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Como tornar a avaliação preditiva de risco microbiológico uma realidade na indústria?

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Você já se perguntou como a indústria de alimentos pode antecipar riscos microbiológicos e garantir a segurança dos produtos que chegam à mesa dos consumidores?

No contexto industrial, o termo “risco” pode ser utilizado num sentido mais amplo, abrangendo não só questões de segurança de alimentos, mas também questões de qualidade dos alimentos (uma vez que a qualidade pode ser alterada pela deterioração microbiana). Esses riscos são causados por perigos, que normalmente são abordados em sistemas básicos de controle de qualidade, como APPCC (Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle) e BPF (Boas Práticas de Fabricação), por exemplo.

Além desses sistemas, ao longo dos anos as indústrias têm colocado em prática as tecnologias da Qualidade 4.0, que têm o potencial de revolucionar a forma como os alimentos são produzidos, processados e distribuídos.  Os recursos da era digital e da análise de dados são a base para uma gestão de qualidade eficiente. A partir deles, as indústrias passam a tomar decisões mais assertivas, com base em dados oriundos da própria planta de processamento e dos desafios encontrados diariamente na produção.

Dentro deste contexto surgem novas abordagens para o monitoramento microbiológico preventivo, como o uso de biologia molecular, que a partir do sequenciamento de DNA, data science e inteligência artificial, podem identificar micro-organismos preventivamente.

SEQUENCIAMENTO DE DNA E A NOVA ERA DA MICROBIOLOGIA DA INDÚSTRIA DE ALIMENTOS

Agências de saúde no Brasil e no mundo utilizam o sequenciamento de DNA de nova geração no controle de contaminações microbiológicas. Como exemplo, nos EUA o FDA (Food and Drug Administration) e o CDC (Center for Disease Control and Prevention) usam o sequenciamento de DNA para investigação de surtos causados por micro-organismos.

Os testes para identificação de micro-organismos no ambiente de fabricação ou no produto acabado são um passo importante na avaliação e verificação da eficácia de bons controles de fabricação / higiene e de processo.

Quando patógenos, por exemplo, são detectados em produtos acabados, uma etapa fundamental na análise da causa raiz é identificar a fonte de contaminação, ou seja, rastreabilidade de origem. Essas análises pontuais são realizadas normalmente quando o perigo microbiológico já está presente na planta industrial, sendo observados desvios na produção ou no produto final.

Para não atuar na defensiva aos perigos microbiológicos, nos últimos 10 anos é possível perceber que outras tecnologias vêm sendo aplicadas à microbiologia. Nesse cenário, novos horizontes se abriram com o uso da microbiologia preditiva, data science e inteligência artificial. Essas tecnologias, alimentadas com informações microbiológicas e dados relacionados, criam uma nova perspectiva no monitoramento de produtos e processos.

Se normalmente as indústrias utilizam metodologias para identificar micro-organismos potencialmente prejudiciais, aos humanos ou ao produto final, no futuro breve a perspectiva é que essas tecnologias consigam predizer o risco de um processo ou produto ser contaminado por alguma bactéria ou fungo. A partir dessa informação, os responsáveis pelo controle de qualidade poderão tomar uma ação preventiva antes da contaminação, de fato, acontecer.

 MICROBIOLOGIA PREDITIVA E A ANÁLISE DE RISCOS

A estrutura de análise de risco, conforme definida pela FAO, OMS e Comissão do Codex Alimentarius (CAC, 1999), consiste em três componentes: avaliação, gerenciamento e comunicação de risco. Cada uma delas contempla várias etapas a serem seguidas antes de se ter certeza dos riscos. No entanto, os dados gerados precisam ser rapidamente interpretados para traçar as ações necessárias em cada etapa da análise dos riscos.

Pensando na integralidade do processo, na automatização dos resultados gerados e na necessidade de avaliação rápida dos resultados, a Neoprospecta possui uma grande iniciativa na área de prevenção de riscos, chamada RIR (Relatório de Indicadores de Riscos) que combina diferentes abordagens como sequenciamento de DNA, cálculos matemáticos, matriz HAZOP, banco de dados de micro-organismos e axiomas microbiológicos.

Utilizando análises de sequenciamento de DNA, é realizada uma avaliação estratégica dos micro-organismos identificados em pontos da planta industrial.  Assim, obtém-se um alerta, de forma antecipada, da probabilidade de acontecer um desvio em indicadores como falha em higienização, shelf life, condições higiênico-sanitárias e/ou contaminação por patógenos.

 

O banco de informações de micro-organismos aliado a cálculos matemáticos preditivos faz com que o RIR apresente métricas dos riscos encontrados na produção, além de diagnosticar os locais que devem ter maior controle, evitando desvios do padrão de qualidade. Padrões estes que são estabelecidos pela legislação ou por procedimentos internos da indústria.

A apresentação do RIR é realizada através de um dashboard. Assim, a partir dos resultados, a alta gestão pode tomar uma ação corretiva em tempo hábil com base em dados reais da indústria.

Gráfico – Indicadores de risco na ferramenta RIR

A implementação dessa ferramenta na indústria permite comparar a eficiência de diferentes medidas de redução de risco e, mais precisamente, de diferentes configurações operacionais, prevendo o seu efeito no resultado final do processo. O RIR torna o uso preditivo de dados microbiológicos uma realidade na indústria, sendo um forte aliado da garantia dos padrões de qualidade dos alimentos.

O RIR, além de ser uma ferramenta de predição de riscos, é uma ferramenta extremamente intuitiva para tomada de decisões, tanto pela alta gestão quanto para todos os seus usuários internos da indústria. Diante dos resultados, o usuário consegue criar planos de ações para solucionar os problemas de formas preventivas ou corretivas, acompanhando todo o progresso das ações, os responsáveis e data de finalização das ações.

