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Gestão Estratégica em Food Safety

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Logicamente, o objetivo principal na implantação de um Sistema de Gestão em Segurança de Alimentos (SGSA) é a garantia da produção, armazenamento, transporte e comercialização de alimentos e bebidas seguras, o que implica ações de prevenção e controle de contaminantes, sejam químicos, físicos ou microbiológicos em toda a cadeia produtiva.

Mas, logicamente também, o objetivo de um negócio, de uma empresa que produz alimentos e bebidas é obter algum lucro.

Portanto, uma empresa de alimentos e bebidas tem como “core business” sua operação, que genericamente consiste em comprar matérias-primas, com uso de operações unitárias apropriadas transformá-las em produtos, entregar ao mercado fazendo uso de uma matriz logística adequada, e ao final, faturar com as vendas provenientes de toda esta operação. Depois, tirando os custos produtivos que incluem matérias-primas, insumos, embalagens, mão de obra, análises, operação, depreciação de máquinas e equipamentos, custos com utilidades (energia, água, vapor e ar comprimido), etc, ver o que sobra.

A esta diferença que remunerará o risco sobre o capital investido por um empreendedor que se aventurou nesta empreitada, chamaremos lucro.

Um SGSA, portanto, agrega uma importante função estratégica numa organização, quando efetivamente ajuda a aumentar a segurança sobre o retorno do investimento e evitar surpresas indesejadas, trazendo controle sobre riscos, uma vez que se problemas de segurança de alimentos ocorrerem, representarão custos de não qualidade que podem ser substanciais e que tomarão se não todo, ao menos parte dos ganhos resultantes, podendo inclusive levar seu negócio à bancarrota.

Estes custos de não qualidade estão em âmbito interno e externo, tais como apresentados na tabela 1:

Tabela 1: Custos de não qualidade internos e externos.

CUSTOS INTERNOS CUSTOS EXTERNOS
1)    Destruição de produtos contaminados;

2)    Retrabalho para correção de contaminantes a níveis aceitáveis;

3)    Refugo;

4)    Horas improdutivas;

5)    Serviços administrativos refeitos;

6)    Excesso de estoque.

1)    Reclamações e indenizações pagas a clientes business to business ou consumidores finais afetados;

2)    Reposição do lote devolvido;

3)    Descontos por falhas;

4)    Fretes por devoluções;

5)    Perda de clientes;

6)    Custos de recolhimento de produto/ recall.

Mas os custos mais significativos das falhas em segurança dos alimentos estão associados à perda de imagem, que pode destruir completamente um negócio por ferir permanentemente a imagem de uma marca que passará a ser associada aos danos eventualmente causados aos consumidores, especialmente num admirável mundo novo onde a todo tempo podemos ser expostos em redes sociais como Facebook ou Instagram, e uma imagem negativa viralizada organicamente em redes sociais é capaz de em poucas horas atingir milhares de pessoas, mais até do que campanhas de marketing perfeitamente estruturadas e que demandaram altos investimentos.

Então, por mais tecnicistas que nós profissionais que atuamos em food safety sejamos, é preciso considerar que um bom gestor nesta área precisa entender também de gestão de negócios, de como implantar, conduzir e gerenciar bem seu SGSA, que seja efetivamente capaz de garantir alimentos seguros, porém fazendo um bom uso dos recursos disponíveis, de forma a manter os negócios competitivos.

SGSA na perspectiva de um dono de empresa, de um investidor, de um empreendedor, é uma atividade que demanda custos, portanto, precisa trazer efetivamente retorno sobre o investimento, o famoso ROI ou payback, e repito, este retorno se dará pela garantia de controle sobre resultados indesejados quanto à contaminação dos alimentos, assim, na contenção de riscos à saúde de consumidores, e isto pode ser transformado em uma linguagem contábil, quantificando-se em dinheiro indicadores que meçam os custos de não qualidade exemplificados anteriormente na tabela 1.

Saímos das universidades muitas vezes sem uma suficiente visão sistêmica de como funciona a gestão de uma empresa, aliás, há cursos em algumas universidades que inclusive partem de uma linguagem que “demoniza” o empresário, o investidor, o acionista, e trata o lucro como algo “pecaminoso”. Com isso, foge uma pauta importante e óbvia, de que é o lucro que gera investimentos em pesquisa, em tecnologias, em infraestrutura e ambiente adequado para a produção em condições sanitárias, além de pagar salários e remunerações.

Não há nenhuma dicotomia entre fazer excelentes produtos e lucrar, ao contrário, quem faz excelentes produtos, seguros aos consumidores, deve lucrar ainda mais com isso, sendo remunerado pelo bom trabalho.

Tenho visto no mercado de trabalho profissionais que geralmente possuem até boas formações técnicas, mas que quando promovidos a cargos executivos de gestão, caem de paraquedas numa posição em que precisam gerenciar centros de custos e ficam perdidos, pois é preciso geri-los economicamente além de tecnicamente. Portanto, falar de custos, despesas, retorno sobre investimento deve fazer parte do metier de um bom profissional em food safety.

Quando se começa a olhar os negócios nesta óptica, a análise de riscos é fundamental, e serve para alinhar profissionais que tem excesso de preciosismo com a realidade, especialmente os que tem obsessão de fazer o “ótimo”, e que por isso, muitas vezes deixam de fazer o bom que está ao alcance da empresa, e que seria suficiente para conter perigos.

Considere que uma medida boa de contenção de perigos algumas vezes pode ser melhor que uma ótima, se esta boa permitir a segurança desejada ao produto com menos demanda de recursos.

Um bom gestor busca equilíbrio financeiro que considere os riscos associados ao produto, o que deriva de suas características intrínsecas como pH, umidade e atividade de água por exemplo, e também, das tecnologias disponíveis utilizadas nas operações unitárias envolvidas, dos recursos internos e externos que a empresa disponibiliza, mas claro, sem abrir mão da garantia efetiva de processos capazes de produzir alimentos seguros.

Sempre é bom lembrar que SGSAs para darem o devido resultado precisam ser bem implementados. Coloco desta forma por ter vivenciado ao longo da carreira casos em que empresas queriam maquiar seus processos apenas nos dias de auditoria, cabendo a expressão “maquiar a noiva” só para receber os auditores.

Sistemas de gestão de segurança de alimentos de verdade rodam com processos bem sedimentados, podem ser auditados em qualquer turno, a qualquer dia, porque estão estruturados de forma que sua rotina normal de operação seja capaz de garantir alimentos seguros. Aliás, é o que precisa ocorrer com sistemas que sejam certificados na FSSC 22000 cujas auditorias surpresas já estão em vigor.

Se um gestor de food safety, além da visão técnica demandada pela função, também tiver competências que o tornem capaz de interagir com o mundo dos negócios, e com isso traduzir para alta direção (AD) e CEOs os problemas associados ao universo da segurança de alimentos numa linguagem financeira, de custos, investimentos, prejuízos e ganhos pela contenção de perigos potenciais, ajudará muito esta AD a melhor compreender o papel estratégico dos SGSAs. Estes,  portanto, passarão a serem vistos dentro da organização com mais relevância por diretores que não são de corpos técnicos e que têm uma certa dificuldade de entendimento do tema, inclusive, facilitando conseguir os devidos investimentos demandados.

Como dica profissional, em reuniões de análises críticas, visando justamente engajar a AD nos problemas que afetam a gestão em food safety, é preciso trazer informações na linguagem dos executivos que demonstrem redução de custos de não qualidade, a redução de reprocesso, de retrabalho, de devoluções, etc, e por fim, estes valores devem ser confrontados com os gastos com os centros de custos associados diretamente com a gestão da segurança dos alimentos, permitindo que enxerguem o payback do SGSA.

Lembre que o objetivo final é produzir ALIMENTOS SEGUROS, mas isso aumenta market share, evita riscos e processos com consumidores, exposição negativa da marca, e portanto, ajuda a manutenção e crescimento do faturamento, e assim, do lucro das organizações.

Um SGSA deve ter relevância estratégica nos rumos da organização.

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PDCA como base para estruturar um SGSA

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Quando se fala em gestão, logo vem à mente o famoso ciclo PDCA, um método iterativo de gestão em 4 passos, utilizado para o controle e melhoria contínua de processos, também conhecido como o ciclo de Deming ou  ciclo de Shewhart.  O PDCA tornou-se popular com Edwads Deming que levou a ideia para o Japão e a popularizou a partir da década de 50; contudo, o próprio Deming se refere a ele como o ciclo de Shewart, um estatístico americano que, de fato, começou a valorizar tal lógica já na década de 30.

O PDCA é uma ferramenta aplicável para tudo, a qualquer modalidade de sistemas de gestão, por um motivo óbvio: ele segue uma lógica inquestionável.

Figura 1: A intrínseca lógica do PDCA.

Exemplificando ludicamente, ou nem tão ludicamente assim:

Vai casar? Então (Plan) planeje bem, escolhendo uma pessoa que tenha os mesmos valores para compartilhar a vida com você! Depois case (Do)! Uma vez que estejam casados, avaliem se tudo deu certo (Check), se estão felizes em viver juntos e o casamento prospera! Com base nas conclusões que obtiverem, tomem uma ação (Act), conversando para aparar arestas sobre pontos identificados que atrapalham o casamento, ou se está tudo bem, planejem avanços no relacionamento conjugal, uma viagem romântica, a compra de uma casa, ter filhos, enfim, sempre buscando um novo patamar no relacionamento. Isso é o PDCA! Uma amante seria considerada uma não conformidade!

Com total segurança então, podemos dizer que o PDCA serve para tudo, portanto, é claro que servirá também como uma base lógica para estruturação e implantação de SGSA – Sistema de Gestão em Segurança dos Alimentos, independentemente da Norma de gestão que uma organização venha a optar, pois em todas o PDCA se fará presente, como na figura 2:

Figura 2: PDCA aplicado a um SGSA.

PLANEJAMENTO (PLAN)

O planejamento de uma forma geral deve ser a etapa em que se gasta mais tempo e atenção para estruturar, uma vez que quando bem feito, evitará revisões em demasia, sem contar que se mal feito, pode gerar falhas em segurança dos alimentos, aumentando a probabilidade de riscos, ou na pior das hipóteses, permitindo até mesmo que os perigos potenciais tornem-se reais, ultrapassando as barreiras de controle e chegando aos consumidores.

No planejamento, partimos do contexto da organização, seus produtos, os riscos de segurança alimentar associados com toda a cadeia produtiva, além das expectativas de necessidade dos stakeholders, levando em conta especialmente o público consumidor que pode ser afetado em termos de segurança dos alimentos.

No planejamento estruturamos as diretrizes de um SGSA, políticas que direcionem ações, assim como seu desdobramento em objetivos e metas em todos os níveis que podem afetar o desempenho e a eficácia do sistema de gestão em segurança dos alimentos, e junto a isso, também definimos e planejamos as responsabilidades, autoridades e necessidades de competência de todos aqueles que atuam direta ou indiretamente no SGSA.

