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Seu champanhe realmente é um champagne?

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Para poder ser chamado de champagne – ou champanhe, como escrevemos no Brasil – um vinho espumante deve ser produzido exclusivamente na região de Champagne, nas proximidades da cidade de Reims, no oeste da França. Além disso, deve também seguir um método de produção tradicional, além de outras exigências, como usar uvas típicas produzidas na região.

As vitis viniferas tintas Pinot Noir e Pinot Meunier, além da branca Chardonnay, correspondem a quase 100% das cepas plantadas na região de Champagne, que conta com 33.868 hectares.

Trata-se de uma localidade reconhecida pelo selo Appellation d’Origine Contrôlée (AOC), um certificado que corrobora o local como o único produtor original de champanhe no mundo, ou seja, champanhe que realmente é champanhe vem desta região e possui certificação desta AOC.

O método tradicional de produção de champanhe também é conhecido por método champenoise, no qual a primeira fermentação é feita no tanque de inox, porém, a segunda deve ocorrer já dentro da própria garrafa.

O sistema de AOC é muito sério, envolve responsabilidades conjuntas em toda cadeia produtiva, incluindo o compromisso de produtores primários, indústrias e negociadores, além da participação de outros stakeholders como o próprio governo da França, exigindo que as uvas utilizadas sejam exclusivamente cultivadas sob o clima e solos (terroir) desta região referenciada. No entanto, vale a pena o esforço, por agregar valor ao produto e torná-lo um item exclusivo e desejado em todo o mundo.

Mas e se o produto rotulado como “champanhe” sequer for um bom espumante?

Há um escândalo ocorrendo neste momento na França. Suspeita-se que 1,8 milhões de garrafas vendidas como champanhe sejam falsificações à base de vinhos baratos importados, dióxido de carbono (CO2) para dar o perlage (bolhas) e arredondados com licor, sendo vendidas por um preço entre €10 e €20.

Este escândalo caiu como uma bomba justamente por este ser o período de pico de vendas, que compreende as festas de Natal e Ano Novo e envolve a mais notória região produtora de espumantes do mundo.

Segundo a denúncia de uma gerente que atua no setor, Didier Chopin, o CEO na Champlat-et-Boujacourt a 130km a oeste de Paris, detentora de 22 marcas e que exporta para 40 países, com faturamento anual que ultrapassa €10 milhões, é a mente por trás da fraude.

Após a pandemia de Covid-19, em 2022, os preços do vinho explodiram e Didier Chopin, que comprava a bebida no atacado, já que seus 8 hectares de vinhedos cobrem apenas uma pequena parte da sua produção, começou a ter dificuldade em adquirir a bebida. Sua empresa, então, estava sujeita a multas de centenas de milhares de euros caso as encomendas dos supermercados (quase um milhão de garrafas de champanhe por ano) não fossem entregues, daí ele teve a brilhante ideia: fazer um produto “montado” e vender como champanhe.

A receita utilizada para a “montagem” do vinho espumante a princípio é perigosa para a saúde; o sabor e aroma não são os ideais e o mais importante: é uma fraude por enganar o consumidor, vendendo gato por lebre, ou seja, é uma mistureba gaseificada vendida como se fosse um autêntico Champagne e assim não cumpre as regras de denominação de origem.

Há também uma linha de suspeitas que sugere que o produto não seria montado, mas ainda assim, não poderia ser chamado de champagne, por estar fora da região AOC, pois havia na linha de produção caixas com rolhas “Grand vin de Champagne” sendo destinadas a garrafas usadas em produtos de fora do perímetro.

A Direção Geral da Concorrência, Consumo e Controle de Fraude (DGCCRF) francesa foi contatada e as análises do produto estão em andamento. Enquanto isso, o Ministério Público aguarda a recepção do processo da DGCCRF antes de abrir uma investigação formal e apurar responsabilidades.

Alguns supermercadistas franceses já retiraram as garrafas das marcas controladas por Didier Chopin de suas gôndolas para não se arriscarem a ter o nome envolvido neste escândalo.

A história ainda está em andamento. É preciso aguardar o desenrolar do caso para conhecer o tamanho e a natureza real do problema, mas se o escândalo realmente se confirmar, será um dos maiores casos de fraude no setor, comprometendo a integridade da garantia de origem na região de Champagne.

De minha parte, já sendo bairrista, sugiro irmos tomando os espumantes brasileiros que são excepcionais e estão ganhando o mundo por sua qualidade, aroma e sabor.

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Infrações mais comuns em inspeções do FDA em 2022 e 2023

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Mais de 300.000 empresas exportam alimentos para os EUA e algumas delas vem recebendo inspeções do FDA.

No período de 01.01.2022 a 30.09.2023 o FDA identificou 7230 infrações à legislação americana em empresas de alimentos, espalhados em 687 itens (veja aqui). Veja também dados de infrações do período de 2017 e 2018 em post neste blog.

Apresentamos no gráfico abaixo os casos mais comuns, que corresponderam a mais de 100 ocorrências registradas nas inspeções (excluímos os casos de falta de programa de verificação de empresas estrangeiras encontradas em empresas localizadas em território americano, que foram 789 casos) :

O nome que os EUA usam para essas Não Conformidades é observations, pois no entendimento deles é uma transgressão que precisa ser corrigida e eles dão o prazo de até 15 dias úteis para responder no formulário 483, cada uma das observations.

O Formulário 483 da FDA não constitui uma determinação final da Agência sobre se alguma condição viola a Lei FD&C ou qualquer um de seus regulamentos relevantes. O Formulário 483 é considerado, juntamente com um relatório escrito denominado Relatório de Inspeção do Estabelecimento, todas as evidências ou documentação coletada no local e quaisquer respostas feitas pela empresa. A Agência considera todas essas informações e então determina quais ações adicionais, se houver, serão apropriadas para proteger a saúde pública, podendo em último caso, excluir a indústria de determinado país do cadastro de empresas aprovadas pelo FDA para exportar para os EUA.

Nos anos anteriores à pandemia acompanhei pessoalmente várias inspeções do FDA como consultor e PCQI – Preventive  Controls Qualified individual (Indivíduo Qualificado em Controles Preventivos) e percebi que são auditorias muito diferentes das auditorias de certificação em segurança de alimentos que estamos acostumados aqui no Brasil, como as auditorias de FSSC 22000, ISO 22000, BRC ou IFS Food. Cada inspetor do FDA tem sua forma de inspecionar, o tempo é mais reduzido e em geral não usam check list. Só usam em alguns casos em que a legislação americana prevê check lists bem específicos, como por exemplo ao inspecionarem bebidas de baixa acidez.