Dessa forma, os problemas microbiológicos são resolvidos cada vez mais preventivamente, e com completa compreensão da causa raiz, atuando na fonte do problema e trazendo ganhos de produtividade, redução de retrabalho e redução de custos.

AVALIAÇÃO DE RISCO COMO PADRÃO DE QUALIDADE

Algumas normativas da qualidade já trazem em seu escopo a análise preventiva dos riscos microbiológicos.

A FSSC 22000 (Certificação de Sistema de Segurança de Alimentos), por exemplo, em sua 6ª versão, trouxe alterações e aumento da abrangência de alguns requisitos, incluindo tópicos relacionados à avaliação de risco. A norma deixa explícito, por exemplo, que a organização deverá obter um programa de monitoramento ambiental baseado em risco para os patógenos relevantes, organismos deteriorantes e indicadores.

Mais recentemente, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento publicou a Portaria SDA Nº 736, de 29 de dezembro de 2022, que aprova os procedimentos para adesão dos abatedouros frigoríficos ao sistema de inspeção post mortem com base em risco, aplicáveis aos frangos de corte. Inicialmente, os frigoríficos que tiverem interesse poderão cadastrar-se no programa do MAPA, mas a partir de 2028 será uma obrigatoriedade o uso de gerenciamento de riscos.

Com a ferramenta de risco da Neoprospecta, as indústrias de alimentos podem explorar as estratégias essenciais para identificar, analisar e mitigar ameaças invisíveis, os tão temidos micro-organismos. Os resultados auxiliam a garantir a excelência da qualidade nas diferentes zonas da produção dos alimentos. 

Nós temos a expertise e uma diversidade de soluções moleculares para identificação e rastreabilidade de micro-organismos-alvos para a indústria de alimentos, como por exemplo, bactérias e fungos, sejam eles patógenos ou deteriorantes de alimentos. O conhecimento gerado por nossas soluções direciona a indústria de alimentos a garantir o controle de qualidade e a saudabilidade dos seus alimentos. 

Você tem dúvidas de como o sequenciamento de DNA e o uso de dados  podem auxiliar na prevenção de micro-organismos? Ou como usar ferramenta preventiva de riscos na sua empresa?

Queremos ouvi-lo, saber quais são as suas dúvidas a respeito do uso da microbiologia preditiva como ferramenta.  Entre em contato conosco no +55 48 988154226 ou comercial@neoprospecta.com

Referências

Baert, L.; McClure, P.; Winkler, A.; Karn, J.; Bouwknegt, M.; Klijn, A.; Guidance document on the use of whole genome sequencing (WGS) for source tracking from a food industry perspective. Food Control. Volume 130, December 2021, 108148. Acesso em: https://doi.org/10.1016/j.foodcont.2021.108148

CAC (Comissão do Codex Alimentarius). Princípios e diretrizes para a condução da avaliação de risco microbiológico. CAC/GL 30-1999. Organização para a Alimentação e Agricultura e Organização Mundial da Saúde (FAO e OMS) ( 1999 ). Disponível online: https://www.fao.org/fao-who-codexalimentarius/sh-proxy/en/?lnk=1&url=https%253A%252F%252Fworkspace.fao.org%252Fsites%252Fcodex%252FStandards%252FCXG% 2B30-1999%252FCXG_030e_2014.pdf

Lawson, I.; Crafting the microworld: how Robert Hooke constructed knowledge about small things. The Royal Society. Published:16 December 2015. Acesso em: https://doi.org/10.1098/rsnr.2015.0057

New era of smarter food safety- FDA’s blueprint for the future. Acesso em: https://www.fda.gov/food/new-era-smarter-food-safety/new-era-smarter-food-safety-blueprint

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Entendendo a análise de umidade em alimentos: uma introdução

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A análise de umidade em alimentos desempenha um papel essencial na garantia da segurança e qualidade dos produtos. A umidade é fator crítico na deterioração dos alimentos, uma vez que possibilita a multiplicação de microrganismos e a ocorrência de reações químicas indesejadas, afetando também a textura, o sabor e a aparência dos alimentos.

Para assegurar a integridade dos alimentos, é imprescindível ter uma compreensão clara de dois parâmetros essenciais: o teor de umidade e a atividade de água (Aw). Embora ambos sejam importantes para a inocuidade dos alimentos, esses parâmetros baseiam-se em conceitos distintos, conforme detalhado a seguir:

Teor de umidade vs. atividade de água (Aw)

Aspecto Teor de Umidade Atividade de Água (Aw)
Definição
  • Quantidade total de água no alimento (% do peso total).
  • Medida da disponibilidade de água no alimento para reações químicas, enzimáticas e crescimento microbiano, variando de 0 (sem atividade de água) a 1 (atividade de água pura).
Importância
  • Afeta a textura, sabor e qualidade dos alimentos;
  • Usada para determinar a conformidade com padrões de qualidade e rotulagem nutricional;
  • Pode ser indicativo de fraude por adição de água.
  • Fundamental para a conservação de alimentos, pois microrganismos só se multiplicam na presença de água livre;
  • Determina a vida útil dos alimentos.
Formas de apresentação da água Considera todas as formas de água no alimento, incluindo água livre, adsorvida e ligada.
  • Leva em consideração a água livre, que é a forma de água disponível para processos biológicos e químicos.
Unidade de Medida Porcentagem (%) do peso total.
  • Adimensional, variando de 0 a 1.

Explorando os tipos de água em alimentos

Com essa compreensão em mente, vamos explorar mais detalhadamente os tipos de análise do teor de água nos alimentos, visando contribuir com o controle de qualidade, garantindo a inocuidade dos produtos durante sua vida útil .

