inspeções. Além disso, a degradação observada no corpo estranho sugeria tempo de exposição incompatível com o envase.

O desfecho judicial

Após anos de recursos e debates, a Justiça proferiu sentença final em 2025, negando o pedido de indenização. O juiz reconheceu que não havia prova suficiente do nexo causal entre a fabricação e a presença do animal, acolhendo a tese de impossibilidade técnica.

O caso, porém, não deixou de marcar a jurisprudência. Em 2021, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidou o entendimento de que a simples presença de corpo estranho em alimento ou bebida, mesmo sem ingestão, caracteriza dano moral. Essa decisão, em outro processo, fortaleceu a posição do consumidor em casos de risco potencial. Mas no episódio específico de Wilson Rezende, a prova técnica acabou prevalecendo em sentido contrário.

As lições sanitárias e industriais

Do ponto de vista da segurança dos alimentos, casos como este expõem um dilema clássico: a indústria depende de processos de barreira e controle estatístico, mas o consumidor julga pela experiência individual.

Ainda que a probabilidade de falha seja ínfima, a percepção de risco é devastadora para a confiança na marca.

O CDC brasileiro (Código de Defesa do Consumidor) adota a responsabilidade objetiva do fornecedor, ou seja, basta que o produto seja colocado em risco para haver obrigação de reparar. Essa lógica aplica-se em situações em que há corpo estranho inequívoco em garrafa lacrada, sem necessidade de ingerir. Mas também admite a avaliação pericial, que pode afastar o nexo causal, como ocorreu neste caso.

Do lado sanitário, reforça-se a importância da rastreabilidade de lotes e segregação imediata em caso de denúncia; auditorias independentes nas linhas de produção e nos pontos de venda; educação do consumidor sobre canais de reclamação e preservação de evidências e a responsabilidade compartilhada com o varejo, que deve cuidar de armazenagem e exposição.

Entre confiança e expectativa

O episódio do “rato na Coca-Cola” é, no fim das contas, um estudo de caso sobre como indústria, justiça, varejo e consumidor se relacionam em torno da segurança dos alimentos. A fábrica opera com HACCP, BPF e sistemas robustos de segurança; o varejo precisa preservar integridade até a venda; o consumidor espera transparência e previsibilidade; e a Justiça busca equilibrar risco técnico e dignidade da pessoa.

Mais de vinte anos depois, a sentença absolveu a empresa, mas o caso permanece como lição.

Em segurança dos alimentos, não basta ser tecnicamente improvável que algo aconteça. É preciso garantir que o consumidor acredite na integridade do produto. Essa confiança é tão frágil quanto uma garrafa retornável: basta uma fissura para se perder.

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Higiene das instalações, utensílios e equipamentos na indústria de alimentos

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A higiene das instalações, utensílios e equipamentos na indústria de alimentos é fundamental para garantir a segurança dos alimentos, a conformidade regulatória e a qualidade do produto. Um programa eficaz de higiene deve abranger áreas, itens e processos, com responsabilidades bem definidas, rotinas claras e documentação precisa.

Primeiramente, é essencial estabelecer padrões de limpeza alinhados às exigências de órgãos reguladores, como a vigilância sanitária, MAPA e os programas aplicados a indústria alimentícias, como boas práticas de fabricação (BPF) e sistemas de HACCP (APPCC). Isso inclui a classificação das áreas (áreas limpas, áreas de processamento, áreas de armazenamento) e a definição de frequências de higiene específicas para cada espaço, levando em conta o risco de contaminação cruzada, a compatibilidade dos desinfetantes com os alimentos e a estabilidade dos utensílios. A separação por cores de utensílios, vassouras e materiais evita a contaminação entre zonas de manipulação de alimentos crus, prontos para consumo, alergênicos, entre outros.

Quanto às instalações, a limpeza deve abranger tanto pisos, paredes, tetos, dutos, equipamentos, como áreas de apoio, como vestiários e áreas de higiene pessoal. Pisos devem ser lisos, sem fendas que acumulem sujeira, e com ralos sifonados. Superfícies de contato frequente, como bancadas, mesas de corte, pás e trilhos, devem receber higienização mais rigorosa, com desinfecção entre lotes ou conforme a criticidade do produto. Manter regimes de ventilação adequados é crucial para evitar acúmulo de vapores de produtos químicos e odores.

