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Panetone além da receita: segurança de alimentos entre a tradição e o controle

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Nos últimos anos, tornou-se quase consenso a frustração com muitos panetones disponíveis no mercado. Rótulos atrativos, promessas generosas e, ao abrir a embalagem, um produto quase sempre seco, pouco aromático, recheio em pouca quantidade ou mal distribuído e distante da expectativa criada. À primeira vista, parece apenas um problema de qualidade sensorial.

Essa percepção, aliás, não me surgiu apenas como consumidor, mas a partir de uma inquietação prática: a decisão de tentar fazer o próprio panetone, buscando resgatar sabor, textura e aroma que pareciam ter se perdido nos produtos comerciais. Ao mergulhar no processo, ficou evidente que o desafio ia muito além da receita.

Quando se observa o panetone com mais atenção, percebe-se que ele é muito mais do que um doce sazonal: trata-se de um alimento fermentado, complexo e sensível, no qual segurança de alimentos e qualidade caminham lado a lado.

Panetone: um produto de risco subestimado

Apesar de sua aparência simples, o panetone reúne características que exigem atenção redobrada. A fermentação é longa, a formulação é rica em açúcar e gordura, há uso de ovos e o processo envolve intensa manipulação manual. Além disso, a produção costuma ser sazonal, concentrada em períodos curtos, o que aumenta a pressão por volume e reduz a margem para erros.

Esse conjunto de fatores cria um ambiente propício para falhas de controle, especialmente quando boas práticas são negligenciadas em nome da tradição ou da pressa. O resultado pode não ser apenas um panetone sensorialmente ruim, mas também um produto instável do ponto de vista sanitário.

Como conduzir corretamente

A produção segura de panetones começa com a aplicação consistente das Boas Práticas de Fabricação. Isso inclui controle rigoroso de higiene dos manipuladores, organização do fluxo de produção para evitar contaminação cruzada e atenção especial ao armazenamento de ingredientes sensíveis, como ovos, manteiga e frutas cristalizadas. Mesmo em pequena escala, o processo deve ser planejado para minimizar manipulações desnecessárias e respeitar tempos e temperaturas previamente definidos.

Fermentação: entre o encantamento e a falsa sensação de segurança

A fermentação é um dos grandes diferenciais do panetone, mas também uma das etapas mais mal compreendidas. Nos últimos anos, fermentações naturais ganharam protagonismo, muitas vezes associadas automaticamente à ideia de alimento mais seguro ou mais saudável.

O levain, obtido a partir da fermentação espontânea de farinha e água, é uma cultura viva composta por leveduras e bactérias ácido-láticas. Quando bem conduzido, contribui para maior complexidade aromática, leve acidez e melhor estrutura da massa. A partir dele, pode-se desenvolver o lievito madre, fermento natural sólido, com menor produção de acidez e maior força fermentativa, adequado para massas ricas em açúcar e gordura, tal qual é o panetone.

Do ponto de vista da segurança de alimentos, no entanto, é importante reforçar: fermentação natural não é sinônimo de proteção automática. Embora a redução de pH e a competição microbiana possam inibir determinados microrganismos, esses fatores não substituem controle de tempo, temperatura, higiene e manejo adequado da cultura. Quando mal conduzida, a fermentação deixa de ser aliada e passa a representar um risco.

Como conduzir corretamente

O manejo seguro do levain e do lievito madre exige rotinas bem definidas de alimentação, uso de água potável, utensílios higienizados e controle de temperatura durante a fermentação. Monitorar sinais sensoriais (aroma, crescimento e textura) e, sempre que possível, parâmetros como pH, ajuda a garantir estabilidade microbiológica. Culturas com odor desagradável, crescimento irregular ou excesso de acidez devem ser descartadas, não “recuperadas”.

Umidade e atividade de água: o equilíbrio entre maciez e segurança

Um dos grandes desejos do consumidor é um panetone úmido, macio e aromático. Sensorialmente, isso faz sentido. Tecnicamente, porém, esse é um ponto crítico.

A atividade de água (aw) do panetone encontra-se próxima ao limite que permite o crescimento de bolores e leveduras. Pequenas variações no processo, seja na formulação, no tempo de forno, no resfriamento ou na embalagem, podem comprometer a estabilidade do produto. Panetones excessivamente secos perdem qualidade sensorial, mas panetones úmidos demais, sem controle adequado, tornam-se um ambiente favorável ao desenvolvimento de mofo (bolor), muitas vezes invisíveis nas fases iniciais.

Aqui, segurança de alimentos e qualidade deixam de ser conceitos paralelos e passam a ser interdependentes.

Como conduzir corretamente

O controle adequado da umidade começa no forno, com tempo e temperatura suficientes para garantir a estrutura e reduzir a atividade de água sem ressecar o produto. O resfriamento deve ser rápido e em ambiente controlado, evitando condensação. A embalagem precisa proteger contra reumidificação e contaminação ambiental, e a definição da vida útil deve considerar testes práticos, mesmo que simplificados, para observar crescimento de bolores ao longo do tempo.

Panetones recheados: quando o risco se multiplica

A tendência dos panetones recheados, com cremes, ganaches, trufas e outras variações, trouxe novos desafios. O recheio passa a ser um novo ponto crítico do processo, alterando significativamente a atividade de água, a microbiota e a vida útil do produto.

O uso de ingredientes lácteos, ovos e chocolates exige controle rigoroso de temperatura durante o preparo, enchimento e resfriamento. Além disso, a vida útil percebida pelo consumidor nem sempre corresponde à vida útil real do produto, especialmente quando não há estudos de shelf life ou quando a comercialização ocorre de forma informal.

Ignorar esses fatores é assumir riscos desnecessários, tanto do ponto de vista sanitário quanto legal.

Como conduzir corretamente

Recheios devem ser preparados com ingredientes seguros, manipulados sob controle de tempo e temperatura e aplicados apenas após adequado resfriamento do panetone. É fundamental reduzir ao máximo o tempo de exposição do produto em temperatura ambiente e revisar a vida útil sempre que um recheio é incorporado, tratando o panetone recheado como um produto diferente do tradicional.

Artesanal não é ausência de controle

Um dos equívocos mais comuns é associar produção artesanal à inexistência de controles. Na prática, o que diferencia um panetone artesanal seguro de um produto problemático não é a escala, mas o rigor no processo.

Boas Práticas de Fabricação, controle de tempo e temperatura, higiene de manipuladores, armazenamento adequado de matérias-primas e embalagens corretas são requisitos mínimos, independentemente do volume produzido. Produzir menos não elimina a responsabilidade; apenas muda a forma de controle.

A segurança de alimentos, nesse contexto, não engessa o processo artesanal, ela o sustenta.

