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A doença da vaca louca está mesmo de volta?

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Em 3 de setembro de 2021, por meio do Ofício Circular nº 67/2021 / DIPOA / SDA / MAPA, foi estabelecida a suspensão provisória e cautelar da Certificação Sanitária Internacional para a carne bovina brasileira a ser exportada para a República da China a partir do dia 4 de setembro.

Da mesma forma, o MAPA confirmou a ocorrência de 2 casos de encefalopatia espongiforme bovina (EEB) atípica em frigoríficos de Nova Canaã do Norte e de Belo Horizonte, esclarecendo que se trata de EEB atípico para diferenciá-la do EEB clássico. O MAPA esclareceu, ainda, que a OIE (Organização Internacional de Epizootias) exclui a ocorrência de casos de EEB atípica como risco de status sanitário do país, mantendo assim a classificação do Brasil como país de risco insignificante para esta doença.

Em 2013, o Food Safety Brazil já havia falado sobre a doença da vaca louca. Veja aqui. Vamos relembrar e reforçar os aspectos e conceitos mais importantes sobre este assunto.

Escopo: Existe um grande grupo de doenças que fazem parte das encefalopatias espongiformes que afetam animais e humanos. Neste artigo, vou me referir apenas à EEB (comumente conhecida como doença da vaca louca) e à nova variante da doença de Creutzfeldt-Jacob.

O que é a encefalopatia espongiforme bovina e qual é o seu agente etiológico?

A EEB faz parte das doenças espongiformes transmissíveis. É uma doença neurológica degenerativa crônica, não febril, que afeta o sistema nervoso central. Provoca a morte em bovinos e constitui um risco potencial para o homem. O período de incubação é longo e podem decorrer anos até o aparecimento dos sintomas clínicos.

“O quadro clínico em bovinos é neurológico, progressivo, debilitante e fatal e o agente infeccioso não induz uma resposta imune no hospedeiro”

Após observação microscópica do cérebro, o tecido parece esponjoso.

O agente etiológico foi inicialmente assumido como um vírus com comportamento diferente de outros vírus conhecidos, até que se determinou que se tratava de uma nova forma de agente infeccioso denominado “príon”. O príon é uma partícula de proteína com características infecciosas, desprovida de ácido nucleico. Vários tipos de príons são conhecidos por causar doenças infecciosas, como scrapie em ovelhas, EEB em bovinos e doença de Creutzfeldt-Jacob no homem. Esta última se tornou uma preocupação para a saúde pública global e foi reconhecida como uma nova zoonose. Aparentemente, o príon dentro da célula do sistema nervoso central (neurônios) usa o ácido nucleico do hospedeiro para sua replicação.

“Algumas doenças infecciosas emergentes, como o príon bovino que causa a EEB e a doença de Creutzfeldt-Jacob em humanos têm seu modo de transmissão através dos alimentos e a causa é o consumo de carne contaminada ou alimentos feitos com ela”

A Organização das Nações Unidas, por meio da FAO, está desenvolvendo um projeto de cooperação técnica regional que envolve países da América Latina (incluindo o Brasil), cujo objetivo é fortalecer os serviços veterinários de prevenção da EEB para garantir a segurança dos produtos. Em 1986, a doença foi reconhecida no Reino Unido e, desde então, medidas foram tomadas para reduzir o risco. Mas em 1996 uma nova variante da doença de Creutzfeldt-Jacob foi detectada em humanos, cujo agente causador é um príon muito semelhante ao que ataca o gado. Posteriormente, foi confirmado que se trata de uma zoonose. A EEB foi detectada em 14 países europeus, tornando-se um problema zoosanitário e de saúde pública em todo o mundo.

“Com isso, toda a cadeia produtiva da carne bovina está sob o controle dos serviços veterinários, com grande repercussão econômica regional e na saúde pública”

A doença de Creutzfeldt-Jacob foi descrita pela primeira vez em humanos há 100 anos e geralmente aparece após os 60 anos de idade. É caracterizada por demência e perda de coordenação motora e é causada por um gene que codifica a proteína PrP.

Nova variante da doença de Creutzfeldt-Jacob: Em 1996, foi publicado um estudo sobre o risco crescente de transmissão do príon da encefalopatia espongiforme bovina para humanos, estabelecido como uma nova variante da doença de Creutzfeldt-Jacob. Esta doença foi diagnosticada em pacientes jovens (20 a 30 anos) e mostrando lesões cerebrais na biópsia. Como a doença é contraída em humanos? Os humanos podem contrair uma variante da EEB ao comer alimentos feitos de partes bovinas contaminadas com o príon.

Sintomatologia em bovinos: O gado adoece com rações alimentadas artificialmente com partículas de animais contaminadas com o príon da EEB. Geralmente são animais alimentados em currais com concentrados contaminados de origem animal. Um animal doente tem dificuldade para andar e se levantar. O gado também pode agir muito nervoso ou violento. O período de incubação é geralmente de 6 anos  em média. Não existe tratamento ou vacina para prevenir a doença.

Encefalopatia Espongiforme Bovina Atípica: Deve-se notar que existem 2 tipos de EEB. Um chamado de clássico e outro de atípico. Este último é mais raro e ocorre espontaneamente, geralmente em animais de 8 anos de idade ou mais. Os primeiros casos atípicos foram notificados em 2004. O agente causador apresentou alteração no peso molecular, além de outras variantes em relação ao agente da forma clássica e as manifestações clínicas são diferentes. Por se tratar de uma variante da doença, estudos estão em andamento para determinar sua etiologia (agente causal), epidemiologia e seu potencial zoonótico.

Prevenção: Proibir que certas partes dos animais sejam utilizadas na alimentação do gado, especialmente aquelas correspondentes ao sistema nervoso central (cérebro e medula espinhal), pois são consideradas de alto risco. Em alguns países, o uso de partes de animais é proibido, sem exceção, para alimentar o gado. A restrição da alimentação dos rebanhos com subprodutos de origem animal e a destruição nos frigoríficos das carcaças que constituam risco.

“Ao manter a alimentação do gado em segurança, as pessoas também estão protegidas contra a doença. Com animais saudáveis, não há probabilidade de infecção em humanos”

Considerando uma possível origem espontânea e esporádica da forma atípica, é possível que persista em rebanhos bovinos mesmo após a erradicação da forma clássica. Até o momento, não foi possível estabelecer uma relação entre a forma atípica e a doença em humanos, embora isso requeira mais pesquisas. Por esse motivo, o estado da sanidade do gado no Brasil provavelmente continuará favorável, sob risco desprezível.

 

Fontes:

http://www.fao.org/3/ah496s/ah496s.pdf

https://www.scielo.br/j/aib/a/qfY8gBkGY57pYLZFZ7SCTCK/abstract/?lang=pt#

https://www.scielo.br/j/aib/a/qfY8gBkGY57pYLZFZ7SCTCK/?format=pdf&lang=pt

https://www.fda.gov/animal-veterinary/animal-health-literacy/todo-sobre-eeb-enfermedad-de-las-vacas-locas

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Consumo de açaí e transmissão oral de doença de Chagas

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A doença de Chagas foi descrita em 1909 pelo médico brasileiro Carlos Ribeiro Justiniano Chagas. Passado tanto tempo desde sua descoberta, o problema ainda é frequente. Estima-se que cerca de 6 a 7 milhões de pessoas em todo o mundo, principalmente na América Latina, estejam infectadas pelo seu agente causador, o Trypanosoma cruzi. No Brasil, o problema é considerado pelo Ministério da Saúde como uma das condições parasitárias de maior carga no país, com casos registrados em todo o território e prevalência na região Norte. Estima-se que no Brasil, atualmente, existam pelo menos um milhão de infectados. Devido aos movimentos migratórios, associados com características climáticas, a doença tem sido relatada em diversas regiões do mundo, como Ásia e América do Norte.

