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Cultura na FSSC 22000: alerta de risco e a esperança por um fio

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A FSSC 22000 está de versão nova. Dentro do que já era esperado, a versão 6.0 confirmou as expectativas de trazer para o conjunto de requisitos adicionais o tema Cultura de Segurança de Alimentos. Assim, o que já foi recomendação no passado através de um Guia da GFSI, passa a ser obrigatório também neste esquema de certificação.

E, também seguindo tendência já bastante observada, o requisito possui claro alinhamento com outras Normas, inclusive textual, partindo da definição de Cultura amplamente aceita no universo da Segurança de Alimentos:

“Valores compartilhados, crenças e normas, que afetam o pensamento e o comportamento em Segurança de Alimentos”.

A semelhança, porém, não se limita à definição de Cultura. Fica estabelecida a necessidade do compromisso da Alta Direção em estabelecer, implementar e manter objetivo(s) para a Cultura de Segurança de Alimentos e Qualidade como parte do sistema de gestão. No mínimo, os seguintes elementos devem ser abordados:

?  comunicação;

?  treinamento;

?  feedback e engajamento dos funcionários;

?  medição de desempenho de atividades definidas abrangendo todas as seções da organização com impacto em segurança de alimentos e qualidade.

O(s) objetivo(s) deve(m) ser apoiado(s) por um plano documentado de Cultura de Segurança de Alimentos e Qualidade, com metas e cronogramas, incluídos na análise crítica e nos processos de melhoria contínua do sistema de gestão.

Considerando que o trecho dos dois parágrafos anteriores são um recorte quase literal do novo requisito, é possível que não haja grandes mudanças no cenário atual, conforme o conhecemos.

A Cultura, posta como está, será inserida dentro do contexto da gestão tradicional. Com rigor, comunicação, treinamento e medição de desempenho não são e nunca foram novidades em um sistema de gestão.

Quando a Cultura se torna um requisito, de certa forma, decreta-se a falência das próprias Normas, ainda que pouco se queira admitir isso. Trata-se de um atestado da nossa incompetência em fazer certo até então e joga-se uma luz sobre a esperança de que “agora vai ser diferente”.

O grande fato positivo, talvez, tenha sido adicionar “Qualidade” à Segurança de Alimentos, para que se apoiem e sejam desenvolvidas conjuntamente.

Mas de fato, se não há grandes novidades na abordagem, não há motivos para se esperar que seja diferente agora. Salvo mudança de rota importante, os elementos mencionados acima continuarão sendo tratados em planilhas e documentos, sob o mesmo olhar frio que nunca foi capaz de mudar a cara do nosso setor.

Uma transformação cultural não será feita com mais do mesmo. A Cultura nas organizações surge do senso comum sobre a melhor forma de resolver os problemas do dia a dia. E, embora os documentos da gestão ajudem, eles são apenas parte deste processo. No dia a dia, as pessoas precisam de acompanhamento próximo, de acolhimento, do exemplo das lideranças. E é isso que precisa mudar com urgência. As Normas, mesmo bem intencionadas, não deixam isso suficientemente claro.

Por fim, ainda que se compreenda que, durante a implementação de uma Norma, profissionais da gestão acostumaram-se a ser, via de regra, duros e inflexíveis, lidando com lideranças de topo que apenas querem o certificado por razões comerciais, o resto da história é o que nos trouxe até aqui: arranjos para a auditoria e dificuldades para fazer o certo todos os dias.

Ou preparamos as pessoas para entregarem o melhor delas, através de um trabalho que não é nada técnico, ou continuaremos exigindo dos indivíduos tudo aquilo que eles não podem oferecer. A psicologia positiva, a filosofia e a neurociência são as verdadeiras aliadas nesta jornada de construção de uma Cultura positiva. As planilhas e documentos, tais como os conhecemos hoje não precisam ser extintos, até porque são necessários à gestão. Porém, precisam incluir ações que realmente importam. O tempo de apenas falar sobre comunicação, treinamento e medição de desempenhos já foi. É preciso abrir novos espaços para a mudança. Urgentemente.

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Vídeo: Uma ceia abençoada (e segura) para todos!

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Ho ho ho, todos prontos para começar a preparar hoje a ceia de Natal? Esperamos, sinceramente, que ainda não. Erros na forma como armazenamos e conservamos os pratos prontos são, muitas vezes, responsáveis pelos “transtornos de piriri” no pós-festa. O ideal, portanto, é preparar para o consumo na noite da festa. “Ah… mas é tanta coisa para dar conta que a gente precisa começar um dia antes”. Neste caso, preparamos dicas também da escolha dos itens da ceia e de sua manipulação durante o preparo.

Em anos anteriores você conferiu nossas dicas aqui e aqui. Mas neste ano, nossos colunistas Jacqueline Navarro e Crístian Roque conversaram sobre diversos temas que são do interesse de todos aqueles que vão esperar o bom velhinho enchendo a pança na noite do dia 24. Destaque para evitar sobras com o planejamento do cardápio, a checagem dos rótulos no supermercado, e dicas para encher o carrinho na sequência certa (por último, os alimentos refrigerados/congelados e, em casa, guardá-los primeiro e adequadamente). No grande dia, como proceder o descongelamento das carnes de forma adequada, cuidados com a higiene de mãos, utensílios e bancada durante o preparo, lembretes para não lavar carnes e, sim, lavar e sanitizar verduras e legumes com hipoclorito de sódio. Na hora de servir, lembrar que alimentos muito manipulados desde o preparo são mais sujeitos a contaminação, como acontece com a maionese. Tem sobra? Nada de deixar a ceia por horas na mesa, tendo ido dormir tarde e comer no almoço do dia seguinte, ok? Sobras quentes devem ser levadas destampadas por duas horas na geladeira, e o peru sem o recheio de farofa! Cuidado também com a ceia encomendada: é preciso combinar certinho o horário da retirada e evitar que seu fornecedor tenha cometido os erros acima. Afinal, ele prepara a sua ceia e mais a de um monte de gente. Ou seja, alguém vai comer algum assado preparado ontem e reaquecido para a entrega. Triste, mas verdadeiro. Por fim, cuidado com os alérgicos, tá? Natal é época de festa também para a contaminação cruzada. E, se for comer no Ano Novo, por favor, congele.

Vamos assistir? Ponha o dedo no play antes da festa e tenha uma ceia segura e abençoada. São os nossos votos!

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Cultura de Segurança de Alimentos: o guia definitivo de por que treinamentos não funcionam

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Eu tenho certeza que você já se perguntou algumas vezes por que as pessoas insistem em não cumprir mesmo as regras mais simples para manipular alimentos, seja na indústria, no varejo, ou em serviços de alimentação. Será que é de propósito? As pessoas realmente não entenderam o que é para fazer? Elas têm preguiça? Elas têm pressa? Elas simplesmente não se importam? Elas estão fazendo birra comigo? Estou ficando louca (o)? 

Eu não conheço cada caso em particular, mas posso afirmar que qualquer uma das respostas acima poderia ser um “sim” (inclusive enlouquecer). Fatores de trabalho e fatores pessoais são sempre associados a comportamentos não esperados.

O mapa acima aponta algumas origens dos comportamentos não esperados. Já seria muito bom reconhecer o perfil da nossa coletividade através deste mapa, mas o fato é que conhecer a causa do problema é apenas o primeiro passo para mergulhar nas soluções. O que queremos, na verdade, é que, apesar de toda a rotina exaustiva, dinâmica, e da falta de ânimo ou dos recursos mais adequados, ou ainda da presença constante de uma liderança apoiadora, ainda assim, os manipuladores de alimentos adotem sempre as melhores práticas de fabricação.

Como isso é possível? E por que os treinamentos clássicos não resolvem?

Antes de tudo, é preciso reconhecer duas situações básicas: 1 – as pessoas trazem experiências diferentes, incluindo sua educação formal e seus hábitos de higiene, construídos desde a infância. Digo: uma criança que não aprendeu a lavar as mãos antes das refeições será sempre um adulto que não automatiza (internaliza) higienizá-las antes de acessar o processo; e 2 – a maior parte das pessoas NÃO escolheu trabalhar com alimentos, tendo sido esta, talvez, a única oportunidade que tiveram para ingressar ou se manter no mercado de trabalho. Parabéns para você, se faz parte do raro grupo de pessoas que tem escolha.

Após tais premissas básicas, precisamos avançar mais profundamente sobre aspectos filosóficos do comportamento humano.

Vamos definir virtude, por exemplo, e construir nossa jornada através deste termo. No Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa Michaelis, virtude é definida como a inclinação para o bem. A qualidade ou atributo que está de acordo com a moral, a religião, a lei. Como filósofo fresco, mas já habituado à prática de formular questões, pergunto: a virtude pode ser desenvolvida?

Para Platão, filósofo (e matemático – era comum empilhar conhecimentos diversos) que viveu incríveis 80 anos, cerca de quatro séculos antes de Cristo, portanto na Grécia Antiga, a virtude seria uma característica inata do ser humano. Ou seja: ou tem ou não tem. O cara ou nasce bom ou nasce ruim. Ou tem higiene ou não tem.

Você pode acreditar em Platão. Eu mesmo gosto muito dele. Mas neste ponto, se ele tiver razão, esquece. Passaremos juntos eu e você no RH para pedir as contas.

Do contrário, você pode achar que ninguém é ruim “de nascença”. Ou que ninguém que seja mau, assim o será para sempre. Neste caso, acreditamos que é possível intervir no indivíduo e mudar seu destino, para o bem ou para o mal. Sendo assim, estamos #fechadoscomAristóteles. Aristóteles foi aluno de Platão e tem muito mais coisas a ver com Segurança de Alimentos do que a gente imagina. Para ele, a virtude é uma qualidade positiva que se adquire como decorrência do hábito.

Sim, hábito. Desta forma, o comportamento virtuoso jamais será formado pelo conhecimento teórico. Ao reunir frequentemente os manipuladores em salas de treinamento, nós apenas criamos o hábito de… nos reunir em salas de treinamento! Uma pessoa virtuosa deverá, portanto, segundo Aristóteles, ter “experiência das ações na vida” e ter sido “educada em bons hábitos” para se tornar boa. Em resumo, as transformações virão com a prática e as pessoas devem ser estimuladas a praticar, ao mesmo tempo em que recebam orientações sobre os benefícios daquela prática para si. Um verdadeiro líder (você) só estará cumprindo seu papel se fizer junto e acompanhar tudo de perto, repetidas vezes. Para que uma pessoa se torne virtuosa, ela não pode simplesmente estudar o que é virtude, mas deve realmente fazer coisas virtuosas.