Inspetor do FDA com camisa roxa ao centro da foto, no final de uma inspeção em indústria no Brasil

Tenho conhecimento de diversas indústrias no Brasil que receberam email do FDA nesse segundo semestre de 2023 informando que em breve realizarão visita de inspeção nas respectivas unidades produtivas.

Por fim, acho interessante ressaltar dois pontos:

  • Lembrar que a lei FSMA – Food Safety Modernization Act, em vigor – exige de todas as empresas que exportam alimentos para os EUA um plano de segurança de alimentos diferente do APPCC do Codex ou da ISO 2200.  Trata-se do HARPC, que exige que alguns controles que normalmente são entendidos como PPR (ou BPF) podem ser classificados como Controle Preventivos com monitoramento, verificação e validação no nível de um PCC como conhecemos;
  • Alertar que fiz esse mesmo gráfico que apresentamos acima, com dados do período anterior, de 2021, e percebi que o item “pesticidas com uso indevido” não estava na lista dos casos com mais de 100 repetições e agora subiu para o terceiro maior problema.

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Quais os possíveis riscos microbiológicos do consumo de queijos artesanais feitos de leite cru?

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A comercialização de queijos artesanais feitos de leite cru (QALC) é permitida em algumas partes do mundo, incluindo o Brasil, mas existem diversos riscos microbiológicos relacionados ao consumo deste alimento que têm sido sistematicamente negligenciados.

No Brasil, mesmo com todos os esforços dos órgãos fiscais, ainda se observam muitos desafios, especialmente no que diz respeito à produção de forma segura deste produto. Neste sentido, é importante destacar alguns pontos que permanecem em discussão como: i) quais os patógenos mais prevalentes nos QALC e os fatores de risco para a sua presença neste alimento, ii) qual a distribuição espacial dos mesmos, iii) se existe um tempo de maturação que torna o QALC inócuo ao consumidor para os patógenos mais prevalentes, e iv) os principais pontos críticos de controle a serem focados por programas de boas práticas agropecuárias (BPA) e de fabricação (BPF) para a produção deste tipo de alimento.

Em Minas Gerais (MG), os modos de fazer QALC foram considerados como patrimônio histórico imaterial da humanidade pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, tendo duas regiões conquistado selos de indicações geográficas (IG): Canastra e Serro. Entretanto, com a publicação da Instrução Normativa nº 30, de 07/08/2013 que, no art.1º, “permite que os queijos artesanais tradicionalmente elaborados a partir de leite cru sejam maturados por um período inferior a 60 (sessenta) dias, quando estudos técnico-científicos comprovarem que a redução do período de maturação não comprometa a qualidade e a inocuidade do produto”, diversas outras regiões começaram a demandar estes estudos, no sentido de reduzir os tempos de maturação e facilitar a comercialização de QALC. Uma crítica que se faz a estes estudos nacionais é que, em sua maioria, têm se baseado em uma amostragem com número limitado de agroindústrias rurais produtoras de QALC (sete ou oito), e comumente são selecionadas aquelas com melhores BPAs e BPFs, que em geral não representam a realidade de produção artesanal de cada uma das regiões.

Este registro de IG tem sido demandado por diversas regiões produtoras de queijos artesanais, tanto de Minas Gerais como de diversos outros estados. Segundo a Coordenação de Incentivo à Indicação Geográfica de Produtos Agropecuários da Secretaria de Desenvolvimento Agropecuário e Cooperativismo (CIG/SDC) do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA), tal registro é um reconhecimento da notoriedade, reputação, valor intrínseco e identidade do produto, além de proteger seu nome geográfico e distingui-lo de similares disponíveis no mercado. Por outro lado, devido a questões inerentes à segurança do consumidor, alguns integrantes do próprio MAPA e de outros órgãos de defesa vêm demonstrando preocupação com a produção de QALC, uma vez que essa prática, planejada inicialmente como uma exceção à regra da pasteurização, para atender nichos específicos de produção e mercado, vem se tornando, no entanto, uma regra utilizada com frequência por regiões produtoras de QALC do país inteiro. Dessa forma, até mesmo regiões que não tinham tradição de produção de QALC estão procurando implantá-la.

Diante do exposto, surge uma questão essencial: quais os perigos microbiológicos principais e os riscos inerentes à saúde do consumidor de um QALC?

Patógenos em QALC produzidos fora do Brasil e surtos humanos

A taxa de surtos causados pelo consumo de leite não pasteurizado (muitas vezes chamado de leite cru) e seus derivados foi 150 vezes maior do que os surtos associados ao leite pasteurizado, de acordo com um estudo do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos da América (EUA). Essa revisão que abrangeu 13 anos também revelou que os estados onde a venda de leite cru era considerada legal tinham mais que o dobro da taxa de surtos dos estados onde era ilegal. Os produtos fabricados com leite cru citados nessa revisão incluíram queijo e iogurte (Langer et al., 2012).

O número de surtos nos EUA causados pelo consumo de leite e derivados não pasteurizados aumentou de 30, durante 2007–2009, para 51, durante o período de 2010 a 2012. A maioria dos surtos foi causada por Campylobacter spp. (77%) e por lácteos não pasteurizados adquiridos de estados em que a venda deste alimento era considerada legal (81%). Durante 2007–2012, um total de 81 surtos associados a lácteos não pasteurizados foi relatado em 26 estados, os quais resultaram em 979 doentes e 73 hospitalizações. Dos 78 surtos com um único agente etiológico, Campylobacter spp. foi o patógeno mais comum, causando 81% (62/78) dos surtos, seguido por Escherichia coli produtora de toxina Shiga (17%, 13/78), Salmonella enterica sorotipo Typhimurium (3%, 2/78) e Coxiella burnetii (1%, 1/78) (Mungai et al., 2015).

Uma ampla revisão concentrou informações sobre os perigos microbiológicos presentes em produtos lácteos fabricados com leite cru, em particular queijo, manteiga, creme e leitelho, em diversas regiões do continente europeu, além dos Estados Unidos e Canadá. Nessa revisão, Verraes et al. (2015) apresentam os principais perigos microbiológicos dos queijos produzidos com leite cru (especialmente queijos macios e frescos), confirmando que a maioria está associada à contaminação por Listeria monocytogenes, E. coli produtora de verocitotoxina (VTEC), Staphylococcus enterotoxigênicos, Salmonella spp. e Campylobacter spp. Em adição, também foi possível identificar, em áreas endêmicas, produtos lácteos de leite cru contaminados com Brucella spp. e Mycobacterium bovis. Uma lista não exaustiva de 64 surtos humanos associados ao consumo de produtos lácteos feitos de leite cru foi analisada nessas mesmas regiões. Todos os surtos, exceto um, foram associados ao consumo de QALC. Um surto foi atribuído ao consumo de creme de leite cru, sendo nenhum deles atribuído à manteiga de leite cru ou ao leitelho. Os patógenos mais comumente encontrados nesses 64 surtos envolvendo humanos são apresentados na Figura 1. Importante ressaltar que um surto em humanos causado por Brucella spp. foi associado a QALC maturado por mais de 90 dias (Galbraith et al., 1969).