Trata-se de uma doença tropical negligenciada, que tem duas fases distintas: aguda (logo após a infecção, que pode ou não ser aparente) e crônica, sendo que esta última pode apresentar-se assintomática (forma indefinida), ou com manifestações clínicas: cardíaca, digestiva ou mista. A maioria dos casos é diagnosticada na fase crônica, quando os parasitas já adentraram os tecidos cardíacos ou digestivos. Os sintomas nessa fase são relacionados a distúrbios neurológicos, do aparelho digestivo ou cardíacos. Em alguns casos, pode levar à morte. Um agravante é que atualmente seu tratamento é realizado com fármacos que são mais efetivos para a fase aguda da doença.

A transmissão clássica da doença de Chagas, da forma que foi identificada pelo médico brasileiro, é a denominada transmissão vetorial, ou seja, a que ocorre por meio de um vetor, um inseto popularmente conhecido como barbeiro. Essa transmissão se dá quando um barbeiro infectado pica uma pessoa, deixando no local da picada fezes (contaminadas com o parasita) que entrarão em contato com a corrente sanguínea da pessoa. Mas outras formas de transmissão também podem ocorrer: por transfusão de sangue, transplante de órgãos, acidentes de trabalho, materno-fetal e, por fim, a transmissão oral, com a ingestão de alimentos contaminados.

Até 2005 a forma de transmissão prevalente no Brasil era a vetorial, pela picada do barbeiro. A partir de então, e até hoje, a forma mais comum de infecção é a oral, com consumo de alimentos contaminados.

Com relação à regulação técnica de procedimentos para manipulação higiênico-sanitária de alimentos e bebidas preparados com vegetais, a ANVISA publicou a RDC 218/2005. O documento tem como objetivo promover a adoção de controles como forma de prevenir algumas doenças transmitidas por alimentos, entre elas a Doença de Chagas. No caso da doença, alimentos à base de açaí, em especial, representam potencial risco para a forma oral de transmissão, pois se observa falta de controle dos produtos comercializados.

Uma problemática no caso dos alimentos à base de açaí é o consumo doméstico e em pequena escala, o que dificulta a aplicação das boas práticas de higiene de alimentos. Somado a isso há o fato de que muitas pessoas têm o hábito de consumir o alimento in natura, alegando que qualquer tratamento altera seu sabor. E a produção artesanal em áreas endêmicas constitui um risco, pois alimentos e bebidas nessas áreas têm maior risco de contaminação com urina e fezes de vetores ou secreções de marsupiais infectados com o Trypanosoma cruzi. Nesses casos, as práticas de pasteurização ou de bom cozimento são indispensáveis.

Autores: Rodrigo Mattos dos Santos, biomédico, com mestrado e doutorado pela Unesp e especialização em jornalismo científico (Unicamp); Viviane Mattos Pascotto, bióloga, com mestrado e doutorado pela Unesp.

Referência

1 WHO, Organização Mundial da Saúde. In https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/chagas-disease-(american-trypanosomiasis). Acessado em 19/07/2021.

Imagem: foto de Madison Inouye no Pexels

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Identificação de Listeria sp. em alimentos: um problema de saúde pública

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O gênero Listeria encontra-se amplamente distribuído na natureza, sendo isolado de solo, água, vegetação, hortaliças, frutos, esgoto, fezes de animais e humanos, em áreas de processamento de alimentos, nos próprios alimentos e nos ambientes de criação de animais. A principal espécie, Listeria monocytogenes, é o agente etiológico da listeriose, uma doença predominantemente veiculada por alimentos, constituindo-se em um sério agravo de saúde pública mundial, resultando em diversos quadros clínicos como meningite, septicemia e aborto.

Listeria innocua não apresenta patogenicidade para o homem, porém seu isolamento e identificação são de extrema importância já que a espécie apresenta o mesmo habitat que L. monocytogenes. Ela pode ser considerada risco de contaminação cruzada, além de indicar falta de condições higiênicas satisfatórias durante o processamento dos alimentos ou durante as etapas posteriores como armazenamento, transporte e manipulação. Nos últimos anos, cepas de L. innocua e L. monocytogenes com perfil atípico vêm sendo detectadas em alimentos e no meio ambiente.

Um dos maiores desafios para os microbiologistas é a ausência de um método totalmente eficaz para diferenciar L. monocytogenes de outras espécies de Listeria, quando associadas na mesma amostra de alimento. L. monocytogenes e L. innocua apresentam perfis bioquímicos semelhantes sendo diferenciados pela presença da hemolisina na espécie patogênica. A tendência atual é que novas metodologias moleculares e espectrométricas sejam gradativamente introduzidas e propagadas, em decorrência dos critérios de precisão, sensibilidade e especificidade. Entretanto, a aquisição dos equipamentos de alto custo e a necessidade de pessoal treinado para a execução das técnicas se apresentam como obstáculos para a utilização rotineira das novas metodologias.

O ensaio de reação em cadeia da polimerase (PCR) utilizando a técnica de PCR multiplex é um protocolo eficaz na identificação dos sorogrupos da espécie patogênica. Uma alternativa aos métodos convencionais é a técnica de identificação bioquímica automatizada, através de um equipamento que utiliza um software que permite a classificação das amostras por meio de um banco de dados frequentemente atualizado pelo fabricante.

Destaca-se na atualidade a utilização da tecnologia Matrix-Assisted Laser Desorption Ionization – Time of Flight/ Mass Spectrometry (MALDI-TOF/MS), na identificação de espécies bacterianas, tendo em vista a facilidade da execução dos protocolos, a liberação imediata dos resultados e o baixo custo por análise, porém exigindo um equipamento de alto investimento inicial. Assim, o desenvolvimento e consolidação de protocolos de análise para identificação das espécies do gênero Listeria se mostra um problema atual de saúde pública, exigindo esforços e investimentos da comunidade científica, visando a implementação de protocolos confiáveis, rápidos e de custo moderado, em níveis laboratoriais.

Autores: Cristhiane M. F. dos Reisa, Gustavo Luis de P. A. Ramosa,b, Deyse Christina Vallim da Silvac, Leonardo Emanuel de Oliveira Costaa

a Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ), Departamento de Alimentos.

b Faculdade de Farmácia – Universidade Federal Fluminense (UFF)

c Instituto Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ)

Referências

ANGELETTI S. Matrix assisted laser desorption time of flight mass spectrometry (MALDI-TOF/MS) in clinical microbiology. Journal of Microbiological Methods, 138, 20-29, 2017.

CAMARGO AC, VALLIM DC, HOFER E, AUGUSTO NERO LA. Molecular serogrouping of Listeria monocytogenes from Brazil using PCR. Journal of Food Protection, 79(1), 144-147, 2016.

DE ANDRADE RR, DA SILVA PHC, SOUZA NR, MURATA LS, GONÇALVES VSP, SANTANA AP. Ocorrência e diferenciação de espécies de Listeria spp. em salsichas tipo hot dog a granel e em amostras de carne moída bovina comercializadas no Distrito Federal. Ciência Rural, 44(1): 147-152, 2014.

DOUMITH M, BUCHRIESER C, GLASER P, JACQUET C, MARTIN P. Differentiation of the major Listeria monocytogenes serovars by multiplex PCR. Journal of Clinical Microbiology, 42(8): 3819-22, 2004.