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Direto do FestQuali: O que se falou (e muito!) sobre Cultura

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Curitiba recebeu, entre os dias 7 e 9 de novembro, mais uma edição do FestQuali, um dos maiores eventos de gestão da qualidade no Brasil. Tive o prazer de representar nossa Associação, atento a tudo o que se falava sobre um tema central para a Indústria de Alimentos: Cultura. Embora ainda muito pouco representado, nosso segmento pôde tirar importantes lições do evento. Muitos palestrantes trouxeram contribuições relevantes, que podem facilmente ser transpostas para nossa realidade. Algumas ideias foram especialmente selecionadas para este texto e trazem reflexões importantes para a Segurança de Alimentos.

Para Neville Fusco, CEO do Metroex, a qualidade não depende de certificação. O palestrante questiona a capacidade dos auditores de “medir” a eficácia de sistemas de gestão, tão complexos, em dois ou três dias de trabalho. Adiciono uma preocupação particular sobre o aspecto comercial que rege muitos relacionamentos entre organismos certificadores e empresas certificadas e a vertiginosa queda na qualificação dos auditores. Neville traz uma abordagem filosófica bastante interessante e provoca questionamentos sobre onde as empresas depositam seus esforços e suas energias: em atender requisitos ou para efetivamente cuidar do que importa para a qualidade?

Silvana Chaves, fundadora do Beabá da Qualidade, conversou diretamente com as organizações certificadas do nosso segmento ao trazer o tema: Liderança – O que o GFSI espera de vocês, em palestra que teve transmissão ao vivo (foto). Silvana foi cirúrgica ao tratar o tema, percorrendo as dimensões da Cultura e atentando especificamente sobre a importância das pessoas neste processo. Discutiu amplamente motivação, engajamento e propósito e foi, sem dúvida, o ponto alto do evento para a indústria de alimentos.

Momentos de muita descontração marcaram a fala de Andrea Vilar, da AV Consultoria em Sistemas de Gestão, que trouxe o tema “As emoções na Cultura do SGI”. Interagindo bastante com o público presente, Andrea fez um paralelo entre a realidade das organizações certificadas e o filme Divertida Mente (foto), da Disney Pixar. As emoções básicas medo, tristeza, alegria, nojinho e raiva, sempre presentes no dia a dia das empresas, foram improvisadas por voluntários da plateia e conquistaram a audiência presente na Sala Rio Amazonas, a principal do evento. Ficam as lições mais importantes para todos nós: todas as emoções importam; mudanças são inevitáveis; as crises levam ao autoconhecimento; e a importância de se expressar.

Outra fala bastante interessante, dentro do contexto da Cultura, foi trazida pela dupla de oradores do IDEXP, J. B. Oliveira e Waldir Gomes. Com vasta experiência no exterior, ambos trouxeram histórias interessantes de como diferentes culturas proporcionam obstáculos e oportunidades de negociação para brasileiros expatriados.

Neste ano, como representante da Associação, decidi levar um tema que é, na verdade, um alerta para o público geral do evento: a perda dos padrões de qualidade na indústria de alimentos. Foi um passeio pela história do nosso país, desde o plantio da mandioca pelos povos originários, passando pelo ciclo da cana-de-açúcar, pela proibição da industrialização no Brasil Colônia e, mais contemporaneamente, pelas políticas da expansão agropecuária voltadas para a exportação e o movimento de atração de players globais que dominaram as últimas três décadas da nossa história. Como resultado, temos uma indústria jovem, com mão de obra pouco qualificada e processos ainda bastante manuais, pouco automatizados. Esta indústria, que precisa lidar com margens de lucro estreitas, fruto de tributação excessiva e cenário econômico volátil, vem ampliando seu leque de “truques” para se manter competitiva. Após a onda de reduflação (reduzir o conteúdo das embalagens mantendo os preços antigos), estamos experimentando agora toda a sorte de fórmulas alternativas a embalagens mais baratas, passando por processos de fabricação e inspeção menos rigorosos. A indústria de alimentos tem sido um oásis para quem quer encontrar bons cases de como empobrecer fórmulas e ampliar riscos ao consumidor. Estamos de olho!

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Manhêêê… O leite acabou!

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Sim, crianças. E sim, moças, rapazes e adultos jovens. Aproveitem para beber bastante leite enquanto tem. Aproveitem, porque vai acabar. Nada alarmante, porém. Exceto para quem bebe leite, claro. Na real, é a vida como ela é. E eu explico.

Funciona assim: os preços sobem, por variáveis econômicas ou sazonais já bem conhecidas. Ou por lobby dos produtores mesmo, o que não é de se espantar em um país com moral tão flexível quanto o Brasil. A bola da vez é o preço internacional do milho, junto à entressafra. Com a disparada dos preços, o consumo cai e as ofertas voltam. Bom… pelo menos sempre foi assim, até que se popularizou de vez uma solução “jenial” nesta nova temporada. Fico imaginando os roteiristas deste filme planejando tudo: “a gente mistura leite bom com sobra (resto) da produção, dá um nome de batismo bem técnico para isso, mantém os preços do leite lá em cima para quem pode pagar (elitizando o consumo) e vende esse troço para quem não pode. A gente ainda pode dizer que é nutritivo e que reduz o prejuízo ambiental”. Tudo verdade, exceto que a motivação não é nobre. Lançar soro de leite como efluente não tratado nunca foi preocupação para a maior parte dos produtores de leite, exceto pelo que querem fazer crer agora. Tampouco nunca foi prioridade tratar o soro para comercializá-lo como tal, com forte apelo nutritivo, dado que a prioridade sempre foi o resultado imediato e o “pessoal que mexe com leite” nunca foi muito chegado em investir em novas tecnologias. “Leite se vende sozinho”, dizem.

Daqui para a frente vai ser cada vez mais comum ver o composto lácteo ganhando espaço nas gôndolas. Sim! COMPOSTO LÁCTEO! Aquela misturinha mequetrefe, meio a meio, de leite e soro, feita para enganar o trouxa que não lê rótulo. O “trouxa”, neste caso, é a imensa maioria de nossa da população. Recebi ontem uma pesquisa da FIESP, de 2017, cujo dado principal sobre hábito de leitura dos rótulos no Brasil informa que 53% leem (somente 23% com regularidade). Destes, 70% se interessam pela data de validade. Em resumo, a mensagem ainda não chega. Sobretudo em um país com apenas 92% de alfabetizados, muitos dos quais analfabetos funcionais. “Ah… mas não é fraude”, dizem. De fato, não é. Está escrito na embalagem que não é leite. E, mesmo para quem a lê, é cansativo conviver com as letras pequenas. Somos o país que criou a “dúzia de dez” na comercialização de ovos. Reduzimos o rolo de papel higiênico de 40 para 30, a barra de chocolate para 90g e abro comentários para quem quiser lembrar de inúmeros outros exemplos. Reduz-se a quantidade, mantêm-se os preços. É a reduflação, novo verbete nacional.

O quão mais estamos sujeitos a perdas de padrão na indústria e expostos a alimentos inseguros? A busca obsessiva pela redução de custos, que hoje mistura soro ao leite, poderá fazer o que amanhã? Aceitar matérias-primas de qualidade inferior e procedência duvidosa, de fornecedores não homologados? Empregar profissionais menos qualificados pagando menos por isso? Recusar-se a oferecer capacitação adicional, limitando-a a treinamentos obrigatórios? Instalar equipamentos sem preocupações com acabamento sanitário ou com sua manutenção preventiva? Reduzir a frequência das sanitizações, a concentração de químicos ou seu tempo de contato?

Um dos motivos pelos quais me apaixonei pela filosofia é o livre pensar. Ele carrega consigo uma “quase irresponsabilidade” deliciosa, caracterizada por estimular o questionamento onde a doutrinação, os dogmas e o autoritarismo vêm fazendo enormes estragos. Assim, pensemos: queremos leite ou vamos aceitar todo o lixo da moral deturpada de chefes de cartéis, donos de oligopólios, coronéis do agronegócio e políticos, todos mancomunados em conluio?  E quando bradarem também os extremistas religiosos, xenófobos, homofóbicos, racistas e afins? Hoje é composto lácteo. Amanhã pode ser a sua liberdade.

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Os três grandes estágios da Segurança de Alimentos nas organizações

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Tem sempre muita gente que reconhece a Qualidade e a Segurança de Alimentos como importantes para as organizações. Ainda é crescente o número de certificações reconhecidas no Brasil. Não faltam compromissos firmados, promessas, normalmente acompanhados de um sentimento de “agora vai!” que, aos poucos, se transforma em total descrença. Mas, afinal, por que isto acontece?

Podemos criar ou atribuir diversas escalas de maturidade da Cultura de Segurança de Alimentos às organizações, mas, fundamentalmente, há sempre três grandes blocos relacionados ao VALOR que é dado ao tema.

1. Organizações do tipo “Faça! Não importa como”

Neste tipo de organização existe um claro comando no sentido de produzir e entregar. A regra é colocar produto no mercado, vender e gerar faturamento. Claro que ninguém (alô, fraudadores!) pensa em fazer mal para a saúde das pessoas de propósito, mas há, sim, aqueles que simplesmente não se importam. A ideia é ter volume e contar com a sorte: ou confio que ninguém passa mal, ou torço para quem passar mal não me denunciar. Felizmente, têm sido raros os perfis de lideranças com este comportamento.

2. Organizações do tipo “Segurança de Alimentos importa”

Aqui estão muitas empresas. Na indústria, no varejo e nos serviços de alimentação. A imensa maioria das organizações vive neste limbo: cheia de pessoas que firmam compromissos, prometem que fazem e acontecem, mas não são capazes de sustentar os seus discursos. Normalmente, quando confrontadas com outras prioridades do negócio, deixam a Segurança de Alimentos em segundo plano.

3. Organizações do tipo “Segurança de Alimentos traz resultados”

Este é, obviamente, o melhor cenário. Poucas empresas habitam aqui. Estas organizações reconhecem os custos da não qualidade, já fizeram as contas de quanto perderam ou podem perder com um recall, um recolhimento, a divulgação de informações na mídia ou, pior, uma fatalidade. Aqui, os investimentos não são vistos sob a ótica dos recursos que serão consumidos, mas, sim, dos recursos que serão gerados (tema do nosso próximo artigo).

Existe uma enorme diferença entre os estágios 2 e 3, conforme apresentados, mas poucos de nós enxergamos essa diferença. Na minha trajetória, conversei com muitos profissionais da Qualidade, grande parte deles já cansados, após inúmeras tentativas de fazer a Segurança de Alimentos acontecer. É curioso que muitos deles percebam o segundo estágio como o fim da linha. Não é. Pode ser o fim das suas energias, o lugar onde a sua pilha acaba, mas não é o final do percurso. A questão é que, dado o cansaço, fica mais confortável acreditar que “já fiz de tudo”, afinal, as pessoas já estão conscientizadas de que Segurança de Alimentos é importante.