O tipo de análise a ser conduzida depende diretamente do tipo de água que se deseja identificar em uma amostra. Existem três principais tipos de água que podem estar presentes em alimentos e outros materiais: água livre, água adsorvida e água ligada.

  • Água livre: Está presente na amostra de forma mais acessível e pronta para evaporar em condições normais de temperatura e pressão. Pode ser facilmente removida por aquecimento e é a forma de água que mais influencia a qualidade dos alimentos, pois é a principal responsável pela deterioração e proliferação de microrganismos.
  • Água adsorvida: Encontra-se na superfície de partículas sólidas, onde adere devido a forças de atração física, como a adsorção por pontes de hidrogênio e interações de Van der Waals. Essa água pode ser removida com maior dificuldade em comparação com a água livre, pois está ligada às superfícies das partículas. No entanto, pode contribuir para a atividade de água (Aw) e influenciar a textura e estabilidade dos alimentos.
  • Água ligada: Está quimicamente combinada com outras substâncias na amostra. Não está disponível para processos biológicos ou químicos e é a forma mais difícil de ser eliminada por aquecimento. A água ligada desempenha uma função menos relevante na deterioração dos alimentos, pois não está disponível para microrganismos ou reações químicas.

Técnicas de análise de umidade em alimentos

A escolha da técnica de análise adequada depende do tipo de água que se deseja identificar em uma amostra. Abaixo estão algumas técnicas de análise de umidade, seus conceitos e os tipos de água que podem ser medidos:

Técnica de Análise Conceito Tipos de Água Medidos
Secagem em estufa – Gravimetria Baseia-se na diferença de peso antes e depois da secagem da amostra em estufa, sob tempo e temperatura pré-definidos, calculando o teor total de água. Principalmente água livre
Titulação – Karl Fischer Emprega uma reação química envolvendo o iodo e a água na amostra. O excesso de iodo é detectado por titulação, permitindo quantificar a água presente. Água livre e água adsorvida (limitada na detecção de água ligada)
Secagem por radiação infravermelha Utiliza fonte de calor por infravermelho para aquecer a amostra e medir a perda de peso devida à evaporação da água durante a análise de umidade. Principalmente água livre
Secagem por micro-ondas Aplica micro-ondas para aquecer a amostra e medir a umidade com base na perda de peso devida à evaporação da água. Principalmente água livre
NIR (Espectroscopia no Infravermelho Próximo) Estima a quantidade de água com base na absorção de luz no espectro do infravermelho próximo. Principalmente água livre

A compreensão dos diferentes tipos de água e o uso das técnicas de análise apropriadas são essenciais para cumprir as normas regulatórias e fornecer alimentos seguros e de alta qualidade.

Como se pode ver, a análise de umidade em alimentos é muito importante para garantir a segurança do produto. Além disso, ela é capaz de fornecer informações sobre a quantidade de água no alimento, o que é útil para determinar a qualidade do produto e fazer outras considerações sobre o alimento.

Esperamos que este artigo tenha sido útil para que você possa entender um pouco melhor a análise de umidade em alimentos.

Imagem: Polina Tankilevitch

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Semana Nacional de Conscientização sobre Alergia Alimentar: novo marco na conscientização

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No dia 23 de novembro de 2023, foi sancionada no Brasil a Lei nº 14.731, que instituiu a Semana Nacional de Conscientização sobre Alergia Alimentar, a ser celebrada na terceira semana de maio de todos os anos.

O reconhecimento da necessidade de ter uma data para a pauta da alergia alimentar acontece pelo crescente aumento nos casos, não só no Brasil, mas no mundo todo. Um problema eminente na saúde pública, muitas vezes silenciosa, a alergia alimentar manifesta-se após a ingestão direta ou indireta (contaminação cruzada) de algum alimento considerado “estranho” pelo corpo humano.

Sua manifestação pode ocorrer com desconfortos momentâneos, como manchas vermelhas espalhadas pelo corpo, coceira ou inchaço. Também podem ocorrer, nos casos mais graves, dificuldade ao respirar, dor abdominal, tontura, entre outros sintomas. Em alguns casos,  a alergia alimentar pode  até levar a vítima a óbito.

O Brasil conta com regulamentação específica para rotulagem de alergênicos, por meio da RDC 727/2022, que apresenta em seu anexo III a listagem dos principais alergênicos, dentre eles: leite, soja, ovo, trigo, amendoim, castanhas, peixes e crustáceos, além do látex.

Ao contrário do que se pensa, o simples fato de não consumir o produto diretamente, não exime a pessoa alérgica da exposição, que pode ocorrer por meio da contaminação cruzada, ou seja, o alergênico pode estar presente por meio de pequenas partículas em razão do compartilhamento de utensílios ou de superfícies.

Por isso, adotar procedimentos de prevenção de contaminação cruzada, como metodologias validadas de limpeza de linhas (CIP) que processaram alergênicos, além de outros controles, é parte importantíssima na luta contra a alergia alimentar.

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Você já pensou sobre a segurança do alimento do seu pet?

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Nos últimos anos, a relação entre humanos e animais de estimação tem se estreitado cada vez mais, aumentando a importância da qualidade e segurança dos alimentos oferecidos a esses membros especiais de nossas famílias. Esta convivência não só contribui para o bem-estar emocional das pessoas, mas também levanta questões sérias sobre a saúde e segurança de ambos os lados da relação.

A proximidade entre tutores e seus animais de estimação gera inúmeros benefícios, incluindo a redução do estresse, a melhoria do humor e até mesmo a diminuição da pressão arterial. Além disso, a presença de animais de estimação tem sido associada a uma maior atividade física, promovendo um estilo de vida mais saudável. Essa conexão emocional também pode desempenhar um papel fundamental no apoio emocional e na redução da solidão, especialmente em momentos desafiadores.