Figura 1. Surtos de doenças transmitidas por alimentos associados ao consumo de leite cru ou seus derivados não pasteurizados, especialmente queijos, na Europa, EUA e Canadá. VTEC, vetotoxigênicas; TC, transmitidos por carrapatos. (Fonte: Verraes et al. 2015)

Patógenos em QALC do Brasil e surtos associados ao seu consumo

A vigilância de doenças de origem alimentar, também chamadas de transmitidas por alimentos (DTA), teve início no Brasil em 1999. No período de 2000-2021, leite e derivados foi o quinto grupo de alimentos mais implicado nesses surtos no país, sendo responsável por aproximadamente 6% do total notificado ao Ministério da Saúde. 

Diversos surtos humanos têm sido associados especialmente ao consumo de QALC no Brasil. Um surto de glomerulonefrite por Streptococcus equi sub. zooepidemicus acometeu 253 pessoas, causando muitas mortes e sequelas em Nova Serrana, Minas Gerais (MG), de 1997 a 1998 (Balter et al., 2000). Adicionalmente, cinquenta indivíduos ficaram doentes após consumirem QALC contaminados por enterotoxinas estafilocócicas em Manhuaçu, MG, em 1999 (Carmo et al., 2002). Casos de tuberculose zoonótica detectados em pacientes de Juiz de Fora, MG, de 2008 a 2010, foram associados a exposições zoonóticas, especialmente consumo de QALC (Silva et al., 2018). Por sua vez, um surto de toxoplasmose humana ocorrido no município de Montes Claros de Goiás, GO, de 2015-2016, foi associado principalmente ao consumo de QALC. Em um amplo surto de brucelose humana no Brasil, o consumo de lácteos crus foi o principal fator de risco detectado (Lemos et al., 2018).

Ademais, diversos perigos microbiológicos previstos em legislações nacionais têm sido detectados em QALC no Brasil, cujos riscos à saúde pública não podem ser negligenciados. Entre esses, destacam-se Salmonella spp. (Araújo 2004; Menezes et al., 2009) e L. monocytogenes (Zaffari et al., 2007; Carvalho, 2014). Dores et al. (2013), por outro lado, mostraram uma baixa taxa de produção de enterotoxinas clássicas, apenas tipos A e C, por cepas isoladas de S. aureus do queijo Minas Artesanal (QMA). Apesar de a maioria dos isolados não produzirem enterotoxinas clássicas, os autores alertaram que as altas contagens de S. aureus nas amostras de queijo analisadas podem representar possível risco da presença de enterotoxinas não clássicas, as quais não foram avaliadas no estudo.

Por outro lado, igualmente preocupante é o relato de diversos patógenos, a maioria zoonóticos, que não são previstos por legislações específicas para serem pesquisados em QALC, portanto negligenciados, e que podem ser encontrados neste alimento. Kobayashi et al. (2017) detectaram a presença de Campylobacter spp. em amostras de queijos obtidos de vacas leiteiras criadas às margens do rio Tietê, na grande São Paulo. Por sua vez, o gênero Brucella, que foi detectado em diversas amostras de QALC brasileiros, está entre os sete patógenos zoonóticos de maior prioridade global (Miyashiro et al., 2007; Silva et al., 2016; Kobayashi et al., 2017). Vale ressaltar que esse patógeno foi recuperado por cultivo em queijos Coalho e QMA, respectivamente, segundo Bezerra et al. (2019) e Silva et al. (2022), sobrevivendo por até 29 dias em QMAs infectados experimentalmente.

C. burnetii, outro patógeno altamente infeccioso e resistente ao calor, mantido na natureza por um amplo espectro de espécies animais, especialmente ruminantes, seus principais reservatórios, também precisa ser considerado. Classificado na categoria B de agente para bioterrorismo, altas taxas de prevalência de DNA de C. burnetii têm sido relatadas em queijos de origem bovina, ovina ou caprina em diversas regiões do mundo. Estudos indicam que C. burnetii pode permanecer viável após, pelo menos, 8 meses de maturação em queijos duros feitos com leite não pasteurizado, sob pH ácido e baixa atividade de água. No Brasil, o agente foi detectado recentemente pela primeira vez em QALC (Rozental et al., 2020; Nascimento et al., 2021) em diferentes regiões produtoras de QMAs.

M. bovis foi detectado em queijo coalho artesanal de duas regiões do Nordeste (Cezar et al., 2016), sendo este patógeno agente etiológico da tuberculose zoonótica em humanos, umas das quatro zoonoses de maior prioridade global. Carneiro et al. (2022) detectaram leite contaminado pelo complexo M. tuberculosis no Amazonas, a matéria-prima para fabricação de um tipo de QALC.

Pela primeira vez no Brasil células viáveis de M. avium spp. paratuberculosis (MAP) foram também recuperadas do queijo coalho por Faria et al. (2014), patógeno posteriormente identificado em outros queijos deste tipo (Albuquerque et al., 2019), o que implica na evidência deste alimento como uma possível fonte de exposição humana ao MAP; patógeno este suspeito de desencadear, entre outras, a doença de Crohn em humanos (Albuquerque et al., 2019). Como agravante, M. bovis e MAP sobrevivem à maturação e estocagem de QALC por mais de 60 dias, chegando a 10 meses em alguns tipos de queijos (Spahr et al., 2001; Verraes et al., 2015).