Para reflexão: quem, em sã consciência, afirmaria o contrário? Quem ousaria dizer que Segurança de Alimentos não é importante, com exceção de algumas lideranças que ficaram paradas no primeiro estágio?

Conclusão: Falar sobre Segurança de Alimentos, dizer que ela é importante, não é e nunca foi garantia de nada.

É o próximo passo que vai marcar a mudança de nível. Diante de situações que desafiam as lideranças a tomar decisões que caracterizam a Segurança de Alimentos como um VALOR.

Preparei para vocês um Top 5 de situações em que as lideranças são testadas a fazer valer o ingresso da organização no estágio 3:

– Um resultado positivo para patógeno, que pode levar ao descarte do lote ou a uma solicitação de reanálise;

– Uma parada não programada, necessária, que pode ser realizada neste momento ou adiada por meio de algum improviso;

– A presença de materiais não permitidos para contato com alimento em equipamentos mais antigos, que devem ser aposentados ou podem continuar em operação;

–  Uma matéria-prima fora da especificação, que pode ser rejeitada ou aprovada porque “nossa especificação é muito rigorosa”;

– A presença de colaboradores trabalhando sem capacitação formal, que podem ser encaminhados para o treinamento ou só assinar a lista de presença porque “já aprenderam na prática”.

E para você? Qual seu primeiro lugar na lista? Conte para a gente suas histórias.

Até a próxima!

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Zero NC: uma história bem (mal) contada

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Curupira, mula sem cabeça, saci pererê e Zero NC. É tudo folclore, gente. Não existe. Isso não significa que nossas crianças e nós, adultos, não tenhamos boas histórias para contar. Pelo contrário! Nosso folclore é riquíssimo… mas nossas lendas urbanas da Segurança de Alimentos também são. Para escrever este artigo, consultei a vasta obra de Câmara Cascudo, um dos maiores pesquisadores de nosso folclore, e conversei com muitos colegas consultores e auditores.

O que são empresas “padrão zero NC”?

Reza a lenda que há várias empresas “padrão zero NC”, com objetivo declarado em documentos da gestão e lideranças de topo que cobram este tipo de resultado (e aqui não vamos nem discutir se estas lideranças oferecem ou não as condições mínimas necessárias para a empresa “rodar” bem). O contraditório é que empresas “padrão zero NC” de verdade sabem que nunca serão. E nem querem! Empresas “padrão zero NC” fazem das não conformidades oportunidades de melhoria. Não se frustram e não contestam: agradecem e trabalham. Sabem que olhares criteriosos sempre trarão boas novidades e oxigenação para o sistema. E isto é ótimo!

Vivi o suficiente para confirmar esta lenda. Já vi Alta Direção que manda representante (e não participa) no dia da Análise Crítica com o objetivo de trazer uma única informação de volta: “quantas NC tomamos?”. Também já vi gestores do SGI ou da Segurança de Alimentos que discursam bem, contratam uma consultoria para “melhorar nossa Cultura e ajudar a gente com a Alta Direção”, mas fazem cocô nas calças quando pensam que podem levar uma (uma!) não conformidade na auditoria. Na verdade, temem por seus empregos, aceitam as regras do jogo e não sustentam o discurso. No meio do trabalho, faltando algumas semanas para a auditoria, não querem mais uma “Cultura”: querem pronto. Perdem a chance de aprender, de fazer e se apropriar, e exigem “um modelinho que você já usa”. Já vi consultorias baratinhas aceitarem e já vi coordenadores de ESA se submeterem. Ambos podem ser “demitidos”. Mas não fica só por aí: a lista de “demitidos” pode incluir o organismo certificador. Afinal, ninguém quer auditor chato.  A gente gosta mesmo de auditor bonzinho. Ultimamente, auditores “chatos” também vêm sendo “demitidos” ou vêm desistindo voluntariamente deste esquema. Admiro profundamente meus colegas que resistem com firmeza de propósito mas, neste ritmo, chegaremos ao dia em que um contrato será a fachada de um aluguel de carimbo e uma nova leva de “carimbadores de certificado” estará à solta, aposentando definitivamente os cheios de propósito.

Você Decide

Por fim, esta lenda acaba com dois finais nos quais Você Decide. Nenhum dos dois é fácil, mas seguramente apenas um deles nos traz paz.

O final 1 é o mais comum: você comemora a certificação por 11 meses. Faz propaganda, conta para todo mundo. Só não põe o logo na embalagem porque não pode. Um mês antes da manutenção você mobiliza todo mundo para “fazer os reparos no Sistema”. É neste momento que a gente pinta as paredes, regula as torneiras automáticas que deixaram de funcionar há seis meses, troca as lixeiras cujos pedais estavam quebrados e refaz a junção do forro nos pontos onde há vão. A gente também pede para “a empresa do controle de pragas” checar se está tudo bem, reforça os procedimentos com o porteiro (precisa pedir RG do visitante) e, para os mais ousados, vale aquela assinatura retroativa no treinamento da ESA. Nada inédito, já vimos tudo isso. No dia da auditoria, fogos espantam pombos enquanto o auditor não saiu do hotel e montamos um grupo do whatsapp para nos mantermos atualizados sobre os reparos de urgência: secar um piso molhado em uma área seca; sumir com um palete úmido e mofado que está em uso no almoxarifado; e até abotoar a camisa de motorista de caminhão com peito de Tony Ramos à mostra. Sim, amigos, já vimos de tudo. Dá muita emoção, mas já compartilhamos doses elevadas de Rivotril na véspera e já misturamos café com energético para preencher tratamentos de NC durante a madrugada “para ver se o auditor tira a NC”. Ao final, nos reenergizamos para mais um ciclo. Abraçamo-nos e soltamos balões (ou bexigas). Nunca vi, mas já soube até de banda de música logo após a recomendação (integrantes vestidos de soldadinhos de fanfarra esperavam atrás do palco do auditório com um trombone, dois pratos e uma espécie de corneta). Funciona bem. Trabalhamos um mês só e garantimos 12 meses de certificado. O auditor foi “gente boa”, conseguimos esconder muitas falhas e passamos com zero NC. Excelente padrão.

O final 2 é mais raro: a gente comemora discretamente porque sabe que nosso esforço foi premiado, mas não acaba ali. Sentimo-nos orgulhosos, mas não necessariamente eufóricos. Nem cogitamos colocar o logo na embalagem, mas fazemos uma carta bem escrita a nossos fornecedores e clientes. Passamos o ano inteeeeeeeiro fazendo melhorias. Cansa, mas já fica tudo “meio pronto” para quando o auditor chegar. Dá um friozinho na barriga, mas ok. Afinal, quem nunca? Diante de uma eventual não conformidade, arriscamos até pedir uma opinião ao auditor e mostramos evidências complementares: o importante é aprender. No final, meia dúzia de não conformidades. Às vezes, dez, com uma maior. Paciência. O ritmo de trabalho é constante e não pode parar. Precisamos entregar produtos seguros todos os dias.

Agora, caros leitores, é com vocês. Vocês podem usar os comentários para decidir o final da história que vocês protagonizam. Escreva “1” para final 1, e “2” para final 2.

***

De quebra também preparei um Guia Rápido do Folclore Brasileiro Aplicado ao Setor de Alimentos. Escolha sua empresa-personagem e divirta-se!

Empresa-Saci Pererê: É manca. Anda sempre dando saltos, mas vira e mexe, tropeça. É desastrada. Fica submissa ao auditor quando ele rouba sua carapuça, porque não consegue discutir nada tecnicamente com profundidade. É natural ter medo. “Pede fogo” aos consultores para acender seu cachimbo, porque não consegue fazer nada sozinha. Sua garrafa de cachaça é o certificado: basta mostrar um para ela, que ela vem correndo atrás.

Empresa-Mula Sem Cabeça: A tocha no lugar da cabeça representa os ânimos sempre exaltados nas vésperas da auditoria. As ferraduras de ouro e prata representam as “patadas” distribuídas aos montes pelas lideranças, que querem ver tudo pronto, sem fazer por onde. Esta empresa relincha muito alto quando consegue um certificado, mas imita o gemido humano, fingindo ser uma empresa “legal de se trabalhar”. Só aparece altas horas da madrugada, quando o auditor já está batendo à porta. Prefere as noites de quinta ou sexta-feira, quando tem lua cheia, porque à noite fica mais agradável para levar o auditor para jantar.

Empresa-Curupira: Tem os pés virados para trás e, sendo assim, mesmo quando avança, fica tudo torto e acaba confundindo os invasores: é muito difícil dar consultoria e auditar ali. É capaz de ressuscitar os animais: quando a gente menos espera, um diretor sumido aparece para pedir foco na auditoria. Vive na parte mais densa da floresta e suas documentações, incluindo os registros, são caóticas: não conseguimos encontrar nenhuma informação facilmente.

Empresa-Cuca: Vigia colaboradores que não cumprem ordens para praticar maldades com eles. Assim, todos ficam amedrontados e obedientes. Sua Cultura invade a mente das pessoas e passa a controlá-las. Uma empresa-Cuca pode ser tão ruim que só surge uma a cada mil anos. Ela cria receitas poderosas para passar na certificação e que podem enganar mesmo auditores mais experientes.

Empresa-Boitatá: Come os olhos dos auditores para que não vejam nada. Deixa um rastro de fogo que queima as evidências de não conformidades. Se um consultor tentar fazer um bom trabalho lá, ou fica cego ou fica louco.  Para se livrar de uma empresa-Boitatá, você tem que se fingir de morto.

Empresa-Boto Cor de Rosa: É muito sedutora. Promete condições de trabalho e carta branca, de forma que você se apaixona enlouquecidamente. Muitas delas aparecem sempre nos seus processos seletivos. Cuidado! A tendência é que o abandonem depois da contratação, sozinha (ou sozinho), para cuidar do SGSA, que é o fruto desta união. A empresa-Boto Cor de Rosa também seduz auditores, com o único objetivo de conseguir um certificado. Depois disso, podem abandonar o organismo certificador e trocar por outro “melhor” no próximo ciclo.

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Cultura de Segurança de Alimentos levada a sério: um caso de política pública

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Há algumas formas conhecidas, utilizadas por uma parcela das organizações do setor de alimentos, para fazer alavancar sua Cultura de Segurança de Alimentos. Esta parcela é, em sua maioria, formada por empresas que precisam atender a novos requisitos normativos ou requisitos de clientes. Não é raro que toda obrigação seja cumprida apenas através da quantidade mínima de esforço necessário. É a q.s.p., que nossos leitores químicos e farmacêuticos saberão reconhecer.