Como conduzir corretamente

Mesmo produções artesanais se beneficiam da padronização mínima de procedimentos. Registros simples de preparo, fermentação, forneamento e validade ajudam a identificar falhas e melhorar a consistência do produto. Treinar quem participa da produção, ainda que informalmente, é parte essencial da entrega de um alimento seguro.

Não quero fazer panetone: o que observar ao comprar um produto artesanal?

Nem todo consumidor deseja, ou pode, se dedicar à produção de um panetone. O processo é longo, exige paciência, controle e, muitas vezes, infraestrutura que nem todos têm. Ainda assim, a busca por panetones artesanais cresce a cada ano, impulsionada pela decepção com produtos industriais e pela valorização do feito à mão.

Nesses casos, alguns pontos de atenção ajudam o consumidor a fazer escolhas mais seguras:

  • Transparência sobre ingredientes: informações claras sobre a formulação, especialmente quanto ao uso de ovos, laticínios, chocolate e conservantes, indicam seriedade no processo.
  • Tipo de fermentação utilizada: seja fermento biológico comercial ou fermentação natural, o importante é que o produtor saiba explicar o método adotado e seus impactos no produto final.
  • Presença de recheios: panetones recheados exigem maior controle de processo. É importante que o produtor informe o tipo de recheio e oriente corretamente sobre conservação e consumo.
  • Prazo de validade coerente: durabilidades excessivamente longas para produtos artesanais, especialmente sem conservantes, devem ser vistas com cautela.
  • Orientações de armazenamento: produtores responsáveis informam como conservar o produto após a compra, inclusive após aberto.
  • Embalagem adequada quando o produto é entregue embalado: o panetone deve estar protegido contra contaminação, umidade excessiva e danos físicos. Embalagens improvisadas ou sem vedação comprometem a segurança do alimento.
  • Informações obrigatórias de rotulagem: mesmo em produções artesanais, o consumidor deve ter acesso às informações básicas: 

– lista de ingredientes

 – identificação de alergênicos (como ovos, leite, soja e derivados)

 – advertência sobre a presença de glúten

 – tabela nutricional

 A ausência dessas informações limita a escolha consciente e pode representar risco à saúde.

  • Aspecto visual do produto: excesso de umidade superficial, recheios vazando ou sinais de mofo, ainda que discretos, são indicativos de falhas de processo.
  • Coerência no discurso: alegações como “100% natural” ou “sem risco” sem explicação técnica não substituem controle e responsabilidade.

Quando tradição, técnica e segurança se encontram

O panetone carrega memória afetiva, simbolismo e tradição. No entanto, tradição sem controle se apoia na sorte. E segurança de alimentos não pode depender dela.

O panetone de qualidade nasce do cuidado com a receita, do respeito ao tempo e do domínio técnico do processo. O panetone seguro para consumo nasce do entendimento de que fermentação, umidade, recheios e manipulação precisam caminhar sob controle constante.

Essa compreensão ficou ainda mais clara ao levar o processo para dentro de casa, produzir o próprio panetone e compartilhá-lo com amigos e familiares. Mais do que o resultado sensorial (sabor, textura e aroma), a experiência reforçou que segurança de alimentos não é um conceito distante da prática cotidiana. Ela está presente nas pequenas decisões, no cuidado com cada etapa e na responsabilidade de oferecer um alimento seguro a quem se senta à mesa conosco ou a quem presenteamos com gêneros alimentícios.

No fim, segurança de alimentos não reduz a magia do panetone. Ela é o que permite que essa magia se repita, ano após ano, com qualidade, confiança e responsabilidade.

Nota do autor

As receitas utilizadas ao longo dessa experiência fazem parte desse aprendizado e podem ser compartilhadas com quem tiver interesse em se aprofundar no processo. Basta solicitar por mensagem, deixando seu melhor e-mail para envio da resposta.

Que este período de festas seja marcado por boas escolhas, mesas compartilhadas com segurança e alimentos que tragam não apenas sabor, mas confiança.
Boas festas e um excelente 2026! 

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Como foi o 17º Meeting Food Safety Brazil – Monitoramento microbiológico do ar em plantas alimentícias

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No mês de novembro aconteceu o nosso 17° Food Safety Brazil Meeting. Este evento trouxe uma rica discussão sobre o monitoramento microbiológico do ar em plantas produtoras de alimentos.

Para debater  esse assunto iniciamos o encontro com a palestra do Luis Costa, gerente de aplicações na Merck para América Latina. Ele nos deu informações muito relevantes sobre os processos para uma coleta eficaz de amostras de ar, tanto no que tange aos equipamentos mais adequados, quanto sobre tempo/volume de ar coletado e os melhores locais para que seja feita a coleta de amostra. Além disso, explicou como a indústria traça seus parâmetros de avaliação das condições do ar da sua planta.

A segunda palestra foi da nossa colunista Carla Gomes, que trouxe exemplos práticos de condições físicas de alguns ambientes fabris e métodos para controlar a ocorrência de contaminantes microbiológicos.

Após as ótimas palestras, recebemos muitas perguntas dos mais de 300 participantes que acompanharam o evento.  Muitas delas foram respondidas prontamente e as demais encaminhamos para os palestrantes. As respostas seguem abaixo.

P – Considerando que não existe um valor único e universal de referência, uma vez que os limites podem variar conforme o tipo de indústria e o objetivo da análise, existe alguma previsão de regulamentação específica voltada ao controle e monitoramento de bioaerossóis na indústria alimentícia?

R – Não há previsão de regulamentação de limites microbiológicos para qualidade do ar na indústria de alimentos. Alguns estudos podem ajudar a ter uma base para saber se sua indústria esta próxima a outras do mesmo tipo:

https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S016816052400223X

https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S016816052400223X

https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2211601X11001581

https://www.mdpi.com/2311-5637/10/5/231

https://www.mdpi.com/2311-5637/10/5/231

Muito importante salientar que a NBR 17037/2023 não é direcionada para indústria, mas para ambientes residenciais climatizados artificialmente

P – O parâmetro de bolores e leveduras pode ser maior que o de bactérias mesófilas? Há problema se for?

R – Sim, é possível que o parâmetro de bolores seja maior que de mesófilos mesmo que seja muito raro. Em nosso tempo de experiência isso ainda não ocorreu, mas poderia ocorrer em ambientes secos com alta quantidade de pós no ar.

P – Como posso pegar uma amostra de ar comprimido sendo que utilizo hoje o modo de exposição de placas?

R – Não é eficaz tentar amostrar ar comprimido usando placas simples com ágar. Há o chamado método de borbulhamento, que se baseia no borbulhamento do ar comprimido em uma solução estéril salina e depois essa solução é analisada. É um método usado por algumas empresas, mas a eficácia é baixa para análise microbiológica. A forma correta e segura de amostrar gases comprimidos é utilizando o aparelho MAS 100 Atmos.