No Brasil, a avaliação da presença de vírus gastroentéricos na água e em alimentos prontos para consumo, como o leite e queijo, também não é exigida pelas normativas sanitárias vigentes – RDC 724/2022 e IN 161/2022 (Brasil, 2022). Em termos de segurança de alimentos, mundialmente, os norovírus são considerados os mais importantes agentes em surtos de gastroenterite aguda (GA) de origem alimentar de etiologia não bacteriana (Forsythe, 2010). São vírus geneticamente diversos e extremamente infecciosos e, consequentemente, mesmo em baixa concentração podem causar GA (Bosch et al., 2011). Além do norovírus, o adenovírus (AdV) também possui importância epidemiológica em surtos de GA, particularmente o AdV-40 e o AdV-41. Além disso, o AdV é recomendado como biomarcador de contaminação fecal, sendo considerado na avaliação da qualidade da água, devido a sua ampla distribuição, alta concentração, bem como estabilidade e resistência às condições ambientais adversas (Rames et al., 2016). Considerando-se que humanos e animais são hospedeiros do AdV, existe a possibilidade de transmissão zoonótica (Borkenhagen et al., 2019). Estudos virais em matrizes de queijos são bem escassos, e recentemente, três reportaram a presença de vírus gastroentéricos em queijos no Brasil. Silva et al. (2021), em um estudo transversal randomizado, demonstraram a presença de norovírus genogrupo I em 26,0% (26/100), AdV em 14,0% (14/100) e a codetecção de ambos em 3,0% (3/100) das amostras de QALC (QMA e Coalho) obtidas dos estados de MG e Piauí, no período de 2017 a 2018. Melgaço et al. (2018) detectaram o HAdV em 10% (9/10) e norovírus genogrupos I e II em 1,1% (1/90) das amostras de queijo Minas e do tipo prato comercializadas no estado do Rio de Janeiro, em 2015. Além disso, a presença de rotavírus A (RVA), outro importante vírus gastroentérico, foi apontada no estudo de De Castro Carvalho et al. (2020) em amostras de QALC obtidas da região de Mariana/MG, em 2015, após a ruptura de uma barragem que afetou a qualidade ambiental da região.

Considerações finais

É importante reforçar que os requisitos sanitários para a produção de QALC devem ser estabelecidos com o objetivo primordial de proteger a saúde da população, não devendo ser equivocadamente reduzidos a trâmites burocráticos para viabilizar determinada atividade comercial

Entretanto, vários perigos microbiológicos detectados em QALC brasileiros, com a maioria deles sendo causas de zoonoses, ainda não fazem parte de legislações específicas direcionadas aos alimentos de origem animal no Brasil. Assim, como muitos dos patógenos negligenciados em QALC por legislações nacionais sobrevivem ao longo da maturação, os baixos tempos exigidos neste processo para diversos QALC brasileiros (< 25 dias) precisam ser revistos, levando em conta patógenos que não foram considerados pelos diversos estudos técnico científicos em curso, tais como Brucella, C. burnetii, Mycobacterium bovis e vírus entéricos, etc.

Portanto, o presente artigo tem como objetivo alertar autoridades sanitárias dos setores de Agricultura e Saúde, que esta questão fundamental à saúde humana precisa ser fortalecida e continuar a ser revista com um enfoque de Saúde Única.  Por meio deste enfoque holístico, a autorização de produção e comercialização de QALC deve incluir o controle ou a eliminação de agentes zoonóticos, tais como os causadores da brucelose, em rebanhos cujos leites serão destinados à produção destes queijos, além de BPA e BPF ao longo da cadeia de produção deste alimento.

Ressalta-se que estas práticas que objetivam a segurança do alimento ao consumidor devem ser reforçadas por protocolos claros de inspeção final do produto e por trabalhos de educação continuada, direcionados tanto aos produtores como aos consumidores de tal alimento. Enfim, as questões histórico-culturais e socioeconômicas que envolvem os QALC são importantes, mas aquelas relacionadas à segurança do alimento e à proteção do consumidor devem ser igualmente priorizadas.

Autores: Marcio Roberto Silva1, João Batista Ribeiro1, Guilherme Nunes de Souza1, Karina Neoob de Carvalho Castro1, Henrique de Oliveira Frank1, Flábio Ribeiro de Araújo2, Elba Regina Sampaio de Lemos3, Marize Pereira Miagostovich3, Carina Pacheco Cantelli3, Jorlan Fernandes de Jesus3, Ricardo Souza Dias4, Ricardo José de Paula Souza e Guimarães5, Humberto Moreira Húngaro6, Maria Aparecida Scatamburlo Moreira7, André Almeida Santos Duch8, Rômulo Tadeu Pace de Assis Lage8, Liliane Denize Miranda Menezes8, Paulo Martins Soares Filho9, Antônio Augusto Fonseca Júnior9, Patrícia Gomes de Souza9, Juliana Nunes Carvalho10, Letícia Scafutto de Faria6, Amanda Gonelli Gonçalves6, Vitória Barbosa Conceição6, Sabrina Galvão de Andrade Bohnenberger6, Roberta de Matos Caetano4, Christina Pettan-Brewer11

1Embrapa Gado de Leite, 2Embrapa Gado de Corte, 3Fiocruz, 4Fundação Ezequiel Dias, 5Instituto Evandro Chagas, 6Universidade Federal de Juiz de Fora, 7Universidade Federal de Viçosa, 8Instituto Mineiro de Agropecuária, 9Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, 10Agência de Defesa e Fiscalização Agropecuária do Estado de Pernambuco,  11Universidade de Washington

 Referências

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Nascimento, C. F. et al. Molecular Detection of Coxiella burnetii in Unstandardized Minas Artisanal Cheese Marketed in Southeastern Brazil. Acta Tropica, v. 220, n. 105942, 2021.

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Rames, E. et al. Technical aspects of using human adenovirus as a viral water quality indicator. Water Research, v. 96, p. 308-326, 2016.

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Silva J. et al. Brucella abortus detected in cheese from the Amazon region: differentiation of a vaccine strain (B19) from the field strain in the states of Pará, Amapá and Rondônia, Brazil. Pesquisa Veterinária Brasileira, v. 36, n. 8, p. 705-710, 2016.

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Verraes, C. et al., A review of the microbiological hazards of dairy products made from raw milk. International Dairy Journal; v. 50, p. 32-44, 2015.

Zaffari, C. B.; Mello, J. F.; da Costa, M. Qualidade bacteriológica de queijos artesanais comercializados em estradas do litoral norte do Rio Grande do Sul, Brasil. Ciência Rural [online], v. 37, n. 3, p. 862-867, 2007.

13 min leituraA comercialização de queijos artesanais feitos de leite cru (QALC) é permitida em algumas partes do mundo, incluindo o Brasil, mas existem diversos riscos microbiológicos relacionados ao consumo deste alimento […]

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Surto de E. coli 0157 em 11 creches canadenses

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No dia 01/11/2023 foi declarado encerrado o surto de E. coli 0157 em 11 creches canadenses, na província de Alberta, que envolveu 446 pessoas.

Foram confirmados 356 casos com exames laboratoriais e 90 outros são suspeitos.  Trinta e oito crianças e um adulto foram hospitalizados, 23 pacientes foram diagnosticados com síndrome hemolítico-urêmica (HUS) e oito precisaram de diálise. Nenhum paciente permanece no hospital e, felizmente, não houve mortes.