Planejamos também toda a base do sistema de gestão, que chamaremos aqui de “pré-requisitos”, que podem ser variáveis de acordo com as características de cada organização, e isso deve incluir de uma forma geral, mas não se limitando a: BPF – Boas Prática de Fabricação quanto a questões operacionais e estruturais, levando em consideração construções sanitárias e leiaute que favoreçam controle de contaminação cruzada; MIP – Manejo Integrado de Pragas, especialmente focado naquelas que podem agir como vetores de contaminação; sistemáticas para controle de vidros e plásticos rígidos; plano de controle de alergênicos; procedimentos operacionais de limpeza e higienização; procedimentos de manejo de resíduos para prevenir a contaminação cruzada; cuidados com a saúde e a higiene dos manipuladores de alimentos e calibração de instrumentos utilizados para garantir resultados válidos dos processos ou para demonstrar resultados relacionados a PCCs.

Sofisticando um pouco mais, numa expressão mais abrangente e robusta de um SGSA, planejam-se também sistemáticas anti-fraude/ Food Fraud; planos de manutenção preventiva/ preditiva/ corretiva para evitar contaminações provenientes de máquinas e equipamentos;  planejamento de controle de ameaças/ Food Defense; planejamento de controle ambiental com indicadores de acordo uma com divisão de áreas em sujas, limpas e intermediárias. Planeja-se também o controle de perigos provenientes do uso de utilidades como ar comprimido, vapor e água; e também se faz um planejamento de controle de materiais que entram em contato direto com os produtos, a fim de evitar contaminações provenientes de migração ou contato com produtos tóxicos; etc.

Também é no “P” do PDCA, por sua própria natureza, que está a elaboração de Planos de HACCP: identificação de perigos químicos, físicos e biológicos nas matérias-primas, insumos, embalagens e etapas de processo, incluindo reprocessos; determinação de medidas de controle, muitas destas determinadas a partir das sistemáticas que chamamos de pré-requisitos; determinação de quais das medidas de controle efetivamente devam ser definidas como PCCs – Pontos Críticos de Controle. Então, para cada um destes PCCs devemos fazer um planejamento de limites de controle a serem rigorosamente obedecidos, os quais devem ser devidamente validados, e em alguns casos também devemos determinar limites de segurança.  Feito isso, deve ser então planejado como cada um dos PCCs devem ser monitorados ao longo do processo para garantir sua eficácia, e depois, estruturar ações de correção que devem ser executadas a tempo para trazer os processos de volta aos limites de controle caso sejam extrapolados, assim como planejar o que deverá ser feito com os produtos sob risco.

Um bom planejamento requer conhecimentos multidisciplinares e multissetoriais. Por isso, é uma boa prática que se recorra a uma equipe de segurança de alimentos, ou time food safety, como preferir chamar.

Tais equipes devem ser compostas por profissionais de diversas áreas e com diferentes competências e formações, justamente para permitir uma melhor, mais completa e abrangente visão destinada a análise de riscos.

EXECUÇÃO (DO)

A execução, o “D” do PDCA, parte da premissa de termos equipes devidamente competentes, portanto, treinadas, experientes e conscientizadas para seguir rigorosamente tudo aquilo que foi planejado, assunto no qual o tema “cultura food safety” vem se mostrando essencial.

Seguir os procedimentos, padrões e sistemáticas que foram desenhadas devidamente durante o planejamento é fundamental, e caso durante a execução se perceba que o planejamento não foi feito da melhor forma, podendo haver ainda riscos que não foram previamente identificados, volta-se “para a prancheta” e se ajusta o planejamento onde for preciso.

Na execução, as ações são voltadas para o atingimento de objetivos e metas da segurança de alimentos, o que significa, acima de tudo, garantir a produção de alimentos inócuos à saúde de consumidores, portanto, livres de qualquer tipo de potenciais contaminantes, sejam os físicos, químicos ou biológicos.

No verbo fazer (to Do) vale a máxima “fazer bem feito para fazer uma vez só”, ou seja, a execução do planejamento deve ser minuciosa, a fim de evitar erros que gerem falhas, desvios em PCCs, geração de reprocessos, ou pior, riscos de geração de produtos inseguros ao consumidor.

VERIFICAÇÃO (CHECK)

A verificação, ou seja, o “C” do PDCA aplicado a um SGSA, passa por três perspectivas:

  1. operacional;
  2. de gestão; e
  3. estratégica.

Na perspectiva operacional, cabe verificar (ou num anglicismo, checar) se tudo o que foi planejado vem sendo realizado devidamente.

Aqui se faz o monitoramento dos PCCs que por natureza são um “check”, mas também, uma verificação destes monitoramentos, ou seja, avalia-se se o monitoramento que foi planejado está sendo executado de forma apropriada. Também se avaliam se todas as ações de controle de perigos, mesmos aqueles que não são efetivamente PCCs, ocorrem da forma devida, por exemplo, relacionadas a todos os programas que chamamos de pré-requisitos.

Verificamos ainda se as equipes são competentes, ou seja, a eficácia dos treinamentos, e se estão conscientizadas, isto é, se sabem não só o que tem que ser feito, mas o devido “porquê” de fazer uma determinada rotina de uma determinada forma, além das consequências das falhas operacionais individuais e suas implicações para a segurança dos alimentos.

Isto deve abranger a todos, mas com uma atenção especial para aqueles cujo trabalho possa efetivamente representar riscos, ou que executem controle sobre tais riscos, onde falhas permitiriam que os perigos chegassem aos consumidores, o que conceitualmente representam operações e atividades associadas com PCCs.

Em âmbito de gestão, recorremos a auditorias internas para fazermos uma verificação, e assim, avaliar se o SGSA está devidamente implementado, se é pertinente, completo e está sendo operacionalizado de forma eficaz, e mais que tudo, se o SGSA é efetivamente capaz de garantir a produção de alimentos seguros.

Para isso, se requer que ocorram auditorias regulares em intervalos previamente planejados, realizados por pessoas competentes, éticas e isentas.

Quanto à gestão, também verificamos como estão sendo atendidos os objetivos e metas da segurança dos alimentos, e quando não estão sendo atingidos, o que a organização vem fazendo a respeito disto, se a reação é de resignação e apatia, o que seria indevido, ou se há uma movimentação em prol de corrigir erros, rotas, processos, para trazer os resultados de volta para dentro de suas metas o mais rapidamente possível.

Já em termos estratégicos, a verificação deve ocorrer via análises críticas, um momento no qual a alta direção, ou seja, aqueles que numa organização ocupam as cadeiras de maior poder de decisão param para avalia o SGSA.

Aqui olha-se tudo, considerando uma perspectiva que deve partir do contexto da organização quanto às questões associadas à food safety e aos interesses dos diversos stakeholders.

Para que nesta verificação estratégica se tenha uma visão ampla, avaliam-se dados desde um apanhado em termos de questões operacionais a outros relacionados com questões estratégicas, do micro ao macro.

Estrategicamente, avalia-se a situação de ações provenientes de análises críticas anteriores, mudanças em questões externas e internas que sejam pertinentes para o SGSA, incluindo mudanças na organização e seu contexto, informações sobre o desempenho e a eficácia do SGSA, suficiência de recursos, qualquer situação de emergência, incidente ou recolhimento/ recall que tenha ocorrido, informações relevantes obtidas através de comunicação interna ou externa, incluindo solicitações e reclamações de partes interessadas e oportunidades para melhoria.

AÇÃO (ACT)

Para qualquer sistema de gestão, ou indo além, para o propósito de qualquer organização, a estagnação pode ser fatal, ficar parado e estagnar significa ir ficando para trás.

Por isso, é preciso avançar, é preciso agir usando o “A” do PDCA, e seguir em direção à melhoria, ou o que os japoneses chamam de kaisen, uma palavra que literalmente significa mudar para melhor.

Portanto, uma organização deve melhorar continuamente sua adequação, suficiência e eficácia em relação ao seu SGSA, seja através dos inputs de comunicação provenientes dos diversos stakeholders (internos e externos), incluindo reclamações, seja a partir das saídas das análises críticas da alta direção, das auditorias internas ou de clientes, da inspeções de órgãos reguladores, da análise dos resultados das atividades de verificação, da validação das medidas de controle ou das combinações de medidas de controle e das ações corretivas e atualização do SGSA.

O SGSA deve ser continuamente atualizado. Para isso, a equipe de segurança dos alimentos deve rever o SGSA em intervalos planejados, considerando quando é necessário uma revisão da análise de perigos, dos próprios planos de análise de perigos e pontos críticos de controle (HACCP) ou dos pré-requisitos estabelecidos ou seus elementos.

Acima de tudo, nunca se deve recuar. Uma vez alcançado um patamar mais elevado de operação – o que em um SGSA significa uma menor probabilidade de riscos – padronizam-se as operações para que este patamar seja mantido.

Figura 3: Contenção de recuos nos avanços obtidos com o PDCA.

O PDCA segue uma lógica óbvia, digamos então que nem é o ciclo de Deming e nem de Shewhart, pois muito antes destes, atividades humanas de sucesso já partiam e se utilizavam da lógica de que se deve primeiramente planejar uma ação, depois realizar conforme o planejado, então verificar se deu certo, e por fim, agir para corrigir falhas ou para avançar via um novo planejamento para alcançar patamares mais elevados.

Portanto, adote o PDCA como uma ferramenta rotineira em suas atividades de trabalho e até na vida. Certamente isso vai ajudá-lo a obter sucesso.

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Gestão de Emergências Globais em Segurança dos Alimentos – 1ª Conferência Internacional de Segurança de Alimentos da FAO/ OMS/ AU [6/6]

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Sistemas internacionais para atendimento e resposta a emergências em segurança dos alimentos são fundamentais para garantir uma ação coordenada para combater surtos de doenças transmitidas por alimentos no mundo todo, e a FAO, juntamente com a OMS, lideram as redes mundiais de informação e prevenção, envolvendo autoridades nacionais e especialistas para prevenir, se preparar preventivamente e responder a emergências de uma forma rápida e ordenada.

O papel desempenhado pela FAO é o de cooperar com os países para que construam seus sistemas de prevenção e gestão de emergências em segurança dos alimentos, buscando fortalecer a resiliência às crises na cadeia alimentar.

Justamente para fomentar este propósito e facilitar um rápido intercâmbio de informações durante eventos emergenciais relacionados à segurança dos alimentos, a FAO e a OMS coordenam a Rede Internacional de Autoridades em Segurança dos Alimentos/ International Food Safety Authorities Network (INFOSAN).

Figura 1: INFOSAN ajudando a fomentar ações em segurança dos alimentos.

A INFOSAN já existe há 15 anos, e vem facilitando a comunicação entre os países membros da rede. Com isso, já auxiliou na tratativa de centenas de emergências em segurança dos alimentos.

Em todos estes casos a INFOSAN tem demonstrado ser uma rede de informações prática e confiável, ajudando efetivamente a mitigar e reduzir os impactos de crises associadas a alimentos, permitindo que os gestores de risco locais evitem doenças transmitidas por alimentos (DVA) e salvem vidas, realizando recalls de produtos e alertas ao consumidor em escalas entre fronteiras.

Para conhecer um pouco mais do papel da INFOSAN, há o artigo “Conheça a INFOSAN – Rede das Autoridades Internacionais em Segurança de Alimentos” que foi publicado aqui no blog em 24 de março de 2014.

Diversos eventos recentes destacam o importante papel que a INFOSAN desempenha. Como exemplos, dois desses eventos começaram em 2017 e continuaram em 2018:

SALMONELOSE NA FRANÇA

  • Surto de salmonelose ligado a formulações infantis produzidas na França e exportadas para mais de 80 países. Se quiser conhecer um pouco mais deste caso, leia aqui.

