Em junho, um artigo do site Food Poisoning Bulletin trouxe no título a informação de que 85% dos surtos alimentares relacionados a lácteos ocorridos nos Estados Unidos em 2013 foram decorrentes do consumo de leite cru ou seus produtos não pasteurizados.
Confesso a você, caro leitor, que esse tema me traz lembranças afetivas importantes, pois quando criança, meus primos e eu aguardávamos em fila, ansiosos, a última ordenha do dia feita pelo meu avô; cada um segurando sua caneca de alumínio com café ou achocolatado. Lembro da temperatura e do sabor daquele leite, que ainda espumado na caneca deixava um “bigode” branco em cada um de nós. Mal sabíamos que, por trás de tanto afeto, havia riscos associados a microrganismos patogênicos e sérias toxinfecções alimentares.
O leite cru é aquele que não foi submetido a homogeneização e processo térmico (pasteurização ou UHT) para redução/eliminação de bactérias patogênicas. Sendo assim, pode estar contaminado com microrganismos como, por exemplo, Salmonella, E. Coli, Campylobacter, Listeria e seu consumo pode ocasionar toxinfecções alimentares, sobretudo em crianças, idosos e pessoas imunodeprimidas. No Brasil, sua venda direta ao consumidor final é proibida, mas há países onde tal prática é permitida: nos EUA, por exemplo, há estados que permitem a sua comercialização.
Há duas frentes divergentes em relação a este tema: defensores ferrenhos do consumo do leite cru, adeptos de uma alimentação mais natural ou sem transformação e defensores da proibição do consumo e disseminação das informações relacionados aos riscos de tal prática.
A corrente defensora do consumo do leite cru enumera vantagens associadas à saúde e ao fortalecimento do sistema imune, sobretudo do leite orgânico proveniente de animais criados em pasto e alimentados com capim. Nos Estados Unidos, por exemplo, há a fundação FTCLDF (Farm-to-Consumer Legal Defense Fund) que protege o direito de comercializar e comprar leite cru. Há também uma campanha intitulada “Real Milk”, cujo site disponibiliza informações sobre os locais seguros para aquisição do leite cru, assim como discute a segurança do consumo versus as evidências científicas atuais.
A outra frente é formada por diversas associações, organizações de pesquisa e órgãos reguladores, como por exemplo, a Academia Americana de Pediatria que, em dezembro de 2013, se posicionou contrária ao consumo de leite cru proveniente de vacas, cabras e ovelhas, principalmente, por mulheres grávidas e crianças, alegando não haver evidências científicas suficientes para comprovar o benefício do consumo de leite cru e reiterando os riscos desse consumo. Em maio do mesmo ano, um estudo europeu intitulado “Raw or heated cow milk consumption: Review of risks and benefits” já havia concluído pela falta de argumentos nutricionais ou de saúde para o consumo do leite cru em comparação ao pasteurizado.
Voltando ao artigo do Food Poisoning Bulletin mencionado no início desse post, o recente relatório publicado pelo CDC (Center for Disease Control and Prevention) destacou que dos 17 surtos alimentares de 2013 ocasionados por produtos lácteos não pasteurizados, nove foram relacionados à contaminação por Campylobacter, resultando em 114 pessoas doentes e 5 internações. Lembramos que Campylobacter é das principais bactérias associadas a toxinfecções alimentares, cujos sintomas são febre, cólicas abdominais e diarreia. Para a maior parte das pessoas, a recuperação acontece normalmente, porém uma pequena parcela pode desencadear a Síndrome de Guillain Barré, com risco de vida (já falamos disso aqui no blog).
Recentemente, outros casos de recalls e toxinfecções alimentares vinculados ao leite cru foram noticiados nos Estados Unidos e o tema continua sob vigilância constante dos órgãos reguladores que não medem esforços para conter a onda do consumo desses produtos não pasteurizados.
No Brasil, uma busca rápida no Google permite encontrar locais de venda de leite cru para o consumidor, apesar da proibição do Ministério da Agricultura. Não há dúvidas de que tal prática é ilegal e, portanto, há riscos associados à falta de padronização ou padrões especificados e inspecionados.
E você, o que pensa desse assunto? Você consome ou consumiria leite cru?
Quanto a mim, apesar das boas lembranças relacionadas ao consumo do leite cru, o costume não será perpetuado por outras gerações e não fará parte da infância de meus filhos. Apesar de todo o aspecto afetivo, não consigo menosprezar a fala do então diretor da divisão de Lácteos e Ovos do FDA, John Sheehan que em 2004 declarou que “consumir leite cru é como jogar Roleta Russa com a sua saúde”.
3 min leituraEm junho, um artigo do site Food Poisoning Bulletin trouxe no título a informação de que 85% dos surtos alimentares relacionados a lácteos ocorridos nos Estados Unidos em 2013 foram […]










