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Pratos mortais da gastronomia internacional

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Os hábitos gastronômicos variam amplamente ao redor do mundo, refletindo não apenas os recursos naturais de cada região, mas também aspectos culturais, religiosos e históricos. Algumas sociedades desenvolvem-se baseadas apenas na necessidade de aproveitar os produtos locais, enquanto outras se desenvolvem baseadas em técnicas tradicionais de cocção, fermentação, maturação ou consumo de alimentos crus.

A busca por sabores exóticos e experiências sensoriais também motiva muitas práticas alimentares, levando à popularidade de pratos que podem parecer exóticos ou até perigosos para quem não pertence à cultura.

E de fato, embora a gastronomia seja um reflexo da identidade de um povo, algumas tradições incluem o consumo de alimentos que, se não preparados corretamente, podem representar efetivamente sérios riscos à saúde. Portanto, há casos nos quais os perigos associados à segurança dos alimentos não provêm de contaminações externas, mas dos próprios ingredientes utilizados, requerendo técnica e cuidados na forma de preparo.

Apesar do perigo potencial de certos pratos, como o fugu no Japão ou o queijo casu marzu na Itália, essas tradições culinárias devem ser respeitadas, pois fazem parte do patrimônio cultural de seus povos. Por isso, visando a manutenção da tradição gastronômica e ao mesmo tempo a segurança dos alimentos, medidas devem ser tomadas para minimizar os riscos associados ao consumo desses alimentos.

1 – Fugu (Japão)

O fugu (ou baiacu) é um dos casos mais conhecidos, várias veze citado na cultura pop, como em filmes e desenhos animados. Trata-se de um prato tradicional consumido há séculos no Japão, considerado uma iguaria sofisticada e apreciada por seu sabor delicado e textura única. Contudo, este peixe possui uma potente toxina, a tetrodotoxina.

A tetrodotoxina é uma neurotoxina letal que impede a transmissão de impulsos nervosos, levando à paralisia muscular, podendo causar paralisia e morte por asfixia.

Não há antídoto conhecido para a tetrodotoxina, o que torna a preparação do fugu crítica, exigindo técnica e precisão na remoção das partes onde a toxina se encontra, como o fígado, ovários e a pele. Devido a esses riscos, apenas os chefs altamente treinados e licenciados têm permissão para preparar e servir o fugu em restaurantes especializados.

Além disso, algumas variedades de fugus cultivados em cativeiro são criadas com dietas controladas para minimizar a presença de toxina, reduzindo os riscos para os consumidores.

Veja um chef limpando o fugu neste vídeo.

Nota:  Nas Filipinas os ovos de baiacu são uma iguaria e também podem conter tetrodotoxina, uma vez que sua remoção ocorre sem controle, de forma clandestina, com risco de contaminação cruzada na hora de sua extração do peixe.

2 – Maniçoba (Brasil)

A maniçoba é um prato típico da culinária paraense, especialmente popular durante o Círio de Nazaré, uma das maiores festividades religiosas do Brasil.

O prato combina tradições culinárias indígenas, porém, com influência africana e portuguesa. É um retrato da cultura miscigenada do Brasil, sendo semelhante a uma feijoada, mas no lugar do feijão, usam-se as folhas da mandioca-brava (Manihot glaziovii), e outros ingredientes como carne de porco, carne seca, paio, bacon e linguiça.

O maior risco associado à maniçoba vem da presença de glicosídeos cianogênicos nas folhas da mandioca-brava, substância que pode ser convertida em cianeto, um composto altamente tóxico capaz de causar intoxicação grave e até morte.

Para evitar esse perigo, as folhas são cozidas por um período prolongado, tradicionalmente de 7 dias ininterruptos, permitindo a  hidrólise dos glicosídeos cianogênicos em glicose, acetona e ácido cianídrico (HCN), que posteriormente evapora, garantindo a segurança do prato.

Esse cuidado faz parte do conhecimento tradicional passado de geração em geração no Pará e garante que a maniçoba continue sendo um prato icônico e seguro para quem a aprecia.