LISTERIOSE NA ÁFRICA DO SUL

  1. Surto de listeriose ligado a produtos de carne prontos para consumo produzidos na África do Sul e exportados para 15 países. Se quiser conhecer um pouco mais deste caso, leia aqui.

Durante esses eventos, os responsáveis pelos Contatos de Emergência nos países de origem do problema forneceram informações importantes à Secretaria da INFOSAN, sendo a principal e mais imediata, quais eram os países de destino dos produtos contaminados. A INFOSAN notificou os Contatos de Emergência nos países importadores (destinos), fornecendo detalhes dos produtos afetados e informações para auxiliar na rastreabilidade e interromper a distribuição.

A INFOSAN conta com a participação proativa de membros em todo o mundo para implementar medidas apropriadas de gestão de riscos, conectando atualmente cerca de 600 membros em 188 estados de diversos países, e este número vem crescendo ano a ano.

Este compromisso com uma participação ativa na rede INFOSAN é uma importante forma das agências governamentais nacionais demonstrarem sua dedicação para melhorar a segurança dos alimentos num contexto global.

IMPORTÂNCIA DA PREVENÇÃO DE SURTOS ALIMENTARES

A efetiva prevenção de surtos de doenças veiculadas por alimentos requer uma mudança na concepção de ações de “reação e resposta” para “previsão e prevenção”, indo de uma lógica reativa para uma preventiva e proativa.

Isto requer abordagens sistêmicas e estruturadas com uso de inteligência para coletar e analisar informações e dados para a identificação precoce de questões emergentes. Para isso, a FAO trabalha com diferentes parceiros e países membros para desenvolver essa inteligência e visão para subsidiar as amplas decisões da cadeia de alimentos e fornecer orientação sobre as principais questões emergentes.

Em realidade, é difícil estimar o ônus das doenças transmitidas por alimentos, uma vez que apenas uma pequena fração é reconhecida pelas autoridades competentes. O objetivo final das autoridades em segurança dos alimentos e saúde pública é prevenir esses surtos. Os sistemas de vigilância permitem que as autoridades compreendam melhor os principais riscos de segurança dos alimentos e voltem a concentrar esforços de prevenção.

Justamente por permitir uma detecção precoce de eventos adversos em segurança dos alimentos e respostas imediata e eficazes, a FAO colabora com a OMS em diversas atividades voltadas para a prevenção e gestão de emergências nesta área, lembrando que decisões rápidas e assertivas podem salvar vidas e economizar milhões aos cofres públicos.

Figura 2: Ação conjunta FAO e OMS.

 

AUMENTANDO A CONSCIENTIZAÇÃO DOS CONSUMIDORES

Os surtos de doenças transmitidas por alimentos e os recalls podem ter consequências e impactos de longo alcance sobre a confiança do consumidor na segurança do suprimento de alimentos.

A prevenção ou as ações de resposta a emergências exigem uma eficiente comunicação sobre riscos associados a alimentos entre todas as partes interessadas (stakeholders) na cadeia agroalimentar, começando pelos gestores de risco ou comitês de gestão de crises das empresas que devem tomar a decisão de alertar sobre emergências identificadas em seus processos, e consequentemente, em seus produtos: os demais elos da cadeia produtiva e de distribuição; os órgãos governamentais de apoio em cada país para estas questões, como a ANVISA e o MAPA no Brasil; e claro, os próprios consumidores.

Sobre este tema em âmbito interno das organizações, que são onde deveria ocorrer o start de um processo de resposta a emergências, justamente por ser onde um potencial risco de segurança dos alimentos deveria ser primeiramente identificado, o blog publicou em 20 de junho de 2018 o artigo “Emergências, gestão de crises e recall” para quem deseja se aprofundar e obter dicas sobre como lidar com preparação e resposta a emergências em food safety.

Essa troca de informações e opiniões entre todos os envolvidos é fundamental para restaurar a confiança e proteger a qualidade de vida das pessoas.

Por exemplo: o Mali é um país que buscou melhorar sua abordagem de tomada de decisões em relação à segurança dos alimentos adotando uma estrutura de análise de risco. Já tendo acesso a dados relevantes de análise e consumo de alimentos, as autoridades do país procuraram o conselho da FAO sobre como usar os dados para orientar as escolhas estratégicas e as atividades cotidianas de controle de alimentos e prevenção de riscos, e com isso, em 2014, o Mali e a FAO lançaram um programa com duração de 2 anos visando desenvolvimento e capacitação para uma ampla gama de atores envolvidos com a questão da segurança dos alimentos daquele país.

Autoridades competentes, começando pelos órgãos nacionais que tratam da segurança dos alimentos e seus laboratórios de apoio, atores do setor privado, incluindo produtores primários, representantes de consumidores, instituições de pesquisa, universidades e representantes da sociedade civil foram treinados sobre como usar seus dados nacionais para priorizar riscos e otimizar a gestão desses riscos.

Como resultado, o Mali agora é capaz de construir programas de monitoramento e controle de alimentos nacionais e importados com base em um entendimento amplo e prático da análise de risco.

O PAPEL DO BRASIL

Aqui no Brasil somos líderes em muitos setores da produção agroindustrial, temos a agroindústria e a pecuária como pontos fortes de nossa economia, respondendo por 23 – 24% de nosso PIB, e de fato contribuímos com a alimentação global através das exportações brasileiras ao mundo.

Por isso, ações preventivas efetivas e eficientes no campo da segurança dos alimentos são fundamentais, seja para proteger a saúde dos consumidores, o que é prioritário, seja para proteger a economia brasileira, uma vez que surtos alimentícios geram falta de confiança dos mercados consumidores, e na prática isso reflete em recuo de países compradores, portanto, rompimento de contratos.

Figura 3: Posição do Brasil no fornecimento mundial de alimentos. 

Nosso papel neste cenário não pode ser de um mero coadjuvante, mas um dos atores principais, justamente pela importância que o Brasil desempenha no cenário global quanto ao fornecimento de alimentos ao mundo.

 

Fonte:

  • The Future of Food Safety – First FAO/ WHO/ AU International Conference Food Safety – Food Safety in Emergencies, pag 20 – 23 – Addis, 12 – 13 February.

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Os carecas precisam usar touca para manipular alimentos?

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Na indústria alimentícia, pessoas que atuam nas áreas de produção/manipulação de alimentos devem, como condição obrigatória de BPF, usar uma touca para cobrir integralmente os seus cabelos.

Isto tem o propósito de evitar que fios de cabelo caiam nos alimentos que estão sendo produzidos, o que por si só, já seria muito desagradável ao consumidor que encontrasse o fio perdido, e mais que isso, cabelos potencialmente podem carrear diversos tipos de contaminantes microbiológicos.

Quem já colocou um fio de cabelo numa placa de Petri com meio de cultivo para ver o que iria acontecer descobriu que existe uma verdadeira biota vivendo em nossos cabelos, só esperando a oportunidade certa de achar um ambiente em condições apropriadas para crescer. No artigo “Avaliação de risco de touca não descartável para manipuladores de alimentos“, publicado aqui no blog em julho de 2018, Everton Santos aborda os riscos associados ao uso de toucas descartáveis e não descartáveis, mas o uso de touca propriamente é tido como uma conditio sine qua non para atender Boas Práticas de Fabricação.

Pois bem, e se a pessoa é careca? Precisa usar touca?

Antes de tudo, vamos ao nome correto, pois careca é só o apelido para a “alopecia”, que se caracteriza pela perda de cabelo em áreas em que normalmente ele deveria crescer. É um problema que acomete tanto homens quanto mulheres, apesar de no sexo masculino ser mais comum, e pode ser causado por fatores genéticos, processos inflamatórios locais ou doenças sistêmicas.

Primeiramente, existem vários níveis de alopecia, na maioria delas há ainda fios de cabelo em algumas partes do couro cabeludo. Portanto, enquanto houver cabelo, haverá necessidade do uso da touca e ponto final!

 

Figura 1: Diferentes níveis de alopecia.

 

Mas e se o sujeito realmente não tem nenhum fiozinho de cabelo? Precisa mesmo usar touca?

A perda total de cabelo pode ocorrer devido a um tipo especial de alopecia, chamada “alopecia areata”, que é uma doença que causa queda de cabelos e pelos, cuja causa não é bem conhecida. Provavelmente, pelo que já se conhece, pode ter origem autoimune, ou seja, quando o sistema imunológico do indivíduo ataca células normais do corpo.

A alopecia areata pode ser desencadeada e agravada por diversos fatores, como estresse emocional, infecções, gravidez, e é mais comum que ocorra no couro cabeludo, mas pode ocorrer também na barba, sobrancelhas, cílios e pelos do corpo todo.

Em termos estritos quanto à questão food safety, é evidente que um indivíduo sem nenhum cabelo ou pelo por ter alopecia areata total, não tem nenhuma probabilidade de que algum cabelo ou pelo caia num alimento sendo produzido. Então, à luz da ciência e da lógica, tais indivíduos poderiam sim ser dispensados do uso da touca.

Mas o que podemos encontrar na legislação sobre este tema?

Na Resolução RDC Nº 275, de outubro de 2002 que dispõe sobre o Regulamento Técnico de POPs aplicados aos estabelecimentos Produtores/Industrializadores de Alimentos, o anexo II, que é um check-list das BPF, no item 3.1.3 que pertence ao “Vestuário de Manipuladores” diz que é preciso: “Asseio pessoal: boa apresentação, asseio corporal, mãos limpas, unhas curtas, sem esmalte, sem adornos (anéis, pulseiras, brincos, etc); manipuladores barbeados, com os cabelos protegidos”.

  • Ou seja, segundo a RDC N° 275, a touca é uma forma de proteção para proteger os alimentos da queda de cabelos dos manipuladores. 

Na Portaria SVS/ MS N° 326, de julho de 1997, que tem como objetivo estabelecer os requisitos gerais (essenciais) de higiene e de BPF para alimentos produzidos/ fabricados para consumo humano, no item 7.6 sobre Higiene Pessoal, encontramos: “Toda pessoa que trabalhe em uma área de manipulação de alimentos deve manter uma higiene esmerada e deve usar roupa protetora, sapatos adequados, touca protetora; …”.

  • Ou seja, para a SVS/ MS N° 326, a touca também tem um papel de proteção dos alimentos.

Já a Portaria CVS 5 aplicada ao Estado de São Paulo, de abril de 2013, que aprova o Regulamento Técnico sobre Boas Práticas para estabelecimentos comerciais de alimentos para serviços de alimentação e o roteiro de inspeção, na seção II sobre Higiene e segurança dos funcionários, no Art. 11 diz: “Uniformes: bem conservados e limpos, com troca diária e utilização somente nas dependências internas da empresa; cabelos presos e totalmente protegidos; …”.

  • Na CVS 5 também fica explícito que os cabelos têm que estar presos e totalmente protegidos, justamente para evitar sua queda nos alimentos. 

Na interpretação deste autor sobre a perspectiva legal apresentada, também temos a lógica do uso da touca com a finalidade de proteger os alimentos da queda de cabelos, portanto, se não há cabelos a cair, ela se torna desnecessária.

Contudo, é apenas a minha mera interpretação, e por isso, fiz uma consulta ao atendimento público da Anvisa, mas não tive uma resposta muito objetiva que elucidasse definitivamente o caso sobre se “carecas totais devido à alopecia areata” precisam mesmo usar touca. Em resposta a minha consulta, sugeriram o contato com a Vigilância Sanitária local para relatar o caso e dirimir dúvidas, o que dá margem para cada estado e município ter sua própria interpretação.

