Análise microbiológica de alimentos: importância do plano de amostragem

7 min leitura

Entre os vários parâmetros que indicam a qualidade e a inocuidade de alimentos, os mais importantes são aqueles que definem as suas características microbiológicas. É importante lembrar que alimentos crus, como carnes, leite, vegetais, pescados, e muitos outros, têm microrganismos chamados “autóctones”, ou seja, microrganismos naturalmente presentes, que fazem parte da microbiota natural destes produtos. Sua presença é, portanto, esperada. Entretanto, os alimentos podem ter microrganismos contaminantes que podem causar alterações indesejáveis, reduzindo sua vida útil, e podem ser patogênicos, comprometendo a saúde do consumidor.

Para que se faz análise microbiológica de um alimento? Ela é necessária para a obtenção de informações sobre as condições de higiene durante sua produção, processamento, armazenamento e distribuição para o consumo, sobre sua vida de prateleira e sobre o risco que representa à saúde. Quando um alimento é suspeito de ter causado uma enfermidade de origem alimentar, a elucidação do agente etiológico reveste-se da maior importância, para que as medidas corretivas corretas possam ser adotadas.

Para que os resultados da análise microbiológica de um alimento reflitam de forma fiel as condições microbiológicas do alimento analisado, vários requisitos devem ser atendidos. Além do uso de métodos analíticos adequados, é necessário assegurar que as amostras analisadas representam o alimento como um todo. Nenhum destes requisitos é fácil de ser seguido, pois os microrganismos contaminantes nos alimentos podem ser inúmeros, não só em quantidade, mas também em variedade, requerendo métodos específicos de análise, e sua distribuição no alimento não é uniforme.

Considerando que a análise microbiológica do produto todo ou de um lote inteiro de produtos é impraticável, por razões de custo e pelo caráter destrutivo deste tipo de análise, analisa-se amostras retiradas do alimento ou do lote. A determinação do número de amostras a serem analisadas e os critérios de decisão compõem o que se denomina um plano de amostragem.

Os planos de amostragem são desenvolvidos com a finalidade de avaliar as condições microbiológicas de lotes e permitir um julgamento sobre a sua aceitação ou rejeição.  Planos de amostragem foram inicialmente propostos pela Comissão Internacional de Especificações Microbiológicas para Alimentos (ICMSF – International Commission on Microbiological Specifications for Foods) em 1974, e vêm sendo revistos desde então. O Codex Alimentarius, órgão internacional formado pela FAO (Food and Agricultural Organization) e pela OMS (Organização Mundial da Saúde), ambos da Organização das Nações Unidas (ONU), é atualmente o fórum de discussão destes assuntos. A Organização Mundial do Comércio, que normatiza a comercialização de alimentos entre diferentes países, recomenda a adoção de padrões, orientações e normas desenvolvidos pelo Codex Alimentarius.

Segundo a ICMSF, os diferentes planos de amostragem podem pertencer a quinze categorias distintas, de acordo com o grau de risco que os microrganismos contaminantes nos alimentos oferecem ao consumidor. Este grau de risco é determinado pelo tipo de microrganismo presente, pela sua quantidade no alimento e pela probabilidade de seu número aumentar, diminuir ou se manter estável no alimento até o momento de ser consumido (Tabela 1). Alguns microrganismos são importantes porque deterioram o produtos (categorias 1, 2 e 3), outros são indicadores da possível presença de microrganismos patogênicos (casos 4, 5 e 6), outros são patogênicos mas causam doenças brandas e de difusão restrita (categorias 7, 8 e 9), outros são patogênicos mas causam doenças brandas mas difusão extensa (categorias 10, 11 e 12) e outros são patogênicos e causam doenças graves(categorias 13, 14 e 15).

Em relação à análise microbiológica de alimentos, é necessário definir alguns conceitos importantes, como lote, n, c, m e M. Lote é o total de unidades de um produto produzido, manuseado ou armazenado em condições idênticas, dentro de um determinado período, n é o número de unidades retiradas de um lote que serão analisadas independentemente (unidades amostrais) e c é o número máximo aceitável de unidades do lote em que as contagens microbianas estão acima do limite mínimo (m) e abaixo do limite máximo tolerado (M) para o microrganismo investigado (unidades defeituosas).

Os planos de amostragem podem ser de duas ou de três classes. Em um plano de duas classes, o produto analisado é classificado como aceitável ou inaceitável, ou seja, o resultado está abaixo ou acima de um critério pré-estabelecido, respectivamente.  Já em um plano de três classes, o alimento analisado pode pertencer ainda a uma terceira categoria, denominada marginal, definida por resultado que se encontra entre os limites m e M (Fig 1e 2)

Figura 1: Classificação do alimento de acordo com os critérios m e M

Figura 2: Planos de duas e de três classes, segundo ICMSF, 2002 

A Tabela 2 apresenta os diferentes planos de amostragem de duas e de três classes. Os planos de amostragem para as categorias 1 a 9 são de três classes, enquanto para as categorias 10 a 15 são de duas classes. Conforme pode ser visto, à medida que o risco aumenta, aumenta também o rigor o plano de amostragem, com aumento de n e diminuição de c, sendo o mais tolerante n = 5 e c = 3 (categoria 1) e o mais rigoroso n = 60 e c = 0 (categoria 15). O poder discriminatório de um plano aumenta com o aumento de n para um mesmo valor de c. Para facilitar a compreensão da Tabela 2, cita-se o exemplo da pesquisa de Salmonella em uma lingüiça crua. Se o produto será congelado, portanto o risco tende a diminuir, o plano de amostragem do produto congelado é da categoria 10, ou seja, devem ser analisadas 5 amostras do mesmo lote (n = 5), e nenhuma pode ser positiva para este patógeno (c = 0). Se a linguiça for mantida em refrigeração, sendo pouco provável que o patógeno se multiplique, deve-se aplicar o plano da categoria 11, ou seja, n = 10, c = 0 e se o produto for mantido em temperatura ambiente, com alta probabilidade de multiplicação de Samonella, deve-se aplicar a categoria 12, ou seja, n = 20 e c = 0.