E isto acontece, sobretudo, porque uma fração importante de nossas lideranças não reconhecem a importância vital da Segurança de Alimentos para o negócio e, em função disso, a negligenciam.

Naturalmente que estes líderes não são más pessoas e nem querem propositalmente contaminar consumidores mundo afora. Tampouco profissionais da Qualidade foram talhados para lidar com este tipo de situação. Ao fim das contas, somos todos produtos do meio em que vivemos.

Por isto, o estudo da Cultura de Segurança de Alimentos é tão fascinante, cuja origem está fora do contexto do nosso setor. A Cultura de Segurança de Alimentos não é uma disciplina à parte da cultura de um povo, de uma sociedade, de uma comunidade. Trata-se, simplesmente, de Cultura. Incentivo desde sempre o estudo da nossa História e de disciplinas específicas da Sociologia, da Antropologia e da Psicologia. Pelo gosto e pelo prazer de nos conhecermos melhor e de saber como, de verdade, podemos mudar os comportamentos nas organizações.

Enquanto nossa cultura for legislar (de um lado) e trabalhar pelo cumprimento de requisitos (de outro), vamos seguir fazendo bem menos do que o necessário para ver nascer e naturalizar-se uma Cultura Positiva de Segurança de Alimentos.

E eis que venho me deparando com uma chuva de requisitos normativos e requisitos legais que pretendem impor às organizações para que haja iniciativas relacionadas ao avanço de uma Cultura de Segurança de Alimentos. Aqui mesmo no blog, recentemente, tratamos da publicação de uma atualização do Regulamento Europeu sobre o tema, que você pode reler aqui. Por si só, o empenho em relação a “haver iniciativas” é louvável. O problema é no que isto se transforma logo depois: uma chuva de guias, “receitas de bolo”, “faça você mesmo em 5 passos” e outros coelhos da cartola. A quem sabe usar um Guia com a leitura crítica necessária, este cumprirá sua função de orientar. A quem procura fazer tal qual, cuidado: soluções para a Cultura são como um vestido de noiva, ajustado e reajustado no corpo da modelo, conforme ele se transforma. As organizações não têm, nunca, as mesmas crenças, os mesmos valores compartilhados e tampouco são estáticas, elas se transformam conforme o trabalho evolui ou retrocede.

Sendo assim, a Cultura de Segurança de Alimentos se torna mais dependente de um contexto social geral, do que de ações pontuais aqui e ali dentro das organizações. Quanto mais pessoas e mais grupos na sociedade estiverem conscientes da importância do tema, como um tema de saúde pública, mais avanços teremos. Uma sociedade cujos cidadãos tenham o direito de ser manipuladores e consumidores mais instruídos, certamente resultará em uma Cultura de Segurança de Alimentos mais avançada e menos dependente de esforços pontuais.

E, enfim, tem uma boa notícia aqui do lado: na América do Sul, o exemplo pioneiro veio do Chile. Por lá, em 2018, foi lançado um plano, para o ciclo 2018-2030, de uma Política Nacional de Segurança e Qualidade dos Alimentos, que incorpora, como princípio e objetivo, o desenvolvimento de uma Cultura de Segurança de Alimentos e pode ser lida aqui.

O primeiro e enorme passo foi reconhecer que algo não ia bem e identificar as causas-raízes. O cenário no País, à época do estudo, foi caracterizado, com suas fortalezas e seus principais desafios. E, entre os desafios, percebeu-se a necessidade de uma estratégia para a ampliação da comunicação de riscos a diversos setores da sociedade, associando isto a uma Cultura institucional, que incluía o compromisso do próprio governo. Ou seja, existe ali uma visão de que é preciso conversar com a sociedade sobre Segurança de Alimentos. A Política cita, inclusive, que embora, em um primeiro momento, a responsabilidade possa ser atribuída às empresas que produzem alimentos, são os cidadãos, é a sociedade, como um todo, que vai criar alternativas, seja como manipuladores de alimentos, seja como consumidores, exigindo padrões de segurança mais elevados.

O desenvolvimento desta Cultura é declarado como uma ferramenta complementar das ações de regulação e controle, o que difere totalmente de outros regulamentos, como o Europeu. As ações de inspeção prosseguem, mas o principal compromisso destes órgãos passa a ser a prevenção. O documento também faz uma ponte entre essa Política Nacional de Segurança de Alimentos e os sistemas de saúde primária e de ensino. A Cultura de Segurança de Alimentos é declarada no documento como um “a expressão de um compromisso ético, e o compromisso de uma sociedade responsável”. São definidas linhas estratégicas bastante claras, propondo a formação de profissionais voltados para este tema em todos os setores da cadeia, a educação de crianças e adolescentes para a formação de consumidores conscientes, e também a educação dos atuais consumidores. Há também estratégias específicas para as pequenas empresas e empresas familiares e artesanais.

Em resumo, não estamos tratando aqui de um requisito legal, mas de uma política nacional que pretende, a médio e longo prazo, transformar definitivamente a relação do povo chileno com a segurança dos alimentos que produzem, distribuem e consomem. Os efeitos destas iniciativas serão conhecidos ao longo do tempo e, claro, também dependem da forma como serão implementados. Porém, nos parece um grande acerto que a Segurança de Alimentos seja promovida a partir da sensibilização e da conscientização de toda a sociedade, que passa a praticar e exigir alimentos mais seguros, independentemente da regulamentação.

Vamos acompanhar!

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Faça-se Cultura! Agora, na Europa, com a força da lei

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Agora é lei! A União Europeia se une à ideia de que a Segurança de Alimentos é, antes de tudo, um conceito, uma forma de pensar. Finalmente, começa a surgir um consenso em torno do qual a Segurança de Alimentos deixaria de ser vista como um amontoado de regras. A intenção de um consenso se dá a partir da publicação, em setembro de 2020, da Comissão do Codex Alimentarius, que adotou uma revisão da sua norma mundial “Princípios gerais de higiene alimentar”, CXC 1-1969. A versão revista desta norma introduziu o conceito de “cultura de segurança dos alimentos” como princípio geral. O que a União Europeia faz, agora, é buscar alinhamento com o Codex por meio da alteração do anexo do Regulamento (CE) nº 852/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, no tocante à Cultura de Segurança dos Alimentos (também foram alterados os anexos que tratam da gestão de alergênicos e da redistribuição dos alimentos, este último um assunto ainda pouco explorado no Brasil).

Basicamente, a alteração se restringe ao Capítulo XI do texto original, que agora passa a conter uma “extensão” XI-A, transcrita em sua íntegra, abaixo:

“1. Os operadores das empresas do setor alimentar devem estabelecer, manter e apresentar evidências relativas a uma cultura de segurança dos alimentos adequada, cumprindo os seguintes requisitos:

a) Compromisso da gerência, em conformidade com o ponto 2, e de todos os trabalhadores no sentido da produção e da distribuição segura de alimentos;

b) Liderança que conduza à produção de alimentos seguros e ao envolvimento de todos os trabalhadores nas práticas de segurança dos alimentos;

c) Sensibilização de todos os trabalhadores da empresa em relação aos perigos para a segurança dos alimentos e à importância da segurança e higiene dos alimentos;

d) Comunicação aberta e clara entre todos os trabalhadores da empresa durante uma atividade e entre atividades consecutivas, incluindo a comunicação de desvios e expectativas;

e) Disponibilidade de recursos suficientes para garantir o manuseio seguro e higiênico dos alimentos.

2. O compromisso da gerência consiste em:

a) Assegurar que as funções e responsabilidades são claramente comunicadas de acordo com cada atividade da empresa do setor alimentício;

b) Manter a integridade do sistema de higiene dos alimentos quando são planejadas e implementadas alterações;

c) Verificar se os controles são realizados em tempo útil e de forma eficiente e se a documentação está atualizada;

d) Assegurar que os trabalhadores recebam treinamento adequado e sejam devidamente supervisionados;

e) Garantir a conformidade com os requisitos regulamentares aplicáveis;

f) Incentivar a melhoria contínua do sistema de gestão da empresa relativo à segurança dos alimentos, tomando em consideração, quando aplicáveis, os progressos em matéria de ciência, tecnologia e melhores práticas.

3. A implementação da cultura de segurança dos alimentos deve ter em conta a natureza e a dimensão da empresa do setor alimentar”.

Porém, a rigor, não existe nenhuma novidade nesta abordagem. Para as organizações que já se habituaram a conviver com requisitos normativos trata-se de uma repetição: compromisso das lideranças, comunicação eficaz e disponibilidade de recursos, por exemplo. Antigos termos também se fazem presentes, como “assegurar que”, “verificar se” e o famoso “garantir”.

Estamos muito longe, ainda, de comemorar mudanças na orientação para o desenvolvimento de uma Cultura. Estamos presos ao vício da gestão.

Além disso, não deixa de ser curioso que a intenção de construir uma nova abordagem, cultural, em substituição a uma visão anterior exclusivamente pautada em regras, ocorra justamente por força de decreto e valorizando as mesmas regras já conhecidas.

Com esforço, se olharmos a publicação como um recurso que presta auxílio para a criação de uma nova forma de pensar, sentir e agir, é possível acreditar que ela cumprirá sua função. Que não se espere dela, porém, um grande impulso à Segurança de Alimentos, com resultados imediatos. A ver, ainda, como se dará o desenvolvimento das estratégias nas organizações e o mecanismo de fiscalização de seu cumprimento. Se as estratégias repetirem a gestão e se os mecanismos de cobrança repetirem as auditorias, pouco muda. Neste caso, parece apenas tratar-se da ampliação do alcance de requisitos normativos de gestão para toda a cadeia.

No Brasil, um país com 39,3 milhões de trabalhadores informais (ou 41,6% da população ocupada), que mantém 13,6 milhões de pessoas em situação de extrema pobreza* e cerca de 51,7 milhões de pobres (dados do IBGE), no qual se empreende com alimentos por necessidade, nossas preocupações ainda são outras.

A Cultura de Segurança de Alimentos que precisamos é aquela que apresenta às pessoas a oportunidade de viver melhor, com mais saúde, a partir de hábitos simples, capaz de ser compreendida e aceita por ambulantes e donos de lanchonetes. É uma questão de políticas públicas. A Indústria, esta sim, é um mundo à parte, no qual a necessidade de implementar gestão não deve ser confundida com a Cultura que queremos. Fazer gestão é uma coisa, ter Segurança de Alimentos como valor é outra. Nenhuma norma, requisito legal ou Guia de Cultura conseguiu chegar ao alvo. Aliás, nem perto disso.