Mas não precisar usar não quer dizer que não se possa e não se deva usar!

Por outro lado, olhando por uma perspectiva mais sistêmica, sugiro que todos, inclusive os carecas, usem a touca sim, uma vez que seu uso coletivo por todos os empregados, sem exceção, ajudará a desenvolver o espírito de time, para que todos se sintam ativos e integrados numa equipe de segurança dos alimentos.

Portanto, nesta abordagem, a touca tem um papel que vai além daquele de evitar que o cabelo caia nos alimentos, mas representa também o “espírito de integrar” um time, o que contribui para sedimentar e fortalecer a cultura de food safety. Além disso, evita que o próprio indivíduo portador de alopecia sinta-se “diferente” ou excluído.

Como autor do texto, e tendo alopecia, no meu caso hereditária, mesmo quando raspo os fiozinhos heróis da resistência que ainda tenho com uma navalha, uso a touca, apesar disto esconder o charme da minha careca.

Faço isso especialmente para dar o exemplo, afinal, se até um careca está usando touca em prol da segurança dos alimentos, não tem porque todos os outros não usarem também, não é mesmo?

Mas e você, leitor, acha que os carecas devem ou não usar touca em áreas de manipulação/ produção de alimentos?

4 min leituraNa indústria alimentícia, pessoas que atuam nas áreas de produção/manipulação de alimentos devem, como condição obrigatória de BPF, usar uma touca para cobrir integralmente os seus cabelos. Isto tem o […]

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Dicas para que auditado e auditor se comportem como damas ou cavalheiros

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Alguns consideram as auditorias como sendo os pontos altos das rotinas de ações que envolvem Sistemas de Gestão em Food Safety, por serem, ao menos de certa forma, a hora da verdade por assim dizer, uma vez que é quando um olhar externo põe à prova como está sendo efetivamente conduzido o SGSA, seja no cumprimento de uma determinada norma (adequação), seja na efetiva realização das ações planejadas para seu devido cumprimento (implementação).

Este artigo é a opinião do autor, que já esteve na posição de auditado em auditorias de 1ª, 2ª e 3ª parte, e também, na posição de auditor em auditorias de 1ª e 2ª parte. E de ambos os lados, há regras de comportamento que tornam a atividade de auditoria mais eficaz, ou melhor dizendo, sem dor.

Previamente, vamos esclarecer os termos a quem não está familiarizado:

  1. as auditorias de 1ª parte são as internas: trata-se da empresa auditando ela mesma com seus auditores internos, que podem também ocorrer na modalidade de 1ª parte independente, ou seja, com uso de especialistas externos para reforçar o “olhar de fora” e agregar valor ao processo;
  2. as auditorias de 2ª parte são as realizadas pelos clientes, que podem ter suas próprias equipes de auditores ou subcontratar terceiros em seu nome;
  3. já as auditorias de 3ª parte são aquelas nas quais se busca uma certificação, ou seja, quando um organismo certificador avalia se uma determinada organização deve ou não ser recomendada para uma certificação.

Para começar o assunto, não há nada pior que auditores desorganizados, então, quando for auditar uma empresa, prepare-se, estude sobre o segmento, sobre particularidades e características do que produzem, especialmente sobre riscos associados, e com isso, faça um bom cronograma de planejamento, dedicando mais tempo para as áreas que estão associadas à necessidade de maior atenção. Se não tem ainda toda a norma “decorada”, tudo bem, monte sua “cola” com base no planejamento, indicando quais requisitos estão mais associados a cada tipo de processo em cada área, portanto, o que deve focar.

Por outro lado, não há nada pior que auditado “sabichão” que quer levar uma auditoria na malandragem, direcionando rotas, escondendo evidências, enrolando para ganhar tempo no transcorrer da auditoria. Isso passa uma péssima impressão. O bom auditado é cooperativo, entende que a auditoria está ali para validar seu trabalho, e se ele fez o “dever de casa” na implantação e manutenção do SGSA, tudo deve transcorrer como um passeio, não é?

Uma auditoria não deve ser um processo tenso, o auditor e o auditado não são inimigos, ao menos não deveriam ser!

Excesso de orgulho ou prepotência de ambos os lados podem ser fatais, por isso, ambos devem pré-acordar a condução da auditoria em sua abertura , quando se expõe todas as regras que serão utilizadas na auditoria, incluindo escopo, critérios de definição de não conformidades, como será a condução, o que se pretende observar, o que se espera dos auditados, e sempre com cordialidade. Comece bem o “relacionamento” neste momento.

Auditores de comportamento muito “feroz” acabam fazendo uma má auditoria, porque isso faz os auditados se fecharem, e não serem participativos e cooperarem.

Um auditor precisa passar confiança, deixar claro que não está auditando pessoas, mas processos; que não está “caçando” não conformidades, mas coletando e avaliando evidências que demonstrem como está o sistema de gestão de uma organização, e no meio disto tudo, pode ocorrer sim de serem detectadas não conformidades, mas que elas são algo positivo, pois em uma última análise configuram oportunidades de melhoria.

Bons auditores passam confiança, mostram-se íntegros, e buscam analisar a eficácia de sistemas de gestão. Com isso, os auditados se desarmam, tornam-se mais receptivos.

Já os bons auditados não ficam na defensiva, mostram-se abertos e buscam cooperar com o auditor na coleta amostral de evidências. Com isso, os auditores podem fazer um trabalho mais completo e eficaz, que ao final, ajuda a organização a detectar potenciais pontos falhos. E ao tratá-los, roda-se o PDCA e se eleva o patamar de condução dos processos de forma a garantir uma produção mais segura.

Acima de tudo, quando se trata de auditorias internas, é preciso cuidar para que não se torne uma ferramenta de “disputas de interesse” entre áreas e departamentos, o que pode ocorrer em empresas com pouca maturidade, especialmente por parte de gestores que estimulem este tipo de comportamento.

Cuide também, especialmente em empresas familiares, para que os auditores internos tenham total autonomia para fazer suas atividades, tanto quanto os auditores externos. Neste caso, uma sugestão é preparar bem as pessoas do alto escalão hierárquico para receber os auditores internos, explicando do que se trata a atividade de auditoria, a fim de receberem os auditores de portas e “corações” abertos. Nestes níveis se avalia contexto, análise crítica, gestão de recursos, engajamento da alta direção.

Auditoria interna é tão séria quanto uma de 3ªparte, inclusive, o seu potencial de assertividade na detecção de não conformidades costuma ser muito maior. Portanto, também é maior o potencial de alavancar ações de melhorias decorrentes.

Auditorias internas podem e devem ser bem usadas como catalisadores!

Novamente, é preciso sempre se lembrar de que auditorias devem ser um processo “tranquilo” e não “tenso”, e uma vez detectada uma não conformidade, ela deve ser explicada com total serenidade, argumentando com base nas normas de referência que estiverem sendo utilizadas e nas evidências coletadas.

Outra dica interessante: ao longo das auditorias muitas vezes coletam-se nomes, por exemplo, para checar se indivíduos que exercem determinadas funções possuem os devidos treinamentos que um determinado processo requer em termos de competências. Contudo, busque não anotar nomes como evidências de não conformidades, mas os cargos/ funções, ou em empresas com pouca maturidade, a interpretação deixa de ser uma questão de processo a ser resolvida, ganhando uma conotação pessoal por associar-se à pessoa cujo nome foi registrado.

Auditores precisam ser objetivos, jamais prolixos, e devem basear-se em fatos e dados e nunca em “achismos”, pois o auditor não deve achar nada, achar é uma inferência.

O auditor deve se basear em normas de referência, normas e regras da própria organização e em requisitos legais e estatutários e então, constatar se os processos estão de acordo com os mesmos ou não. Um auditor jamais emite não conformidade porque ele acha, mas porque tem reais evidências do descumprimento de requisitos.

Ao detectar uma não conformidade, deve-se relatar na hora ao auditado, justamente para evitar surpresas no fechamento de uma auditoria, pois isto cria muito mal-estar, além de não possibilitar ao auditado contestar e mostrar mais evidências, caso ele julgue que não é realmente uma situação não conforme, ou, após serem expostos os fatos, se convença de que realmente é.

Não conformidades devem ser relatadas com tom de descumprimento de requisitos normativos, regras da própria organização ou questões legais, nunca com tom de acusação aos culpados!

Uma conformidade e uma não conformidade devem ser relatadas e explicadas no mesmo tom!

Cuidado para não ser um auditor muito teatral, que até muda o tom da voz ao relatar pontos detectados como não conformes, e pior ainda, lembre que nunca se “comemora” a detecção de uma não conformidade, a auditoria não é uma disputa ou um campo de batalha, onde o auditor ganha pontos abrindo não conformidades e o auditado escondendo-as.

Jamais, em hipóteses alguma, discuta com auditado, se você tem fatos e dados que evidenciam uma não conformidade e o auditado não as aceita, com tranquilidade total, explique que ele poderá levar seus argumentos a uma equipe de revisores posteriormente. Porém, se o auditado tem razão e pode convencê-lo de que um fato levantado como não conforme é conforme, não há problema algum em voltar atrás e reconsiderar, o que manda são os argumentos, fatos e dados. Cuidado aqui com o orgulho, ninguém deve querer ser o dono da verdade por opiniões próprias, mas sempre com base nas evidências.

Por outro lado, o auditado que se depara com auditores que agem de forma inadequada também deve evitar discussões, tente orientar e mostrar seu ponto de vista ao auditor, mas se o problema persistir, depois há a chance de relatar o ocorrido a um comitê interno de auditores quando for uma auditoria interna; ao cliente quando for uma auditoria de 2ª parte; ou a um organismo certificador se for uma auditoria de 3ª parte.

Tente realizar as auditorias nos horários normais de cada empregado, não os force a ficarem depois do horário pelo seu mau planejamento da auditoria. Isso além de gerar custos de hora extra e atrapalhar as rotinas das pessoas, também faz com que as auditorias transcorram nos horários em que as rotinas do auditado não estão em seu “habitat” normal, atrapalhando observar o contexto como ocorre de fato no dia-a-dia.

Aproveitando, lembre-se de agendar auditorias em horas e turnos variados, para que sua amostragem seja a mais realista possível.

Somos humanos com qualidade e defeitos, mas o auditor precisa ser um gentleman, por isso jamais seja irônico ou prepotente e evite piadas com evidências de não conformidades, isso pode ser muito mal visto e gerar situações de crise e desconforto.

Evite também as chamadas “caras-e-bocas”, ou seja, fazer caretas de descontentamento explicita quando recebe, por exemplo, uma evidência solicitada que lhe pareça suspeita. Neste caso, com tranquilidade, solicite mais evidências até que suas dúvidas sejam sanadas.

Importantíssimo: seja pontual, gentil, cortês, profissional e impessoal, e lembre-se, não basta ser honesto, o auditor deve parecer honesto!

Por fim, como auditor faça da auditoria algo agradável, e isso não tem nada a ver com não lavrar as não conformidades que forem necessárias, mas sim sobre como fazê-lo com gentileza, ou quem sabe, até sorrindo e com simpatia, mostrando que um ponto de melhoria foi detectado.

