Riscos ao consumir preparações com ovo cru. Você sabia?

5 min leitura

O ovo é um ingrediente extremamente utilizado na gastronomia do Brasil e do mundo. Uma razão para esse fato é que esse alimento sempre foi considerado uma proteína de baixo custo, sendo de fácil acesso à população, além de apresentar uma grande versatilidade, proporcionada pela sua composição e por suas propriedades nutritivas. Os ovos são consumidos desde o começo da civilização humana. Frito, cozido, pochê, omelete, em bolo, maionese, mousse, com pão, … ovo é vida!

Mas então qual o problema em consumir ovo cru ou preparações à base de ovos crus?

A produção de ovos de qualidade e seguros envolve uma série de medidas preventivas que começam na criação das aves e terminam no local onde serão consumidos. Em condições saudáveis de reprodução e postura, o conteúdo dos ovos geralmente é isento de microrganismos. Entretanto, o interior e a casca dos ovos podem ser contaminados por diferentes microrganismos.
Por ser perecível, a qualidade interna do ovo é perdida momentos após a postura, caso não haja providências corretas que garantam sua conservação, pois diversos fatores externos podem contribuir para a piora na sua qualidade. O conteúdo interno do ovo é um meio ideal para o crescimento de microrganismos potencialmente patogênicos para os seres humanos. Tem sido observado que a microbiota da casca do ovo é dominada por bactérias Gram-positivas, porém as bactérias Gram-negativas são capazes de resistir às defesas antimicrobianas do conteúdo do ovo.
Apesar de todas as características benéficas que o consumo do ovo proporciona para a saúde humana, nos últimos anos, o seu consumo tem sido apontado como um dos principais causadores das chamadas Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA). Segundo dados epidemiológicos do Ministério da Saúde de 2020, os principais alimentos relacionados às DTHA são a água (28,4%), seguida por alimentos mistos (19,4%); sendo os ovos, ou produtos à base de ovos, responsáveis por 3,69% dos casos. As principais bactérias envolvidas nestes surtos são as do gênero Salmonella, Pseudomonas spp. e Escherichia coli, também comumente envolvidas na deterioração de vários alimentos, inclusive o ovo.

Mas é só bactéria que pode contaminar o ovo?

Não. Além de bactérias, leveduras também podem estar presentes em pequeno número no intestino grosso da ave e contaminar os ovos no momento da postura ou no meio ambiente. Já os bolores são um dos principais responsáveis pelas alterações físicas e químicas observadas no ovo após postura. Esses microrganismos penetram através dos poros da casca e rompem os mecanismos de defesa natural dos ovos, causando mudanças na coloração da gema, surgimento de manchas e modificando a estrutura, o que torna o produto impróprio para consumo.
A contaminação de ovos com fungos também é motivo de preocupação em razão da toxicidade aguda e do potencial de carcinogenicidade associados às micotoxinas. Os principais bolores encontrados nos ovos são os dos gêneros Penicillium, Sporotrichum, Mucor, Cladosporium, Aspergillus e Alternaria.

Comprar ovos com a casca limpa e íntegra garante que não estejam contaminados?

Infelizmente não. Vamos entender o porquê. A maioria dos ovos apresenta pouca ou nenhuma contaminação no momento da postura. Geralmente a contaminação ocorre após a oviposição, sob condições desfavoráveis de higiene e/ou manejo, quando microrganismos penetram no ovo através de trincas microscópicas, rachaduras provocadas pela quebra da casca ou através dos poros da casca após a lavagem, caracterizando uma transmissão horizontal. No entanto, os ovos também podem ser contaminados por via transovariana (transmissão vertical), através da colonização de algumas bactérias dos tecidos periovarianos do trato reprodutivo da galinha, que entram em contato com a gema do ovo antes da formação da casca, contaminando o seu conteúdo e gerando ovos com aparência normal. Se o ovo é fertilizado, as bactérias colonizam os tecidos reprodutivos do embrião, alcançando a próxima geração; já no ovo não fertilizado, a bactéria se multiplica na gema, mesmo que o ovo sofra os processos convencionais de limpeza. Por isso, apenas observar a casca do ovo não garante que ele não esteja contaminado.

Quais as medidas para se garantir um ovo de qualidade?