3 – Pato com Tucupi (Brasil)

O Pato no Tucupi também é um prato tradicional da culinária paraense, feito com pato assado ou cozido, servido em um caldo amarelo chamado tucupi, extraído da mandioca-brava. Por isso, tem os mesmos riscos que a maniçoba.

O prato é temperado com alho, chicória (coentro-do-pará) e leva jambu, uma erva amazônica que causa leve dormência na boca. O tucupi é o líquido que escorre após a mandioca-brava ser ralada e espremida, e é essencial para dar sabor ao prato.

A mandioca brava, como já visto, contém glicosídeos cianogênicos, uma substância altamente tóxica. Por isso, para torná-la segura, o tucupi passa por um processo de fermentação, no qual fica em repouso por algumas horas ou dias. Assim, bactérias naturais presentes no ambiente começam a modificar sua composição química, reduzindo um pouco a acidez e alterando o sabor, e o mais importante, quebram os glicosídeos cianogênicos, liberando HCN livre, que só então pode ser removido por tratamento térmico (cozimento).

A etapa crucial para tornar o tucupi seguro é a fervura por um mínimo de 3 a 5 horas. Porém, tradicionalmente é feito em até 12 horas, por segurança e para apurar o sabor. Isso permite  a evaporação do cianeto, pois ele é volátil em altas temperaturas. Esse processo garante que o caldo fique pronto para o consumo em pratos típicos como o Pato no Tucupi e o Tacacá.

4 – Açaí (Brasil)

O açaí é um fruto roxo-escuro originário da região amazônica, amplamente consumido no Brasil, especialmente na região Norte. Devido às suas propriedades nutritivas, difundiu-se por todo o Brasil e já é exportado para vários países.

Tradicionalmente, o açaí é batido com água até formar um creme denso, servido puro ou com farinha de mandioca e peixe assado. Em outras regiões do país, tornou-se popular na forma de tigelas doces com guaraná, frutas e granola. Além de ser uma importante fonte de energia para comunidades ribeirinhas, o açaí é valorizado por suas propriedades antioxidantes e alto teor de gorduras boas.

No entanto, o consumo do açaí pode estar associado ao risco de transmissão da Doença de Chagas, causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi.

A contaminação ocorre quando o fruto entra em contato com o barbeiro, um inseto que carrega o parasita e pode ser triturado junto com o açaí durante o processamento artesanal. Para evitar esse risco, é essencial que o açaí passe por um processo de higienização adequado, e que depois, receba tratamento térmico, que elimina o protozoário sem comprometer a qualidade do produto.

Até 2004, essa forma de transmissão era pouco conhecida ou investigada, contudo, no estado do Pará, que se destaca no problema, entre 2007 e 2016, foram confirmados 1.579 casos, com uma concentração significativa de notificações entre julho e dezembro, período que coincide com a safra do açaí.

Além disso, análises realizadas pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) detectaram a presença do material genético do Trypanosoma cruzi em 10% das amostras de alimentos à base de açaí coletadas nos estados do Pará e Rio de Janeiro.

5 – Garapa/ Caldo de Cana (Brasil)

O caldo de cana, também conhecido por garapa, consiste simplesmente no liquido extraído da cana-de-açúcar que passou por uma moega, sendo amplamente consumido no Brasil. Casos de doença de Chagas associados à presença do protozoário Trypanosoma cruzi também foram identificados nessa bebida.

Por ser consumido fresco, a infecção pelo T. cruzi ocorre por via oral, diferindo da transmissão clássica, que se dá pela picada do barbeiro. Nesta via, podem ocorrer múltiplas vítimas e a infecção é acelerada no organismo, tornando-se um grave problema de saúde pública.

Casos de transmissão de Doença de Chagas por caldo de cana foram registrados no Estados do Rio de Janeiro e Santa Catarina em 2005

  • No Rio de Janeiro, o surto ocorreu na cidade de Santa Rita de Cássia, na Baixada Fluminense, infectando dezenas de pessoas;
  • Em Santa Catarina, os casos se concentraram no litoral norte, quando pessoas tomaram a bebida em quiosques às margens da BR 101, infectando moradores de Navegantes, Itajaí, Penha, Balneário Piçarras e Barra Velha, somando ao menos 30 infectados, das quais, pelo menos 6 vieram a óbito.