*Nota: Segundo o IBGE, é considerado em situação de extrema pobreza quem dispõe de menos de US$ 1,90 por dia, o que equivalia a aproximadamente R$ 151 por mês em 2019. Já os considerados pobres são aqueles que vivem com menos de US$ 5,50, equivalente a R$ 436 no ano de análise.

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FSSC 22000: o que muda com o guia de cultura de segurança de alimentos

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Foi preciso esperar pela versão 5.1 até que a FSSC 22000 apresentasse a sua visão acerca da Cultura de Segurança de Alimentos e suas expectativas em relação às organizações certificadas.

É importante que se esclareça tratar-se de um Guia, o que seguramente não possui valor de requisito. Por outro lado, é, sim, um bom avanço, uma vez que alinha a FSSC a outras normas que já haviam largado na frente. Confira o original aqui.

No documento publicado ontem (03 de novembro de 2020), a FSSC faz questão de demonstrar seu alinhamento com a posição do GFSI – que abordou o tema ainda em 2018, e recebeu tradução do nosso grupo, podendo ser conferido aqui – e seu benchmarking, voltando o foco para o compromisso das lideranças de topo (seniores). Para o GFSI (e agora também para a FSSC), os elementos da Cultura de Segurança de Alimentos que estarão no radar das principais lideranças devem incluir, no mínimo:

– Comunicação;

– Treinamento;

– Feedback;

– Medições de desempenho.

Por tanta similaridade, a publicação da FSSC mais parece uma resposta ao GFSI e ao mercado. Trata-se de uma sinalização de que, sim, este tema importa. O Guia da FSSC 22000 tem o cuidado de pautar suas expectativas a partir das questões apresentadas anteriormente como recomendações pelo GFSI. Não soa tão bem, porém, a citação clara da FSSC 22000 aos processos de auditoria. Embora obviamente trate-se de um esquema de certificação, ao menos a Cultura de Segurança de Alimentos deveria ser preservada como uma instituição imaculada, alheia ao “fazer por fazer” ou “fazer em troca da certificação”.

A partir daí o documento da FSSC 22000 vira um enorme anexo que, ainda que seja interessante e oportuno, procura orientar o leitor a encontrar paralelos entre os requisitos que já conhecemos e a visão do GFSI. O caráter e a preocupação excessiva com os processos de auditoria transformam o anexo em claras orientações aos auditores. O que está diante dos olhos de quem lê é, claramente, a forma a partir da qual esperamos que as organizações certificadas sejam avaliadas. Não é certo, porém, que as organizações certificadas e os organismos certificadores estejam prontos para construir/avaliar algo tão subjetivo. É provável que exista muitas dificuldades no início, dado que a Cultura não é um objeto concreto e nem deve ser avaliado como tal.

É uma pena que este importante documento traga um viés tão claramente voltado para as avaliações, uma vez que existe um longo caminho de construção da Cultura de Segurança de Alimentos até que ela amadureça.

Se a FSSC pretende promover todo o conteúdo lançado há dois anos pelo GFSI, vale lembrar o que já foi publicado como orientações à implementação de um Programa de Cultura de Segurança de Alimentos, pautado nas seguintes dimensões:

  • Visão e Missão: comunicam a razão de ser de um negócio e como isso se traduz em expectativas e mensagens específicas para os seus membros;
  • Pessoas: são o componente crítico de qualquer Cultura de Segurança de Alimentos. Nosso comportamento e atividades contribuem para a Segurança de Alimentos e, potencialmente, diminuem ou aumentam o risco de doenças transmitidas por alimentos;
  • Consistência: refere-se ao alinhamento adequado das prioridades de Segurança de Alimentos com os requisitos de pessoas, tecnologia, recursos e processos para garantir aplicação consistente e eficaz de um programa de Segurança de Alimentos que reforce sua cultura;
  • Adaptabilidade: se refere à habilidade de uma organização a se ajustar a modificações de influências e condições e responder dentro de seu estado atual ou se mover a um novo estado;
  • Percepção de Perigos e Riscos: diferencia a Cultura de Segurança de Alimentos da cultura organizacional como um todo. O reconhecimento de perigos e riscos atuais e potenciais em todos os níveis e funções representa um elemento chave para construir e sustentar uma Cultura de Segurança de Alimentos.

Por experiência de anos com os programas de Cultura de Segurança de Alimentos, posso afirmar que qualquer guia oficial poderá prestar bom auxílio às organizações que pretendam avançar no tema. Um guia, porém, qualquer que seja ele, deve ser visto exatamente como tal: um guia. As organizações são estruturas extremamente complexas e cada ação proposta poderá responder de formas diametralmente opostas na empresa A e na empresa B. Compete a quem conduz este processo ter a sensibilidade para os ajustes finos. Preparo e experiência são fundamentais para perceber as nuances que separam o sucesso do fracasso ao lidar com a Cultura.

Boa leitura e, lembrem-se: comentários são sempre benvindos por aqui. Será um prazer conversar com vocês.

Um grande abraço!

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Os 5 passos (poderosos) da comunicação para uma Cultura de Segurança de Alimentos

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Já discutimos anteriormente aqui mesmo no blog a importância de comunicar adequadamente os assuntos de Segurança de Alimentos quando pretendemos avançar com nossos Programas de Cultura. Requisitos que não são vistos pelos manipuladores como justos e vantajosos para si próprios não terão aderência plena. O apelo à saúde do consumidor não vem sendo capaz de transformar hábitos. Elevar o cumprimento das regras da indústria ao nível da intuição traduz-se na tão sonhada Cultura de Segurança de Alimentos.

Felizmente, existem formas de comunicar o tema com eficácia, todas absolutamente acessíveis e adaptáveis para todas as lideranças dispostas a fazer a transição entre os modelos de comunicação “duros” e estes novos formatos.

É importante considerar, como ponto de partida, que a comunicação eficaz é um processo que visa o preenchimento das necessidades de ambos os envolvidos no processo: aquele que comunica e aquele que é comunicado. Não existe comunicação eficaz que seja resultado do atendimento das demandas apenas do agente ativo (quem emite a mensagem) no processo. Desta forma, solicitações de qualquer tipo, desacompanhadas de acolhimento e compreensão das necessidades do agente passivo (quem recebe a mensagem), resultarão, em curto espaço de tempo, no esfriamento da relação (ex: “por que meu chefe só me procura para me pedir coisas?”).

Há vários pesquisadores e estudos científicos que tratam a questão da comunicação eficaz. Por sorte, quase a totalidade destes estudos pode ser transportada para a indústria de alimentos.

É comprovado que a maneira de lidar com as boas notícias e de celebrar pode ser tão decisiva para o relacionamento quanto a capacidade de oferecer apoio um ao outro em situações difíceis. A professora e pesquisadora da Universidade da Califórnia, Shelly Gable, publicou um estudo pioneiro, em 2006, concluindo, por exemplo, que o modo pelo qual respondemos à boa notícia da outra pessoa pode ajudar a construir ou a prejudicar nosso relacionamento com ela. Esse é o princípio da ACR (Active Constructive Responding), ou Resposta Ativa-Construtiva.

Paralelamente, as lideranças devem estar preparadas para agir na ressignificação de crenças limitantes, inclusive onde, eventualmente, houver confronto. Há técnicas capazes de ampliar o poder de persuasão no processo de comunicação. O pesquisador Robert Dilts, em 1999, publicou o livro Sleight of Mouth, cujas técnicas, em tradução livre, são conhecidas como “Truques de Expressão”. Trata-se de agrupamentos verbais com a poderosa capacidade de gerar mudanças no padrão mental de nossos interlocutores, levando-os a um novo padrão de resposta a nossos questionamentos. No podcast Food Safety Culture este tema já foi abordado no episódio 4.

Podemos resumir a estrutura desta nova forma de comunicar em 5 poderosos passos:

1 – Substituir “comos” pelos “por quês”

As pessoas precisam saber o que está por trás das regras e procedimentos. Os motivos pelos quais as atividades precisam ser desenvolvidas a partir de um padrão de comportamento esperado devem estar claros. Isto inclui uma nova formatação da comunicação visual e até dos documentos de gestão. Há modelos para isto.

2 – Ampliar a percepção de ganhos

As pessoas precisam compreender as vantagens pessoais que residem na adoção dos comportamentos esperados. O foco da comunicação deve estar em mostrar para os manipuladores de alimentos que existem ganhos para eles, uma vez que decidam praticar novos hábitos. A geração de valor acontece a partir da percepção de que determinada atividade lhes traz benefícios. Há técnicas e exercícios bastante simples para impulsionar estes comportamentos. As lideranças precisam ser capacitadas nestas técnicas.

3 – Descaracterizar o ambiente opressivo e dar visibilidade ao ambiente permissivo

A indústria de alimentos está imersa em regras e normas de conduta sendo que muita coisa é proibida: não pode isso, não pode aquilo. Que tal focar tudo aquilo que é permitido? Qual forma de comunicação parece a você, leitor, mais agradável: “É proibido levar alimentos para consumo fora deste refeitório, incluindo café e frutas” ou “Aqui é o melhor lugar para você consumir seus alimentos. Fique à vontade! ”. Um ambiente onde tudo parece oprimir não poderá nunca ser um ambiente de relacionamentos saudáveis. Uma série de comunicações da rotina pode ser alterada, assim como no nosso exemplo do refeitório.

4 – Trocar a abordagem corretiva pela aproximação educativa

Quem é flagrado em desvio sente-se imediatamente constrangido e envergonhado. A boa comunicação dá a esta pessoa o acolhimento e a compreensão necessária para que ela acerte da próxima vez. Lideranças devem manter o foco na aproximação educativa conforme os passos 1 e 2 nos ensinaram: por que é importante (para ele) fazer certo e o que ele ganha com isto. Se preciso, as lideranças treinadas no método podem recorrer aos Truques de Expressão de Robert Dilts.

5 – Celebrar conquistas

Como já vimos, a Resposta Ativa-Construtiva é aquela que demonstra interesse autêntico, apoio entusiasmado e exploração da experiência da vitória. Mantenha os olhos nos olhos, o sorriso genuíno e a expressão de emoções positivas. O receptor se sente validado e entendido, e a relação é energizada.

Mãos à obra. Exercitem e compartilhem aqui os resultados.

Um abraço a todos e até a próxima!

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O que precisamos entender (antes) sobre Cultura de Segurança de Alimentos?

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Muito vem sendo discutido sobre os estímulos a uma Cultura positiva de Segurança de Alimentos, sobretudo com os impulsos recentes trazidos tanto por requisitos normativos que começam a surgir (tendo a BRC à frente nesta fila), quanto por orientações do GFSI, em um guia que foi recentemente traduzido e publicado pelo blog no artigo Traducão: Guia de Cultura de Segurança de Alimentos.