Um auditor que faz um bom trabalho tem uma grande vantagem profissional, passa a conhecer áreas, diferentes processos e empresas, assim como desenvolver uma boa visão sistêmica de negócios, e enquanto audita, também aproxima e constrói relacionamentos, e isso pode catalisar carreiras por permitir entender sistemicamente segmentos industriais, e assim detectar com uma maior facilidade pontos de melhoria a serem propostos que agreguem valor para as organizações. Um mau auditor, ao contrário, passa a ser evitado.

Ser um bom ou mau auditor não tem nada a ver com abrir ou não as não conformidades detectadas, mas com a forma como se conduz uma auditoria, como se colhem evidências, como se demonstram fatos e se relaciona ao longo de todo este processo.

Uma auditoria não requer dos auditores apenas habilidades técnicas e conhecimento de normas, um excelente técnico pode ser um péssimo auditor.

Um auditor precisa sim ter ótimos conhecimentos técnicos, mas deve somar a isso competências associadas a relacionamento interpessoal e inteligência emocional. 

Quer contribuir com este artigo, tem uma boa história de auditoria, como auditor ou auditado? Então conte-nos aí nos comentários, lembrando sempre de contar o milagre, mas sem citar o nome do santo!

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O potencial da Indústria 4.0 favorecendo a segurança dos alimentos

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Uma revolução chamada Indústria 4.0 será um grande marco de transformação.

O segmento de alimentos e bebidas vem passando por uma grande transformação nas últimas duas décadas. As populações migraram fortemente do campo para as cidades e nas cidades adquiriram novos hábitos e formas de viver e de se alimentar. Em busca de praticidade e buscando rapidez, elas vem substituindo os alimentos in natura pelos processados.

Contudo, apesar destas mudanças, as populações não querem abrir mão da qualidade, de sabor e de saudabilidade, e atualmente 85% dos alimentos consumidos no Brasil já passam por algum processamento industrial, contra 70% em 1990 e apenas 56% em 1980.

Este cenário aumenta ainda mais a responsabilidade da indústria quanto ao tema food safety, pois passa por ela a saúde de milhões de pessoas em todo o mundo.

Este público consumidor está vivendo uma era de transformações gigantescas, alavancadas pela tecnologia. Só para exemplificar, hoje 2/3 do mundo já está conectado por smartphones e a perspectiva é de que até 2020 esse número aumente para 75%! Estes smartphones interagem todo o tempo com o mercado, dando informações de hábitos de consumo, tanto em termos quantitativos quando qualitativos.

É o futuro que chegou, um mundo novo em que a tecnologia vem se tornando cada vez mais acessível, e neste sentido, uma revolução chamada Indústria 4.0 será um grande marco de transformação, pois a tecnologia fluente poderá ajudar imensamente a todos os segmentos industriais, e claro, na produção segura de alimentos e bebidas, contribuindo para o tema food safety.

Trata-se da 4ª revolução industrial porque a terceira aconteceu em meados do século 20, com a chegada da eletrônica, da tecnologia da informação e das telecomunicações; a segunda ocorreu por volta de 1850 e trouxe a eletricidade que permitiu a manufatura em massa; já a primeira e normalmente mais lembrada, marcou a passagem da produção manual à mecanizada, entre 1760 e 1830, especialmente pelo uso da máquina a vapor e depois dos derivados de petróleo.

O termo indústria 4.0 ou a “4ª revolução industrial” é uma expressão que engloba algumas tecnologias para automação e troca de dados e utiliza conceitos de sistemas ciber-físicos, e assim, facilita a visão e execução de “fábricas inteligentes” capazes de trazer inúmeras oportunidades para a agregação de valor aos consumidores e aumento de produtividade de processos, e claro, tem um grande potencial para auxiliar na produção de alimentos e bebidas mais seguras.

Para começar, atualmente temos muito mais acessos a grandes bancos de dados, chamados de Big Data, contendo uma quantidade enorme de informações em diversos servidores que funcionam em sistemas de redes operacionais, portanto, interligados entre si. Isso se deve ao fato de que a capacidade per capita tecnológica do mundo para armazenar informações praticamente tem dobrado a cada 40 meses, desde a década de 1980.

A partir de 2012, foram criados a cada dia 2,5 exabaytes (quintilhões = 2,5 × 1018 bytes) de dados, sendo que 90% dos dados no mundo foram criados nos últimos dois anos, decorrente da adesão das grandes empresas à internet, sendo exemplos as redes sociais, dados dos GPS, dispositivos embutidos e móveis.

Figura 1: Investimentos mundiais em Big Data.

Estes dados podem ser valiosos dando sustentação para análises de riscos, microbiologia preditiva, tomadas de decisão em processos com foco na produção segura de alimentos, rastreabilidade da cadeia produtiva, desde a produção primária, indústria de transformação e distribuição, ou onde a imaginação permitir.

Mesmo pequenos produtores podem se aproveitar do Big Data, uma vez que não precisam fazer grandes investimentos, nem se preocupar com o sistema operacional e hardware, podendo acessar seus dados na “nuvem computacional”, utilizando tecnologias chamadas de Cloud Computing, que referem-se à utilização da memória e da capacidade de armazenamento e cálculo de  computadores e servidores compartilhados e interligados por meio da Internet, fora que as atualizações dos softwares são feitas de forma automática.

Isso tudo, mais os avanços em automação com tecnologias para conexão ampla, na capacidade de miniaturização de dispositivos de coletas de dados on line e o surgimento de sensores de todo tipo que permitem que praticamente qualquer equipamento eletrônico possa fornecer informações na rede em tempo real, serão muito vantajosos para a construção de processos mais seguros, como por exemplo, ajudando no controle de variáveis do binômio tempo x temperatura, tão importante em tratamentos térmicos na indústria de alimentos e bebidas.

Uma vez estando tais sensores acoplados em linhas industriais, teremos a aplicação da chamada “Inteligência das Coisas” ou como vem sido conhecido no mundo, Intelligent Things, permitindo em tempo real e de forma muito dinâmica, obter informações sobre o controle operacional, por exemplo, de PCCs, os nossos Pontos Críticos de Controle dos Planos de HACCP. Este tema inclusive já foi tratado no artigo “Inteligência das coisas aplicada à Segurança dos Alimentos publicado aqui no blog.

Agora vamos além, com o uso de inteligência artificial, ou AI, que dará um salto nos próximos anos. Poderemos usar algoritmos capazes de avaliar inúmeros cenários, com tudo sendo analisado em tempo real, então teremos informações precisas quanto à decisão de liberar lotes, rejeitá-los, destinar a reprocesso ou quaisquer outras destinações especiais. Isso poderá implicar uma redução drástica de erros derivados de falhas humanas!

É preciso desmitificar, AI não são robôs humanoides (ao menos por enquanto), mas sim sistemas integrados que analisam as variáveis operacionais presentes em processos de fabricação e identificam potenciais situações de risco, informando os gestores ou realizando intervenções de forma autônoma, por exemplo, tomando decisões no controle de PCCs. Ou seja, no exemplo anterior do controle do binômio tempo X temperatura, o sistema autonomamente poderá decidir em caso de um desvio nos limites críticos de um PCC, o que fazer para trazer o processo de volta à situação de controle e para onde desviar automaticamente o produto que porventura possa ter sido produzido fora das condições dos limites críticos de controle, isso é food safety on line & just in time.

Claro que todas estas informações de controles estarão armazenadas, e nisto surge outro conceito importante, o de blockchain, que são “protocolos de confiança”, ou bases de registros e dados distribuídos e compartilhados publicamente. Este tema também já foi tratado aqui no blog no artigo Já ouviu falar em blockchain?.

Estas bases de dados permitirão criar um índice global para todas as operações industriais de produção de alimentos e bebidas, ou em qualquer outro segmento, como insumos, embalagens, aditivos, cadeias de armazenamento, de distribuição, etc. Será uma nova forma de prover e controlar registros, com muito mais segurança e com dados muito mais confiáveis.

Na prática isso significa ter laudos analíticos de controle de matérias primas e liberações de lotes, controles operacionais de pontos críticos, rastreabilidade de insumos e matérias primas, controles das variáveis operacionais dos processos, dados sobre colheitas e produção industrial em agroindústrias, etc, numa base de dados comum e compartilhada.

Tudo isso dito até aqui associado com a indústria 4.0 facilitará muito o controle de liberações de lotes no segmento business to business, e também, no de varejo, o controle de estoques de matérias primas, insumos e embalagens, e produtos acabados, e a própria distribuição, além é claro, do controle de demandas de fabricação. Contribuirá em transações comerciais com pagamentos sendo efetuados a partir de liberações de lote e com precificação em muitos casos variável segundo atendimento de especificações acordadas entre clientes e fornecedores.

Teremos precisas informações para bolsas de valores sobre confiabilidade de marcas, organizações, tendências de safras, e claro, isso permitirá agilidade em decisões que afetem saúde pública, possibilitando ações rápidas e precisas como num eventual caso de recall, ou seja, garantindo ainda mais segurança em termos de food safety, agora na óptica da gestão de crises.

Mas e o custo disto tudo?

Certamente demandará investimentos, mas os custos associados com tecnologia vem caindo diariamente, e breve serão quase tratados como commodities, e além disso, são sistemas que se pagam, seja pela redução de custos de não qualidade, ou claro, pelos ganhos de produtividade.

Estima-se que com o uso das tecnologias que são abrangidas pela indústria 4.0 seja possível ganhar entre 10 e 40% em redução com custos de manutenções; 10 a 20% com redução de consumo de energia elétrica; e de 10 a 25% em eficiente operacional. Isso porque reduz set-up, evita erros de operação, torna as operações mais enxutas!

Figura 2: Custos de sensores para internet das coisas e investimentos mundiais em robótica.

Todas estas tecnologias e seu custo mais acessível também permitirão o uso de forma cada vez frequente da robótica, fazendo serviços com precisão, evitando erros e falhas de operação, e também, a contaminação proveniente dos manipuladores.

https://www.youtube.com/watch?v=Dc7ksVExhwk

Vídeo 1: Colheita de pimentões com uso de robôs. 

A nós humanos, caberão os serviços nos quais seremos melhores que os robôs, que precisam da sensibilidade humana, o que é bem relevante numa indústria que faz alimentos e bebidas justamente para nós mesmos, com uso de nossas competências sensoriais e organolépticas, da criatividade e do relacionamento interpessoal.

Você acha que isto é num mundo distante? Que é ficção?

Olhe ao seu redor, as tecnologias e o modo de operação da indústria 4.0 já fazem parte da sua vida diária, ajudando-o a se comunicar como no Whatsapp com transmissão a baixo custo de informações, sons e imagens; a buscar um meio de transporte como no Uber com rotas determinadas e emissão de notas fiscais; oferecendo produtos de acordo com suas buscas e perfis em redes sociais como Facebook; para se hospedar numa cidade via Airbnb; a se locomover com inteligência na busca de rotas mais seguras e rápidas com Waze; a fazer contatos, contratar ou  procurar uma recolocação via LinkedIn; até a arrumar uma namorada usando o Tinder; e claro, para pedir um lanche, um almoço ou um jantar no iFood.

Todas estas tecnologias já estão aí, monitorando dados, alimentando Big Data, são o futuro, e o futuro é agora!

Por isso, seja bem vindo ao mundo 4.0, use-o ao seu favor, explore todo o potencial que surge com a 4ª revolução industrial, e esta nova revolução agora vai muito além do campo industrial, é uma revolução na forma humana de interagir, de se comunicar, de se relacionar, de consumir, de produzir, enfim, de viver!

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Fui certificado, e agora?