Contudo, a intimidade com animais de estimação também apresenta desafios, particularmente no que se refere à saúde e segurança dos alimentos. A qualidade e segurança inadequada dos alimentos destinados aos animais de estimação podem levar a uma série de problemas de saúde. Intoxicação alimentar, alergias e deficiências nutricionais são apenas algumas das consequências possíveis. Além disso, a contaminação por patógenos como Salmonela e E. coli representa um risco significativo de doenças aos pets e que podem ser transmitidas dos animais para os humanos.

Eventos negativos de destaque relacionados ao segmento de pet food nos últimos anos ressaltaram a importância de estar atento à segurança dos alimentos destinados aos animais de companhia.

Em setembro de 2022, um recall massivo foi iniciado devido à presença de etilenoglicol (não alimentício) em petiscos para cães, deixando o alimento com alto potencial de toxicidade e levando mais de 40 animais a óbito. Esse evento envolveu cerca de 5 fabricantes no Brasil. Outra situação crítica veio à tona na semana do dia 01/12/2023, quando auditores agropecuários realizaram a apreensão de 29 toneladas de ração para pets impróprias ao consumo, devido às más condições do ambiente de fabricação e uso de ingredientes impróprios para alimentos, além da falta de controles de produção.

Infelizmente no Brasil ainda não temos dados estatísticos históricos para demonstrar a representatividade e o crescimento desses casos. Porém, esses acontecimentos servem como alerta sobre os riscos de alimentos inadequadamente controlados, não apenas para os animais, mas também para os tutores que compartilham suas vidas de modo tão próximo.

A regulamentação da indústria de alimentação animal é recente e, culturalmente, muitos fabricantes ainda não estão conscientes sobre os riscos associados às falhas de programas básicos, como as Boas Práticas de Fabricação e os Planos de APPCC na fabricação desses alimentos e/ou petiscos. Por isso, os profissionais da área de segurança dos alimentos desempenham um papel fundamental na promoção da conscientização sobre a cultura de segurança de alimentos, adoção de práticas de produção seguras, minimização da contaminação cruzada, monitoramento rigoroso da cadeia de suprimentos, entre outros, para poder reduzir substancialmente os riscos associados a estes alimentos.

É sabido que a proximidade entre humanos e animais de estimação oferece inúmeros benefícios, no entanto cada dia mais a conscientização sobre os riscos associados é essencial. O cuidado com a qualidade e segurança dos alimentos oferecidos aos animais de estimação é uma responsabilidade compartilhada entre produtores, profissionais da segurança dos alimentos e proprietários de animais.

Dessa forma, uma abordagem proativa de todas as partes é urgente para minimizar essas ocorrências. Entre tantas outras ações, podemos citar:

  • medidas regulatórias mais rigorosas;
  • adoção de certificações de segurança de alimentos;
  •  inclusão de profissionais qualificados em segurança de alimentos nas indústrias de pet food
  • conscientização dos tutores quanto a sua responsabilidade na escolha dos alimentos disponíveis no mercado e na correta manipulação posterior em seus lares.

Essas ações apoiadas pela educação contínua e a fiscalização são fatores determinantes para manter os alimentos livres de contaminação e a convivência entre humanos e seus animais de estimação segura e saudável.

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Salmonella, o inimigo oculto: a importância da análise microbiológica na indústria de alimentos

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Na indústria de alimentos, onde a qualidade e a segurança são fundamentais, há um mundo invisível que desempenha um papel crucial: o reino dos microrganismos. A análise microbiológica surge, então, como uma ferramenta essencial, permitindo que os fabricantes garantam a integridade dos produtos que chegam às mesas dos consumidores.

A contaminação microbiológica pode causar a degradação dos alimentos, a redução do prazo de validade e, o que é ainda mais sério, pode trazer riscos à saúde dos consumidores. É aqui que a análise microbiológica entra em cena, revelando a presença e a concentração dessas bactérias invisíveis.

A Salmonella é uma bactéria que pode causar sérios problemas de saúde quando presente em alimentos. É uma das principais causadoras de Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar. Neste texto, falaremos sobre a importância da análise de Salmonella em alimentos, destacando os métodos de detecção, prevenção e os riscos associados.

1. Riscos para a saúde: A presença de Salmonella em alimentos representa uma ameaça significativa à saúde pública. Infecções por Salmonella podem resultar em sintomas como diarreia, febre, cólicas abdominais e vômitos. Em casos mais graves, a infecção pode levar a complicações graves, especialmente em grupos vulneráveis, como crianças, idosos e indivíduos imunocomprometidos.

2. Métodos de detecção: A análise de Salmonella em alimentos é crucial para garantir a segurança do alimento. Métodos tradicionais, como cultura de isolamento, são frequentemente utilizados em laboratórios. No entanto, métodos mais avançados, como a reação em cadeia da polimerase (PCR), oferecem uma detecção mais rápida e precisa, reduzindo o risco de disseminação de alimentos contaminados.

 3. Prevenção e controle: A prevenção é fundamental no combate à Salmonella. Boas práticas de higiene durante a preparação e preparo de alimentos, além de medidas de controle ao longo da cadeia de produção, são essenciais. A implementação de sistemas de rastreabilidade também facilita a identificação rápida de lotes contaminados, permitindo uma retirada eficiente do mercado.

 4. Regulamentações e normas: A análise de Salmonella em alimentos está sujeita a regulamentações rigorosas em muitos países. As agências de controle de alimentos estabelecem limites aceitáveis e diretrizes para garantir a conformidade da indústria alimentícia. O cumprimento dessas normas é crucial para garantir a segurança dos consumidores. No caso da Salmonella, a legislação brasileira (Instrução Normativa nº161/2022) preconiza ausência para cada 25g de alimento.