Do desejo de avançar neste sentido até a necessidade de adotar um Programa de Cultura de Segurança de Alimentos há várias nuances. Contudo, desde os mais nobres até os mais coercitivos motivos, as organizações normalmente esbarram antes mesmo da etapa do planejamento, por absoluta falta de cuidado com o olhar que a Cultura exige.

A Cultura não possui relação com os fins. A Cultura preexiste na sociedade e, também, nas organizações. Ignorar que recebemos em nossas empresas uma fração da nossa sociedade é um erro bastante comum no planejamento (ou na falta dele).

Sob esta ótica, antes de propor qualquer medida, fica muito claro que precisamos estudar o nosso comportamento, as nossas crenças e os nossos valores a partir da nossa origem. É sempre imprudente, e por que não dizer arrogante, quando queremos impor nossas ideias a qualquer custo. Um Programa de Cultura de Segurança de Alimentos não se cria a partir de uma apostila, uma referência, um “ouvi dizer” ou mesmo “li dicas em um artigo”, incluindo este que você lê agora.

Então, vamos lá: qual a nossa origem? Qual a origem da indústria de alimentos no Brasil, qual o perfil destes trabalhadores àquela época e quem são os colaboradores que, até hoje, recebemos na indústria?

O Brasil tem a maior relação histórica com o trabalho escravo do que qualquer outra nação no mundo. Não há documentos precisos sobre a chegada dos primeiros escravizados ao Brasil, mas os desembarques oficiais tiveram início na década de 1530, também destinados à indústria da cana, que começava a despontar em algumas capitanias. Em 1583, o Brasil contava 14 mil escravos, um número que subiria constantemente até o auge do tráfico no país, entre 1800 e 1850, período em que 2,3 milhões de negros aportaram aqui. Mais dados podem ser encontrados aqui. A chegada do século XVIII traz consigo as primeiras mudas de café, no ano de 1727. A cultura em pequenas proporções no norte do país, foi se expandindo em direção ao sudeste, quando a partir de 1870 teve seu grande momento, no oeste paulista, nas cidades de Campinas e Ribeirão Preto, onde encontrou a “terra roxa”, solo rico para os cafezais. Nesta época, o trabalho livre e o início da mecanização podem ser considerados o ponto de partida da nossa atual indústria de alimentos. Não por coincidência com os dias atuais, o ciclo do café sofreu com a carência de mão-de-obra. O sistema de parceria com os primeiros colonos imigrantes fracassou, recuperando-se com o trabalho assalariado e a imigração custeada pelo poder público.

A industrialização no Brasil foi historicamente tardia ou retardatária. Enquanto na Europa se desenvolvia a Primeira Revolução Industrial, o Brasil vivia sob o regime de economia colonial. Foram os recursos da exportação do café que permitiram a industrialização no Brasil, com um primeiro impulso em consequência da Primeira Guerra Mundial e um segundo e definitivo impulso durante a Era Vargas.

Em função deste histórico, de quase quatro séculos, que reúne trabalho escravo, condições de trabalho desumanas, lideranças pelo açoite e serviços manuais, ao qual se juntam as atuais condições socioeconômicas do Brasil, um país de baixo IDH (o relatório completo pode ser acessado no site das Nações Unidas (aqui), com enormes desafios na educação primária e em saneamento básico, não é nenhuma grande surpresa que a indústria de alimentos continue recebendo profissionais cujos principais desafios ainda estejam ligados a sua própria sobrevivência.

 

O perfil do colaborador médio da indústria de alimentos, em comparação com os profissionais de outras indústrias, aponta para um profissional menos especializado, orientado para atividades repetitivas e manuais, e que recebe uma paga (na forma de salário) inferior àquela destinada a profissionais de outros setores. Uma série de dados pode ser coletada no Portal de Indústria, em http://www.portaldaindustria.com.br/cni/.

A simples força das regras não será capaz de alterar este cenário, justamente porque nossos colaboradores têm outras preocupações que, a seu juízo, lhes parecem mais importantes. Um Manual de Boas Práticas de Fabricação raramente será suficiente para “tocar” o coração de quem tem a alma completamente tomada pelo anseio de ter atendidas suas necessidades básicas, também conforme já discutido aqui. Nossos manuais de “Boas Práticas” precisam carregar consigo um (ou alguns) capítulo(s) de Gestão e Liderança, afinal, desenvolver um bom manipulador de alimentos não decorre do que está escrito, mas sim do gestor que o apoia.

A partir do momento em que tenhamos compreendido quem são e o que querem os colaboradores da indústria (o que se aplica a qualquer elo da cadeia de produção do alimento), aí sim será possível avançar com práticas que tenham significado para eles, alinhadas com seus valores e suas crenças. Antes disso, qualquer iniciativa de propor um Programa de Cultura de Segurança de Alimentos será precipitada e resultará, talvez, na manutenção de uma certificação. Daquelas que quando o auditor vai embora, tudo volta ao “normal” no dia seguinte. Cuidem-se: este “normal” é a verdadeira Cultura da organização. Não a que está escrita no Programa.

Um abraço a todos e até a próxima!

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O coaching como ferramenta para a Cultura de Segurança de Alimentos

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Crenças são elementos subjetivos do conhecimento. Uma crença se estabelece na forma como filtramos a realidade. Isto ocorre de maneira inconsciente, ou seja, não temos percepção ou consciência de nossas crenças no dia-a-dia. A influência das crenças no comportamento é reconhecidamente ampla, incluindo a forma como agimos no ambiente organizacional. Crenças limitantes podem reduzir nossas oportunidades de obter resultados plenos.

Como sabemos, recebemos influências de tudo aquilo que nos cerca. O ambiente organizacional, onde passamos boa parte do nosso tempo, é grande influenciador. Cada um de nós, por sua vez, possui uma estrutura psicológica capaz de filtrar a realidade de diferentes formas. Ou seja, o que afeta a uns de uma forma, pode afetar a outros de maneira diferente. Portanto, o modo como reagimos a estas influências também pode variar.

Se o conjunto de influências for percebido de forma negativa pela maioria das pessoas na organização, uma série de crenças limitantes pode surgir e, a partir daí, tomadas como verdade, nortear os rumos de sua cultura. Estão mapeadas diversas crenças limitantes na indústria de alimentos, entre as quais algumas bastante comuns:

– “Não tenho os recursos que eu preciso para trabalhar”;

– “Aqui só resolvemos as coisas quando o chefe cobra”;

– “Fazemos tudo sempre em cima da hora”;

– “As coisas aqui só funcionam na época da auditoria”;

– “Esse tipo de problema nunca vai acontecer aqui”;

– “Nunca tivemos um problema deste tipo, por que agora tenho que fazer diferente?”;

– “Aqui, o pessoal da qualidade se acha no direito de mandar, como se fosse chefe”;

– “A preocupação com a qualidade aqui está só no discurso”.

Felizmente, existem saídas para reverter este quadro. A primeira atitude é o alinhamento do discurso. Mensagens positivas devem substituir comunicações agressivas, sejam elas formais ou informais. O tom negativo, de proibições, deve ser substituído por orientações claras e educativas. Líderes e liderados devem estar mais próximos. Líderes devem ser exemplo, sempre.

Em um segundo momento, há diversas ferramentas desenvolvidas nos processos de coaching que podem trabalhar na ressignificação de crenças. A substituição de crenças limitantes por crenças fortalecedoras certamente acelera o processo de transformação. Tudo aquilo que é positivo deve ganhar visibilidade e ser incentivado. A PNL (Programação Neuro Linguística), por exemplo, permite compreender melhor nosso funcionamento interno e identificar nossos modelos mentais, para que possamos questioná-los, refletir sobre eles e, se for preciso, ressignificá-los.

Quaisquer que sejam as técnicas escolhidas, porém, é válido lembrar que estas somente devem ser aplicadas com o auxílio de um profissional capacitado. Sem a formação adequada, ninguém deveria se autointitular coach ou especialista nisso ou naquilo. Como sempre digo, trabalhar cultura nas organizações vai além de usar o bom senso. Exige formação técnica e experiência com o tema. Um abraço e até a próxima!

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Food Safety Brazil publica tradução do Guia de Cultura de Segurança de Alimentos do GFSI

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Mais uma boa (e aguardada) notícia chega até os leitores do Blog Food Safety Brazil. Nosso grupo de tradutores acaba de publicar um importante documento para as organizações que pretendam receber orientações respaldadas para avançar continuamente em direção a uma Cultura de Segurança de Alimentos positiva. O Guia de Cultura de Segurança de Alimentos pode ser acessado clicando aqui.

A Iniciativa Global da Segurança de Alimentos (GFSI, Global Food Safety Initiative) produziu um valioso guia de orientações que reflete seu posicionamento sobre o tema e que agora está disponível para sua consulta em português.

Neste trabalho, o GFSI reuniu um comitê que incluía representantes de toda a cadeia global de abastecimento de alimentos, do campo ou fábrica ao comércio, direcionando o resultado final a todos os programas de certificação baseados no seu benchmark.

A Cultura de Segurança de Alimentos foi definida como os valores, crenças e normas compartilhados que afetam o pensamento e o comportamento com relação à Segurança de Alimentos em, através e por toda organização. O guia enfatiza:

  • O papel essencial de líderes e gestores;
  • Por que comunicação periódica, educação, medições, trabalho em equipe e atribuição de responsabilidades são vitais para o avanço de uma Cultura de Segurança de Alimentos;
  • Como habilidades aprendidas, incluindo a adaptabilidade e a percepção de perigos e riscos, movem práticas importantes de alimentos seguros além da teoria, para a “vida real”.

O conteúdo apresentado é dividido em cinco capítulos, cada um abordando uma das cinco dimensões da Cultura de Segurança de Alimentos (ver figura abaixo). Estas dimensões foram baseadas em uma análise de modelos existentes usados para avaliar Segurança de Alimentos e cultura organizacional. Cada capítulo define uma dimensão específica e explica por que é importante promover uma Cultura de Segurança de Alimentos.

Os capítulos fornecem ao leitor áreas de conteúdo crítico que uma organização deve examinar se quiser entender melhor sua atual Cultura de Segurança de Alimentos e fazer melhorias para fortalecê-la.

Cada capítulo também fornece conteúdo detalhado de “O Quê” e “Como” para ajudar o leitor a definir toda a sua jornada para amadurecer e tornar sustentável a Cultura de Segurança de Alimentos. Cada capítulo encerra com um conjunto de Perguntas Orientadoras, projetadas como o começo de um diálogo, que ajudam os leitores a determinar como sua empresa pode iniciar ou avançar nos principais componentes discutidos no capítulo. Para ajudar ainda mais o leitor, mais detalhes foram fornecidos nos apêndices, na forma de um modelo de maturidade, o que buscar e assim por diante.