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Antes de tudo, para responder com total honestidade a esta pergunta, é preciso ponderar que algumas empresas se equivocam no objetivo principal quando se propõem a construir seu sistema de gestão de segurança dos alimentos:

O foco não é passar numa auditoria de certificação, nem mesmo é ser certificado numa determinada norma. Na verdade isto é uma consequência do foco principal, que é construir um sistema de gestão da qualidade eficiente e eficaz, com robustez na medida certa, capaz portanto,de garantir a produção de alimentos seguros.

A montagem de um sistema de gestão sólido deve partir de uma verdadeira transformação na forma de uma organização entender seus processos, o que requer conhecimento para interpretá-los, analisá-los, para então tomar ações de gestão de risco em caráter preventivo para evitar desvios nos processos, e em consequência, a geração de produtos não conformes; ou aprender com erros, impedindo que produtos inadequados sigam para o mercado, e depois, investigando e tratando devidamente as causas raízes dos problemas que levaram a ocorrência de falhas para evitar reincidências, via as chamadas ações corretivas.

Por outro lado, se uma empresa foca a certificação, construindo controles superficiais com objetivo de “forjar evidências” para demonstrar aos auditores, é possível até passar numa auditoria de certificação, mas depois da comemoração, vem o vazio e a pergunta “e agora?”.

Isto ocorre porque pode ter sido construído um arcabouço burocrático que serve para ilusionismo numa auditoria, mas não propriamente para garantir produtos efetivamente seguros, e que funcione organicamente dentro da organização no dia-a-dia. Com organicamente quero dizer que é natural, que faz parte das rotinas, que não são procedimentos forçados, mas sim naturais.

Sistemas de gestão em segurança de alimentos passam fortemente pela construção de uma boa sistemática de apoio bastante sedimentada em Boas Práticas de Fabricação, que inclui infraestrutura física adequada para evitar contaminações, garantia de que rotinas que servem de base para segurança dos alimentos ocorrerem de forma sedimentada.

Também passam por uma boa gestão de riscos, e para isso, numa indústria de alimentos, o HACCP ainda é – ao menos minha experiência leva a crer – a ferramenta mais eficaz.

Mas isto não basta, é preciso criar os elementos de gestão que dão suporte às ferramentas de food safety.

Aqui temos a criação e o controle de documentos de tudo aquilo que possa afetar a produção segura de um produto; as sistemáticas de rastreabilidade de insumos, matérias primas, condições de processos, etc, e os devidos registros; a identificação de instrumentos essenciais para as medições e ensaios necessários para garantir resultados válidos, que portanto, devem ser calibrados; e claro, pela certeza de que os times de manipuladores de alimentos são efetivamente competentes, o que deve ser devidamente avaliado e comprovado por métodos de análise de eficácia, só para dar um exemplo clássico, nas operações que constituem PCCs ou PPROs.

Aqui vale inclusive uma ressalva: não é a empresa que tem mais procedimentos documentados e controles que é capaz de garantir melhor a segurança dos alimentos, mas a que tem os procedimentos documentados eficientes e nos locais certos, assim como controles bem estruturados e que são realizados devidamente.

Montar um sistema de gestão eficiente não é montar um cartório, mas é ter o mínimo de “papel” que garanta o máximo de controle sobre os processos.

Mas isto ainda é numa escala de cunho bem operacional, queremos ir além num sistema de gestão, agora indo aos níveis hierárquicos mais elevados de uma organização onde as decisões de cunho estratégico são tomadas, ou seja, a alta direção deve ser participativa e estar engajada em garantir que tudo transcorra focado na segurança dos produtos fabricados, o que significa dar rumo estratégico nesta direção a todos os papéis envolvidos com os processos que possam afetar a segurança dos alimentos, além de disponibilizar recursos, analisar criticamente em intervalos regulares a completude e pertinência do sistema de gestão, fazendo correções, propondo melhorias e  coordenando o direcionamento, e claro, provendo recursos.

Um erro amador é acreditar que o mais importante na construção de um sistema de gestão em food safefy seja receber a famigerada auditoria de certificação, e acredite, muitas empresas focam suas energias nisso, mas na realidade não é e nunca será o mais importante, pois um certificado pendurado na parede é apenas uma forma de retratar o cumprimento de requisitos de como a organização opera, ou de como deveria operar seu sistema de gestão em segurança de alimentos.

Todavia, o mais importante não é este “retrato”, mas a operação em si, o dia-a-dia, a rotina da empresa no cumprimento de procedimentos que garantam a segurança efetiva dos produtos.

Então, um sintoma de sistemas de gestão frágeis ocorre quando uma organização às vésperas de uma auditoria se põe a revisar registros, fazer higienizações mais caprichadas, realizando preparativos semanas antes para poder “receber bem” os auditores, e nisto, acabam colocando sujeira para baixo do tapete apenas para receber a visita, tipo o sujeito que só arruma a casa quando recebe a namorada.

O correto é que uma organização, após estruturar e rodar seu sistema de gestão em segurança de alimentos, percebendo que há uma estabilidade na condução e controle dos processos que possam afetar a efetiva segurança dos alimentos produzidos, receba a auditoria e demonstre como é seu dia-a-dia normal, como é sua operação, com base na gestão de rotinas, para que os auditores possam avaliar o mais fidedignamente possível como tal organização age e reage frente a seus planos de controle de processo e prevenção de perigos químicos, físicos e microbiológicos.

Neste sentido, normas que atendem ao Global Food Safety Initiative, conhecido como GFSI, trazem uma novidade, os auditores podem chegar a qualquer data não agendada numa organização para execução de uma auditoria surpresa, assim como auditar qualquer turno, justamente para garantir que uma empresa certificada em segurança dos alimentos realmente tem um sistema sólido, e não apenas uma fantasia que veste para receber auditores.

Isto tudo é muito bom, e dá credibilidade às organizações sérias que efetivamente constroem sistemas de gestão em segurança dos alimentos capazes de gerar resultados concretos, e que neste caso, acima de tudo, é a garantia da produção de alimentos seguros.

Voltando à pergunta que dá título a este artigo: Fui certificado, e agora? É simples, dê continuidade, pois a certificação não é o fim, mas o começo.

Portanto, avance, evolua, aprenda com eventuais erros para que não os cometa novamente, aprimore a gestão de riscos, para que a cada dia seu sistema de gestão seja efetivamente mais capaz de garantir resultados, impedindo que não conformidades associadas com food safety surjam e que os consumidores sejam expostos a riscos, impedindo que produtos tidos como não conformes possam ir parar no mercado, levando a uma necessidade de recall, mas se acontecer, não hesite em fazê-lo, e acima de tudo, tenha ações bem planejadas e prudentes que efetivamente sejam capazes de garantir a proteção e valorização de marcas, justamente pela garantia de produção de alimentos, insumos, aditivos e bebidas seguras.

Par finalizar, seguem 5 dicas que julgo valiosas para ajudar num up grade de seu sistema de gestão da segurança dos alimentos:

  1. Nunca pare de treinar, seja os times operacionais ou os de gestão. Dentro da organização semeie as melhores práticas com treinamentos internos, mas também traga treinamentos externos de especialistas que sempre ajudam a dar um novo olhar e ter novas ideias;
  2. Faça cross-audit, ou seja, em organizações com mais de uma unidade industrial, a equipe de uma unidade deve auditar a outra, trocando práticas e know-how;
  3. Eventualmente, traga especialistas para participar das auditorias internas, isso se chama auditoria de primeira parte independente, e sempre agrega muito aos auditores internos;
  4. Participe de seminários, congressos e encontros com outros profissionais de food safety para fomentar a prática de benchmarking, ou seja, aprender melhores práticas para que possa implantar na empresa e agregar mais valor ao sistema de gestão em segurança de alimentos;
  5. Por fim, fique sempre de olho nos artigos do blog Food Safety Brazil, onde especialistas dão dicas valiosas todos os dias em temas relacionados com a segurança dos alimentos.

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Coleta seletiva e BPF de mãos dadas!

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O correto, eficiente e seguro manejo de resíduos na indústria de alimentos é um tema que atende a duas frentes: a primeira é a da gestão ambiental, pela óptica da adequada destinação dos resíduos para minimizar impactos ambientais; e a segunda é na perspectiva de food safety, portanto, de evitar riscos de contaminação cruzada entre resíduos gerados e produtos finais, em processo ou matérias primas.

Também podemos tratar dos critérios para reprocesso (reúso) de produtos rejeitados. Neste caso, por si só, temos vantagens ambientais como minimizar geração de resíduos, desde que tomados todos os cuidados necessários em termos de qualidade e food safety.

Na esfera legal, para a abordagem de food safety, o tema é tratado pela Resolução Anvisa RDC N° 275, de 21 de outubro de 2002 quando fala de POPs obrigatórios, e entre eles, tem justamente um de “manejo de resíduos”, no qual a preocupação não é ambiental, mas sim a prevenção da contaminação cruzada. Já na questão ambiental este tema é tratado pelas Resoluções do Conama de nº 313, de 29 de outubro de 2002 que dispõe sobre o Inventário Nacional de Resíduos Sólidos Industriais, pela Resolução 275, de 25 de abril de 2001 que estabelece padrões de cores para os tipos de resíduos, e também pela Lei N° 12305, de 2 de agosto de 2010, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos.

Quando pensamos numa gestão eficiente de resíduos no segmento alimentício, é preciso, portanto, olhar o assunto de forma integrada por ambas as ópticas, a da segurança dos alimentos e a ambiental.

A geração de resíduos sólidos deve sempre ser prevenida, porém, uma vez que sua geração é inevitável, os resíduos devem ser minimizados ao máximo. Os resíduos devem ter como destinação prioritária o reúso (reprocesso), seguido da reciclagem. Uma vez que não possa ser reusado ou reciclado, ele deve ser tratado ou disposto em local adequado previsto pela legislação, mas jamais jogado em locais inapropriados como lixões.

Lembramos que se houver possibilidade de reprocesso, ou seja, de reincorporar um produto rejeitado em novos lotes, todos os cuidados de armazenamento, segregação, rastreabilidade e de manuseios deverão ser tomados, a fim de garantir que tal procedimento não gere riscos. Inclusive, sugere-se que tais atividades sejam previstas em planos de HACCP.

Exemplos típicos são, por exemplo, um lote de macarrão massa seca ou de cream cracker que ao fim do processo encontra-se fora de especificação, e deve ser moído e reincorporado em frações em novos lotes. Nestes casos, é preciso considerar que aquilo que seria um resíduo será um ingrediente alimentício, e deve ser tratado como tal.

Todos os resíduos gerados dentro de uma planta industrial devem ser acondicionados em sacos plásticos e mantidos em recipiente fechado constituído de material de fácil higienização e com tampa de acionamento por pedal, assim evitamos odores e ambientes atrativos para pragas urbanas.

A fim de possibilitar uma coleta seletiva, estes recipientes devem possuir uma identificação com uma das seguintes cores que são padrões internacionais: VERMELHO para plásticos; AZUL para papel e papelão; AMARELO para metais; VERDE para vidros; MARROM para resíduos orgânicos; e BRANCO para resíduos de ambulatórios ou de serviços de saúde.

Figura 1: Modelos de lixeiras para coleta seletiva apropriados à indústria de alimentos.

Recomenda-se que todos os manipuladores de alimentos sejam treinados na realização da coleta seletiva, e que haja um responsável em cada área para garantir que as equipes executem corretamente a separação dos resíduos, orientando, tirando dúvidas e corrigindo quando necessário.