 5. Desafios atuais e futuros: Apesar dos avanços na detecção e prevenção, a Salmonella continua a ser um desafio global. A evolução das cepas resistentes aos antibióticos e as mudanças nos padrões de consumo alimentar evidenciam a necessidade contínua de pesquisa e inovação na área.

Em resumo, a análise de Salmonella em alimentos desempenha um papel vital na proteção da saúde pública. A combinação de métodos de detecção avançados, práticas preventivas e conformidade com as regulamentações contribui para a segurança dos alimentos e a redução dos riscos associados à contaminação por este patógeno.

Autoras: Mariana Camille de Melo Moura e Hilana Ceotto Vigoder, do Instituto Federal do Rio de Janeiro – IFRJ 

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Quais os possíveis riscos microbiológicos do consumo de queijos artesanais feitos de leite cru?

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A comercialização de queijos artesanais feitos de leite cru (QALC) é permitida em algumas partes do mundo, incluindo o Brasil, mas existem diversos riscos microbiológicos relacionados ao consumo deste alimento que têm sido sistematicamente negligenciados.

No Brasil, mesmo com todos os esforços dos órgãos fiscais, ainda se observam muitos desafios, especialmente no que diz respeito à produção de forma segura deste produto. Neste sentido, é importante destacar alguns pontos que permanecem em discussão como: i) quais os patógenos mais prevalentes nos QALC e os fatores de risco para a sua presença neste alimento, ii) qual a distribuição espacial dos mesmos, iii) se existe um tempo de maturação que torna o QALC inócuo ao consumidor para os patógenos mais prevalentes, e iv) os principais pontos críticos de controle a serem focados por programas de boas práticas agropecuárias (BPA) e de fabricação (BPF) para a produção deste tipo de alimento.

Em Minas Gerais (MG), os modos de fazer QALC foram considerados como patrimônio histórico imaterial da humanidade pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, tendo duas regiões conquistado selos de indicações geográficas (IG): Canastra e Serro. Entretanto, com a publicação da Instrução Normativa nº 30, de 07/08/2013 que, no art.1º, “permite que os queijos artesanais tradicionalmente elaborados a partir de leite cru sejam maturados por um período inferior a 60 (sessenta) dias, quando estudos técnico-científicos comprovarem que a redução do período de maturação não comprometa a qualidade e a inocuidade do produto”, diversas outras regiões começaram a demandar estes estudos, no sentido de reduzir os tempos de maturação e facilitar a comercialização de QALC. Uma crítica que se faz a estes estudos nacionais é que, em sua maioria, têm se baseado em uma amostragem com número limitado de agroindústrias rurais produtoras de QALC (sete ou oito), e comumente são selecionadas aquelas com melhores BPAs e BPFs, que em geral não representam a realidade de produção artesanal de cada uma das regiões.

Este registro de IG tem sido demandado por diversas regiões produtoras de queijos artesanais, tanto de Minas Gerais como de diversos outros estados. Segundo a Coordenação de Incentivo à Indicação Geográfica de Produtos Agropecuários da Secretaria de Desenvolvimento Agropecuário e Cooperativismo (CIG/SDC) do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA), tal registro é um reconhecimento da notoriedade, reputação, valor intrínseco e identidade do produto, além de proteger seu nome geográfico e distingui-lo de similares disponíveis no mercado. Por outro lado, devido a questões inerentes à segurança do consumidor, alguns integrantes do próprio MAPA e de outros órgãos de defesa vêm demonstrando preocupação com a produção de QALC, uma vez que essa prática, planejada inicialmente como uma exceção à regra da pasteurização, para atender nichos específicos de produção e mercado, vem se tornando, no entanto, uma regra utilizada com frequência por regiões produtoras de QALC do país inteiro. Dessa forma, até mesmo regiões que não tinham tradição de produção de QALC estão procurando implantá-la.

Diante do exposto, surge uma questão essencial: quais os perigos microbiológicos principais e os riscos inerentes à saúde do consumidor de um QALC?

Patógenos em QALC produzidos fora do Brasil e surtos humanos

A taxa de surtos causados pelo consumo de leite não pasteurizado (muitas vezes chamado de leite cru) e seus derivados foi 150 vezes maior do que os surtos associados ao leite pasteurizado, de acordo com um estudo do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos da América (EUA). Essa revisão que abrangeu 13 anos também revelou que os estados onde a venda de leite cru era considerada legal tinham mais que o dobro da taxa de surtos dos estados onde era ilegal. Os produtos fabricados com leite cru citados nessa revisão incluíram queijo e iogurte (Langer et al., 2012).

O número de surtos nos EUA causados pelo consumo de leite e derivados não pasteurizados aumentou de 30, durante 2007–2009, para 51, durante o período de 2010 a 2012. A maioria dos surtos foi causada por Campylobacter spp. (77%) e por lácteos não pasteurizados adquiridos de estados em que a venda deste alimento era considerada legal (81%). Durante 2007–2012, um total de 81 surtos associados a lácteos não pasteurizados foi relatado em 26 estados, os quais resultaram em 979 doentes e 73 hospitalizações. Dos 78 surtos com um único agente etiológico, Campylobacter spp. foi o patógeno mais comum, causando 81% (62/78) dos surtos, seguido por Escherichia coli produtora de toxina Shiga (17%, 13/78), Salmonella enterica sorotipo Typhimurium (3%, 2/78) e Coxiella burnetii (1%, 1/78) (Mungai et al., 2015).