Explicando as dimensões da Cultura de Segurança de Alimentos:

  • Visão e Missão: comunicam a razão de ser de um negócio e como isso se traduz em expectativas e mensagens específicas para os seus membros;
  • Pessoas: são o componente crítico de qualquer Cultura de Segurança de Alimentos. Nosso comportamento e atividades contribuem para a Segurança de Alimentos e, potencialmente, diminuem ou aumentam o risco de doenças transmitidas por alimentos;
  • Consistência: refere-se ao alinhamento adequado das prioridades de Segurança de Alimentos com os requisitos de pessoas, tecnologia, recursos e processos para garantir aplicação consistente e eficaz de um programa de Segurança de Alimentos que reforce sua cultura;
  • Adaptabilidade: se refere à habilidade de uma organização a se ajustar a modificações de influências e condições e responder dentro de seu estado atual ou se mover a um novo estado;
  • Percepção de Perigos e Riscos: diferencia a Cultura de Segurança de Alimentos da cultura organizacional como um todo. O reconhecimento de perigos e riscos atuais e potenciais em todos os níveis e funções representa um elemento chave para construir e sustentar uma Cultura de Segurança de Alimentos.

É importante reforçar, porém, que o guia não apresenta (e nem sequer é sua intenção) um passo-a-passo da implementação de um Programa de Cultura de Segurança de Alimentos. Ele esclarece todos os pontos-chaves para alavancar o desenvolvimento de uma cultura positiva de Segurança de Alimentos e, daí por diante, cada organização, levando em consideração seus aspectos mais característicos, deve transformar esta informação em soluções que lhe pareçam as mais adequadas.

Boa leitura e lembrem-se: comentários são sempre bem-vindos por aqui.

Um grande abraço!

 

 

Leia também:

 

Destaques do guia GFSI sobre a cultura de segurança de alimentos  

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Como gostar de gente pode transformar sua vida (e salvar seu emprego)

2 min leitura

Empatia. https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues

em·pa·ti·a sf 1 PSICOL Habilidade de imaginar-se no lugar de outra pessoa. 2 PSICOL Compreensão dos sentimentos, desejos, ideias e ações de outrem. 3 Qualquer ato de envolvimento emocional em relação a uma pessoa, a um grupo e a uma cultura. 4 Capacidade de interpretar padrões não verbais de comunicação. 5 Sentimento que objetos externos provocam em uma pessoa. ETIMOLOGIA gr empátheia.

Sabem por que gosto desta definição? Porque é artigo precioso. Não é tão comum encontrá-la por aí. Na indústria de alimentos, muitas vezes, nos acostumamos a padrões automáticos de cobrança sobre o cumprimento de normas, requisitos legais e das Boas Práticas de Fabricação. Mas se você é gestor, preciso conversar um pouco contigo. Vejamos: as pessoas possuem diversas origens, crenças, padrões culturais e formação educacional. Nem todos tiveram as mesmas oportunidades ou construíram suas carreiras (ou oportunidades profissionais) sob a mesma ótica, incluindo a sua. Assim, se tivemos a sorte e aproveitamos as chances que nos foram dadas, devemos agradecer e receber louvores pelo nosso esforço. Se chegamos ao topo ou perto dele, parabéns. Agora, como líderes, nosso papel é incentivar e apoiar as pessoas que estão iniciando esta jornada. Na base, sempre haverá um monte de gente precisando usar touca, lavar as mãos, trocar frequentemente de uniforme e anotar registros de PCC.

Ocorre que, muitas vezes, nossos padrões automáticos de cobrança não incluem o processo educacional, no qual se formam as crenças e valores. Dentro das organizações, os líderes devem assumir o papel de educadores como seu principal papel, muito além de entregar resultados. O líder que educa é capaz de formar um time com uma base sólida de conhecimento, muito mais capaz de entregar resultados, mas jamais através de cobranças puras e simples. Assim, “faça porque o auditor vem aí” ou “faça porque está no procedimento” não vai alavancar nenhum resultado. Quando o gestor que fomenta este discurso volta para o ar condicionado da sua sala, as pessoas que estão no calor e/ou na umidade de uma sala de processos farão apenas aquilo que for mais confortável para elas, o que me parece razoável de compreender. Ninguém, nem você, gosta de fazer coisas sem saber o porquê.

Eu, particularmente, sempre me impressionei pelos gestores que usam jaleco e touca. Quando sua vaidade se resumir a higiene, você terá dado um passo importante. Nem todos vamos conseguir chegar lá. Há algo muito natural neste processo, que é simplesmente gostar de gente. Luiza Helena Trajano, ex- CEO do Magazine Luiza, a quem tive o prazer de conhecer em um ciclo de palestras, nos conta uma lição importante: “Gosto de gente. E gosto de gente que gosta de gente”. E assim seguimos: a habilidade da empatia é natural, mas pode ser exercitada e desenvolvida. Gostar de gente pode transformar sua vida. No trabalho, imaginar-se no lugar de outra pessoa e compreender seus sentimentos, desejos, ideias e ações pode alavancar seus resultados. E salvar seu emprego. E transformar sua vida. É ou não é um círculo virtuoso? Vamos praticar?

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Segurança de Alimentos e o pensamento integrado do SGI

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Existe um sentimento comum a quase todos os profissionais que lidam com a implementação e a manutenção de Sistemas de Gestão da Segurança de Alimentos: trata-se do sentimento que surge e cresce a partir da sensação de que todos os nossos esforços, por mais elevados que sejam, não são suficientes para garantir o cumprimento das Boas Práticas de Fabricação e demais rotinas. Em parte, isto acontece por uma série de fatores que já começamos a discutir nos artigos anteriores.

Para além disso, há outros fatores que ainda não tratamos aqui, mas que serão discutidos no próximo Workshop Food Safety Brazil, que será realizado nos dias 19 e 20 de Setembro, em Recife. Aspectos motivacionais passam obrigatoriamente pela compreensão de valor e a percepção de ganhos envolvendo as atividades. Quanto mais ampla for a oferta de atividades que possam representar os interesses dos colaboradores, maiores são nossas chances de obter sucesso.

Bons colaboradores não são formados exclusivamente pelos seus conhecimentos técnicos. Arrisco a dizer que conhecer instruções de trabalho e procedimentos operacionais quase nunca é sinônimo de tê-los cumpridos à risca. Boa parte de nós viveria uma vida de comportamentos exemplares, apenas por sabermos que dieta e exercício físico fazem bem à saúde. Entretanto, vivemos às voltas com o sobrepeso, a obesidade e o sedentarismo. O mesmo se aplica às regras de trânsito, ao consumo consciente e a tantas outras “etiquetas” que deixamos de lado para experimentar pequenos pecados. Na minha jornada, sempre preferi ter na equipe aqueles cidadãos de boa vontade e boa índole. Parto do princípio de que todos somos capazes de aprender o conteúdo das regras que estão escritas, mas poucos enxergam valor e ganhos. Somente este último grupo irá performar bem. Nosso papel, portanto, deixa de ser capacitar nos procedimentos específicos, mas oferecer bases para um raciocínio crítico, livre de julgamentos, criativo e “hands on”.

Integrar o pensamento do SGI, trazendo à tona discussões sobre Meio Ambiente, Saúde e Segurança, dentro do contexto da Segurança de Alimentos, é favorecer o desenvolvimento dos cidadãos a serviço da Organização. A mesma pessoa que se interessa em ser um agente transformador do meio ambiente, pelos simples atos de separar o lixo, apagar as luzes ao sair e economizar os recursos naturais, também é aquela que irá se preocupar com sua segurança e a de seus colegas, utilizando e incentivando-os a usar EPIs. Sobretudo, estamos falando da mesma pessoa que, ao se sentir feliz, valorizada e respeitada, começa a performar bem com todas as rotinas diárias, o que inclui, finalmente, tanto cuidar de sua higiene pessoal, quanto anotar registros de monitoramento de PCCs, por exemplo.

Outras facilidades, como a elaboração de procedimentos mais simples, visualmente mais ricos, utilizando mapas mentais e infográficos, podem colaborar para o aumento do desempenho desta equipe. Já há toda a liberalidade necessária nas normas para a documentação de Sistemas de Gestão em diversos formatos. Estamos, definitivamente, livres da moldura de gesso em que nos colocaram e já temos relatos de bastante sucesso com o uso destes novos recursos.

Aguardo todos vocês para esta vibrante discussão, que segue no Workshop e também aqui embaixo, nos comentários. Enorme abraço e até breve!

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A formação dos hábitos na indústria de alimentos

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O que nos move? Quais são os fatores que impulsionam nossa trajetória? O que se sabe, entre tudo aquilo que já foi estudado no âmbito da Ciência do Comportamento, é que nossa motivação reside no atendimento a um conjunto de necessidades básicas. Para o psicólogo Abraham Maslow, uma das principais referências nesta ciência, o indivíduo rege sua vida de acordo com as suas necessidades, que podem ser divididas em:

Fisiológicas: ar, água, comida, exercício, repouso e saúde;

Segurança: abrigo, estabilidade, segurança;

Social: se sentir querido, pertencer a um grupo, ser incluso;

Estima: poder, reconhecimento, prestígio e autoestima;

Autorrealização: desenvolvimento, criatividade, autonomia, realização.

Somente a partir do momento em que suas necessidades fisiológicas tenham sido alcançadas, o indivíduo passa a explorar, em sequência, os próximos níveis.

Sobre tudo aquilo que há em comum com as necessidades acima, é relativamente seguro afirmar que, em todos os casos, o indivíduo enxerga VALOR. Ou seja: para ele, tudo lhe parece justo, certo e vantajoso. Outra afirmação possível nos conta que quanto mais básica a necessidade, mais instintiva é a nossa motivação. O bebê que procura o seio da mãe, o faz por instinto, saciando sua fome.

Agora, por favor, prestem atenção nesta conta simples que vamos fazer: ocorre que, na indústria de alimentos, o conjunto de requisitos nem sempre (ou quase nunca) vai parecer aos indivíduos como justo, certo e vantajoso para si. Tampouco os requisitos foram criados para lhes ofertar diretamente (exceto pela sua paga, na forma de salário) o atendimento a uma necessidade básica sua. Ou seja: não tem VALOR e não há motivação instintiva para cumpri-los.