GUO L, YE L, ZHAO Q, MA Y, YANG J, LUO Y. Comparative study of MALDI-TOF MS and VITEK 2 in bacteria identification. Journal of Thoracic Disease, 6, 534-538, 2014.

HOFER E, REIS CMF. Espécies e sorovares de Listeria isolados de animais doentes e portadores no Brasil. Pesquisa Veterinária Brasileira, 25(2): 79-83, 2005.

HOU TY, CHIANG-NI C, TENG SH. Current status of MALDI-TOF mass spectrometry in clinical microbiology. Journal of Food and Drug Analysis, 27(2): 404-414, 2019.

MORENO LZ, PAIXÃO R, GOBBI DDS, RAIMUNDO DC, FERREIRA TSP, MORENO AM, HOFER E, REIS CMF, MATTÉ GR, MATTÉ MH. Phenotypic and genotypic characterization of atypical Listeria monocytogenes and Listeria innocua isolated from swine slaughterhouses and meat markets. BioMed Research International, 2014, 1-12, 2014.

TSUKIMOTO ER, ROSSI F. Evaluation of MALDI-TOF mass spectrometry (VITEK-MS) compared to the ANC card (VITEK 2) for the identification of clinically significant anaerobes. Jornal Brasileiro de Patologia e Medicina Laboratorial, 54(4): 206-212, 2018.

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Mitos ou verdades em segurança de alimentos?

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Ao longo da sua carreira, você já deve ter ouvido “verdades” do tipo:

  • “Esse alimento é seco (ou desidratado) e a atividade de água é baixa, portanto não preciso me preocupar com perigos microbiológicos”;
  • Temos uma etapa de tratamento térmico onde todos os microrganismos são eliminados”, ou ainda,
  • Se não está na legislação, o perigo não existe”.

Eu já perdi as contas de quantas vezes as escutei e confesso que, em várias ocasiões, desisti de argumentar. Isso porque tais afirmações não podem ser tratadas como verdades absolutas e, se o fizermos, podemos incorrer em um tremendo engano! Não podemos simplesmente perpetuar essa percepção.

Algumas reflexões para nos ajudar:

    • O consumo de especiarias contaminadas com patógenos resultou em 14 surtos de doenças relatados de 1973 a 2010 em todo o mundo;
    • Em 2014-2015 na Suécia, 174 casos de intoxicação alimentar foram relatados devido à contaminação por Salmonella enteritidis de misturas de especiarias vegetais importadas;
    • Surtos causados por Bacillus cereus em pimenta e cúrcuma foram relatados na Dinamarca e na Finlândia em 2010 e 2011;
    • A pimenta branca e preta do Brasil foi colocada em detenção automática pelo CDC (FDA) desde 1986. A revisão dos dados da detenção em 2020 revelou que a contaminação da pimenta brasileira por Salmonella continua a ser um problema. O FDA tem uma avaliação de risco para patógenos em especiarias. Veja aqui;
    • Alemanha e Espanha relataram 6 casos de botulismo de origem alimentar associados ao consumo de peixe seco salgado em novembro-dezembro de 2016;
    • Em 2018, um trabalho publicado na revista Food Microbiology concluiu que o sal marinho contém muitos fungos com potencial para causar a deterioração dos alimentos, bem como alguns que podem ser micotoxigênicos. Veja aqui;
    • Alguns microrganismos, além de deteriorantes, também são patogênicos. Exemplos são Clostridium perfringens (causa comum de deterioração em carnes e aves) e Bacillus cereus (causa comum de deterioração de leite e creme);
    • B. cereus tem sido detectado em numerosas ervas desidratadas, especiarias, preparados para molhos, pudins, sopas, produtos de pastelaria e saladas;
    • O arroz (cru) pode conter esporos de Bacillus cereus, que não são destruídos pelo processo de cozimento;
    • Em produtos de panificação, esporos de Bacillus cereus podem sobreviver à etapa de forneamento – embora a temperatura do forno chegue a cerca de 200ºC, a temperatura no centro do produto não passa de 70ºC;
    • Fungos psicrotróficos, como Aspergillus e Penicillum, que além de deteriorantes são produtores de micotoxinas, já foram encontrados em nuggets de frango congelados (-5ºC), que passam por processo de fritura e cozimento industrial. A causa? A farinha usada para empanar os nuggets;
    • Estudos demonstram que o Geobacillus stearothermophilus, um microrganismo deteriorante, não apenas sobrevive mas pode se multiplicar durante as etapas de fermentação, torração e alcalinização do cacau. Veja aqui;
    • Legislação é apenas uma referência – o fato de um alimento não estar citado em alguma norma de padrão microbiológico, não significa que ele seja isento de perigos. Quando falamos da IN 60/2019 e dos padrões microbiológicos para alimentos prontos para o consumo, a própria ANVISA ressalta a importância de se considerar aspectos técnicos, legais, comerciais, operacionais, entre outros, de ingredientes, aditivos, matérias primas, insumos, pois cada processo pode interagir de forma diferente com o padrão microbiológico do alimento.

Portanto, quando insistimos nas questões do início deste texto e afirmamos que são sempre NA (não aplicável), estamos perpetuando mitos que foram construídos sem muito fundamento ou análise técnica mais abrangente – os exemplos acima mostram que nem sempre os NA são verdades! Um olhar mais apurado para a segurança de alimentos é essencial!

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Monitoramento de higienização na produção de alimentos

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Todos os processadores de alimentos sabem da importância de implementar métodos de monitoramento de higienização de equipamentos na indústria de alimentos.

Falhas na higienização podem ter consequências na segurança do alimento, reduzir o shel-life ou vida de prateleira, afetar o desempenho do negócio (alterando a produtividade, por exemplo) e podem levar a riscos de recall, prejudicando a imagem da empresa.

Por isso criamos um vídeo, no estilo animação whiteboard para explicar diferentes técnicas de monitoramento e o desenvolvimento de um plano de monitoramento ambiental. Para acessar o vídeo, acesse este link. Esse vídeo pode ser usado para o treinamento do seu time, juntamente com tantos outros já publicados no canal do Youtube Food Safety Brazil.

Por isso, ter um procedimento de monitoramento de higienização é fundamental. Recomenda-se que um procedimento de monitoramento comece com inspeção organoléptica na qual visão, olfato e tato ajudem a identificar falhas de limpeza e presença de matéria orgânica nos equipamentos. Afinal, se a sujidade é visual, não são necessários testes laboratoriais para que correções e melhorias sejam identificadas como necessárias. Mas é claro, recomenda-se também o uso de medições quantitativas, com uso de técnicas de swab, como medição de ATP (adenosina-trifosfato) e APC (aerobic plate count ou contagem total de aeróbicos), para identificar resíduos orgânicos e carga microbiana, respectivamente.

Vamos entender um pouco mais sobre cada método

Método da medição de ATP

Todos os organismos vivos contêm adenosina trifosfato, a energia universal. A maioria dos alimentos têm ATP por natureza. Quando resíduos de alimentos são deixados em uma superfície, o nível de ATP pode ser medido. As bactérias também têm ATP. Portanto, o valor medido denuncia resíduos de alimentos e / ou presença de bactérias.

As tecnologias usadas para medição de ATP em superfícies de equipamentos usam a bioluminescência. Uma vez que uma superfície é esfregada com a técnica de swab, a amostra é exposta a um agente químico e a um substrato produtor de luz ativado por ATP (luciferina / luciferase). Então, após algum tempo, o ATP presente (se houver) reage com o substrato e emite luz. A quantidade de luz é diretamente proporcional à quantidade de ATP coletada nas amostras. A luz é medida e relatada como Unidade de Luz Relativa (ULR).