Considerando que as decisões de aprovar ou rejeitar um lote são baseadas nos resultados das unidades retiradas deste lote, deve-se levar em conta que este resultados não necessariamente indicam a situação exata do lote. Existe sempre a possibilidade de rejeitar um lote que esteja satisfatório, assim como aprovar um lote insatisfatório.  No primeiro caso, há um risco para o produtor e no segundo, um risco para o consumidor. Na tabela 3, são apresentadas as probabilidades de aprovar um lote de acordo com o número de unidades amostrais analisadas (n) e a porcentagem de defeituosos neste lote, quando um plano de duas classes é utilizado. Por exemplo, admitindo-se que um lote que tenha 20% de defeituosos, ao analisar 5 amostras (n = 5) a probabilidade de aceitação do lote é 33%. Se forem analisadas 20 amostras, essa probabilidade cai para 0,1%. Para um lote com 2% de defeituosos, ao analisar 5 amostras existe 90% de probabilidade de se aprovar este lote e aumentando o n para 20, esta probabilidade será 67%.

Tabela 3: Probabilidades de aceitação de lotes contendo diferentes proporções de unidades aceitáveis e defeituosas, de acordo com valores de n (plano de duas classes)*

Na tabela 4, são apresentadas as probabilidades de aprovar um lote de acordo com o número de unidades amostrais analisadas (n), o número de unidades defeituosas toleradas (c) e a porcentagem de defeituosos neste lote, quando um plano de duas classes é utilizado. Por exemplo, admitindo-se que um lote que tenha 20% de defeituosos, ao analisar 5 amostras (n = 5) e tolerar 3 amostras defeituosas (c = 3) a probabilidade de aceitação do lote é 99%, mas se c for 2 essa probabilidade baixa para 94% e se for c = 1, baixa para 74%.  Aumentando-se n para 15, as probabilidades de aprovar o lote serão 84% se c for 4, 40% se c for 2 e 17% de c for 1.

 Tabela 4: Probabilidades de aceitação de lotes contendo diferentes proporções de unidades aceitáveis e defeituosas, de acordo com valores de n e c (plano de  três classes)*

 

Na legislação brasileira sobre requisitos microbiológicos em alimentos, verifica-se que tanto a Portaria no 146, 1996, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, quanto a Resolução RDC-12, 2001, da Agencia Nacional de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde determinam os valores de n, c, m e M nos critérios microbiológicos para  aprovação de alimentos disponibilizados para a população, adotando n = 5 para todos os planos de amostragem, e valores de c, m e M que variam de acordo com o alimento e o microrganismo considerado.

  Por

Bernadette D G M Franco
Universidade de São Paulo
Faculdade de Ciências Farmacêuticas
Departamento de Alimentos e Nutrição Experimental
Laboratório de Microbiologia de Alimentos

Para 3M Food Safety

 

Bibliografia:

Brasil. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução da Diretoria Colegiada RDC-12, 2001. Disponível em http://www.anvisa.gov.br/legis/resol/12_01rdc.htm.

Brasil. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Portaria no 146, 1996. Disponível em http://extranet.agricultura.gov.br/sislegis-consulta/consultarLegislacao.do?operacao=visualizar&id=1218

Franco, B.D.G.M., Landgraf, M. Microbiologia dos Alimentos, Editora Atheneu, 6ª reimpressão, 2009.

International Commission on Microbiological Specifications for Foods (ICMSF). Microorganisms in Foods 2: Sampling for Microbiological Analysis: Principles and Specific Applications. 2nd ed., University of Toronto Press, 1986.

International Commission on Microbiological Specifications for Foods (ICMSF). Microorganisms in Foods 7. Microbiological testing in food safety management. Kluwer Academic/ Plenum Publishers, 2002.

Montville, T.J., Matthews, K.R. Food Microbiology. An introduction. 2nd ASM Press 2008.

 

 

 

7 thoughts on

Análise microbiológica de alimentos: importância do plano de amostragem

  • Luis clovis da cruz Dias

    Boa noite sou academico do curso de ciencia e tecnologia de alimentos e tenho um trabalho sobre metodos rapidos de analise microbiologica de alimentos eu gostaria de receber por enail materiais sobre o assunto : o que quais sao e quando sao ussdos
    Tais metodos.

  • cassia maria

    ola Trabalho com alimentos e tenho duvidas no plano de amostragem para analise microbiológica da RDC 12 de 2001

  • Caroline

    Não estou conseguindo visualizar as imagens!!!

  • Adriana Louro

    Para produtos (sucos de frutas) que devem ser armazenados em ambiente refrigerado, existe um prazo recomendado de quarentena antes de se realizar as análises microbiológicas ou estas podem proceder logo após a conclusão do processo produtivo?

  • thais

    Adorei o post. Obrigada!

  • Dalinne

    Texto excelente! Muito útil e explicativo! Parabéns aos autores! Obrigada!

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