P – Pode falar mais um pouco sobre biofilmes em ar comprimido?

R – Biofilmes em ar comprimido podem acontecer se não houver um bom controle de umidade na geração ou distribuição. Importante ter sistema para secagem. As linhas de ar comprimido normalmente não têm design higiênico, aumentando o risco de formação de biofilmes.

Uma forma de minimizar o risco de contaminação, quando o ar comprimido é utilizado em contato direto com produtos alimentícios, é instalar filtros microbiológicos próximos ao ponto de consumo. A troca deve ser conforme plano de manutenção, o  que não isenta a necessidade de remoção da umidade do ar.

O evento foi um sucesso e ficamos muito felizes em compartilhar informações tão relevantes com nossos leitores. Que venham outros encontros!

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Estufamento tardio em queijos é um perigo à segurança dos alimentos?

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Na indústria láctea,  especificamente na de queijos, podemos ter um defeito que é conhecido como estufamento tardio. Esse evento pode acontecer em queijos que estão em processo de maturação média ou longa, como parmesão e emental.

O estufamento tardio tende a acontecer devido à produção de gás por bactérias do grupo butírico, como o  Clostridium tyrobutyricum, uma bactéria termodúrica, anaeróbica e produtora de esporos. O clostridium fermenta o lactato proveniente da lactose, gerando gás carbônico e gás hidrogênio que irão causar as rachaduras na massa do queijo e posterior estufamento.

É possível perceber o estufamento tardio pelo som oco gerado batendo na casca do queijo e pelo abaulamento externo, muito antes de percebermos as trincas no seu interior.

Para os esporos germinarem são necessárias algumas condições, como anaerobiose, ou seja, que o queijo fique sem oxigênio. Esse consumo de oxigênio geralmente é ocasionado pelo próprio fermento lático nas primeiras semanas de maturação.

Esse microrganismo é carreado para os laticínios através do leite e está relacionado à alimentação do gado com uso de silagem mal fermentada. Ele pode chegar ao equipamento de ordenha através da poeira e assim contaminar o leite. Ele não é patogênico para o homem, mas causa defeito visual, além de alteração de textura e sabor nos queijos e consequente desvalorização comercial.

Pensando na segurança do alimento, na indústria, quando temos a ocorrência do estufamento tardio é importante identificar que é causado por essa bactéria não patogênica e diferenciar o agente causador, já que o temido Clostridium botulinum e a Listeria spp também podem ser responsáveis por estufamento tardio em queijos e são patogênicos.

Porém, não é simples identificar o Clostridium tyrobutyricum. Não há muitos laboratórios que fazem essa análise. Pensando em prevenção e controle, alguns pontos importantes:

– higiene e controles na ordenha para diminuir a carga bacteriana

– higiene dos tanques isotérmicos tanto das fazendas leiteiras quanto dos caminhões de transporte de leite

– higienização dos silos de leite na indústria láctea.

Em todos esses casos é importante realizar corretamente os procedimentos de higienização desses equipamentos, utilizando concentração correta de sanitizantes e tempo de ação dos produtos para sanitização.

Pode-se realizar a bactofugação, que é um processo de alta centrifugação do leite, que diminui a carga bacteriana e o número de esporos no leite.

A pasteurização não tem ação de remoção dos esporos, apenas reduz a carga bacteriana, o que auxilia na não proliferação da quantidade desses esporos.

É possível utilizar bactérias competidoras na formulação dos queijos, ou bactérias starters que vão diminuir o pH no início do processo, o que também inibe a proliferação bacteriana e a ativação dos esporos.

O uso de aditivos como nitrato ou lisozima como ingredientes na produção das massas dos queijos também impede a proliferação bacteriana.

Esses processos visam diminuir a carga bacteriana, diminuir a carga dos esporos e/ou não dar condições favoráveis para que os esporos sejam reativados.

Imagem: Anna Shvets

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Inteligência Artificial e Segurança dos Alimentos – síntese de documento da FAO

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A FAO acaba de publicar o documento: Artificial intelligence for food safety – A literature synthesis, real-world applications and regulatory frameworks. Trata-se de uma síntese da literatura, aplicações práticas e marcos regulatórios envolvendo Inteligência Artificial e Segurança dos Alimentos.

Confira o resumo oficial

Inteligência Artificial (IA) está sendo cada vez mais aplicada na gestão da segurança dos alimentos, oferecendo novas capacidades em análise de dados, modelagem preditiva e tomada de decisões baseada em risco. Uma revisão da literatura identifica três áreas principais de aplicação: consultoria científica, inspeção e controle de fronteiras e atividades operacionais das autoridades competentes em segurança dos alimentos.

Cinco exemplos de países com casos de uso reais ilustram diversas aplicações de ferramentas de IA, incluindo detecção de patógenos, priorização de amostragem de importações e modelos de linguagem para processamento de dados regulatórios. Marcos regulatórios, bem como governança voluntária, que abordam a IA no setor público, estão surgindo em todo o mundo. Iniciativas nacionais e internacionais frequentemente destacam a importância da governança de dados, transparência, considerações éticas e supervisão humana. Desafios como dados tendenciosos, “explicabilidade” e lacunas na governança de dados surgem em diferentes contextos, juntamente com os riscos potenciais da implantação prematura de sistemas de IA.

O acesso a dados interoperáveis e de alta qualidade e a colaboração entre as partes interessadas podem apoiar a integração eficaz das tecnologias de IA. A prontidão para a IA muitas vezes depende da compreensão dos problemas específicos a serem abordados, das capacidades atuais e da qualidade dos dados disponíveis. A supervisão humana e a avaliação contínua contribuem para manter a confiança nos sistemas de IA. Esforços colaborativos envolvendo a academia, o setor privado e organizações internacionais ajudam a construir conhecimento e recursos compartilhados para o desenvolvimento da IA na segurança dos alimentos. De modo geral, a IA apresenta oportunidades para aprimorar a resiliência, a eficiência e a capacidade de resposta nos sistemas de segurança dos alimentos. A consideração cuidadosa da governança, da gestão de dados e da cooperação multissetorial pode moldar a contribuição da IA para alcançar resultados sustentáveis e equitativos nos sistemas agroalimentares.