Cada fabricante do kit de teste sugere um limite para ULR como a escala que determina falha, marginal ou satisfatório. Mas cada planta pode estabelecer o seu próprio limite com base no risco do produto e no zoneamento higiênico. Nesta técnica, os resultados são rápidos e saem em questão de segundos ou minutos.

Mas lembre-se: se uma fábrica irá estabelecer, em seu monitoramento de higienização, limites próprios menos rigorosos do que os recomendados pelos fabricantes do kit de teste, será fundamental validar os valores junto à equipe de segurança de alimentos da empresa.

Método APC ou TPC

O método APC (Aerobic Plate Count), também conhecido como TPC (Total Plate Count), quando aplicado no monitoramento de higienização, é usado para medir o nível de bactérias em uma superfície de contato com o produto, após a limpeza. Este método não mede toda a população bacteriana, mas sim o número de bactérias que se multiplicam na presença de oxigênio (aerobicamente) e em temperaturas médias (mesofílicas – 30-37°C).

Contagens altas são uma indicação de falhas de higienização ou problemas de design de equipamentos.

Mas atenção: esse método não determina a presença de patógenos nas superfícies. Quanto aos limites aceitáveis, geralmente o número ideal é <100 CFU/swab, sendo valores superiores  >1.000 CFU/swab representativos de falhas importantes nos processos de sanitização. Neste método, as amostras coletadas precisam ser incubadas e os resultados podem ser lidos após 48 horas de incubação.

Agora que já sabemos como os métodos funcionam e quais seu limites, vamos entender como usá-los a favor de um monitoramento ambiental otimizado.

LAB TEST

Qual dos métodos usar e quando realizar as coletas?

Os dois métodos, ATP (adenosina-trifosfato) e APC (aerobic plate count ou contagem total de aeróbicos), são amplamente usados na indústria. Importante lembrar que os métodos nem sempre se correlacionam, ou seja, baixa contagem de ATP nem sempre se traduz em baixa contagem de APC, mas ambos são igualmente indicados e extremamente úteis no monitoramento da eficácia da higienização.

Recomenda-se que os swabs sejam coletados após a limpeza, mas antes da higienização, para medir a eficácia da limpeza, pois um processo de limpeza eficaz deve remover 99,5% dos sólidos orgânicos e da atividade microbiana. Em ambos os casos, a superfície precisa estar livre de resíduos visuais, visto que a presença já representa falhas no processo de limpeza. Além disso, no caso do ATP, a presença de resíduos sólidos pode gerar resultados inconclusivos e até falsos negativos. Caso a empresa decida coletar swab de APC após a sanitização, um neutralizante deve ser adicionado na solução umidificante para inibir sua ação no crescimento microbiano durante a incubação.

Um processo de limpeza eficaz deve remover 99,5% dos sólidos orgânicos e da atividade microbiana.

Para estabelecer a frequência e o tipo de testes a serem feitos na inspeção pré-operacional, o time deve conhecer os riscos associados aos produtos, a qualidade dos materiais das superfícies de contato e não contato com o produto, os desafios de design higiênico presentes no equipamentos e estruturas e o tamanho das linhas produtivas.

A amostragem deve acontecer diariamente e deve considerar todas as superfícies dos equipamentos e não apenas as mais visíveis, acessíveis e com contato direto ao produto.

Por exemplo: para analisarmos a eficácia da limpeza de uma esteira transportadora, devemos considerar as rodas dentadas, barras transversais, sistema de tração, raspadores, guardas laterais, especialmente quando infelizmente nichos, juntas sobrepostas e locais de difícil acesso estão presentes, podendo acumular resíduos e promover o crescimento de microrganismos. Ou seja, testes devem ser feitos com maior frequência nas zonas 1 (contato com produto) e 2 (anexos às zonas de contato com produto). A variação e rotatividade nos pontos de coleta é fundamental para garantir a representatividade dos resultados.

A empresa pode optar por alternar testes ATP e APC ao longo da semana.

Como o método ATP fornece resultados imediatos, possibilita a correção da limpeza imediatamente. Já o método APC vai levar a uma investigação das falhas ocorridas 2 dias atrás.

Também é possível e recomendado ter um programa de monitoramento de patógenos implementado. Esse programa deve considerar bactérias como Salmonella spp ou Listeria spp, dependendo do tipo de produto em questão. Normalmente, busca-se patógenos em partes dos equipamentos onde o acesso é mais restrito, como aquelas partes que dependem de desmontagem para a realização da limpeza. Por isso, os testes de patógenos não costumam acontecer na zona 1, mas sim nas zonas 2 (partes anexas e próximas à zona de contato com alimento), 3 (estruturas dentro do local produtivo) e 4 (áreas externas ao local produtivo) dos equipamentos e instalações.

Lembre-se: quando o assunto é higienização de equipamentos e design higiênico, sempre há o que melhorar.

A busca por conhecimento e pela ajuda de especialistas nesses assuntos pode melhorar significativamente os resultados da sua planta, incluindo não apenas indicadores relativos à qualidade e segurança dos produtos, mas também indicadores de produtividade e indicadores financeiros. É incrível o que um Plano de Higienização otimizado, ou seja, operacionalmente eficaz pode fazer por uma indústria processadora de alimentos.

Caso não tenha acessado o vídeo deste artigo, clique na imagem abaixo e aproveite.

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Laudos de análises microbiológicas: você sabe interpretar os resultados?

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Ei, você que trabalha com food safety, é você mesmo! Você sabe interpretar os laudos de análises microbiológicas? A gente manda uma amostra para o laboratório e quando chega o resultado vem a dúvida: como interpretar esse resultado? O que isso quer dizer de fato? Ou você é daqueles que recebe o laudo, arquiva e vida que segue?

Se você sabe interpretar, mas de vez em quando bate uma insegurança ou ainda, se você tem dúvidas em alguns pontos, esse post é para você. Venha comigo conferir essas dicas.

Os ensaios microbiológicos podem ser utilizados para verificar e validar se os PCC estão bem definidos e se permanecem efetivamente sob controle.

As análises microbiológicas constituem uma importante ferramenta adotada na gestão da qualidade e segurança dos alimentos, podendo ser utilizadas, com diferentes objetivos, pelas entidades governamentais, pelas empresas, distribuidores e terceiros, servindo inclusive para aprovação de fornecedores. Podem ser efetuadas em todas as etapas da cadeia, seja para testar matérias-primas, produtos em processamento, produto final ou amostras do ambiente de produção, preparação e distribuição.

Os resultados obtidos nos ensaios microbiológicos podem ser utilizados, numa métrica de gestão do risco e controle de perigos, para avaliar a segurança de um lote de um alimento ou de água, o cumprimento das BPF, a aceitabilidade de processos, a adequação da utilização de um produto/matéria-prima para um determinado fim e o prazo de vida útil ou data limite de utilização de um alimento.

Frequentemente, a interpretação dos resultados microbiológicos obtidos na análise laboratorial torna-se complexa.

Vamos entender esse universo de leitura de laudo, venha comigo!

  • Como escolher os parâmetros ou ensaios a serem realizados?

Qual o objetivo da sua análise? Se você está buscando apenas atender a legislação ou solicitação de um cliente, basta fazer o que eles estão pedindo. Porém, se está utilizando esse ensaio para validar um processo, você pode requerer análises diferentes das habituais. Por exemplo: para uma análise microbiológica de embalagem que não possui uma regulamentação específica, veja aqui o que pode ser realizado.