Neste caso, não se aplica tratamento térmico. Assim, a escolha do quiosque é fundamental, requerendo local limpo, higiênico, com as canas protegidas e devidamente limpas antes da moagem.

Além do barbeiro, há também a hipótese de outro provável vetor, o gambá, que pode atuar como um reservatório natural do T. cruzi e, diferentemente de outros mamíferos, não apenas abriga o parasita no sangue, mas também o excreta em suas fezes e urina. Assim, poderia contaminar a cana-de-açúcar tanto nas plantações, quanto na cana armazenada nos quiosques.

6 – Casu Marzu (Itália)

O casu marzu é um queijo tradicional da Sardenha, Itália, conhecido por seu método de fermentação extrema, que envolve a presença de larvas vivas das moscas do queijo (Piophila casei).

Produzido a partir do queijo pecorino, o casu marzu tem uma textura inigualável e odor intenso, muito apreciado, devido ao processo de destruição natural induzido pelas larvas das moscas, que ajudam a quebrar a gordura e tornar o queijo macio e cremoso.

Apesar de ser considerado uma iguaria local muito apreciada, o queijo é controverso e proibido para venda na União Europeia devido a preocupações sanitárias, sendo consumido de maneira clandestina em algumas comunidades sardas, mantendo sua tradição cultural.

O maior risco do caso marzu está na possível presença de bactérias patogênicas que podem ser carreadas pelas moscas e toxinas liberadas durante o processo de fermentação e maturação.

A única forma realmente segura de evitar problemas de saúde é garantir que o queijo seja produzido e armazenado em condições sanitárias adequadas, com as moscas mantidas em ambiente restrito, embora sua produção tradicional dificulte essa regulamentação.

Conheça este queijo no vídeo Casu Marzu.

7 – San-nakji (Coreia do Sul)

O san-nakji é um prato tradicional da culinária sul-coreana que consiste em pequenos polvos vivos, geralmente temperados com óleo e sementes de gergelim antes de serem consumidos crus.

Este prato é especialmente popular nos mercados de frutos do mar e restaurantes especializados na Coreia do Sul, sendo apreciado pela sua textura mastigável e pelo efeito único dos tentáculos ainda se moverem na boca, devido aos reflexos nervosos remanescentes.

Para muitos, o frescor e a experiência sensorial do san-nakji são parte de sua atração, tornando-o uma iguaria exótica e desafiadora para os amantes da gastronomia.

O principal risco associado ao consumo do san-nakji é o sufocamento, pois os tentáculos ainda ativos podem aderir à garganta ou ao céu da boca devido às ventosas, dificultando a respiração. Para evitar esse perigo, recomenda-se mastigar cuidadosamente o polvo antes de engolir, garantindo que os tentáculos percam a capacidade de sucção.

Além disso, algumas versões do prato servem o polvo já cortado em pedaços menores, com redução do risco de asfixia. Mesmo assim, o sannakji deve ser consumido com cautela, especialmente por crianças, idosos ou pessoas com dificuldades de mastigação.

Veja como o prato é consumido no vídeo San-nakji.

8 – Hakarl (Islândia)

O hákarl é um prato tradicional da Islândia feito a partir da carne fermentada do tubarão-da-Groenlândia (Somniosus microcephalus), encontrado a mais de 1.200 metros de profundidade no Ártico e nos mares do norte do Atlântico.

Este tubarão possui altas concentrações de N-óxido de trimetilamina (TMAO) e ureia em seus tecidos, agindo como um anticongelante, evitando a formação interna de cristais de gelo e proteínas estabilizadas em seu corpo, que de outra forma parariam de funcionar. Contudo, isso também torna sua carne tóxica.