Abaixo segue um trecho do índice:

2 – Resultados da síntese da literatura

2.1. Visão geral

2.2. Aplicações da inteligência artificial na gestão da segurança dos alimentos

2.2.1. Assessoria científica para a segurança dos alimentos

2.2.2. Inspeção e controle de fronteiras

2.2.3. Eficiência das atividades das autoridades competentes

2.3. Algoritmos

2.3.1. Algoritmo utilizado nos estudos revisados

2.3.2. Inteligência artificial

2.3.3. Tipos de dados

2.3.4. Tendências na pesquisa em inteligência artificial na área de dos alimentos

2.3.5. Resumo da revisão da literatura

3 – Estudos de caso de inteligência artificial para a gestão da dos alimentos

3.1. Visão geral

3.2. Casos de uso da inteligência artificial tradicional e generativa

3.3. Utilizando aprendizado de máquina para prever a adaptação de patógenos a fontes alimentares

3.4. Priorização de amostragem de importação com aprendizado de máquina

3.5. Experimentação de prova de conceito usando modelos de linguagem para segurança dos alimentos

3.6. Construindo sistemas de inteligência artificial centrados no ser humano para identificação de riscos emergentes à segurança dos alimentos

4 – Um panorama regulatório global das estruturas de inteligência artificial

4.1. Uso responsável da inteligência artificial no setor público

4.2. Exemplo de atividades preliminares realizadas pelas autoridades (em abril de 2024)

4.3. Esforços globais e boas práticas

4.4. Colaboração e parceria internacional e multissetorial

5 – Considerações para o uso da inteligência artificial na gestão da segurança alimentar

5.1. Identificar o problema primeiro

5.2. Valor das ferramentas de inteligência artificial

5.3. Valor dos resultados da inteligência artificial

5.4. Inteligência artificial explicável

5.5. Possíveis armadilhas, desafios e gestão de riscos

5.5.1. Desafios da governança da inteligência artificial

5.5.2. Dados tendenciosos e ilusões da inteligência artificial

5.5.3. Gestão de riscos de irregularidades

5.5.4. Uso prematuro de inteligência artificial

5.6. Governança de dados e lacunas de dados

5.7. Mecanismos públicos de compartilhamento de algoritmos

5.8. Alfabetização em inteligência artificial e desenvolvimento de capacidades

5.9. Apoio à tomada de decisões baseada em dados

5.9.1. Dados necessários para o desenvolvimento de inteligência artificial

5.9.2. Qualidade dos dados

5.9.3. Lacunas de dados e preparação para inteligência artificial

Confira o documento completo clicando aqui.

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Homologação de fornecedores na prática da indústria de alimentos

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Um dos temas mais recorrente nas minhas falas sobre segurança de alimentos é a homologação de fornecedores.

Percebo a importância deste assunto nos meus materiais, lendo sobre crises e ocorrências nas indústrias de alimentos.

No caso da intoxicação por metanol nas bebidas alcóolicas, vi alguns comerciantes divulgando que as bebidas que vendem são seguras por terem fornecedores homologados.

A teoria costuma ser bem embasada nesse caso, mas e a prática? Como esses fornecedores são realmente homologados?

Em um passado não tão remoto e talvez até presente para alguns, a homologação é feita com base no quesito preço. Pode levar em conta também outras questões comerciais, como prazo de entrega e a quantidade mínima de um pedido.

Só essas questões comerciais garantem a segurança de um insumo? Provavelmente não.

Voltando ao caso do metanol, algumas explicações para o problema traziam inclusive o preço como primeira observação para possíveis fraudes. A frase era mais ou menos assim: “atente-se a fornecedores com preço muito mais baixo”.

Pois bem, além da parte comercial, como devemos proceder para homologar um fornecedor?

Identifique um fornecedor, faça contato prévio, entenda como a empresa trabalha. Caso a parceria venha a ocorrer, existe um contrato formal de fornecimento? Como são feitas as comunicações em caso de alterações, sejam comerciais, ou mesmo de formulação do insumo? Em algumas situações, antes mesmo de começar a homologação do fornecedor, podemos perceber que ele não atenderá nossas premissas básicas e podemos interromper o processo nessa fase mesmo. Caso essa primeira etapa seja aprovada, passamos para a fase de homologar a possível nova parceira comercial

– Inicie com um questionário identificando se aquele fornecedor tem os quesitos básicos para seu procedimento de qualidade. Nesse questionário você pode pedir documentos, como licença sanitária ou registro no órgão regulador, licenças ambientais. Sobre isso, tenho um outro texto sobre os petiscos pet contaminados, caso onde o fornecedor se dizia fabricante de um insumo e na verdade não tinha nem licença para fabricá-lo. Durante a etapa inicial da homologação, essa situação poderia já ter sido verificada;

– Com a parte documental da empresa fornecedora alinhada, o importante é rever as informações do insumo que será homologado: ele tem as mesmas características daquele que está sendo usado atualmente? É necessária avaliação criteriosa da especificação técnica do insumo, envolvendo questões de alérgenos e composição (leia mais a esse respeito  no post sobre diagrama de aprovação);

– Com a empresa e insumo homologados nos quesitos documentais, agora vem a parte que eu entendo como crucial. O processo de homologação de um fornecedor de embalagem secundária deve ser o mesmo que o de um insumo que corresponde a 50% da composição de um alimento? Só verificar documentos nos dois casos parece prudente e suficiente?

Prefiro tratar os fornecedores de forma diferente; aqueles considerados críticos merecem uma auditoria presencial onde iremos conhecer e acompanhar seu processo produtivo. E no meu dia a dia, esse é o diferencial, a identificação dos critérios que devemos usar para fornecedores com diferentes criticidades no nosso processo produtivo.

Uma vez homologado o fornecedor, passa a ser importante acompanhar suas entregas tanto do ponto de vista de cumprimento das normas sanitárias, quanto do cumprimento dos acordos comerciais. E para isso podemos utilizar o IQF, que é o  índice de qualificação de fornecedores, que irá nos auxiliar a monitorar as entregas dos fornecedores (esse post traz mais informações sobre IQF).

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Necropsias mostram estragos causados por doenças transmitidas por alimentos

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O post de hoje tem um toque macabro e diferente das pautas aqui do Food Safety Brazil. Sabemos dos estragos que as doenças causadas por alimentos provocam no organismo, mas eu nunca havia tido contato com uma abordagem clara da perspectiva da análise de um cadáver.

Auxiliar o médico patologista a descrever esses danos e caracterizar a “causa mortis” é o trabalho de Raiane Priscila, dona do perfil @diariodenecropsiaofc no Instagram. Profissional da área de biomedicina, ela compartilha conteúdos sobre necropsia, anatomia e rotina laboratorial. Ela se tornou popular por mostrar com naturalidade e didatismo o dia a dia de quem atua com cadáveres e análises post-mortem.

Como é possível imaginar, os temas das postagens são tão variados quanto as patologias humanas. As doenças transmitidas por alimentos representam uma pequena parte da rotina destas avaliações dos pacientes encaminhados por hospitais.