Alguns alunos e funcionários, que ainda apresentam E. coli nas fezes, não podem retornar às creches, sendo monitorados pelo sistema de Saúde.

Entenda melhor em: Aprendizado sobre tratamento de E.coli após surto europeu.

Suspeita-se que um bolo de carne e uma versão vegetariana do bolo servidos nas creches canadenses tenham sido a origem do surto, com base na investigação epidemiológica. No entanto, quando o surto começou, já não havia amostras de alimentos disponíveis para testes.

Durante as investigações, os fiscais encontraram várias violações de boas práticas na cozinha central que abastece as creches envolvidas, incluindo baratas, poças de água acumuladas no piso e um termômetro de alimentos armazenado em um balde com outros itens sujos.

Alimentos que deveriam ser mantidos sob refrigeração eram transportados por mais de 90 minutos em caixas de transporte sem manutenção ou controle de temperatura. A cozinha central segue interditada e só poderá reabrir após efetivação das ações corretivas, incluindo a apresentação e aprovação de um plano de segurança de alimentos.

A Escherichia coli ou E. coli foi descrita em 1885 por Theodor Escherich. É um bacilo Gram negativo, não esporulado, flagelado, com fímbrias e que forma biofilmes. Anaeróbio facultativo, está presente no ambiente e nos intestinos de diversos animais e é o melhor indicador de contaminação fecal em alimentos.

Em indivíduos saudáveis, é normal a presença de E. coli no intestino, mas algumas cepas transmitidas por alimentos contaminados podem causar doenças (saiba mais lendo Uma estrela do “Hall da Fama” dos patógenos: Escherichia coli O157:H7).

Entre as E. coli produtoras de toxinas shiga (STECs), classificam-se os sorogrupos (O) ou sorotipos (O:H), identificados através de análises laboratoriais realizadas com antissoros com base na presença de antígenos somáticos (O), flagelares (H) e capsulares (K), ou através de métodos mais modernos e sensíveis, por detecção molecular, em busca dos genes de virulência STX e EAE.

Em condições adequadas de preparo de alimentos, tais microrganismos devem ser eliminados com tratamentos térmicos acima de 70°C. Por isso é tão importante atentar-se ao cozimento, higienização, sanitização e armazenamento de alimentos.

Saiba mais em: E. coli produtoras de enterotoxinas

Para quem gosta de documentários, vale a pena conferir o post Food Safety na Netflix!, sobre um documentário que gerou calorosos debates, pois aborda casos reais de contaminações por E. coli, mas que deixou questões importantes sem respostas. Leia o post, assista o filme e tire suas conclusões!

Imagem: Food Poisoning Bulletin

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Registros de doenças de transmissão hídrica e alimentar (DTHA) no Brasil

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A sigla DTHA significa Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar. Estas doenças podem ser infecciosas, toxinoses, toxinfecções, toxicoses, doenças alérgicas e doenças nutricionais, sendo que as notificações de casos estão associadas à ingestão de alimentos ou água contaminados, com sintomas de náuseas, vômitos e/ou diarreia, falta de apetite, presença ou ausência de febre. Em casos severos, podem levar à morte.

As siglas DTA – Doenças Transmitidas por Alimentos e/ou DVA – Doenças Veiculadas por Alimentos buscam abranger o mesmo tema, porém a sigla DTHA tem sido mais utilizada atualmente.

Existem mais de 250 tipos de DTHA e a maioria são infecções causadas por bactérias e suas toxinas, vírus, protozoários e parasitas e constituem, muitas vezes, Eventos de Saúde Pública (ESP) que podem representar ameaça à saúde pública.

As DTHA podem ser identificadas quando uma ou mais pessoas apresentam sintomas similares, após a ingestão de alimentos ou água contaminados com microrganismos patogênicos ou suas toxinas, configurando uma fonte comum.

No caso de patógenos altamente virulentos e severos como  Clostridium botulinumEscherichia coli O157:H7, apenas um caso pode ser considerado um surto.

A maioria dos surtos tem sido relacionada à ingestão de alimentos com boa aparência, sabor e odor normais, sem qualquer alteração organoléptica perceptível.

Isso ocorre porque a dose infectante de patógenos alimentares geralmente é menor que a quantidade de microrganismos necessária para degradar os alimentos. Esses fatos dificultam a rastreabilidade dos alimentos causadores de surtos, uma vez que os consumidores afetados dificilmente conseguem identificar sensorialmente os alimentos contaminados, que podem ter sido ingeridos até 72 horas antes de os sintomas surgirem.

Os sintomas digestivos, porém, não são as únicas manifestações, podendo ocorrer afecções extraintestinais em diferentes órgãos, como rins, fígado, sistema nervoso central, entre outros.

A investigação de um surto de DTHA envolve 5 etapas ou condições necessárias para se chegar a bons resultados:

  1. Planejamento para o trabalho de campo – formação de equipe e determinação do escopo de investigação;
  2. Definição de caso e investigação – coleta de dados, entrevistas e análises;
  3. Processamento dos dados da investigação – busca de nexo causal;
  4. Implementação das medidas de controle e prevenção – determinação de ações mitigadoras e de prevenção;
  5. Encerramento e conclusão da investigação – geração de dados estatísticos sobre o surto.

A Secretaria de Vigilância e em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde alimenta um relatório sobre Surtos de Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar no Brasil. É um material muito rico em informações e interessante para conhecermos os principais problemas no cenário nacional. Pode ser acessado clicando aqui.

A compilação sistemática das notificações com os surtos de DTHA teve início em 1999. Surtos de DTHA ocorrem quando há 2 ou mais pessoas com quadro clínico semelhante e nexo causal com consumo de fonte comum de alimento ou água e/ ou com histórico de contato entre si ou alteração da taxas das DTHA refletindo em aumento do número de casos acima do limite esperado para a população envolvida em determinado período e território.

Seguem gráficos deste relatório:

1 – Número total de surtos de DTHA notificados

Fonte: Sinan/ SVSA/ Ministério da Saúde.

Considerando que o gráfico refere-se aos casos oficialmente notificados e que temos um país de dimensões continentais com locais pouco acessíveis cobertos por órgãos de saúde pública e que muitas pessoas pessoas com sintomas mais brandos não seguem para postos de saúde ou se automedicam, estes casos podem ser a ponta do iceberg, existindo uma infinidade de outros casos não notificados.

2 – Surtos notificados por região da federação

Fonte: Sinan/ SVSA/ Ministério da Saúde.