Uma ampla revisão concentrou informações sobre os perigos microbiológicos presentes em produtos lácteos fabricados com leite cru, em particular queijo, manteiga, creme e leitelho, em diversas regiões do continente europeu, além dos Estados Unidos e Canadá. Nessa revisão, Verraes et al. (2015) apresentam os principais perigos microbiológicos dos queijos produzidos com leite cru (especialmente queijos macios e frescos), confirmando que a maioria está associada à contaminação por Listeria monocytogenes, E. coli produtora de verocitotoxina (VTEC), Staphylococcus enterotoxigênicos, Salmonella spp. e Campylobacter spp. Em adição, também foi possível identificar, em áreas endêmicas, produtos lácteos de leite cru contaminados com Brucella spp. e Mycobacterium bovis. Uma lista não exaustiva de 64 surtos humanos associados ao consumo de produtos lácteos feitos de leite cru foi analisada nessas mesmas regiões. Todos os surtos, exceto um, foram associados ao consumo de QALC. Um surto foi atribuído ao consumo de creme de leite cru, sendo nenhum deles atribuído à manteiga de leite cru ou ao leitelho. Os patógenos mais comumente encontrados nesses 64 surtos envolvendo humanos são apresentados na Figura 1. Importante ressaltar que um surto em humanos causado por Brucella spp. foi associado a QALC maturado por mais de 90 dias (Galbraith et al., 1969).

Figura 1. Surtos de doenças transmitidas por alimentos associados ao consumo de leite cru ou seus derivados não pasteurizados, especialmente queijos, na Europa, EUA e Canadá. VTEC, vetotoxigênicas; TC, transmitidos por carrapatos. (Fonte: Verraes et al. 2015)

Patógenos em QALC do Brasil e surtos associados ao seu consumo

A vigilância de doenças de origem alimentar, também chamadas de transmitidas por alimentos (DTA), teve início no Brasil em 1999. No período de 2000-2021, leite e derivados foi o quinto grupo de alimentos mais implicado nesses surtos no país, sendo responsável por aproximadamente 6% do total notificado ao Ministério da Saúde. 

Diversos surtos humanos têm sido associados especialmente ao consumo de QALC no Brasil. Um surto de glomerulonefrite por Streptococcus equi sub. zooepidemicus acometeu 253 pessoas, causando muitas mortes e sequelas em Nova Serrana, Minas Gerais (MG), de 1997 a 1998 (Balter et al., 2000). Adicionalmente, cinquenta indivíduos ficaram doentes após consumirem QALC contaminados por enterotoxinas estafilocócicas em Manhuaçu, MG, em 1999 (Carmo et al., 2002). Casos de tuberculose zoonótica detectados em pacientes de Juiz de Fora, MG, de 2008 a 2010, foram associados a exposições zoonóticas, especialmente consumo de QALC (Silva et al., 2018). Por sua vez, um surto de toxoplasmose humana ocorrido no município de Montes Claros de Goiás, GO, de 2015-2016, foi associado principalmente ao consumo de QALC. Em um amplo surto de brucelose humana no Brasil, o consumo de lácteos crus foi o principal fator de risco detectado (Lemos et al., 2018).

Ademais, diversos perigos microbiológicos previstos em legislações nacionais têm sido detectados em QALC no Brasil, cujos riscos à saúde pública não podem ser negligenciados. Entre esses, destacam-se Salmonella spp. (Araújo 2004; Menezes et al., 2009) e L. monocytogenes (Zaffari et al., 2007; Carvalho, 2014). Dores et al. (2013), por outro lado, mostraram uma baixa taxa de produção de enterotoxinas clássicas, apenas tipos A e C, por cepas isoladas de S. aureus do queijo Minas Artesanal (QMA). Apesar de a maioria dos isolados não produzirem enterotoxinas clássicas, os autores alertaram que as altas contagens de S. aureus nas amostras de queijo analisadas podem representar possível risco da presença de enterotoxinas não clássicas, as quais não foram avaliadas no estudo.

Por outro lado, igualmente preocupante é o relato de diversos patógenos, a maioria zoonóticos, que não são previstos por legislações específicas para serem pesquisados em QALC, portanto negligenciados, e que podem ser encontrados neste alimento. Kobayashi et al. (2017) detectaram a presença de Campylobacter spp. em amostras de queijos obtidos de vacas leiteiras criadas às margens do rio Tietê, na grande São Paulo. Por sua vez, o gênero Brucella, que foi detectado em diversas amostras de QALC brasileiros, está entre os sete patógenos zoonóticos de maior prioridade global (Miyashiro et al., 2007; Silva et al., 2016; Kobayashi et al., 2017). Vale ressaltar que esse patógeno foi recuperado por cultivo em queijos Coalho e QMA, respectivamente, segundo Bezerra et al. (2019) e Silva et al. (2022), sobrevivendo por até 29 dias em QMAs infectados experimentalmente.

C. burnetii, outro patógeno altamente infeccioso e resistente ao calor, mantido na natureza por um amplo espectro de espécies animais, especialmente ruminantes, seus principais reservatórios, também precisa ser considerado. Classificado na categoria B de agente para bioterrorismo, altas taxas de prevalência de DNA de C. burnetii têm sido relatadas em queijos de origem bovina, ovina ou caprina em diversas regiões do mundo. Estudos indicam que C. burnetii pode permanecer viável após, pelo menos, 8 meses de maturação em queijos duros feitos com leite não pasteurizado, sob pH ácido e baixa atividade de água. No Brasil, o agente foi detectado recentemente pela primeira vez em QALC (Rozental et al., 2020; Nascimento et al., 2021) em diferentes regiões produtoras de QMAs.

M. bovis foi detectado em queijo coalho artesanal de duas regiões do Nordeste (Cezar et al., 2016), sendo este patógeno agente etiológico da tuberculose zoonótica em humanos, umas das quatro zoonoses de maior prioridade global. Carneiro et al. (2022) detectaram leite contaminado pelo complexo M. tuberculosis no Amazonas, a matéria-prima para fabricação de um tipo de QALC.