É fundamental na abordagem deste tema pensar nos cuidados para se evitar riscos de contaminação. Por isso, é uma boa prática que os recipientes contendo resíduos que estão dentro das plantas industriais sejam removidos no mínimo uma vez por turno, ou sempre que estiverem cheios, nunca chegando ao ponto de transbordar ou impedir o correto fechamento das lixeiras.

Além disso, todos os recipientes de resíduos devem ser limpos no mínimo semanalmente, ou podem começar a cheirar mal e a atrair pragas urbanas como moscas, baratas e ratos que encontrarão alimento e abrigo, e que como sabe-se, são vetores de diversas doenças.

Uma vez retirados das plantas industriais, os resíduos removidos devem ser direcionados para containers localizados na área externa, de material lavável e também com tampas, além de mantidos sempre fechados.

Estes containers, se forem uma destinação intermediária antes de seguir para uma área definitiva e apropriada de segregação de resíduos, nunca devem estar próximos às entradas das plantas industriais, preferencialmente, devem estar no mínimo a 10 metros de distância.

As áreas de armazenamento de resíduos devem ser de piso impermeabilizado, cobertas e teladas. Nelas deve haver espaços separados, normalmente chamados de baias, para papel e papelão, plástico, vidros, metais, lâmpadas, resíduos não recicláveis e orgânicos.

No caso dos orgânicos, são necessários alguns cuidados a mais, pois devem sempre estar em recipientes bem fechados, além disso, devido à probabilidade de geração de chorume, é indicado que haja canaletas de recolhimento gradeadas e limpezas constantes.

Destas baias a remoção deve ser rotineira – sempre que estiverem cheias ou no mínimo mensalmente – para que os resíduos sigam aos seus destinos finais. Lembre-se sempre de que é uma indústria de alimentos, e deve-se evitar qualquer chamariz de pragas urbanas.

Sob a perspectiva de análise de riscos para a remoção de resíduos, deve ser feito um mapeamento estratégico no qual constem os pontos de coleta de cada um dos resíduos gerados nas diversas etapas da produção e as rotas para remoção, buscando-se imperativamente, impedir a contaminação cruzada entre os produtos finais e os que estão em processo ou com as matérias primas e insumos. Ou seja, por onde saem os resíduos não entram as matérias primas e pessoas nem saem produtos; resíduos precisam de saídas específicas. Porém, na total impossibilidade de cumprir esta regra devido ao leiaute da planta industrial, eles poderão ser removidos pelas entradas de matérias-primas ou saídas de produtos acabados, desde que em horários distintos do recebimento de matérias-primas e de saída de produtos acabados.

Já no caso dos resíduos de banheiro, que evidentemente são potencialmente perigosos, uma vez que podem conter uma infinidade de patógenos, estes jamais devem cruzar rotas de entrada de matéria-prima ou saída de produto final.

Os resíduos sólidos gerados devem ser corretamente destinados, o que pode significar, por exemplo, serem vendidos para empresa especializada em reciclagem como no caso de papel, papelão, vidro, metais, plásticos. Se forem resíduos não recicláveis, eles devem ser devidamente destinados a aterros industriais controlados. Sacos de ráfia, baldes e tambores de produtos alimentícios usados podem ser vendidos para reúso. Enfim, para cada um dos resíduos gerados deve existir uma destinação que minimize o impacto ambiental, e cada um destes destinos deve ser inventariado com a devida rastreabilidade.

Na visão de gestão de riscos e da prevenção de fraudes, sempre que embalagens com impressão das marcas forem descartadas, elas devem ser descaracterizadas de forma adequada.  Esta descaracterização pode ser realizada internamente ou por empresa aprovada em processo de qualificação de fornecedores de prestação de serviços, e neste caso, o maior critério em sua seleção e escolha é a honestidade e a confiança de que jamais deixarão de descaracterizar ou irão desviar produtos.

Para evitar riscos de um produto não conforme descartado ir parar de volta no mercado, podendo gerar danos à imagem da marca por problemas de qualidade percebida ou intrínseca, como um produto contaminado e capaz de causar danos aos consumidores ser desviado do destino de descarte e ser indevidamente reconduzido para comercialização, seja por erro, ou mesmo de forma desonesta, uma sugestão é que quando produtos não conformes reprovados ainda rotulados forem destinados para serem descartados em aterro sanitário, um representante da empresa siga acompanhando a descaracterização e o descarte desde a saída da empresa, durante o trajeto e no próprio aterro sanitário. Nestes casos, pensando em comprovação de rastreabilidade, deve ser emitido relatório com registros de quantidades, números de lotes, acompanhado de evidências do descarte e descaracterização dos produtos, inclusive fotográfico.

Como podem concluir, na indústria de alimentos o tema resíduos não é só uma questão de colocar o lixo para fora, mas de como colocar, para onde destinar e de como fazer isto de uma forma segura para a produção alimentícia.

Para quem quiser aprofundar-se um pouco mais no tema, seguem algumas sugestões de literatura:

  • BERTOLINO, Marco Túlio & COUTO, Marcello. Sistemas de Gestão Integrados: ISO 9001 + ISO 14001 + ISO 45001. Editora Qualitymark, Rio de Janeiro, 2018.
  • BERTOLINO, Marco Túlio.  Gerenciamento da qualidade na indústria alimentícia – Ênfase na segurança dos alimentos. Edição atualizada com a integração das Normas ISO 9001:2015 e ISO 22000.2005. Editora ARTMED, Porto Alegre, Reimpressão revisada 2017.
  • BERTOLINO, Marco Túlio. Sistemas de Gestão Ambiental na Indústria Alimentícia. 1° Edição – Editora ARTMED, Porto Alegre, 2012.

6 min leituraO correto, eficiente e seguro manejo de resíduos na indústria de alimentos é um tema que atende a duas frentes: a primeira é a da gestão ambiental, pela óptica da […]

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Por favor, parem de chamar os sulfitos de alergênicos!

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Sulfitos não são alergênicos! Justamente por isso, considero muito assertivo que na Resolução ANVISA/DC Nº 26 de 02/07/2015 que dispõe sobre os requisitos para rotulagem obrigatória dos principais alimentos que causam alergias alimentares, o SULFITO não fosse incluído no Anexo 1, onde se listam os principais alimentos que causam alergias alimentares e que devem ser obrigatoriamente declarados.

Este tema inclusive já foi tratado aqui no BLOG FOOD SAFETY BRAZIL nos artigos a seguir:

  1. Porque sulfito não foi considerado alergênico na RDC26/15?
  2. Sulfitos: importância na indústria alimentícia e seus possíveis malefícios à população.

Por que voltar a este tema se o primeiro parágrafo já finaliza a questão?

Há relevância justamente porque muitas empresas, algumas grandes e formadoras de opinião, ainda insistem em colocar os SULFITOS em suas listas de alergênicos, muitas vezes fazendo exigências a seus fornecedores que são similares ao que se faz com alergênicos típicos, porém, são casos específicos que exigem, se necessário, controles diferentes.

Se tratado tudo num mesmo pacote, temos a criação de burocracias e inclusão de custos que não agregam valor em termos de segurança dos alimentos, além de colaborar com a geração de desinformação na ciência dos alimentos. Por isso, temos sim que esclarecer e desmistificar um pouco mais este assunto.

É importante nesta discussão iniciar definindo o que são alergênicos e alergias alimentares, e a própria Resolução citada anteriormente traz uma ótima definição:

Alergênico alimentar é qualquer proteína, incluindo proteínas modificadas e frações proteicas, derivada dos principais alimentos que podem causar alergias alimentares, que por sua vez são reações adversas reprodutíveis mediadas por mecanismos imunológicos específicos que ocorrem em indivíduos sensíveis após o consumo de determinado alimento.

Ou seja, são as proteínas contidas em alimentos que podem causar reações alérgicas, e os sulfitos não são proteínas, mas sais do ácido sulfuroso H2SO3, e estes sais de sulfito contêm o ânion SO3 -2, normalmente usados nas formas descritas na figura 1.

 

Figura 1: Fórmulas químicas, rendimento teórico de SO2 e respectivos números de identificação internacional dos agentes sulfitantes.

Numa alergia típica, nosso sistema imunológico identifica o ingresso de uma macromolécula proteica estranha, chamada de antígeno e  então produz proteínas destinadas a unirem-se às invasoras, anulando-as. Estas proteínas são os anticorpos, e esta reação mútua é sumamente específica e constitui um mecanismo de defesa. Mas o sistema imunológico pode falhar e não cumprir devidamente com sua obrigação ou até voltando-se contra o indivíduo, o que pode acontecer de duas maneiras:

  1. Funcionando de forma insuficiente, que é chamado de imunodeficiência, e deixa os indivíduos susceptíveis ao ataque de organismos estranhos que podem causar doenças;
  2. Funcionando de forma exagerada em relação a substâncias que normalmente são bem toleradas pela maioria dos indivíduos, isto se conhece pelo nome de alergia.

Portanto, uma alergia é a reação antígeno-anticorpo, mas esta não é a causa imediata das manifestações, estas produzem-se pela liberação ou ativação de substâncias biológicas sumamente ativas. Estas substâncias causam uma série de mudanças na musculatura lisa, nas paredes dos vasos, no sangue e em diversas glândulas que dão como resultado a sintomatologia própria da reação alérgica, em casos graves e extremos, podendo levar inclusive a choques anafiláticos e até causar morte.

Então qual é o problema com os sulfitos?

Os agentes sulfitantes são classificados como aditivos alimentares e atuam na inibição da deterioração provocada por bactérias, fungos e leveduras em alimentos ácidos, e na inibição de reações de escurecimento enzimático e não enzimático durante processamento e estocagem.

Os sulfitos agem como inibidores de inúmeras enzimas, incluindo polifenoloxidase (PFO), ascorbato oxidase, lipoxigenase, peroxidase e enzimas dependentes de tiamina. PFO é encontrada em frutas e vegetais e a inibição de sua atividade é amplamente utilizada no controle da deterioração enzimática. A atividade da PFO é alta em alimentos que são particularmente sensíveis ao escurecimento oxidativo, como batatas, maçãs, cogumelos, bananas, pêssegos, coco ralado, sucos de frutas e em vinhos.

Sulfitos podem inibir diretamente a enzima ou também interagir com os intermediários da reação de escurecimento, impedindo sua participação nas reações que levam à formação de pigmentos escuros.

Os agentes sulfitantes são quimicamente equivalentes após incorporação no alimento, uma vez que são convertidos às mesmas espécies iônicas ou não-iônicas em um determinado pH, força iônica, concentração não-eletrolítica e temperatura, conforme reações químicas mostradas na equação química a seguir com a dissociação do metabissulfito de potássio (K2S2O5) em meio aquoso:

O íon bissulfito é a espécie predominante em alimentos que apresentam pH entre 3 e 7, enquanto em valores de pH menores que 3 e maiores que 7, o desvio do equilíbrio é direcionado para a formação de SO2 molecular e íon sulfito, respectivamente.

Contudo, a ingestão de alimentos contendo sulfitos tem sido considerada como uma das principais causas de broncoespasmos em indivíduos asmáticos que são entre 3 a 5% da população, muito embora indivíduos sensíveis a sulfitos sem histórico de reações asmáticas também possam também apresentar reações adversas após ingestão de alimentos sulfitados. Mas existem dados que indicam que tal ocorrência atinge cerca de 5 a 10% dos adultos que são asmáticos e não todos, e que os indivíduos sensíveis a sulfito são mais afetados quando essas substâncias são inaladas.