  • O que são critérios microbiológicos (CM) ou padrão microbiológico?

É um conjunto de elementos qualitativos e quantitativos que definem a aceitabilidade de um lote ou um processo de alimentos.

O padrão pode ser expresso como presença ou ausência (qualitativo) ou ainda a quantidade (quantitativo) de micro-organismos presentes na amostra. *

*Conceito baseado nas informações da ANVISA e documentos do Codex Alimentarius (1981).

Quais são os componentes do padrão microbiológico?

  1. Alimento – O tipo de alimento a ser analisado influencia diretamente a flora a ser pesquisada: se o alimento é cru ou cozido, se elaborado ou não, se pronto ao consumo ou não. Ex: pesquisa de Listeria em pratos prontos
  2. Micro-organismo – Como se diz “cada macaco no seu galho”, alguns micro-organismos têm predileção por este ou aquele componente do alimento, favorecendo ou não seu desenvolvimento Ex: pesquisa de bactérias halofílicas em charque.
  3. Ponto da cadeia – Se é matéria-prima ou produto pronto faz toda a diferença na coleta e na interpretação do resultado.
  4. Limites microbiológicos – Divisor de águas entre aceitável e inaceitável, produto apto ou não para consumo ou destinação a outros fins. É composto geralmente pelo limite microbiológico mínimo (m) e máximo (M).
  5. Plano de amostragem – Define o número de unidades amostrais a serem coletadas aleatoriamente de um mesmo lote e analisadas individualmente (n), o tamanho da unidade analítica ou alíquota da amostra
    a ser analisada (1g, 25g, 10g) e a indicação do número de amostras aceitáveis (c) entre os limites m e M.

A fim de facilitar a compreensão dos padrões e plano de amostragem, vamos usar uma tabela e ver como devemos interpretar:

Fonte: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/centraisdeconteudo/publicacoes/alimentos/perguntas-e-respostas/padroes-microbiologicos.pdf/view

Alimento A:

Padrão – coletar 5 amostras (n=5). Nenhuma unidade amostral (c=0) pode apresentar resultado positivo para Salmonella (m=Aus). Resultado: presença ou ausência (Plano de duas classes – qualitativo)

Plano de duas classes geralmente é utilizado quando se pesquisa os patógenos mais importantes para saúde pública

Alimento B:

Padrão – coletar 10 amostras (n=10). Nenhuma unidade amostral (c=0) pode apresentar resultado maior que 102 UFC por grama (m). Resultado: aceitável ou inaceitável (Plano de duas classes – qualitativo)

Alimento C:

Padrão – coletar 5 amostras (n=5). Somente 2 unidades amostrais (c=2) podem apresentar resultado intermediário, ou seja, contagens entre 10 UFC por grama (m) e 102 UFC por grama (M), e nenhuma unidade amostral pode apresentar resultado maior que 102 UFC por grama (M).  Resultado: aceitável, intermediário ou inaceitável (Plano de três classes* – quantitativo)

*plano de três classes geralmente é utilizado quando não existe risco direto ou de difusão extensiva ao consumidor, causado pelos micro-organismos presentes no alimento,

Como o Laudo apresenta os resultados:

Como ler este laudo:

Análise A:

Análise realizada: NMP* de Escherichia coli. Referencia de legislação: o laboratório não apresentou*1. Resultado encontrado pelo laboratório: < 1,1 NMP/100ml, quantidade inferior e 1,1 micro-organismo em 100 ml. Unidade amostral: 100 mL. Metodologia utilizada pelo laboratório para realizar a análise. Neste caso a empresa deve verificar se este resultado é considerado aceitável segundo seus padrões de referência.

*Número Mais Provável

*1: quando o laboratório não apresenta a referência, a empresa deve buscar fontes e legislações para se basear.

Análise B:

Análise realizada: Pesquisa de Salmonella. Referência de legislação: resultado ausente. Resultado encontrado pelo laboratório: Ausência. Unidade amostral: 25g. Metodologia utilizada pelo laboratório para realizar a análise. Neste caso a amostra encontra-se de acordo com a regulamentação.

Contagens de microrganismos pelo Número Mais Provável (NMP) são técnicas que permitem avaliar estatisticamente a quantidade de microrganismos presentes em uma amostra e estimar a proporção viável metabolicamente ativa. Ou seja, essa técnica pode ser utilizada para estimar a população total ou de um grupo específico de microrganismos, sendo o conjunto de respostas positivas ou negativas considerado para o cálculo estimado final.

Da mesma forma podem ser interpretados os padrões microbiológicos de água para consumo humano. Veja o laudo a seguir:

Como ler este laudo

Análise A:

Analise realizada: NMP* de Escherichia coli. Referência de legislação: Ausência em 100 mL. Resultado encontrado pelo laboratório: < 1,1 NMP/100 mL, quantidade inferior a 1,1 micro-organismo em 100 mL. Metodologia utilizada pelo laboratório para realizar a análise. Neste caso a amostra encontra-se de acordo com a legislação, mesmo que o resultado do laboratório não indique ausência em 100 mL. Isso ocorre porque a metodologia do NMP busca intervalo de confiança de 95% e a leitura é realizada pela combinação de tubos positivos em séries de 3 a 5 tubos.

Análise B:

Analise realizada: NMP* de Coliformes Totais. Referência de legislação: o laboratório não apresentou*1. Resultado encontrado pelo laboratório: < 1,1 NMP/100 mL, quantidade inferior a 1,1 micro-organismo em 100 mL. Metodologia utilizada pelo laboratório para realizar a análise. Neste caso para considerar a amostra em conformidade é necessário atentar ao padrão de referência utilizado pela empresa.

Saiba mais: no blog há mais conteúdo a respeito do assunto, veja:

Falhas na interpretação de laudos de análises de água e alimentos

Análise da água: você conhece os macetes para a coleta?

Estamos próximos de 1 bilhão de análises microbiológicas no mundo

Fonte consultada:

https://www.google.com/search?q=anvisa+perguntas+e+respostas+padr%C3%B5es+microbiologicos&rlz=1C1PRFI_enBR769BR769&oq=anvisa+perguntas+e+respostas+&aqs=chrome.1.69i57j35i39j0i512l4j0i22i30l4.8002j0j15&sourceid=chrome&ie=UTF-8

5 min leituraEi, você que trabalha com food safety, é você mesmo! Você sabe interpretar os laudos de análises microbiológicas? A gente manda uma amostra para o laboratório e quando chega o […]

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Como os hematomas afetam a segurança da carne?

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Por indicação da autoridade sanitária (Inspeção Veterinária), a carne com hematomas deve ser confiscada nos estabelecimentos de abate. É considerada imprópria para consumo humano.

O que é um hematoma? Começaremos definindo o hematoma como a perda de sangue dos vasos sanguíneos lesados para o tecido muscular circundante. Os hematomas são a principal causa do confisco de carnes nos frigoríficos, afetando milhares de toneladas de alimentos, que não podem ser consumidos ou industrializados. Todos os elos da cadeia da carne estão, de uma forma ou de outra, envolvidos nesta questão. A prevenção de hematomas é uma consideração importante para limitar as aparas da carne afetada e melhorar a segurança de alimentos. Estudos constataram que a maioria dos hematomas que precisam ser aparados ocorrem dentro de 10 dias antes do abate.