Em relação aos utensílios, a organização por cores facilita a prevenção de contaminação cruzada. Facas, tábuas, balanças, peneiras, baldes e outros itens devem ser separados por uso (cru/cozido) e higienizados de acordo com normas específicas. A limpeza e a desinfecção devem ocorrer em ciclos programados, com validação de que não há resíduos de alimento que possam comprometer a segurança do lote seguinte. A reposição de utensílios desgastados deve ser observada para evitar partículas soltas ou danos às superfícies dos alimentos.

No que tange aos equipamentos, a higienização exige procedimentos rigorosos, considerando a natureza da produção (lácteos, carnes, panificação, etc.). Equipamentos higienizáveis devem permitir desmontagem para limpeza de partes removíveis, com utilização de detergentes adequados, água em temperaturas compatíveis e desinfetantes aprovados para uso alimentar. Procedimentos entre turnos devem incluir validação de ausência de resíduos, calibração de sensores de limpeza e registros de verificação. Em linhas de processo automatizadas, é comum empregar CIP (clean-in-place) para otimizar a higiene sem interromper a produção.

A formação de equipes é crucial: treinamentos periódicos sobre técnicas de limpeza, normas de segurança, uso correto de EPIs e importância da higiene para a qualidade do alimento. A rastreabilidade das atividades — datas, responsáveis, produtos limpos — facilita auditorias e investigações de não conformidades. Em resumo, a higiene das instalações, utensílios e equipamentos na indústria de alimentos não é apenas uma obrigação regulatória, mas um pilar da segurança para o consumidor, da reputação da empresa e da eficiência operacional.

Diego Campelo é profissional com sólida experiência na supervisão e implementação de processos técnicos dentro da indústria, garantindo conformidade com normas reguladoras e padrões de qualidade. Atua na gestão de operações, segurança, controle de qualidade e otimização de processos, assegurando que as melhores práticas sejam seguidas para eficiência e inovação.

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Uso estratégico de armadilhas luminosas no controle de insetos voadores

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Quando pensamos em armadilhas luminosas, muitos de nós ainda associamos esse equipamento apenas a um dispositivo “simples” para capturar insetos. Confesso: até assistir à palestra do engenheiro Marcelo Pereira, eu mesma enxergava a armadilha como “só mais uma armadilha”. No entanto, o conteúdo que ele compartilhou abriu uma nova perspectiva sobre o papel estratégico desse recurso no controle integrado de pragas e na segurança dos alimentos.

Antes de seguir, registro aqui meu agradecimento ao engenheiro Marcelo Pereira, fundador e CEO da Ultralight, por autorizar a transformação de sua apresentação em artigo. Sua longa experiência – mais de 30 anos dedicados ao desenvolvimento e aplicação de armadilhas luminosas, incluindo a criação da primeira armadilha luminosa adesiva brasileira – garante a profundidade e a credibilidade do tema que trago a vocês.

Por que falar de moscas é falar de segurança de alimentos?

As moscas estão entre os principais vetores de risco para a indústria alimentícia. Estudos apontam que uma única mosca pode carregar até 1 milhão de microrganismos e transmitir mais de 300 tipos de bactérias. Ou seja, estamos lidando com um risco direto de contaminação cruzada e de comprometimento da inocuidade dos alimentos.

Esse dado por si só já justifica a adoção de barreiras múltiplas no manejo do problema: medidas higiênico-sanitárias, barreiras físicas, estratégias logísticas, controle químico (quando autorizado) e, de forma destacada, o uso inteligente de armadilhas luminosas.

Armadilha luminosa: de ferramenta passiva a decisão estratégica

Um ponto forte da palestra foi mostrar que a armadilha luminosa não deve ser vista apenas como um dispositivo de captura, mas como ferramenta de monitoramento e tomada de decisão.

A escolha do modelo adequado deve considerar:

  • Espécie de inseto (hábitos de voo mais altos, mais baixos, noturnos etc.);
  • Tipo de produto manipulado ou fabricado;
  • Leiaute e iluminação do ambiente;
  • Localização da planta (entornos e acessos).