Aqui temos então uma diferença crucial no mecanismo de resposta imunológica da alergia: qualquer quantidade, mesmo traços ínfimos, pode desencadear uma resposta do organismo, mas no caso do sulfito não, pois o risco estará associado à exposição a uma determinada quantidade, que no caso do sulfito foi bem estudada e definida, sendo o limite Ingestão Diária Aceitável (IDA) determinado pelo JECFA (1998) de 0,7 mg/ kg peso corpóreo/ dia, expresso como SO2.

Isso ajuda muito, por exemplo, no desenvolvimento de produtos, para determinarmos limites de controle para monitoramentos de validação de limpeza, em controle de PCCs (Pontos Críticos de Controle) ao longo dos processos, ou mesmo, para controle de qualidade na liberação de produtos fabricados.

Entender claramente que sulfitos não são alergênicos em análises de riscos voltadas a Food Safety se mostra relevante, especialmente porque nos ajuda a compreender que as medidas preventivas devem ser diferentes:

*** Num alergênico típico se requer um cuidado extremo em termos de riscos com contaminação cruzada. Não existem limites realmente seguros quanto a higienizações numa linha industrial onde haja produção intercalando produtos com e sem alergênicos, para garantir total ausência de riscos no produto que não deveria ter alergênicos. Mesmo traços não detectados em métodos analíticos poderiam desencadear uma reação alérgica em indivíduos mais sensíveis, justo porque bastam picogramas para o organismo desencadear uma resposta imunológica a proteínas.

*** Já no caso do sulfito é diferente, existem limites de tolerância bem conhecidos, e isso nos permite construir mais adequadamente medidas de controle ao longo dos processos, ficando mais fácil validar que não há presença, ou que há presença, mas está em níveis aceitáveis.

Por isso tudo, a questão do sulfito pode e deve ser considerada no levantamento de perigos quando se considera que entre o público-alvo consumidor de um produto pode haver pessoas asmáticas, porém a forma de lidar com este perigo não é a mesma que deve ser usada quando se lida com alergênicos. Por isso, para que as medidas sejam apropriadas e assertivas, deve-se começar tratando os sulfitos pelo que eles são, e não são alergênicos.

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É seguro tomar açaí?

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O açaí é uma frutinha típica da região amazônica que até os anos 70 só era comum na região, onde os ribeirinhos as colhiam da palmeira (E. oleracea Mart.) e as comiam em quase todas as refeições.

Depois estes ribeirinhos levaram seus hábitos alimentares para as cidades, e já na década de 80, o açaí passou a ser distribuído para o Rio de Janeiro e São Paulo, e nestas capitais a fruta ganhou fama entre os praticantes de jiu-jitsu por ser bastante energética, até que nos anos 90, comer um açaí na tigela se tornou comum em todo Brasil. Além disso já ganhou o mundo,  se tornando um produto interessante para exportação por possuir ótimos atributos: gostoso, exótico e nutritivo.

Figura 1: Açaí na tigela. 

No entanto, em 2006, começou a ser levantada a suspeita de que o consumo desta frutinha poderia estar associado com casos do “Mal de Chagas”, uma doença infecciosa causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi, que pode ser adquirida por meio do contato com as fezes do inseto Rhodnius prolixus, vulgarmente chamado de “barbeiro”, seja pela pele onde o inseto pica e defeca próximo, seja via oral, e entre os principais sintomas estão febre, inchaço e problemas cardíacos, que, em estado mais avançado, podem inclusive levar o paciente a óbito.

Figura 2: Rhodnius prolixus, o inseto barbeiro que age como vetor da doença. 

Esta desconfiança se deu uma vez que foram registrados 430 casos da doença no estado do Pará, onde 86 municípios têm registro da doença, e destes, 26 concentram cerca de 80% dos doentes, entre eles Belém, Ananindeua, Breves, Barcarena, Abaetetuba e outros municípios da ilha do Marajó.

Somando-se a isto, entre os pacientes, o que havia em comum era o fato de as pessoas terem ingerido açaí em determinados pontos de venda, o que poderia significar fortes indícios de um nexo causal.

Embora casos de infecção pelo Trypanosoma cruzi já tenham sido ligados ao consumo de outros alimentos, como por exemplo, caldo de cana, o açaí é o item mais frequentemente associado a essa rota de transmissão.

Uma pesquisa foi realizada a pedido do Ministério da Saúde com participação de pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), e eles chegaram à conclusão de que o protozoário é capaz de sobreviver na polpa da fruta tanto em temperatura ambiente, como a 4°C que é a temperatura média de uma geladeira, e até a -20°C, no caso do açaí congelado, e se ingerido vivo, o parasita logicamente pode causar a doença.

Uma nova pesquisa foi divulgada agora em agosto de 2018 pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), na qual foram analisadas 140 amostras de alimentos à base de açaí, incluindo frutos frescos, sucos de açaí e polpas congeladas, misturadas ou não com xarope de guaraná e frutas. Estas amostras foram coletadas em feiras e supermercados do Pará (2010 a 2015) e do Rio de Janeiro (2010 a 2012), e constatou-se a presença do material genético (DNA) do parasita Trypanosoma cruzi em 14 produtos, ou seja, 10% do total das amostras. Além disto, em duas amostras foram identificadas também a presença de DNA do Rhodnius prolixus, ou seja, do inseto conhecido por barbeiro que age como vetor da doença.

Figura 3: Trypanosoma cruzi, o parasita que causa o Mal de Chagas. 

No entanto, a identificação do DNA do parasita nos alimentos não implica, necessariamente, risco de transmissão da doença de Chagas, porque o material genético pode ser detectado mesmo que o organismo esteja morto e, com isso, incapaz de provocar a doença. De fato, o produto processado termicamente, pasteurizado ou esterilizado, inviabiliza a presença do Trypanosoma cruzi como causador da doença de Chagas, mesmo que seu DNA esteja presente. Esta nova pesquisa, porém,  deixa claro que o risco potencial existe, uma vez que a presença do DNA do parasita em 10% das amostras aponta que houve um contato dele com grande parte do produto distribuído, portanto, se houver a possibilidade de ele estar vivo, teremos um produto potencialmente perigoso para a saúde dos consumidores de açaí.

As pesquisas e os dados epidemiológicos demonstram que o produto processado termicamente, pasteurizado no mínimo a 80°C por 10 s, torna-se seguro, enquanto o produto in natura ou apenas resfriado ou congelado poderá não ser. Os dados do Ministério da Saúde indicam que entre 2007 e 2016, o Brasil registrou, em média, 200 casos agudos de doença de Chagas por ano, e destes, 69% foram causados por transmissão oral, derivada da contaminação de bebidas e comidas, sendo que cerca de 95% ocorreram na região Norte, com 85% no estado do Pará. Neste estado, o consumo da polpa fresca de açaí é um item tradicional da cultura alimentar, ou seja, pode ocorrer sem o devido processamento que inviabilize a transmissão do parasita.

Por outro lado, como se trata de um fruto altamente perecível, que requer que quase imediatamente após a sua colheita (ou apanha, como chamam no Pará) passe por lavagem e branqueamento, a polpa é termicamente processada para só depois ser congelada, a fim possibilitar sua chegada de forma sensorialmente atrativa ao mercado consumidor. Assim, o risco é minimizado a níveis aceitáveis, e com isso, o DNA pode até estar presente, mas não haverá Trypanosoma cruzi viáveis e ativos para causar a doença.

Isso é uma boa notícia, uma vez que o consumo em outros estados que requerem um tratamento térmico da polpa para viabilizar a logística de distribuição acaba garantindo um produto em tese mais seguro.

Desta forma, sabendo que o consumo do açaí faz parte dos hábitos alimentares culturais da região Norte, especialmente no estado do Pará, é preciso reforçar uma conscientização local para garantir rigorosa higiene com 150 ppm de hipoclorito por no mínimo 10 minutos a fim de possibilitar uma completa remoção dos insetos barbeiros e também remover eventuais fezes do inseto que estejam sobre os frutos, para que nenhum seja triturado junto à polpa, e assim, suas fezes contendo o Trypanosoma cruzi não se misturem e sejam consumidas. No entanto, é importante que esta ação seja complementada com uma banho térmico do fruto a 80°C por pelo menos 10 segundos seguido de resfriamento.

A questão vai além do consumo local. Pensando em escala industrial e em saúde pública, temos que ter rigorosas medidas associadas com as Boas Práticas de Fabricação, e indo além, a prevenção efetiva deve ser garantida pelo controle de pontos críticos do processo (PCCs) associados com o tratamento térmico, portanto, ao controle do binômio tempo e temperatura.

Desde a coleta e estocagem dos cachos do açaí são necessários cuidados. Uma vistoria fina deve sempre ser realizada para retirar qualquer possível Rhodnius prolixus (inseto barbeiro), além de uma rigorosa lavagem nas condições já citadas de uso de hipoclorito a 150 ppm, para depois ser enxaguado, isso tudo antes de iniciar o despolpamento, caso contrário, os insetos seriam triturados e suas fezes com a presença do Trypanosoma cruzi poderiam se misturar com a polpa.

No entanto, mesmo uma rigorosa lavagem, sozinha, não inviabiliza completamente a probabilidade da presença do Trypanosoma cruzi, então é preciso um tratamento térmico, no qual uma pasteurização irá contribuir efetivamente para a redução do risco, cabendo recorrer à melhor combinação e controle do binômio tempo x temperatura para garantir a letalidade do Trypanosoma cruzi, afetando minimamente os produtos em suas características sensoriais.

No estado do Pará existe o Decreto n° 326 de 20/01/2012 que é o que faz referência às regras e condições de higiene na produção da polpa de açaí, mas se refere especificamente ao batedor artesanal, sem citar agroindústria. Com isso, a exigência de pasteurização da polpa ainda não é encontrada devidamente como exigência legal.

Contudo, cabe aos produtores, independentemente disto, zelar pela inocuidade dos alimentos que produzem, e o tratamento térmico por pasteurização se mostra como alternativa tecnológica capaz de reduzir os riscos a níveis aceitáveis, assim tornamos a probabilidade baixa para um risco de gravidade alta.

Por fim, é um fato que o produto tem um risco associado, mas pode ser consumido de forma plenamente segura, desde que as devidas medidas preventivas sejam aplicadas em toda cadeia produtiva, incluindo a colheita, estocagem dos cachos, higienização do fruto, beneficiamento e tratamento térmico da polpa, para evitar que o Trypanosoma cruzi em condição viável chegue ao consumidor final.

Para tanto, os cuidados e tecnologias para prevenção são simples e plenamente conhecidos, sendo necessário garantir sua efetiva e rigorosa aplicação. Com isso, podemos continuar tomando nosso açaí, desde que se faça a opção por produtos processados por empresas responsáveis que fazem o correto uso das Boas Práticas de Fabricação e aplicação de medidas eficazes para garantir controle dos riscos via tratamento térmico.

Se o assunto é de seu interesse e deseja aprofundar um pouco mais, indico o excelente artigo da professora Karen Signori Pereira “Doença de Chagas como doença de origem alimentar: a que ponto chegamos?”.

Doença de Chagas como doença de origem alimentar: a que ponto chegamos?

 

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