O perfil costuma alertar sobre conteúdo sensível, já que lida com imagens reais de cadáveres e procedimentos médicos.

Eu fiz uma curadoria de casos em que os estragos causados por ingestão de alimentos culminaram em óbito. Para quem já se arrepiou e está com receio de abrir os links, explico que nestes posts em particular não há imagens fortes, somente relatos minuciosos sobre órgãos e características dos cadáveres. Também são fornecidas informações técnicas como “local de amostragem” dos corpos para tirar fragmentos para análises laboratoriais.

Intoxicação por metanol

https://www.instagram.com/p/DPZRmrKDscE/

Morte súbita aos 24 anos após conserva vegetal

https://www.instagram.com/diariodenecropsiaofc/reel/DP-F4o0DjwM/

Bebê de 7 meses morre após consumir salgadinho

https://www.instagram.com/reel/DMdC3qyuoMP/?igsh=aTBmc2FxeDl4NWk5

Hipotermia por excesso de água

https://www.instagram.com/reel/DL0T-srS_z1/?igsh=MWp4bnB4MTh2NGU2bA==

Aos 6 anos uma simples uva tirou sua vida

https://www.instagram.com/reel/DO3c8inDm94/?igsh=M3Bubmo1NTZzcmEw

Perfuração intestinal por ossos de frango

https://www.instagram.com/reel/DOmETTbkiwP/?igsh=dWxpenJ3aTRrNnJ4

Mega cólon tóxico (embora a causa alimentar não seja a mais comum, ela pode ser o gatilho inicial em casos de colite infecciosa grave)

https://www.instagram.com/p/DPFOPmVknHq/

Para os mais fortes, ela convida para adesão ao grupo VIP do Telegram, onde compartilha imagens e mais detalhes, já que no Instagram há restrições.

Quem se anima a entender o que o corpo relata?

Leia também:

A dose faz o veneno: casos onde o alimento foi o perigo

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Ketchup, mostarda e mel: o que realmente precisa ir à geladeira?

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Entre ciência, legislação e boas práticas, descubra quando a refrigeração é obrigatória e quando é apenas uma questão de qualidade. Quem nunca discutiu sobre onde guardar o ketchup? Ou se a mostarda precisa mesmo ficar na geladeira depois de aberta? Embora pareçam dilemas domésticos, essas perguntas têm base científica sólida — e entender o comportamento microbiológico por trás dos condimentos é fundamental tanto para quem trabalha na indústria quanto para quem atua em serviços de alimentação ou simplesmente é dona de casa.

Aqui vai um insight importante: a recomendação “refrigerar após abrir” não está necessariamente ligada apenas à segurança microbiológica, mas também à preservação da qualidade sensorial. Produtos como molhos, geleias e manteigas têm características que dificultam o crescimento microbiano: baixa atividade de água (aw), alta acidez (pH baixo), presença de sal, açúcar ou conservantes naturais, além de terem passado por processos térmicos para eliminar patógenos.

Esses fatores, isolados ou combinados, tornam a maioria dos condimentos estável à temperatura ambiente — ao menos do ponto de vista da segurança de alimentos. O que se perde fora da geladeira, na maioria das vezes, é a cor, sabor e textura, não a inocuidade. Como explica a professora Abby Snyder, da Universidade Cornell:

“Microrganismos deteriorantes podem até se desenvolver, mas raramente os patogênicos. O principal risco é sensorial, não sanitário.”

O que dizem as normas legais brasileiras?

A RDC 727/2022 da ANVISA regula a rotulagem de alimentos embalados e estabelece que as condições de armazenamento devem constar no rótulo quando necessárias para garantir qualidade e segurança. Para quem trabalha com food service, a RDC 216/2004 determina que produtos prontos para consumo sejam mantidos sob condições que previnam contaminação. Mas atenção: isso não significa que tudo precisa estar refrigerado. A IN 161/2022, que estabelece padrões microbiológicos, reconhece que produtos com pH ácido e alta concentração de sal ou açúcar são naturalmente mais estáveis, tendo critérios menos restritivos.

E aqui entra um conceito fundamental: a tecnologia de obstáculos (hurdle technology). A RDC 331/2019 classifica alimentos com pH abaixo de 4,5 como ácidos, de baixo risco para patógenos como Clostridium botulinum. Quando combinamos acidez com baixa atividade de água (aw < 0,85 já inibe Staphylococcus aureus), criamos barreiras que tornam o produto microbiologicamente seguro sem refrigeração.

Na prática: cada condimento é um caso

  1. Ketchup é provavelmente o exemplo mais emblemático. Com pH em torno de 3,9 e aw entre 0,93-0,97, ele é naturalmente estável. É por isso que restaurantes o deixam fora da geladeira sem causar surtos de DTA. A refrigeração aqui é puramente para manter cor e sabor vibrantes por mais tempo. Conforme a RDC 216/2004, não há restrição para manter sachês individuais em temperatura ambiente no food service — desde que protegidos de luz e calor excessivo.
  2. Mostarda é ainda mais impressionante. Com pH entre 3,5-4,5 e compostos antimicrobianos naturais (isotiocianatos), ela é praticamente autoconservante. Como diz Brandon Collins, sommelier de mostarda: “É antibacteriana, então nada pode realmente crescer nela.” A geladeira apenas preserva aquele ardor característico que se perde com o tempo. Microbiologicamente falando, pode ficar na despensa sem preocupação.
  3. Mel é o campeão da estabilidade. Com aw de aproximadamente 0,6 e mais de 65% de açúcares redutores, é um ambiente hostil à vida microbiana. A IN 11/2000 do MAPA nem exige refrigeração — aliás, refrigerar mel é um erro comum que acelera a cristalização. Mas atenção ao alerta do Ministério da Saúde e da Sociedade Brasileira de Pediatria: nunca ofereça mel a bebês menores de 1 ano, devido ao risco de esporos de Clostridium botulinum. Outra informação importante: o mel de abelhas nativas (sem ferrão) tem um teor mais elevado de umidade e precisa, sim, ser mantido sob refrigeração.
  4. Maionese comercial é interessante porque muda de status. Fechada, fica em temperatura ambiente graças ao pH 3,8-4,2 e à pasteurização. Aberta, precisa ir para a geladeira — não tanto pelo risco microbiológico (o pH ácido protege), mas porque o calor desestabiliza a emulsão. E aqui vai um ponto crítico da RDC 216/2004: maionese caseira com ovos crus é proibida em estabelecimentos comerciais justamente pelo risco de Salmonella.
  5. Molho de soja tradicional, com 15-18% de sal e processo fermentativo natural, dispensa refrigeração. Mas cuidado com versões “light” reduzidas em sódio — essas podem precisar de frio; sempre confira o rótulo.
  6. Geleias, doces em pasta e compotas, apesar da alta concentração de açúcar e pH ácido, devem ir para a geladeira após abertura para evitar fungos na superfície.