Obviamente, via de regra, regiões mais populosos acabam por ter mais notificações e assim o Sudeste se destaca, sendo que houve um pico em 2019 na região Norte, devido especialmente aos casos de açaí contaminado com o protozoário Trypanosoma cruzi veiculado pelo barbeiro.

3 – Surtos por local de ocorrência

Fonte: Sinan/ SVSA/ Ministério da Saúde.

A maior parte das notificações ocorre devido ao consumo nas próprias residências, demonstrando que campanhas sobre cuidados, conservação de alimentos e higiene alimentar no lar podem ser uma estratégia importante para redução de casos de DTHA, mas claro, elas devem ser seguidas pela fiscalização em bares, padarias e restaurantes.

4 – Surtos por alimentos causadores

Fonte: Sinan/ SVSA/ Ministério da Saúde.

O açaí tornou-se o campeão justamente pelos casos de contaminação com o Trypanosoma cruzi, tema que pode ser visto no artigo “É seguro tomar açaí?“. Porém, logo na sequência temos a água, refletindo uma falha no saneamento básico ainda presente em muitos municípios brasileiros.

5 – Agentes etiológicos mais identificados

Fonte: Sinan/ SVSA/ Ministério da Saúde.

Neste gráfico os apontamentos referem-se aos casos em que o agente etiológico efetivamente foi identificado, o que talvez explique uma divergência com o gráfico anterior, pois supõe-se que deveria aparecer o Trypanosoma cruzi, uma vez que o açaí figura como alimento líder nas notificações.

Relatórios com dados de DTHA são uma ferramenta muito importante para profissionais que trabalham com segurança dos alimentos e em estratégias de vigilância sanitária, servindo de fonte de informações para análise de riscos que vão direcionar a tomada de decisões.

Por isso, por parte da população, é importante criar o hábito de notificar ocorrências de casos de DTHA, pois esta ação é fundamental para geração de estatísticas relevantes, que sejam capazes de representar da melhor forma possível as ocorrências nacionais.

Leia também:

Os 4 maiores surtos de origem alimentar da década

Subnotificação de surtos alimentares: até quando?

Surtos alimentares tendo como causa a água

Manual de orientação para investigação em surtos de DTA

Identificação microbiana por DNA: a nova arma para controle de surtos alimentares

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Gripe aviária: o que é preciso saber

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A gripe aviária é uma doença causada por um vírus classificado como orthomixovirus do grupo A, do tipo aviário.

É uma doença que foi reportada em 1878, na Itália, identificada como Praga Aviária. Em 1955, o vírus foi identificado como influenza A aviário.

A ocorrência da gripe aviária em humanos, causada pelos vírus H5N1, só foi relatada pela primeira vez em 1997, em Hong Kong. Os vírus de influenza tipo A apresentam alta capacidade de mutação e consequentemente de adaptação a novos hospedeiros. O que aconteceu é algo raro, que pode ser explicado pela existência de um contato muito próximo entre uma ave doente e uma pessoa, por exemplo, durante o manejo desses animais.

No ciclo natural do vírus ocorre a transmissão viral entre as aves silvestres e destas para as aves domésticas. Há relatos de transmissão de aves para suínos e posteriormente de suínos para humanos.

Já foram relatados 862 casos em humanos no mundo com 455 óbitos. Em 2008 e 2009, uma pandemia ocorreu, originada por um vírus de influenza proveniente de suínos e que continha genes do vírus aviário. O vírus manteve-se circulando em suínos e então se adaptou e foi transmitido a humanos.

Esse vírus tem alta taxa de letalidade e por isso existe  a preocupação de que humanos se infectem, o que pode representar um risco à população mundial.

O que está relacionado à possibilidade de transmissão desse vírus:

– as aves migratórias/silvestres são os principais reservatórios desse vírus, por serem os hospedeiros naturais. Um ponto importante é que essas aves não costumam adoecer por influenza e têm hábito de se deslocar por grandes distâncias, o que possibilita que esse vírus também se “desloque” para diferentes regiões.

– a globalização e o comércio internacional – além de pessoas, mercadorias também transitam por diferentes regiões do mundo, o que pode levar a uma mais rápida propagação de diferentes vírus.

– condições inadequadas de venda de animais vivos em feiras e exposições. Nestes locais, diferentes espécies animais podem ficar em contato muito próximo. Como o vírus da influenza sofre rápidas mutações genéticas, essas condições possibilitam recombinações genéticas, permitindo que o vírus adapte-se a diferentes hospedeiros.

No dia 15 de maio de 2023, a gripe aviária foi detectada pela primeira vez em território brasileiro, diagnosticada em aves silvestres.

Os principais sintomas da gripe aviária em galinhas são: tosse, espirros, muco nasal, queda de postura ou na produção de ovos, ou alterações nas cascas dos ovos, hemorragias nas pernas e às vezes nos músculos, inchaço nas juntas das pernas ou na crista, falta de coordenação motora, diarreia e desidratação.

Em casos de infecções causadas pelos subtipos altamente patogênicos, a morte súbita das aves é o principal sintoma e pode ser detectada por uma taxa de mortalidade muito acima da normal em lotes de aves, chegando a valores superiores a 60%, Em casos mais graves pode atingir de 80 até 100% de mortalidade.

No caso de suspeita da doença, um médico veterinário deve ser chamado para avaliação clínica dos animais e coleta de amostras para análise laboratorial. O serviço de inspeção animal do município deve ser acionado.

O Ministério da Agricultura publicou uma cartilha para avicultores que traz os passos que os produtores devem tomar em casos de suspeita e prevenção.

Como forma de prevenção, a identificação de animais doentes acometidos por esse vírus é primordial, o que tem sido reportado esse ano no Brasil e pode ser verificado nesse material: Síndrome Respiratória e Nervosa das Aves (SRN).

Além da identificação, é importante não misturar aves de diferentes espécies, não alojar aves silvestres junto com aves domésticas e sempre comprar aves registradas. Jamais se deve comprar ou alocar aves de procedência duvidosa ou adquiridas de forma ilegal junto ao plantel.