As causas pelas quais um hematoma pode ocorrer são muito variadas e estão relacionadas a uma questão de fundamental importância: o Bem-Estar Animal (BA). O escopo deste artigo se refere aos hematomas ou contusões que poderiam acontecer no gado bovino. Os hematomas sempre ocorrem no período pré-morte. Estão relacionados às etapas de arrear depressa dentro do estabelecimento do produtor, transporte, espera em baias fora e dentro do estabelecimento de abate, até a etapa de atordoamento e sangria. Em todas essas etapas os animais são expostos a maus-tratos. Para evitar essas situações que afetam fisicamente o gado, é necessário tomar uma série de cuidados:

1- Treinamento de pessoal. Quem vai atuar nas etapas anteriores à do atordoamento no matadouro, deve ter treinamento adequado sobre as diretrizes básicas de bem-estar animal, como forma de conduzir os animais corretamente para evitar traumas ou golpes desnecessários que possam resultar na presença de hematomas em músculos ou ossos quebrados. Bater com paus, objetos pontiagudos ou outros que machuquem ou causem dor no animal devem ser práticas completamente erradicadas.

2- Ter instalações adequadas para o manejo de animais. Áreas escorregadias ou íngremes ou desiguais durante o carregamento dos animais até o meio de transporte e seu posterior desembarque podem causar quedas e ocasionar vários hematomas. Durante o transporte, deve-se respeitar um espaço mínimo para que não fiquem superlotados. Recomenda-se também que os animais sejam da mesma categoria e nem mesmo misturem tropas de diferentes estabelecimentos produtores no mesmo transporte. O pastoreio dentro do estabelecimento do produtor e o transporte até o estabelecimento de abate causa grande estresse no gado. Isso afeta sua condição física e a consequente qualidade da carne. Batidas intencionais ou acidentais e até mesmo ferimentos que podem ser causados uns aos outros por feridas por chifres ou pontapés fazem parte das possíveis contusões que causam os hematomas.

3- Dentro dos currais e nos caminhos que levam à área de atordoamento devem ser evitados ângulos retos e cantos onde os animais possam se bater. Falta de manutenção do chão, alterações na iluminação das áreas, ruídos, gritos ou qualquer situação que aumente o estresse devem ser evitados.

4- A contenção do animal para o atordoamento e a metodologia aplicada para esta função é um dos principais pontos onde se deve ter muito cuidado para evitar hematomas da carne.

Como os hematomas afetam a segurança da carne? Por indicação da autoridade sanitária, a carne com hematomas deve ser confiscada. É uma perda do ponto de vista econômico, além de constituir um risco para o consumidor. A carne com sangue extravasado é um meio ideal para o crescimento de bactérias deteriorantes (a carne se decompõe mais rapidamente). Também favorece o desenvolvimento de outros contaminantes, incluindo patógenos de origem entérica, como E. Coli, Campylobacter, Salmonela, Yersinia, Clostridium, entre outros, além de bactérias provenientes da pele durante a ação de retirar o couro, por isso deve ser confiscada durante a inspeção veterinária. O tamanho da parte afetada é variável. Pode variar desde um pequeno corte de 1 kg até confiscar meia carcaça ou vários cortes. Os hematomas podem ser avaliados por sistemas de pontuação dependendo de características como: extensão ou localização (superficial ou profundo), cor, aparência ou gravidade ou uma combinação de todos eles.

No que se refere estritamente à segurança de alimentos, os hematomas constituem um meio para o crescimento de bactérias potencialmente perigosas para o consumidor, além de reduzir drasticamente a vida útil, o que obriga a inspeção veterinária a confiscar a carne afetada, por ser considerada imprópria para o consumo humano. Você está disposto a trabalhar para melhorar o bem-estar animal?

 

Fontes consultadas:

https://es.calameo.com/read/0058002979db0420c69b4

https://pdf.sciencedirectassets.com/778414/1-s2.0-S1751731109X70278/1-s2.0-S1751731109004091/main.pdf?X-Amz-Security-Token=IQoJb3JpZ2luX2VjEDoaCXV

https://foodsafetybrazil.org/bem-estar-animal-e-qualidade-da-carne-que-consumimos/

https://www.contextoganadero.com/cronica/prevenir-los-hematomas-en-el-ganado-para-evitar-perdidas

https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/113776/000802717.pdf;jsessionid=3FEA907A326DFB058900BC1307BC69F1?sequence=1

https://foodsafetybrazil.org/importancia-do-bem-estar-animal-para-sua-empresa/

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Campylobacter jejuni, um patógeno alimentar emergente

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O gênero de bactéria Campylobacter possui 17 espécies, das quais as causadoras mais frequentes de doenças diarreicas são C. jejuni e C. coli. Estas bactérias são caracterizadas por serem Gram negativas e móveis. Ao microscópio, aparecem como bacilos alongados, curvos e em forma de espiral, apresentando um flagelo em uma das extremidades, embora às vezes tenham sido descritos com um flagelo em cada extremidade. A temperatura ótima de crescimento é  42°C.

O escopo deste artigo refere-se à espécie Campylobacter jejuni, que vem emergindo como um patógeno com grande força em todo o mundo. Causa mais de dois milhões de infecções anualmente nos Estados Unidos e é considerada a causa do maior número de infecções transmitidas por alimentos no Reino Unido. É a causa bacteriana mais comum de gastroenterite no mundo. Embora o Campylobacter não seja percebido pelo público como um risco iminente, a realidade indica que é importante do ponto de vista da saúde pública.

É uma zoonose porque é transmitida de animais para humanos diretamente ou por meio de alimentos contaminados. Os principais vetores alimentares da doença (Campilobacteriose) são a carne de frango crua ou mal passada (frango e peru, entre outros), leite cru não pasteurizado e água não clorada contaminada. É um residente normal do intestino de aves e bovinos, embora também tenham sido descritos casos em porcos e alguns crustáceos. Nos países em desenvolvimento, afeta mais de 220 milhões de crianças menores de cinco anos anualmente. Também animais de estimação, como cães infectados, podem transmitir a infecção por contato, especialmente em crianças. Protocolos de biossegurança muito rígidos estão sendo trabalhados em granjas avícolas no Reino Unido, a fim de evitar a contaminação das aves por trabalhadores ou visitantes que possam carregar a bactéria em suas roupas ou calçados.

Modo de ação: Após a ingestão de alimentos contaminados, C. jejuni pode sobreviver no ambiente ácido do estômago, quando a carga bacteriana é elevada e chegar ao intestino delgado viável. Seu modo de ação é aderir ao epitélio intestinal e invadi-lo, causando a inflamação que é o determinante da doença. Crianças pequenas de 0 a 8 anos, idosos e pessoas com problemas imunológicos deprimidos, como HIV-AIDS, são os que apresentam as consequências clínicas mais graves.

Os principais sintomas incluem febre alta de até 40°C, dor de cabeça, cólicas abdominais, diarreia aquosa, náuseas e vômitos. Mas o sintoma que melhor caracteriza a doença é a diarreia com sangue. Embora a duração da doença geralmente não ultrapasse 7 dias, complicações graves podem surgir de bacteremia (disseminação de bactérias na corrente sanguínea). As principais complicações incluem artrite, uma inflamação dolorosa das articulações e distúrbios neurológicos graves, como a doença de Guillain Barré. Esta é uma doença neurológica grave que afeta o sistema imunológico e mostra a deterioração da bainha de mielina dos nervos.

Poucos casos de contaminação intrauterina de fetos foram observados em mães com infecção por C. jejuni e diarreia, especialmente no terceiro trimestre da gravidez. Casos de infecção também foram observados em neonatos.

Para o diagnóstico, além dos sintomas descritos, utiliza-se a coprocultura em meio seletivo para Camylobacter, que por questões de espaço não será descrita neste artigo.