Contaminação cruzada, o verdadeiro vilão

Aqui está o segredo que muita gente ignora: mesmo produtos microbiologicamente estáveis podem ser comprometidos por manipulação inadequada. Utensílios úmidos ou sujos, armazenamento em ambientes incorretos (com condensação) — tudo isso introduz microrganismos que não deveriam estar ali. Para a indústria e para o food service, implementar POPs claros e treinar equipes sobre contaminação cruzada é tão importante quanto escolher a temperatura de armazenamento.

Para quem formula e fabrica

Se você trabalha com desenvolvimento de produtos, sabe que estudos de vida de prateleira não são opcionais. Análises microbiológicas, avaliação sensorial, monitoramento de pH e aw, testes de desafio microbiano (challenge test) — tudo isso justifica aquela frase no rótulo. A rastreabilidade completa, incluindo condições de armazenamento por lote, não só facilita recalls como demonstra comprometimento com a qualidade. E lembre-se: a declaração no rótulo não é só para cumprir tabela — ela orienta o consumidor e protege sua marca.

O que levar dessa discussão?

Produtos com pH < 4,5 e/ou aw < 0,85 são microbiologicamente seguros à temperatura ambiente. A refrigeração, nesses casos, é aliada da qualidade, não da segurança. Mas isso não significa negligenciar o frio — ele retarda oxidação, preserva compostos voláteis e mantém a experiência sensorial que o consumidor espera.

A conformidade com a RDC 727/2022 e outras normas não é burocracia: é gestão de risco baseada em ciência. E a maior lição? Refrigerar o que é necessário é prudência. Refrigerar o que não precisa é zelo. Saber a diferença é o que separa profissionais preparados de quem apenas segue instruções.

Como sempre dizemos: a manipulação higiênica após a abertura é mais crítica que a temperatura de armazenamento. Use colheres limpas e secas, mantenha embalagens bem fechadas, e eduque equipes e consumidores sobre boas práticas. Isso, sim, faz a diferença.

4 min leituraEntre ciência, legislação e boas práticas, descubra quando a refrigeração é obrigatória e quando é apenas uma questão de qualidade. Quem nunca discutiu sobre onde guardar o ketchup? Ou se […]

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Fraude no processo: quando o risco está dentro de casa

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Avaliar a vulnerabilidade de fraude não é uma tarefa simples. Diferentemente da análise de perigos do APPCC, que foca os perigos não intencionais para a segurança do alimento, a avaliação de vulnerabilidade de fraude foca as motivações humanas para cometer fraude.

Nas normas de certificação reconhecidas pelo GFSI, o requisito de avaliação de fraude é mandatório, porém é comum verificar que esta avaliação se atem às matérias primas e cadeia de suprimento; entretanto, a fraude pode ocorrer na própria empresa, e a avaliação deve também ter esse foco!

Não é uma tarefa fácil avaliar fraudes internas. Os fraudadores, sejam eles internos ou externos, conhecem o processo e agem nos pontos mais frágeis e menos monitorados. No caso de um colaborador, essa familiaridade com os procedimentos e as lacunas no sistema torna a detecção ainda mais difícil. A ausência de uma cultura de transparência e ética pode encorajar atos fraudulentos. Se os funcionários sentem que não há monitoramento ou que os controles são facilmente burlados, a empresa torna-se um alvo ainda mais fácil.

Para ilustrar a importância de uma análise profunda, listamos alguns exemplos de fraudes que podem ocorrer em diferentes etapas do processo, e como sua empresa pode se proteger, considerando a possibilidade de um ator interno.

1. Recebimento de matéria-prima

 – Fraude:   um colaborador no recebimento aceita um material diluído em troca de suborno, ou manipula os registros para ocultar a diluição.

 – Controles:

   *Análise de autenticidade e qualidade: fazer análises no recebimento, e, de forma aleatória, enviar amostras para laboratórios externos independentes.

   *Segregação de funções: separar as responsabilidades de recebimento, análise e registro para evitar que uma única pessoa tenha controle total.

   *Auditorias e inspeções: realizar auditorias e inspeções de surpresa, tanto em fornecedores quanto nos próprios procedimentos de recebimento.

2. Produção

 – Fraude: um operador substitui um ingrediente caro por outro mais barato para economizar e desviar o ingrediente original, ou adiciona um produto não declarado para aumentar o rendimento e cumprir metas de produção.

– Controles:

   *Controle de acesso: limitar o acesso a áreas críticas, como as de pesagem e adição de ingredientes.

   *Monitoramento e automação: utilizar sistemas que registrem automaticamente o consumo de ingredientes e o rendimento do lote. Desvios significativos devem gerar alertas.

   *Controle de estoque: realizar inventários frequentes e cruzar os dados com os de produção.

3. Embalagem e rotulagem

 – Fraude: um funcionário da expedição vende produtos rejeitados ou de menor qualidade, usando embalagens e rótulos originais para fazer a fraude.

 – Controles:

   *Segurança da embalagem: uso de selos de segurança ou códigos de barras com rastreabilidade.

   *Auditorias no inventário: fazer auditorias regulares nos estoques de embalagens, rótulos e produto acabado para evitar desvios.

4. Expedição e distribuição

 – Fraude: um colaborador responsável pelo carregamento desvia produtos ou substitui lotes originais por versões falsificadas.

 – Controles:

   *Rastreabilidade total: implementar sistemas que rastreiem o produto desde a fábrica até o ponto de venda, com registros de quem manuseou a carga em cada etapa.

   *Segurança no transporte: usar lacres de segurança e monitoramento por GPS nos veículos.

   * Verificação cruzada: a equipe de expedição e a equipe de logística devem trabalhar com independência para validar os volumes e os lotes que estão sendo enviados.

Ao realizar avaliação de fraudes, é fundamental entender que o risco não está apenas na cadeia de suprimentos, mas também em seus próprios processos internos. Uma avaliação de vulnerabilidade eficaz deve, portanto, incluir uma análise minuciosa de pessoas, sistemas e procedimentos, garantindo que os controles estejam alinhados com a cultura de integridade e responsabilidade.

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Como controlar alergênicos no recebimento e armazenamento de matérias-primas

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Quando pensamos em contaminação cruzada por alergênicos, a imagem que nos vem à mente é, geralmente, a linha de produção, com o manuseio de ingredientes e o fluxo de produtos. No entanto, o risco começa muito antes. Mesmo que as matérias-primas cheguem embaladas e supostamente seguras, a falta de controle no recebimento e armazenamento pode gerar problemas graves, comprometendo a segurança dos alimentos.