Existem diferentes tecnologias, com luz direcionada para cima, para baixo, laterais, frente ou frente e trás. Cada uma se destina a realidades específicas: grandes indústrias, corredores estreitos, entradas de fábrica ou áreas de maior movimentação de insumos e pessoas. Escolher o modelo adequado ao ambiente e ao inseto-alvo é o primeiro passo para garantir o bom funcionamento e a efetividade da armadilha no programa de controle de pragas.

Os Dez Mandamentos das armadilhas luminosas

Um destaque foi a menção aos “Dez Mandamentos das armadilhas luminosas”, publicados pela Ultralight.

De forma resumida, esses mandamentos destacam que é preciso:

  1. Instalar em locais estratégicos, longe de janelas ou portas;
  2. Evite instalar armadilhas em áreas de circulação de pessoas ou empilhadeiras;
  3. Manter distância das áreas de manipulação de alimentos;
  4. Evite instalar armadilhas na direção de correntes de ar;
  5. Nunca instale próxima de outras fontes de luz;
  6. Cuide para não instalar a armadilha fora do alcance das pragas-alvo;
  7. Realizar inspeções e trocas regulares das lâmpadas;
  8. Realizar inspeções e trocas regulares dos protetores de lâmpadas;
  9. Realizar inspeções e trocas regulares das placas adesivas;
  10. Realizar a limpeza periódica das armadilhas.

Essas regras de ouro nos lembram de que não basta adquirir o melhor equipamento – é preciso aplicá-lo de forma correta, planejada e integrada ao programa de segurança de alimentos.

O que fica de reflexão é que o modelo de armadilha luminosa não é único e padronizado, mas deve ser escolhido de acordo com o comportamento do inseto-alvo e as condições específicas do ambiente. A eficácia do controle só é garantida quando se respeitam os Dez Mandamentos das armadilhas luminosas, que orientam o uso seguro e eficiente do equipamento. Assim, a armadilha deixa de ser apenas um recurso para capturar insetos e passa a ser compreendida como uma verdadeira ferramenta de análise e de suporte estratégico à tomada de decisão dentro do programa de controle de pragas.

Se até pouco tempo atrás, para mim uma armadilha luminosa era “apenas uma armadilha”, hoje vejo que ela pode ser um aliado fundamental para fortalecer a segurança de alimentos.

E você, como enxerga o papel das armadilhas luminosas no seu programa de controle de pragas? Deixe seu comentário – vamos enriquecer essa discussão com diferentes visões e experiências práticas.

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Da logística à embalagem, cada etapa conta para a segurança dos alimentos

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A tecnologia, inovação e boas práticas que fazem a diferença na segurança dos alimentos não começam nas prateleiras dos supermercados. Elas são aplicadas muito antes, em cada etapa da cadeia produtiva — da armazenagem ao transporte, da embalagem ao controle de qualidade, da garantia da qualidade à mesa do consumidor.

O que garante que um alimento chegue seguro até você?

  1. Uma logística inteligente, que exige uma rastreabilidade total, controle de temperatura em tempo real e veículos higienizados. Uma logística moderna que vá além do transporte e que inclua soluções com IoT e softwares de monitoramento para garantir que o produto chegue em condições ideais e sem nenhum risco aos clientes.
  2. A tecnologia a favor da transparência com ferramentas em blockchain e RFID que tragam mais segurança e visibilidade aos processos, reduzindo riscos e aumentando a confiança em cada etapa.
  3. Embalagens que protejam de verdade e que aos poucos deixam de ser apenas uma proteção física e assumem um papel fundamental, como barreiras ativas contra oxigênio, umidade e microrganismos. Elas ainda podem conter indicadores visuais de frescor, validade e temperatura, sempre com critérios baseados na ciência.
  4.  As boas práticas sempre presentes como pilares de sustentação da cultura de qualidade em uma rotina de cuidados diários com higienização rigorosa, controle de pragas, fornecedores qualificados e equipes bem treinadas, que sabem o que fazer e o porquê de se fazer.

Investir em embasamento científico, tecnologia, boas práticas e criatividade para inovar é investir em um sistema alimentar mais seguro, sustentável e eficiente, onde, mais do que segurança, entregamos confiança!

Por Ulisses Bonifácio Faria, especialista de Qualidade Assegurada

Imagem: Anna Shvets

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