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Segurança de alimentos na sociedade da informação

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A intenção deste artigo é fazer uma primeira abordagem de um tema atual – segurança de alimentos na sociedade da informação – relacionando o acesso à informação e ao conhecimento com a segurança e qualidade dos alimentos que consumimos todos os dias.
Embora os termos sociedade da informação e do conhecimento sejam hoje muito utilizados, a verdade é que estas duas vertentes existem há milênios.
Todos os avanços na área da informação vão desde a transmissão oral do conhecimento (quando a escrita ainda não havia sido desenvolvida) até os dias atuais.
Os livros que formam as bibliotecas são uma forma de acúmulo de informações. A digitalização desta informação é a forma como hoje ela chega até nós com imediatismo através do acesso à Internet.
Ou seja, sempre existiu informação, o que difere é a forma como a armazenamos e os meios pelos quais podemos acessá-la. Mas a informação por si só não gera conhecimento. Outros fatores interferem nesta relação, como educação e comunicação.
Através da comunicação pelas redes como a Internet e outros meios de comunicação, podemos ter acesso à informação que cada um de nós considera relevante ou interessante. No nosso caso particular, como interessados em questões relacionadas com a segurança e qualidade alimentar, algumas das informações relevantes estão ao nosso alcance. Cabe a cada um procurá-las e sobretudo discernir a sua importância e credibilidade de acordo com os conhecimentos previamente adquiridos.
É necessário ter um posicionamento crítico em relação a cada informação para diferenciar o que é verdadeiro do que é falso.
Às vezes há informações distorcidas que parecem verdadeiras e podemos cometer erros involuntários quando queremos comunicá-las a outras pessoas. É preciso comparar diversas fontes e escolher as mais confiáveis. A angústia da insatisfação é o que nos faz buscar as perguntas certas para encontrar informações verdadeiras.
Nós, que atuamos como assessores da indústria alimentícia, em qualquer uma de suas etapas, devemos obter informações da melhor qualidade possível e isso nem sempre é fácil. Nosso blog trabalha com colunistas que buscam a excelência na informação para que ela seja de melhor aproveitamento para os leitores.
Informação não é o mesmo que conhecimento. Quando a informação que acessamos é analisada, bem compreendida, contrastada com outras informações e assimilada, só então ela passa a fazer parte do nosso conhecimento. Quando comunicamos o conhecimento adquirido por meio de uma publicação, ele se torna informação para nossos leitores.
Divulgar informação sobre segurança de alimentos nesta sociedade da informação é uma paixão que envolve aspectos importantes relacionados com a saúde pública; uma ajuda para produtores e consumidores de alimentos.
A questão da segurança de alimentos é multissetorial, envolve diversas disciplinas. O trabalho em equipe com acesso a informações de qualidade é fundamental para o avanço do conhecimento e ao mesmo tempo o conhecimento é a matéria-prima para a inovação.
Mas nem tudo são rosas. Há pedras no caminho que temos de eliminar e uma delas é a chamada fratura digital, porque o acesso à informação ainda não é possível em vários países ou regiões. Isto criou países mais avançados, com equipes de pesquisadores que são geradores de conhecimento, e outros países menos desenvolvidos que são consumidores do conhecimento gerado em outros lugares.
A geração de informação e conhecimento colocados em valor monetário é muito mais benéfica. Daí a importância de aumentar o orçamento para a ciência e tecnologia, seja ela pública ou privada.
A tétrade positiva é: informação-comunicação-conhecimento-inovação. Um círculo virtuoso.

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Intoxicação por peixes e frutos do mar contaminados por Vibrio vulnificus

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Seguindo relato anterior sobre casos de intoxicação alimentar causada pelo consumo de atum contaminado com altos níveis de histamina, temos mais um texto sobre intoxicação alimentar após consumo de peixe contaminado.

No mês de setembro noticiou-se que uma mulher americana que consumiu peixe malcozido foi submetida a amputação de seus braços e pernas e lutou pela vida permanecendo em coma durante alguns dias. Após estudo do caso detectou-se que a tilápia que ela mesma preparou em casa estava contaminada pela bactéria Vibrio vulnificus.

Vibrio vulnificus é uma bactéria gram negativa, associada ao Vibrio cholerae (cólera) e sua infecção pode causar gastroenterite e septicemia. Está presente em águas oceânicas, associada a várias espécies marinhas, como o plâncton, crustáceos e peixes ósseos, havendo relatos de caso após consumo de ostras, moluscos e camarões. Essa bactéria costuma ser encontrada em águas com temperatura superior a 21ºC, já que não resistem a temperaturas baixas e são sensíveis a variações de pH e temperaturas altas, utilizadas durante o cozimento dos alimentos.

Em pessoas saudáveis, a ingestão dessa bactéria pode causar gastroenterite com febre, diarreia, enjoos, cólicas abdominais, náuseas e vômito. Já em crianças, idosos ou pessoas imunocomprometidas, há relatos de casos mais graves incluindo septicemia, e mais de 60% dos pacientes que apresentam septicemia podem evoluir para necrose e lesões graves em membros, chegando a situações em que a amputação de um ou mais membros se faz necessária. E é uma doença que pode evoluir para o óbito nos grupos de pessoas mais susceptíveis.

A infecção acontece ou pela ingestão de alimentos contaminados e que não passaram por tratamento térmico apropriado ou por contato com a pele uma vez que o Vibrio penetra e pode causar uma inflamação na pele previamente lesionada evoluindo para celulite, lesões vasculares e necrose.

Assim, pensando em prevenção, devemos nos atentar ao preparo desses alimentos marinhos que devem ser cozidos adequadamente. Aqueles frutos do mar ou peixes que tradicionalmente são consumidos crus não devem ser oferecidos a pessoas do grupo de maior risco – idosos, crianças e imunocomprometidos.

Imagem: Terje Sollie

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Infecções por Cronobacter sakazakii terão notificação recomendada nos Estados Unidos

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O Conselho de Epidemiologistas Estaduais e Territoriais (CSTE), um grupo formado por especialistas dos Estados Unidos em colaboração com representantes do FDA e Associação de Laboratórios de Saúde Pública (APHL), publicou no dia 29/06/23 um posicionamento declarando que as infecções por Cronobacter sakazakii passarão a ter notificação recomendada nos EUA.

Em 2022, nos EUA, houve um surto que causou a morte de 2 bebês e acometeu 4 outras pessoas, em 3 estados. O fato gerou um grande recall provocando enorme desabastecimento de fórmulas infantis por meses, visto que a fábrica envolvida produzia fórmula para diferentes marcas. Estas investigações levaram ao atual posicionamento do CSTE.

Atualmente somente os estados de Minnesota e Michigan fazem a declaração, com reportes anuais de 2 a 4 casos apenas. Estima-se que muitos outros casos existam e que não haja o correto levantamento epidemiológico.

O conselho recomenda que infecções invasivas por Cronobacter em bebês sejam notificadas nacionalmente ao Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC).

Esta recomendação também estabelece critérios padronizados para identificação e classificação de casos para fins de vigilância em saúde pública e orienta a notificação de casos confirmados e prováveis.

Bactérias do Gênero Cronobacter fazem parte da família das Enterobacteriaceae (entenda mais sobre a importância delas aqui) e são encontradas livremente no ambiente. Já foram isoladas em alimentos secos, cereais, carnes, rações, temperos, amidos, chás, água e fórmulas infantis.