Ignorar essa etapa é um erro. Felizmente, com a adoção de regras simples e eficazes incorporadas nas rotinas de Boas Práticas de Armazenamento, é possível mitigar esse risco de forma preventiva.  A seguir algumas dicas práticas que você pode (e deve) implementar na sua empresa.

1. Inspeção do veículo de transporte

O controle deve começar antes mesmo de o material ser descarregado, na inspeção do veículo.

  • Inspecionar visualmente o veículo de transporte (caminhões, contêineres) antes de aceitar o material. O veículo deve estar limpo e livre de resíduos de cargas anteriores que possam conter alérgenos. Recuse a carga se houver qualquer sinal de presença de resíduos de alérgenos.

2. Identificação

A primeira regra é saber exatamente o que você recebe e tem em estoque. Ter uma tabela, planilha ou lista que considere as matérias-primas e alergênicos, é indispensável. Assim, os próximos passos serão possíveis.

·        Verificação no recebimento: Ao receber qualquer matéria-prima, a equipe de almoxarifado deve avaliar se é uma matéria-prima com a presença de alergênico, consultando a base de dados disponibilizada.

·        Identificação visual: Use etiquetas de cores diferentes, ou outra sinalização para identificar sacos, caixas e paletes que contêm alérgenos. Como exemplo, uma etiqueta vermelha pode significar “contém amendoim” e uma etiqueta azul “contém leite”.

3. Segregação física com mapeamento definido

O “armazém misto” é um cenário comum e requer atenção. A segregação física é essencial para evitar o contato cruzado. Para garantir que essa segregação seja consistente, é fundamental ter um mapeamento de segregação do almoxarifado.

·        Áreas dedicadas: Estabeleça áreas ou setores exclusivos para o armazenamento de matérias-primas com alérgenos. Essas áreas devem ser sinalizadas e, se possível, isoladas fisicamente (ex: gaiolas, salas exclusivas).

·        Mapeamento do leiaute: Crie um mapa visual do almoxarifado que mostre claramente onde cada alergênico deve ser armazenado. Este mapa deve estar disponível e visível para toda a equipe. Ele pode usar as mesmas cores das etiquetas para facilitar a identificação.

·        Posicionamento vertical: Se não for possível a segregação em áreas separadas, armazene os alérgenos em prateleiras inferiores e os produtos sem alérgenos nas prateleiras superiores. Isso evita que, em caso de avaria ou vazamento, a matéria-prima com alergênico caia sobre a matéria prima sem alergênico que está abaixo.

 Exemplo: O palete de amendoim para uma linha de chocolate deve ser armazenado em uma prateleira separada, e de preferência em um corredor diferente do palete de manteiga de cacau ou açúcar. O mapa do almoxarifado mostrará exatamente qual prateleira e corredor são designados para “Alergênico – Amendoim”, garantindo que a equipe de recebimento e armazenamento sempre coloque o material no local correto.

4. Gerenciamento de materiais avariados ou com embalagem danificada

·        Inspeção no recebimento: Recuse imediatamente qualquer material com embalagem danificada ou que apresente sinais de avaria.

·        Segregação: Se uma embalagem for danificada dentro do armazém, o material deve ser imediatamente isolado em uma área designada e a área de derramamento deve ser limpa seguindo um protocolo de limpeza específico para alérgenos, usando ferramentas dedicadas.

5. Treinamento e capacitação da equipe

As melhores práticas não funcionarão sem o comprometimento da equipe! O treinamento é a base de um programa eficaz. Há dois tipos de capacitação e, ambos, devem ser realizados:

·        Conscientização: A equipe precisa entender não apenas como fazer o trabalho, mas por que ele é importante. Discuta os efeitos de uma reação alérgica e a responsabilidade de cada um para mitigar o risco de contaminação, a fim de sensibilizar cada colaborador com a importância de sua atividade.

·        Procedimentos: Treine a equipe em todos os procedimentos, considerando como identificar alergênicos, como segregar (usando o mapa de segregação), o que fazer em caso de avaria, etc. Crie cenários simulados para reforçar a importância da correta identificação e do correto posicionamento dos materiais.

Realize treinamentos periódicos com a equipe de almoxarifado, e para melhoria contínua, realize auditorias internas no setor com foco em mitigação de contaminação de alergênicos. Seguindo estas dicas, tenho certeza que os resultados serão satisfatórios!

Ah, e temos muita informação no nosso blog sobre alergênicos! Mergulhe neste tema acessando nosso banco de dados aqui.

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PNL e treinamentos em segurança de alimentos: como transformar obrigação em engajamento

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Você já participou de um treinamento em que parecia estar apenas cumprindo uma obrigação? Talvez sentado em uma sala, assistindo slides cheios de textos, esperando apenas o final para assinar a lista de presença? Agora imagine se esse mesmo treinamento conseguisse prender sua atenção, despertar seu interesse e, principalmente, fazer você lembrar e aplicar o que aprendeu no dia a dia.

Imagem: ChatGPT

É exatamente aqui que entra a Programação Neurolinguística (PNL). Embora seja mais conhecida em áreas como coaching ou desenvolvimento pessoal, suas técnicas podem ser um divisor de águas quando aplicadas à segurança de alimentos, onde reter informações não é apenas importante, é vital.

Em ambientes industriais e de serviços de alimentação, os treinamentos costumam ser tratados como uma obrigação legal ou exigência de certificações. Mas quando o foco está apenas em “cumprir requisitos”, perde-se a essência: formar pessoas conscientes e capazes de agir corretamente diante de riscos.

A boa notícia é que, ao adaptar os treinamentos com técnicas de PNL, é possível aumentar a retenção de informações críticas, criar engajamento genuíno e transformar o aprendizado em algo significativo para cada colaborador.

O poder da linguagem

Imagem: ChatGPT

A PNL nos lembra de que não é só o conteúdo que importa, mas também a forma como ele é comunicado. A escolha de palavras, o tom de voz e até a ordem em que as ideias são apresentadas podem mudar completamente a forma como a mensagem é recebida.

  • Frases negativas como “Não esqueça de lavar as mãos” ativam no cérebro justamente a ação que queremos evitar: o esquecimento.
  • frases afirmativas como “Lembre-se de lavar as mãos antes de manipular os alimentos” dão clareza ao comportamento esperado.

Outro exemplo prático: ao dizer “Não deixe os equipamentos sujos”, o colaborador pensa primeiro em “equipamento sujo”. Mas se a frase for “Mantenha os equipamentos sempre limpos”, o cérebro visualiza a cena correta.

Esse ajuste é simples, mas poderoso. Ele cria imagens mentais positivas, que são mais fáceis de guardar e executar.