Em geral, a infecção geralmente se resolve após uma semana, com reposição de fluidos e eletrólitos. Embora em alguns casos o tratamento com antimicrobianos como a eritromicina seja necessário, muitos casos de resistência antimicrobiana (RAM) foram relatados. Esse aspecto dificulta a escolha do antibiótico mais adequado no laboratório microbiológico.

Prevenção: Sendo um constituinte normal do intestino das aves (frango e peru), está presente nas granjas de criação, no transporte de animais e chega aos estabelecimentos de abate. Vale ressaltar que a doença ocorre de forma assintomática em aves. É de fundamental importância manter medidas de higiene durante todo o processo. A implementação de boas práticas de fabricação (GMP) e um exigente Plano HACCP são essenciais para minimizar o risco. O controle deve ser planejado e implementado desde a fazenda até a mesa do consumidor. O maior risco está no consumo de aves cruas ou mal cozidas, permitindo a sobrevivência e infectividade da bactéria nas aves contaminadas. Até mesmo o manuseio de aves cruas contamina as mãos do manipulador nas instalações de processamento e na casa do consumidor. A higiene das mãos é crucial, assim como todas as medidas necessárias para evitar a contaminação cruzada entre alimentos crus e alimentos cozidos. Os utensílios e as superfícies de contato com alimentos devem ser mantidos limpos e higienizados antes e depois do uso. A temperatura de cozimento da ave deve chegar a 74°C por pelo menos dois minutos em todos os seus pontos, principalmente aqueles mais próximos do osso para inativar a bactéria. Evite consumir leite cru e laticínios feitos com leite não pasteurizado. Água contaminada, não clorada nem fervida também pode ser um importante veículo de poluição, especialmente em países ou regiões em desenvolvimento.

Autoridades de saúde do Estado de Idaho, nos Estados Unidos, alertaram os consumidores no dia 17 de junho de 2021 sobre o aumento dos casos de doenças transmitidas pelo leite cru e laticínios feitos com leite cru não pasteurizado, por aumentar o risco inerente de infecções por Campylobacter, E. coli, Salmonella e Listeria.

Tanto a OMS quanto a FAO e a OIE são organizações internacionais que unem forças para prevenir e evitar doenças transmitidas por alimentos em nível global, auxiliando com recomendações e treinamento às autoridades dos países membros das Nações Unidas. Fatores de saúde animal, saúde humana e fatores ambientais atuam na campilobacteriose. Este é mais um exemplo do conceito de One Health.

Fontes consultadas:

https://www.mayoclinic.org/es-es/diseases-conditions/guillain-barre-syndrome/symptoms-causes/syc-20362793

https://www.foodsafetynews.com/?s=campylobacter

https://www.who.int/es/news-room/fact-sheets/detail/campylobacter

https://www.scielo.sa.cr/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1017-85462003000100007

https://www.google.com/search?q=one+health+concepto&oq=&aqs=chrome.2.35i39i362l8…8.1784079j0j15&sourceid=chrome&ie=UTF-8

https://foodsafetybrazil.org/presenca-de-campylobacter-spp-em-cortes-refrigerados-de-frango/

https://foodsafetybrazil.org/resistencia-antimicrobiana-ameaca-saude-publica/

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Predição da multiplicação de Salmonella em carne de frango

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Um estudo sobre predição da multiplicação de Salmonella em carne de frango foi realizado utilizando o software Pathogen Modeling Program (PMP) online, já discutido aqui. Foram utilizados os modelos disponíveis que calculavam a multiplicação desse patógeno nesse alimento cru.

O modelo de crescimento de S. Typhimurium em carne de frango moída com microbiota acompanhante mostrou como temperatura mínima para multiplicação dessa bactéria: 10ºC. Nessa temperatura o tempo de geração microbiana foi de 6,36 horas, enquanto a população máxima atingida após 5 dias de armazenamento foi de 3,64 log UFC/g. Já a temperatura máxima foi 40ºC, na qual o tempo de geração foi de apenas 45 minutos e após um dia de armazenamento a população atingiu 9,23 log UFC/g. Em temperatura ambiente (25ºC), o tempo de geração microbiana foi de 1,45 horas, enquanto a população máxima atingida após um dia de armazenamento foi de 7,05 log UFC/g.

As taxas de crescimento (velocidade de multiplicação) desse modelo foram comparadas com as do modelo de crescimento de Salmonella spp. em carne de frango moída estéril. No modelo sem microbiota acompanhante foram utilizadas as cepas: S. Thompson, S. Enteritidis, S. Hadar, S. Montevideo e S.  Heildelberg.

Apenas na temperatura de 10ºC a multiplicação de Salmonella na presença de microbiota foi mais rápida do que na ausência (0,047 e 0,036 log UFC/h, respectivamente). Nas demais temperaturas a velocidade de crescimento de Salmonella foi maior quando não havia a presença de microbiota na carne de frango, o que pode estar relacionado à ausência de competição por nutrientes e por espaço, por exemplo.

Além disso, o software apresenta modelos de crescimento em pele de frango nas primeiras 8 horas da multiplicação nas temperaturas de 5 a 50ºC. O modelo de S. Typhimurium DT104 mostra uma pequena taxa de multiplicação a partir de 15ºC, já o modelo de S. Hadar apresenta um crescimento levemente superior a esse, enquanto S. Kentucky exibe o menor crescimento entre as 3 cepas testadas.

Todos esses modelos apresentam o comportamento de Salmonella em produtos relacionados à carne de frango crua demonstrando quais condições propiciam a multiplicação desse patógeno nesse alimento. É possível utilizar esses estudos como base para atender as alterações na Portaria nº 210/98 MAPA – Aves (Portaria nº 74/2019) que tratam do uso de microbiologia preditiva na manutenção de um binômio tempo e temperatura que garanta a ausência de multiplicação de patógenos e a produção de toxinas.

Referências:

Oscar, T.P. Development and Validation of Primary, Secondary, and Tertiary Models for Growth of Salmonella on Sterile Chicken. Journal of food Protection, Vol. 68, No. 12, 2005. P. 2606-2613.

Oscar, T.P. Validation of a Tertiary Model for Predicting Variation of Salmonella Typhimurium DT104 (ATCC 700408) Growth from a Low Initial Density on Ground Chicken Breast Meat with a Competitive Microflora. Journal of Food Protection 69(9), 2006. 2048-2057

Oscar, T.P. General Regression Neural Network and Monte Carlo Simulation Model for Survival and Growth of Salmonella on Raw Chicken Skin as a Function of Serotype, Temperature, and Time for Use in Risk Assessment. Journal of Food Protection, Vol. 72, No. 10, 2009, Pages 2078-2087.

Vijay, K.J. Martin Valenzuela Melendres, Lihan Huang, Vinod Gumudavelli, Jeyamkondan Subbiahc, Harshavardhan Thippareddi, Modeling the effect of temperature on growth of Salmonella in chicken. Food Microbiology 24 (2007) 328–335.

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Macrococcus spp.  em alimentos de origem animal

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A história do gênero Macrococcus é relativamente recente, apesar de ser estudado desde o final do século XIX, sendo que seus integrantes eram classificados como pertencentes ao gênero Staphylococcus. Em 1998, pesquisadores propuseram o gênero Macrococcus ao caracterizarem quatro espécies que apresentaram diferenças substanciais em relação à Staphylococcus. Ainda assim, ambos os gêneros podem ser considerados irmãos, pois compartilham determinadas semelhanças genéticas. Essa relação entre macrococos e estafilococos, no entanto, pode apresentar um problema de diagnóstico incorreto, uma vez que testes moleculares de identificação geralmente não são usados. Com isso, muitos macrococos acabam sendo identificados como estafilococos por métodos tradicionais.