Pela primeira vez no Brasil células viáveis de M. avium spp. paratuberculosis (MAP) foram também recuperadas do queijo coalho por Faria et al. (2014), patógeno posteriormente identificado em outros queijos deste tipo (Albuquerque et al., 2019), o que implica na evidência deste alimento como uma possível fonte de exposição humana ao MAP; patógeno este suspeito de desencadear, entre outras, a doença de Crohn em humanos (Albuquerque et al., 2019). Como agravante, M. bovis e MAP sobrevivem à maturação e estocagem de QALC por mais de 60 dias, chegando a 10 meses em alguns tipos de queijos (Spahr et al., 2001; Verraes et al., 2015).

No Brasil, a avaliação da presença de vírus gastroentéricos na água e em alimentos prontos para consumo, como o leite e queijo, também não é exigida pelas normativas sanitárias vigentes – RDC 724/2022 e IN 161/2022 (Brasil, 2022). Em termos de segurança de alimentos, mundialmente, os norovírus são considerados os mais importantes agentes em surtos de gastroenterite aguda (GA) de origem alimentar de etiologia não bacteriana (Forsythe, 2010). São vírus geneticamente diversos e extremamente infecciosos e, consequentemente, mesmo em baixa concentração podem causar GA (Bosch et al., 2011). Além do norovírus, o adenovírus (AdV) também possui importância epidemiológica em surtos de GA, particularmente o AdV-40 e o AdV-41. Além disso, o AdV é recomendado como biomarcador de contaminação fecal, sendo considerado na avaliação da qualidade da água, devido a sua ampla distribuição, alta concentração, bem como estabilidade e resistência às condições ambientais adversas (Rames et al., 2016). Considerando-se que humanos e animais são hospedeiros do AdV, existe a possibilidade de transmissão zoonótica (Borkenhagen et al., 2019). Estudos virais em matrizes de queijos são bem escassos, e recentemente, três reportaram a presença de vírus gastroentéricos em queijos no Brasil. Silva et al. (2021), em um estudo transversal randomizado, demonstraram a presença de norovírus genogrupo I em 26,0% (26/100), AdV em 14,0% (14/100) e a codetecção de ambos em 3,0% (3/100) das amostras de QALC (QMA e Coalho) obtidas dos estados de MG e Piauí, no período de 2017 a 2018. Melgaço et al. (2018) detectaram o HAdV em 10% (9/10) e norovírus genogrupos I e II em 1,1% (1/90) das amostras de queijo Minas e do tipo prato comercializadas no estado do Rio de Janeiro, em 2015. Além disso, a presença de rotavírus A (RVA), outro importante vírus gastroentérico, foi apontada no estudo de De Castro Carvalho et al. (2020) em amostras de QALC obtidas da região de Mariana/MG, em 2015, após a ruptura de uma barragem que afetou a qualidade ambiental da região.

Considerações finais

É importante reforçar que os requisitos sanitários para a produção de QALC devem ser estabelecidos com o objetivo primordial de proteger a saúde da população, não devendo ser equivocadamente reduzidos a trâmites burocráticos para viabilizar determinada atividade comercial

Entretanto, vários perigos microbiológicos detectados em QALC brasileiros, com a maioria deles sendo causas de zoonoses, ainda não fazem parte de legislações específicas direcionadas aos alimentos de origem animal no Brasil. Assim, como muitos dos patógenos negligenciados em QALC por legislações nacionais sobrevivem ao longo da maturação, os baixos tempos exigidos neste processo para diversos QALC brasileiros (< 25 dias) precisam ser revistos, levando em conta patógenos que não foram considerados pelos diversos estudos técnico científicos em curso, tais como Brucella, C. burnetii, Mycobacterium bovis e vírus entéricos, etc.

Portanto, o presente artigo tem como objetivo alertar autoridades sanitárias dos setores de Agricultura e Saúde, que esta questão fundamental à saúde humana precisa ser fortalecida e continuar a ser revista com um enfoque de Saúde Única.  Por meio deste enfoque holístico, a autorização de produção e comercialização de QALC deve incluir o controle ou a eliminação de agentes zoonóticos, tais como os causadores da brucelose, em rebanhos cujos leites serão destinados à produção destes queijos, além de BPA e BPF ao longo da cadeia de produção deste alimento.

Ressalta-se que estas práticas que objetivam a segurança do alimento ao consumidor devem ser reforçadas por protocolos claros de inspeção final do produto e por trabalhos de educação continuada, direcionados tanto aos produtores como aos consumidores de tal alimento. Enfim, as questões histórico-culturais e socioeconômicas que envolvem os QALC são importantes, mas aquelas relacionadas à segurança do alimento e à proteção do consumidor devem ser igualmente priorizadas.

Autores: Marcio Roberto Silva1, João Batista Ribeiro1, Guilherme Nunes de Souza1, Karina Neoob de Carvalho Castro1, Henrique de Oliveira Frank1, Flábio Ribeiro de Araújo2, Elba Regina Sampaio de Lemos3, Marize Pereira Miagostovich3, Carina Pacheco Cantelli3, Jorlan Fernandes de Jesus3, Ricardo Souza Dias4, Ricardo José de Paula Souza e Guimarães5, Humberto Moreira Húngaro6, Maria Aparecida Scatamburlo Moreira7, André Almeida Santos Duch8, Rômulo Tadeu Pace de Assis Lage8, Liliane Denize Miranda Menezes8, Paulo Martins Soares Filho9, Antônio Augusto Fonseca Júnior9, Patrícia Gomes de Souza9, Juliana Nunes Carvalho10, Letícia Scafutto de Faria6, Amanda Gonelli Gonçalves6, Vitória Barbosa Conceição6, Sabrina Galvão de Andrade Bohnenberger6, Roberta de Matos Caetano4, Christina Pettan-Brewer11

1Embrapa Gado de Leite, 2Embrapa Gado de Corte, 3Fiocruz, 4Fundação Ezequiel Dias, 5Instituto Evandro Chagas, 6Universidade Federal de Juiz de Fora, 7Universidade Federal de Viçosa, 8Instituto Mineiro de Agropecuária, 9Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, 10Agência de Defesa e Fiscalização Agropecuária do Estado de Pernambuco,  11Universidade de Washington

 Referências

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Brasil. Ministério da Saúde/Agência Nacional de Vigilância Sanitária/Diretoria Colegiada. Instrução Normativa 161 de 23 de dezembro de 2019. Estabelece as listas de padrões microbiológicos para alimentos. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, n. 126, p.235, 06 de julho de 2022.