Até então, todos os esforços que temos feito (leia-se treinamentos) estão concentrados no sentido de parecer serem certos os requisitos que escrevemos ou apresentamos. Poucas são as iniciativas que conhecemos que realmente pretendem apresentar aos manipuladores de alimentos os requisitos como justos e vantajosos para eles próprios (e não para a Organização ou para o cliente/consumidor). Para a maior parte dos colaboradores da indústria de alimentos está suficientemente claro que as regras nos apresentam um jeito certo de fazer as coisas. Porém, também para a maioria destes, não basta ser certo.

No artigo passado, falamos sobre o papel de nossas crenças e valores na formação de nossos hábitos. De fato, a transformação cultural só irá acontecer a partir do momento em que os requisitos passem a ser compreendidos como algo que lhes pareça justo e vantajoso. Se assim forem compreendidos, então passarão a ser praticados com mais facilidade. Não chega a ser uma receita de bolo, mas os ingredientes agora estão sobre a mesa. Mãos à obra!

Leia a seguir: Como gostar de gente pode transformar sua vida (e salvar seu emprego).

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O que é cultura e como nossos hábitos transformam as organizações

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No post anterior, falamos sobre a longa, mas prazerosa jornada de transformação da Cultura de Segurança de Alimentos na Indústria. Neste sentido, vamos fazer um acordo entre nós. Eu sou um engenheiro que escreve sobre comportamento dentro das organizações. Eu estudei muito para chegar até aqui, mas continuo sendo engenheiro. Este acordo é importante para mim porque, além de engenheiro, sou muito prático e gosto de resolver as coisas sem complicar. Assim, não vou trazer definições acadêmicas. Vamos deixar as definições formais para quem é de formalidade. E vamos falar as coisas como são na prática, para quem está na prática.

Dito isto, a Cultura é tudo aquilo que a gente faz, repetidas vezes, como padrão de comportamento. A gente faz ou por imitação, muitas vezes, dado que aprendemos observando o comportamento do grupo. Quando somos crianças, este grupo costuma ser nossa família e, depois, nossa escola. Mais adultos, vamos somando influências de outros grupos e de tudo o que a gente vê, lê, ouve. Na nossa cultura, cabe tudo o que a gente acha natural, normal, certo. Ou seja, uma cultura é formada ao longo do tempo e se reforça quanto mais a gente pratica. É uma reunião de experiências que formam crenças e valores. Anotem esta informação. Ela vai ser mais importante lá na frente.

Nas organizações, costumamos receber pessoas cujas origens, crenças e valores podem diferir mais, ou menos. Organizações mais homogêneas têm um tipo de desafio. Organizações mais plurais têm outro tipo. É o que chamamos de base de influências. Esta é uma informação riquíssima para as organizações que querem avançar em alguma direção, de forma orientada. A discussão completa não cabe neste post, mas prometo para breve, no livro. Em resumo, é possível antecipar que os movimentos e os resultados são mais conhecidos em um ambiente homogêneo, mas o nível de esforço para a movimentação pode ser extremamente alto. Por outro lado, um ambiente plural oferece oportunidades para a observação de novas formas, facilita a quebra de paradigmas e a “energia de ativação”. Ele pode nos conduzir facilmente para resultados dispersos e/ou não planejados. Talvez melhores, talvez não. Obviamente, neste caso, é muito necessário se manter com foco, no trilho, e as medições se tornam mais frequentes.

Qualquer que seja o perfil das organizações, porém, as crenças e valores presentes em cada indivíduo irão rapidamente se estabelecer em equilíbrio, o que define o status quo daquela cultura organizacional. Nesta análise, estão incluídas também as lideranças e sua forma de se relacionar e comandar o negócio nos níveis táticos e estratégicos.

A partir desta análise, não é difícil compreender toda a complexidade que existe em torno dos programas que envolvem qualquer tipo de mudança comportamental, o que inclui programas de Cultura de Segurança de Alimentos. Crenças e valores são íntimas o suficiente para não se deixarem transformar apenas pelos requisitos que, inclusive, já escrevemos da mesma forma há anos. Tampouco será útil qualquer iniciativa normativa neste sentido. Normas que já prescrevem a necessidade de programas de Cultura de Segurança de Alimentos serão tão efetivas quanto tudo o que já fizemos até aqui. Requisitos não transformam hábitos.

Expressamos crenças e valores através de nossos hábitos. Hábitos formam nossa cultura. Achamos a chave! Pergunte-se como você transforma suas crenças e cria novos valores. É bem provável que você encontre um novo modelo para trabalhar Cultura…

Aguarde o próximo post: A formação dos hábitos na indústria de alimentos.

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Cultura de segurança de alimentos: uma jornada

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“Vou logo ali e já volto” me soa como algumas preparações para certificação. Senão vejamos: leio a norma, estudo, monto e capacito uma equipe (que talvez eu não vá, de fato, precisar, ou que talvez, de fato, sequer esteja muita interessada ou disponível), escrevo toda a documentação, consigo algum dinheiro para os principais reparos de infraestrutura e do ambiente de trabalho (somente os principais) e então me sinto pronto. Daí preparo três orçamentos com as certificadoras e (usando critérios técnicos?) escolho a mais barata ou a mais “fácil”. Na véspera, chamo todos os colaboradores, repasso a Política de Segurança de Alimentos, fazemos uma grande limpeza, checamos se todos os registros estão preenchidos, lembro o pessoal da portaria de pedir e anotar o RG do auditor e distribuir o folder que preparamos com nossas melhores instruções de… BPF! Conforme for, posso dar folga para os mais novatos e deixar sempre por perto ou os mais experientes ou aqueles que têm a lição de trás para a frente, na ponta da língua. Eu sei que eu vou “passar”. Atender requisito é como comprar pão na padaria. Troque a palavra “pão” pela palavra “certificado” e todos saberemos do que se trata esta questão.

Quem já passou pelo processo acima, lamento. Vai passar sempre. A cada três anos. Ou a cada ano. E, quando digo “lamento”, lamento pelo frio na barriga que dá. E pelas noites mal dormidas na véspera. Já passei por isso. Aliás, #quemnunca? Ou seja, conforme queríamos demonstrar, sempre vai ter pão fresco. Mas este pão tem um preço. E costuma ser caro.

Felizmente, há uma outra forma de viver a rotina na Indústria de Alimentos.

“Vou demorar, não me espere para o jantar” me soa como Cultura de Segurança de Alimentos. É exatamente assim. Vai demorar. Não espere pelos resultados agora. Mas vai acontecer. Cultura é uma longa jornada e não se trata apenas do resultado em si. É toda a jornada que importa, porque há aprendizados em todo o caminho.

Antes de seguir adiante eu preciso lhes contar como cheguei até aqui. Costumo dizer que foi o aleatório (alguns podem chamar de acaso) que me trouxe até o vestibular de Engenharia. Não havia testes vocacionais conclusivos, não havia habilidades claramente evidentes e destacadas. O processo todo durou oito anos. Mais que meu gosto, minha dedicação (e persistência) me formou Engenheiro de Alimentos. Recém-formado, participei da criação de uma consultorias em Segurança de Alimentos que é  referência do mercado. Mais tarde, passeei pela Indústria de Alimentos em diversas áreas e funções. Mas, principalmente, me tornei aquele cara do primeiro parágrafo. Uma máquina de gerar certificados. Uma padaria.

Voltando a jornada de Cultura, posso lhes dizer que há flores no caminho. Todas possuem espinhos. Troque a palavra “flores” pela palavra “pessoas” e todos saberemos do que se trata esta questão. Cultura, em particular a Cultura de Segurança de Alimentos, é sobre como lidar com gente. Você também vai tropeçar, também vai se machucar. Muitas vezes, vai doer. Mas você vai descobrir histórias incríveis de pessoas como eu e você. Pessoas que querem ter a oportunidade de mostrar seus talentos, seus valores. Mas que precisam de sua atenção. Nos próximos episódios, vamos contar algumas destas histórias. Embarque comigo nessa jornada. Uma Cultura de Segurança de Alimentos é feita por todos. Todos precisam de você.

Leia a seguir: O que é Cultura e como nossos hábitos transformam as organizações.

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Requisitos estatutários e regulamentares: um guia para aplicação

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Está na Norma. A ISO 22.000:2005 (NBR ISO 22.000:2006) exige que muitas das decisões tomadas pela Organização na estruturação de seu SGSA, estejam baseadas em requisitos estatutários e regulamentares. A grosso modo, equivale a dizer que as organizações devem pautar suas decisões com base em suas próprias crenças (requisitos internos – estatutários) obedecendo a regulamentos legais (legislação). O atendimento a estas condições deve ser demonstrado e adequadamente documentado, normalmente através de registros de processo, certificados de análise, documentos com valor legal expedidos pelos órgão competentes, entre outras formas.

Menções aos requisitos estatutários e regulamentares como base das decisões das organizações surgem em diversos trechos da Norma. Uma lista com suas ocorrências, por requisito normativo, foi preparada e pode ser conferida abaixo. Uma breve interpretação é apresentada como ponto de partida.

1. Objetivo – esclarece que um dos objetivos da Norma é apresentar requisitos que permitam à Organização demonstrar conformidade com os requisitos estatutários e regulamentares de segurança de alimentos aplicáveis.

5.1. Comprometimento da direção – solicita que a alta direção esteja comprometida com o SGSA, e uma das formas de evidenciar este comprometimento é comunicando à Organização a importância em atender requisitos estatutários, regulamentares, entre outros.

5.2. Política de segurança de alimentos – cita que a Política definida pela alta direção deva estar em conformidade com os requisitos estatutários e regulamentares, entre outros.

5.6.1. Comunicação externa – solicita que sejam mantidos disponíveis os requisitos estatutários e regulamentares (e como se a Organização mantém contato com as autoridades).

5.6.2. Comunicação interna – solicita que a Organização possua método para promover a comunicação interna, incluindo a ESA, em assuntos ligados a requisitos estatutários e regulamentares.

7.2.2. Programa de pré-requisitos – solicita que a Organização identifique os requisitos estatutários e regulamentares relacionados aos PPR.

7.3.3.1. MP, ingredientes e materiais que entram em contato com os produtos – solicita que a Organização identifique os requisitos estatutários e regulamentares relacionados.

7.3.3.2. Características do produtos finais – solicita que a Organização identifique os requisitos estatutários e regulamentares relacionados.

7.3.5.2. Descrição das etapas de processo e medidas de controle – solicita que estejam descritas e que sejam citados os requisitos estatutários e regulamentares relacionados que podem causar impacto nas suas escolhas.

7.4.2.3. Identificação de perigos e determinação de níveis aceitáveis – informa que o nível aceitável dos perigos identificados seja tomado com base nos requisitos estatutários e regulamentares.

7.9. Sistema de rastreabilidade – solicita que os registros da rastreabilidade obedeçam aos requisitos estatutários e regulamentares.

 

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