Histórias que ficam na memória

Treinamentos técnicos, recheados de normas e siglas, tendem a se perder na memória. Mas quando usamos narrativas, despertamos emoção, e emoção é o que grava a informação no cérebro.

Imagine duas formas de ensinar sobre risco de contaminação:

  • Versão 1 (técnica): “A contaminação cruzada pode ocorrer quando utensílios não higienizados são usados em alimentos prontos para consumo.”
  • Versão 2 (história): “Em uma padaria, um funcionário usou a mesma faca para cortar frango cru e depois fatiar pão. O resultado? Diversos clientes passaram mal e a empresa perdeu consumidores fiéis.”

De qual das duas você acha que o colaborador vai se lembrar na hora de pegar a faca?

As histórias transformam o abstrato em concreto. Elas permitem que o colaborador veja a consequência do erro, sinta o impacto e se conecte emocionalmente com a importância do cuidado.

Ancoragem para fixar comportamentos

A PNL traz o conceito de ancoragem: associar estímulos externos a respostas internas desejadas. Em treinamentos de segurança de alimentos, isso pode ser aplicado de várias formas:

  • Visuais: cores específicas para áreas de risco (azul para higienização, vermelho para perigo biológico). Sempre que o colaborador vê aquela cor, o cérebro ativa a memória associada.
  • Sonoros: pequenos alertas sonoros próximos a pias ou estações críticas que reforçam a lembrança de lavar as mãos.
  • Gestuais: o instrutor pode criar um gesto (como unir as mãos) toda vez que reforça o tema higienização. Depois de repetido várias vezes, esse gesto sozinho pode lembrar os colaboradores da ação correta.

Essas âncoras, quando bem planejadas, criam automatismos. O colaborador não precisa “pensar muito”: o estímulo já dispara o comportamento correto.

Reformulando a ideia de treinamento

Grande parte da resistência dos colaboradores vem da percepção de que o treinamento é apenas “mais uma obrigação”. Aqui, a PNL pode mudar o jogo ao reformular a comunicação.

  • Em vez de “Precisamos fazer isso porque a auditoria exige”, o instrutor pode dizer: “Cada vez que você lava as mãos, está protegendo não só o cliente, mas também o emprego de todos nós. Uma falha pode fechar uma empresa inteira.”
  • Em vez de reforçar apenas normas, é possível mostrar propósito: “Você faz parte da linha de frente que garante que famílias inteiras possam confiar no alimento que colocam na mesa.”

Essa abordagem cria significado. O colaborador passa a perceber que o que faz é maior do que “cumprir regra”: é cuidar de pessoas.

Para incorporar efetivamente a PNL nos treinamentos de segurança de alimentos, é essencial criar um plano que integre as técnicas da linguagem e motivação com os requisitos normativos, como os da ISO 22000/ IFS/ BRCGS e das normas brasileiras vigentes, como a RDC 216 e RDC 275 da ANVISA. Esse plano deve contemplar:

  • Definição clara dos objetivos de aprendizagem.
  • Seleção de conteúdos inclusivos para garantir ampla compreensão.
  • Aplicação de dinâmicas e atividades que promovam a participação ativa.
  • Cronograma de reciclagens regulares para reforço dos conceitos.
  • Avaliação contínua dos resultados por meio de métricas e feedbacks.

Os treinamentos precisam ser completos, satisfazendo aspectos legais e práticos para aumentar a aplicabilidade do conteúdo no dia a dia.

Técnicas de PNL aplicadas a treinamentos práticos

  • Visualização guiada: peça para o colaborador fechar os olhos e imaginar o processo correto de higienização passo a passo. Isso ajuda o cérebro a simular e gravar o comportamento.
  • Metáforas: use comparações simples, como comparar a higienização das mãos ao “resetar um celular” para que funcione sem travar. Isso torna o conceito mais leve e memorável.
  • Feedback sensorial: pergunte como cada pessoa se sente ao imaginar alguém da família consumindo um alimento inseguro ou contaminado. Essa conexão emocional gera mais responsabilidade do que mil slides com requisitos de normas.

A avaliação dos treinamentos é fundamental para garantir que o aprendizado se converta em prática efetiva. Métodos simples e eficazes incluem:

  • Aplicação de questionários antes e depois do treinamento para medir o ganho de conhecimento.
  • Observação direta das práticas dos colaboradores em seu ambiente de trabalho.
  • Coleta de feedbacks qualitativos, para entender as dificuldades e sugestões.
  • Monitoramento de indicadores como redução de falhas de higiene e número de reclamações de consumidores.
  • Realização de auditorias internas e externas para manter a conformidade.

Os resultados da avaliação devem mostrar o impacto real das ações e orientar ajustes para melhoria contínua, aspecto vital para tomada de decisão.

O fator humano como chave da segurança de alimentos

A maioria dos incidentes não ocorre por falta de conhecimento técnico, mas por desatenção, cansaço, resistência ou esquecimento.

É aí que a PNL se conecta à psicologia organizacional: entender como as pessoas aprendem, se motivam e constroem hábitos.

Um colaborador motivado, que entende o “porquê” das normas e sente orgulho do seu papel, tende a cometer menos erros do que aquele que só cumpre tarefas mecanicamente.

Treinar não é apenas informar: é transformar comportamento.

Para que a aplicação da PNL nos treinamentos seja realmente eficaz, os instrutores precisam estar capacitados para usar essas técnicas de forma natural e didática. A capacitação dos instrutores deve incluir:

  • Conhecimentos básicos sobre PNL e comunicação positiva.
  • Técnicas para contar histórias e criar exemplos práticos.
  • Uso de linguagem corporal e ancoragem gestual durante o treinamento.
  • Formação em dinâmicas de grupo para estimular a participação.
  • Atualização constante sobre normas técnicas de segurança de alimentos e metodologias educativas

O sucesso do treinamento depende da habilidade do instrutor, e a melhoria contínua do instrutor fortalece a cadeia de ensino.

Treinamentos em segurança de alimentos não precisam ser chatos, técnicos demais ou meramente burocráticos. Ao aplicar técnicas simples da PNL, eles se tornam mais humanos, memoráveis e eficazes. Porque, no fim das contas, segurança de alimentos é sobre pessoas que cuidam de pessoas. E quando a mensagem é clara, envolvente e significativa, ela não só é entendida, ela é praticada.

E você, já participou de um treinamento de segurança de alimentos que realmente fez sentido para sua vida? Ou ainda sente que muitos são apenas “para cumprir tabela”? Compartilhe sua experiência nos comentários, sua visão pode inspirar novas formas de treinar e proteger aquilo que todos nós temos em comum: a comida que chega à mesa.

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