O gênero Macrococcus compreende atualmente onze espécies e é representado por cocos Gram-positivos, oxidase-positivos, coagulase-negativos e catalase-positivos, pertencentes à família Staphylococcaceae. Membros do gênero Macrococcus podem ser encontrados na microbiota de diversos animais, sendo, na maioria das vezes, considerados apenas como comensais. No entanto, algumas espécies se sobressaem pelo risco clínico que representam a animais, como por exemplo, Macrococcus canis e Macrococcus bovicus.

Imagem: microscopia eletrônica de varredura da estirpe de Macrococcus caseolyticus.     (Fonte:  Microbiology Research)

Devido a essa associação, alimentos de origem animal, como leite, carne e embutidos, podem ser contaminados com essas bactérias. Existem na literatura alguns relatos destacando a presença do gênero, em alimentos de origem animal e enfatizando sua relevância. Nesse cenário, a espécie Macrococcus caseolyticus é a mais estudada e tem se tornado, recentemente, motivo de preocupação devido à sua capacidade de resistência a antibióticos.

Em uma pesquisa realizada em 2018, na Turquia, por exemplo, foram isoladas dez estirpes de M. caseolyticus provenientes de linguiça fermentada seca (sucuk) e sete delas apresentaram-se resistentes a pelo menos um dos antibióticos testados. Já em um estudo realizado aqui no Brasil em 2020, com leite pasteurizado comercializado na cidade do Rio de Janeiro, os autores foram capazes de detectar a presença de cepas de M. caseolyticus resistentes à penicilina e à tetraciclina.

Recentemente, os macrococos vêm ganhado grande destaque devido à sua comumente encontrada resistência à meticilina. A meticilina foi a primeira penicilina semissintética resistente às penicilinases bacterianas e tem aplicação no tratamento de infecções causadas por cocos aeróbicos Gram-positivos. Micro-organismos resistentes à meticilina também são, geralmente, resistentes a outros antibióticos, como todas as penicilinas, cefalosporinas e carbapenêmicos.

Diversos trabalhos descritos na literatura já relatam a resistência a esse antibiótico em isolados de macrococos provenientes de alimentos de origem animal. Um estudo feito na Inglaterra e no país de Gales isolou e caracterizou estirpes de M. caseolyticus provenientes de leite contido em tanques de armazenamento. Todos os isolados apresentaram resistência à meticilina. No Brasil, estirpes de M. caseolyticus resistentes à meticilina também já foram isoladas de amostras de queijo Minas.

No entanto, a maior implicação da presença de estirpes de Macrococcus sp. resistentes à meticilina associadas a alimentos é o fato de que os genes responsáveis por esse fenótipo podem ser transferidos para patógenos alimentares clássicos que ocupam o mesmo nicho, como é o caso dos estafilococos. Vários estudos destacam que os genes de resistência à meticilina encontrados nas espécies patogênicas de estafilococos foram obtidos das espécies de Macrococcus através de mecanismos de transferência gênica horizontal.

É possível afirmar, portanto, que o gênero Macrococcus, apesar de ser recentemente descoberto e possuir apenas onze espécies até o momento, é objeto de grande preocupação no que diz respeito à patogenicidade em animais e sua capacidade de resistência a antibióticos, que se mostra crescente no decorrer dos anos. Outro aspecto que merece destaque é o fato de este gênero estar presente em alguns alimentos de origem animal que apresentam vasto consumo mundial, como leite e carnes.

Faz-se necessário, portanto, dedicar uma atenção maior a isolados de Macrococcus sp. provenientes de alimentos de origem animal, a fim de que sua presença possa ser notificada com mais eficácia e possa ser localizada a fonte de contaminação, buscando mitigar, desta forma, a transferência de genes de resistência para outras bactérias presentes no alimento.

Autores:  Jessica Bezerra dos Santos1, Carlos Henrique da Silva Cruz1, Gustavo Luis de Paiva Anciens Ramos2 e Janaína dos Santos Nascimento1

1 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ)

2 Universidade Federal Fluminense (UFF)

Referências  

Resende, J. A., Fontes, C. O., Ferreira-Machado, A. B., Nascimento, T. C., Silva, V. L., Diniz, C. G. Antimicrobial-resistance genetic markers in potentially pathogenic gram positive cocci isolated from Brazilian soft cheese. Journal of Food Science, v. 83, n. 2, p. 377–385, 2018.

Baba, T., Kuwahara-Arai, K., Uchiyama, I., Takeuchi, F., Ito, T., Hiramatsu, K. Complete genome sequence of Macrococcus caseolyticus strain JCSCS5402, [corrected] reflecting the ancestral genome of the human-pathogenic staphylococci. Journal of Bacteriology, v. 191, n. 4, p.1180-1190, 2009.

Genis, B., & Tuncer, Y. Determination of antibiotic susceptibility and decarboxylase activity of coagulase?negative Staphylococcus and Macrococcus caseolyticus strains isolated from fermented Turkish sausage (sucuk). Journal of Food Processing and Preservation, v. 42, n. 1: e13329, 2018.

Gotz, F., Bannerman, T., Schleifer, K. H. The genera Staphylococcus and Macrococcus. In M. Dworkin, S. Falkow, E. Rosenberg, S. Karl-Heinz, & E. Stackebrandt (Eds.), Bacteria: Firmicutes, Cyanobacteria: vol. 4. The Prokaryotes. New York, 2006.

Kloos, W. E., Ballard, D. N., George, C. G., Webster, J. A., Hubner, R. J., Ludwig, W., … Schubert, K. Delimiting the genus Staphylococcus through description of Macrococcus caseolyticus gen. nov., comb. nov. and Macrococcus equipercicus sp. nov., Macrococcus bovicus sp. nov. and Macrococcus carouselicus sp. nov. International Journal of Systematic and Evolutionary Microbiology, v. 48, n. 3, p. 859-877, 1998.

MacFadyen, A. C., Fisher, E. A., Costa, B., Cullen, C., Paterson, G. K. Genome analysis of methicillin resistance in Macrococcus caseolyticus from dairy cattle in England and Wales. Microbial Genomics, v. 4, n. 8: e000191, 2018.

Machado, M. A. A., Ribeiro, W. A., Toledo, V. S., Ramos, G. L.P. A., Vigoder, H. C., Nascimento, J. S. Antibiotic resistance and biofilm production in catalase-positive gram-positive cocci isolated from brazilian pasteurized milk. Journal of Food Quality and Hazards Control, v. 7, n. 2, p. 67-74, 2020.

Mazhar, S., Hill, C., & McAuliffe, O. (2018). The Genus Macrococcus: An insight into its biology, evolution, and relationship with Staphylococcus. In Advances in Applied Microbiology, v. 105, pp. 1-50. Academic Press.

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Ramos, G. L. P. A., Vigoder, H. C., Nascimento, J. S. Technological Applications of Macrococcus caseolyticus and its Impact on Food Safety. Current Microbiology, v.78, p.11–16, 2020.

LPSN –  List of Prokaryotic names with Standing in Nomenclature. Macrococcus. Disponível em https://lpsn.dsmz.de/search?word=macrococcus, 2021.  Acesso em 26 abril 2021.

Silva, A.C., Rodrigues, M.X. Silva, N.C.C. Methicillin-resistant Staphylococcus aureus in food and the prevalence in Brazil: a review. Brazilian  Journal of Microbiology, v. 51, p. 347-356, 2020.

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