Podemos resumi-las em três principais: cuidados na criação avícola, lavagem dos ovos e não consumir ovos crus ou preparações à base de ovos crus. Para diminuir a contaminação dos ovos pela casca, a chamada transmissão horizontal, o Manual de Segurança e Qualidade para a Avicultura de Postura de 2004 e a Portaria do MAPA nº 1 de 1990 determinam que todos os ovos sejam lavados com, ou somente com, água potável ou com detergentes especiais e sanitizantes, passando pelo processo de secagem imediatamente após lavagem. Entretanto, os efeitos de lavagem e sanitização no processo de higienização da casca de ovo ainda são questionados pela comunidade científica. Economicamente não existe discussão, uma vez que esse processo resulta em melhor aparência para comercialização e influencia diretamente a aceitação do produto pelo consumidor.
O ambiente criatório tem papel fundamental na epidemiologia de Salmonella na criação avícola. A entrada de Salmonella no ambiente da granja pode ocorrer de várias formas, como pelo contato das aves com insetos, roedores e pássaros silvestres portadores, por utensílios e ração contaminados e pelo próprio homem, além da água. A alta densidade de aves nos sistemas de criação atuais também favorece a disseminação da bactéria pelo contato direto com aves infectadas e com o ambiente contaminado. E por isso algumas medidas preventivas devem ser adotadas nas granjas:

·       Aves de reposição livres de Salmonela spp.;

·       Controle de vetores (insetos, pássaros, roedores);

·       Higiene adequada e desinfecção das instalações;

·       Uso de rações não contaminadas por Salmonella spp. e sem proteína animal no caso de matrizes;

·       Aplicação de medidas de biossegurança da propriedade (incluindo o uso de vacinas para Salmonella spp.);

·       Destino correto de aves mortas;

·       Monitoramento microbiológico de instalações, ambiente e aves.

Todas essas ações minimizam o risco ao consumidor, mas não garantem a eliminação da Salmonella. Por isso, a recomendação é que os alimentos devem ser sempre consumidos apenas após o processamento térmico, com cozimento acima de 70ºC. Carne de frango e ovos não devem ser consumidos crus, e em caso de preparo, os utensílios de cozinha devem ser higienizados antes da manipulação de outros alimentos que serão consumidos crus.

Para saber mais sobre este tema, leia outros posts publicados neste blog:

Segurança de alimentos na produção de ovos caipiras
É seguro consumir gema de ovo curada?
Surto por Salmonella pelo consumo de ovos crus ou mal cozidos

Aspectos microbiologicos dos ovos para consumo
Como consumir ovos em casa
Quando devemos lavar ovos?

Autoras:

Flávia de Frias Gonçalves, farmacêutica, gastrônoma e mestranda em Ciência e Tecnologia de Alimentos (PCTA) pelo IFRJ, Rio de Janeiro, Brasil.

Aline Garcia Gomes, microbiologista e imunologista, professora do Mestrado Profissional em Ciência e Tecnologia de Alimentos (PCTA) do IFRJ, Rio de Janeiro, Brasil.

Referências:

AMARAL, G.; GUIMARÃES, D.; NASCIMENTO, J. C.; CUSTÓDIO, S. Avicultura de postura: estrutura da cadeia produtiva, panorama do setor no Brasil e no mundo e o apoio do BNDES. BNDES Setorial 43, p. 167-207. 2016.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PROTEÍNA ANIMAL (ABPA). Relatório Anual 2021. São Paulo, 2021. Disponível em: https://abpa-br.org/wp-content/uploads/2021/04/ABPA_Relatorio_Anual_2021_web.pdf

BARANCELLI, G. V.; MARTIN, J. G. P.; PORTO, E. Salmonella em ovos: relação entre produção e consumo seguro. Segurança Alimentar e Nutricional, Campinas, v. 19, n. 2, p. 73-82, 2012.

BRASIL. Ministério da Saúde. Informe sobre surtos notificados de doenças transmitidas por água e alimentos – Brasil, 2016-2019. Boletim Epidemiológico. Secretaria de Vigilância em Saúde. Volume 51, nº 32, Ago. 2020.

MENDES, F. R. Qualidade física, química e microbiológica de ovos lavados armazenados sob duas temperatuas e experimentalmente contaminados com Pseudomonas aeruginosa. 2010.72f. Dissertação (Mestrado em Ciência Animal) – Escola de Veterinária, Universidade Federal de Goiás, Goiânia.

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