O gênero foi denominado Cronobacter em alusão à mitologia grega. O deus Cronos havia sido avisado por seus pais de que seria derrubado por seu filho. Ele então engoliu todos, mas, quando Zeus nasceu, sua mãe o escondeu em Creta. Zeus cresceu, forçou Cronus a vomitar seus irmãos, e venceu seu pai em guerra!

Estas bactérias causam infecções urinárias e em feridas em pessoas de todas as idades, mas os casos mais graves e associados ao consumo de alimentos são em neonatos com menos de 2 meses de vida, onde podem causar meningite – com taxas de 40-80% de mortalidade – e em menores de 12 meses e imunossuprimidos, causando sepse e necrose intestinal.

São bactérias extremamente bem adaptadas a condições extremas, com mecanismos de resistência ao pH do estômago e à desidratação extrema (daí a importância de analisar sua presença em leite em pó e fórmulas infantis). Mecanismos de aderência e invasão da parede intestinal são a principal via de entrada, tendo afinidade com a fibronectina das junções intercelulares intestinais (que são uma barreira de prevenção de entrada de moléculas e bactérias) e contornam as células epiteliais intestinais de indivíduos saudáveis. Outra hipótese é que a presença de lipopolissacarídeos (LPS) nestas bactérias Gram-negativas facilite a ruptura de junções estreitas do intestino, permitindo a invasão destas células por C. sakazakii.  Existem outros mecanismos importantes de adaptabilidade, mas fica para o próximo artigo!

Como a microbiota de recém-nascidos ainda  não está totalmente colonizada, não há uma barreira eficaz na prevenção da invasão por C. sakazakii, que ao invadir o intestino pode atingir a corrente sanguínea, e em casos mais graves, atravessar a barreira hemato-encefálica, causando meningites e algumas vezes, morte. Normalmente, bebês prematuros, imunossuprimidos ou com baixo peso têm maior risco de contaminação.

No Brasil, a Instrução Normativa 161/2022, da Anvisa, prevê que sejam analisadas no mínimo 30 amostras por lote de produção para identificação da presença de Cronobacter spp apenas em amostras de fórmulas infantis em pó para lactentes até seis meses, alimentos para nutrição enteral. Caso tenha dúvidas sobre como interpretar as contagens, veja mais detalhes aqui.

Ficou curioso? Em breve sairá outro artigo sobre este importante patógeno. Enquanto isso, leia também:

·         https://www.cdc.gov/cronobacter/outbreaks/infant-formula.html

·         https://www.foodsafetynews.com/2009/09/the-naming-of-cronobacter-sakazakii/

·         https://www.foodsafetynews.com/2022/03/publishers-platform-what-parents-need-to-know-about-cronobacter-sakazakii-and-infant-formula-today/

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Quem sugeriu que lavar as mãos era importante?

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Para evitar a propagação de doenças como gripe e coronavírus, talvez a tática menos controversa – e mais eficaz – seja lavar as mãos.

O Food Safety Brazil já escreveu muitos posts que falam sobre a importância da lavagem das mãos (que podem ser lidos aqui), mas você já se perguntou quem sugeriu que lavar as mãos era importante? A técnica que foi amplamente difundida nos anos de covid-19, no século 19 era um escândalo.

Se existisse um “pai” para lavar as mãos, ele seria Ignaz Semmelweis,  o médico húngaro que estava na vanguarda de uma abordagem mais científica da medicina no século 19. Diante de uma maternidade dirigida por médicos (Hospital Geral de Viena) na qual as mortes maternas causadas pela temida febre puerperal eram significativamente mais altas do que na clínica administrada por parteiras, ele começou a ir atrás de respostas.

Os microrganismos ainda não haviam sido descobertos e ainda se acreditava na década de 1840 que a doença se espalhava por miasma – cheiros ruins no ar – emanados de cadáveres em decomposição, esgoto ou vegetação. Os vitorianos mantinham suas janelas firmemente fechadas contra essas forças malévolas. Portanto, não parecia um problema que os médicos estagiários do Hospital Geral de Viena ficassem no necrotério dissecando cadáveres para descobrir o que os havia matado e depois aparecessem na maternidade para fazer o parto sem lavar as mãos.

Um deles acidentalmente foi cortado por um bisturi durante uma dissecação e morreu, aparentemente da mesma febre puerperal que as mães tiveram. Semmelweis levantou a hipótese de que as partículas cadavéricas do necrotério eram as culpadas, e que tais partículas nas mãos dos médicos estavam entrando nos corpos das mulheres durante o parto.

Para testar sua teoria, ele ordenou aos médicos que lavassem as mãos e os instrumentos em uma solução de cloro, uma substância com a qual ele esperava eliminar o cheiro mortal de partículas cadavéricas. Antes do experimento, diz Wahrman, “a taxa de mortalidade de novas mães chegava a 18%. Depois que Semmelweis implementou a higiene das mãos entre o necrotério e a sala de parto, a taxa de mortalidade de novas mães caiu para cerca de 1%.”

Apesar de seu sucesso, sua ideia enfrentou grande resistência e ele teve um fim trágico. Ele perdeu o emprego e acredita-se que tenha tido um colapso nervoso. Ele morreu em uma instituição psiquiátrica, pois os médicos ficaram ofendidos com a sugestão de que poderiam estar causando infecções. A maioria dos médicos em Viena naquela época vinha de famílias de classe média ou alta, e eles se consideravam pessoas muito limpas em comparação com os pobres da classe trabalhadora. Ele os estava insultando quando disse que suas mãos poderiam estar sujas.

Nos 40 anos seguintes, desenvolveu-se uma compreensão dos microrganismos e as atitudes em relação à higiene mudaram gradualmente. Em 1857, enquanto a saúde mental de Semmelweis declinava, Louis Pasteur, famoso pela pasteurização, aumentou a conscientização sobre patógenos e como matá-los com calor. Em 1876, o cientista alemão Robert Koch descobriu o bacilo do antraz, dando início ao novo campo de pesquisa da bacteriologia médica. Cólera, tuberculose, difteria e bacilos tifóides foram posteriormente identificados.

Os cirurgiões começaram a lavar as mãos. O cirurgião britânico Joseph Lister foi pioneiro na cirurgia antisséptica, que incluía a lavagem das mãos, e na década de 1890 e no início da década de 1900, a lavagem das mãos passou de algo que os médicos faziam para algo que todo mundo deveria fazer.

E aí, já imaginou que lavar as mãos é uma ação que tem 132 anos?

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