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Árvores de decisão para determinação do prazo de validade de alimentos

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A Anvisa, no ano de 2022, publicou um guia que auxilia as empresas na determinação do prazo de validade de alimentos, informação que é obrigatória na rotulagem da grande maioria dos alimentos embalados. O Guia para Determinação de Prazos de Validade de Alimentos traz uma série de informações, que vão desde a legislação brasileira até os fatores que determinam ou alteram a validade dos alimentos, tais como a sua forma de processamento, armazenamento e acondicionamento.

Mas você sabe o que é o prazo de validade de um alimento?

O prazo de validade é o intervalo de tempo no qual o alimento permanece seguro e adequado para consumo, desde que armazenado de acordo com as condições estabelecidas pelo fabricante. Isso significa que o produto deve:

  • Permanecer seguro: não causar infecções e/ou intoxicações alimentares devido a microrganismos patogênicos ou à produção de toxinas (bacterianas ou fúngicas) durante o armazenamento.
  • Manter suas características: não apresentar perda significativa de nenhum nutriente ou componente, considerando os requisitos de composição, e atender às regras de rotulagem e tolerância definidas na legislação.
  • Manter sua qualidade sensorial: não se deteriorar, o que o torna inapropriado para consumo.

Árvores de decisão sobre os fatores que devem ser considerados na determinação do prazo de validade

Os fatores a serem considerados na determinação do prazo de validade variam, conforme as características e a finalidade de uso do alimento. Definir se a aplicação do prazo de validade se dará por questões de saúde, por razões de segurança ou por deterioração é uma das primeiras atividades para determinar a validade do alimento. As árvores de decisão exibidas na Figuras 1 e 2 apresentam orientações para   essa avaliação.
Para estabelecer se existem questões de saúde a serem consideradas na determinação do prazo de validade de alimentos, recomenda-se aplicar a árvore de decisão descrita na Figura 1.

Figura 1. Árvore de decisão para aplicação do prazo de validade por questões de saúde do consumidor

Uma vez que tenham sido descartadas as razões de saúde, é recomendado usar a árvore de decisão descrita na Figura 2. Para auxiliar na interpretação dessa árvore de decisão, cada uma das etapas foi numerada e texto explicativo fornecido na sequência.

Figura 2. Árvore de decisão para aplicação do prazo de validade por razões de segurança.

Texto explicativo da árvore de decisão descrita na Figura 2

Passo 1. Alimentos estáveis são aqueles que não necessitam de condições especiais de armazenamento, pois não fornecem condições adequadas para o crescimento de microrganismos por serem secos ou por possuírem alto teor de ácido, açúcar ou sal. Os alimentos preservados dessa forma acabarão por mostrar deterioração no sabor e na aparência, mas isso pode demorar muito.
Os alimentos que foram submetidos a um processo capaz de eliminar tanto as bactérias vegetativas quanto os esporos também resultarão em alimentos estáveis desde que não haja possibilidade de recontaminação após o processamento (ex. conservas e produtos esterilizados na embalagem final).

Passo 2. Não há micro-organismos patogênicos e há poucos micro-organismos que causam deterioração de alimentos à temperatura de congelamento, com exceção de alguns fungos que podem crescer em alimentos congelados. No entanto, se for pretendido que o alimento seja descongelado antes do consumo, avance para o passo 3, uma vez que se houver um período prolongado entre o descongelamento do alimento e o consumo sem mais cozimento, eventuais micro-organismos presentes poderão crescer em níveis prejudiciais.

Passo 3. Os alimentos que se destinam a ser cozidos pelo consumidor devem ser claramente rotulados com instruções de cozimento. Esses alimentos não estão prontos para consumo e a preparação e o armazenamento adequados devem reduzir os microrganismos patogênicos presentes para níveis seguros.

Passo 4. Algumas bactérias patogênicas resistentes ao frio podem crescer em alimentos durante o armazenamento refrigerado, de forma a atingir níveis inseguros ou a produzir toxinas. Estas bactérias podem sobreviver ao processamento ou podem ser introduzidas no alimento após o processamento, durante o processo de embalagem.

Passo 5. Existem algumas bactérias resistentes ao frio que podem causar intoxicação alimentar, tais como esporos de Clostridium botulinum, Bacillus cereus, Listeria monocytogenes e Yersinia enterocolitica. Essas bactérias são potenciais contaminantes de alimentos que são minimamente processados ou não submetidos a processos que possam reduzir o risco microbiológico. Há ainda a possibilidade de contaminação do
alimento por contaminantes presentes no ambiente de produção após o seu processamento. A validade do alimento deve ser baseada na capacidade desses agentes patogênicos, se presentes, de sobreviver e crescer sob as condições de armazenamento pretendidas.

Passo 6. Se houver a possibilidade de bactérias patogênicas resistentes ao frio estarem presentes nos alimentos e crescerem durante o armazenamento, o prazo de validade deve ser determinado considerando as razões de segurança. No entanto, este seria o caso apenas se o nível dessas bactérias patogênicas pudesse tornar o alimento inseguro antes do crescimento de micro-organismos que deteriorem o alimento, tornando-o inaceitável.

Outras referências dentro do blog que você pode consultar são:

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