Para tornar o consumo deste peixe seguro, há um método ancestral de preparo: a carne do tubarão é enterrada em covas rasas por várias semanas para permitir um processo fermentativo e posterior drenagem das toxinas e, em seguida, posta para secar ao ar livre por meses. O resultado é um alimento de sabor forte e odor extremamente pungente, sendo tradicionalmente servido em pequenas porções e acompanhado de brennivín, uma aguardente islandesa.

O principal risco à saúde do hákarl vem do consumo inadequado da carne antes que todas as toxinas sejam eliminadas.

Se ingerida sem o processo de fermentação e secagem, a alta concentração de compostos nitrogenados pode causar intoxicações graves, incluindo sintomas como náusea, vômito e danos ao sistema nervoso.

Além disso, é recomendado consumi-lo em pequenas quantidades, pois seu sabor intenso pode ser difícil para quem não está acostumado.

9 – Surströmming (Suécia)

O surströmming é uma iguaria tradicional da Suécia, composta por arenque do Báltico que passa por um processo de fermentação controlada em salmoura. Geralmente é servida com pão fino, batatas, cebolas e creme azedo, equilibrando sua intensidade com outros ingredientes.

Este método de conservação, utilizado há séculos, confere ao peixe um sabor intenso e um odor extremamente forte e pungente, muitas vezes descrito como um dos mais penetrantes do mundo.

Durante a fermentação, ocorre a liberação de gases, o que pode causar o estufamento das latas em que o surströmming é armazenado.

Embora essa característica seja comum e não represente necessariamente um risco, é fundamental que o processo seja feito de maneira adequada, caso contrário, podem proliferar bactérias nocivas, tornando o produto impróprio para consumo.

Devido ao seu cheiro extremamente marcante, o surströmming é tradicionalmente consumido ao ar livre, especialmente em festas específicas, como o Surströmmingspremiär, uma celebração anual na Suécia que marca a chegada da nova safra do peixe fermentado.

Veja o prato sendo consumido no vídeo Surströmming.

10 – Ackee (Jamaica)

O ackee (Blighia sapidade) é uma fruta tropical originária da África Ocidental, mas que se tornou um dos principais símbolos da culinária jamaicana. Amplamente consumida no país, é o ingrediente principal do prato nacional ackee e peixe salgado, que combina a polpa amarela da fruta com bacalhau e temperos tradicionais.

Quando madura, a casca do ackee se abre naturalmente, revelando suas partes comestíveis, que possuem uma textura macia e um sabor suave, semelhante aos ovos mexidos.

Apesar de sua popularidade na Jamaica, a fruta precisa ser preparada com muito cuidado devido à presença de compostos tóxicos antes de sua maturação completa.

O maior risco associado ao ackee vem da hipoglicina A, uma toxina encontrada nas partes imaturas da fruta e nas sementes, que, quando ingerida, pode causar a chamada “doença do vômito da Jamaica” ou síndrome hipoglicêmica tóxica (THS), uma condição grave que pode levar à hipoglicemia grave, convulsões e até coma.

Para evitar esses perigos, é fundamental consumir apenas ackee que passou por uma abertura natural na árvore, sinal de que está completamente madura e segura para o consumo. Além disso, a fruta deve ser bem cozida antes de ser servida, pois o calor ajuda a eliminar qualquer residual da toxina.

11 – Durian (Sudeste Asiático)

O durian é uma fruta tropical originária do Sudeste Asiático, conhecida tanto pelo seu sabor cremoso e adocicado quanto pelo odor extremamente forte e penetrante.

Apelidado de “rei das frutas”, o durian é muito apreciado em países como Tailândia, Malásia e Indonésia, onde é consumido fresco, em sobremesas ou até em pratos salgados. Seu interior macio e rico em nutrientes contrasta com a casca espinhosa e o cheiro intenso, que muitas pessoas descrevem como uma mistura de cebola podre, enxofre e queijo fermentado.

Apesar do aroma controverso, os fãs da fruta garantem que seu sabor é uma experiência única e irresistível.

Devido ao seu odor forte e muitas vezes desconfortável, o durian é proibido em diversos locais públicos, incluindo hotéis, transportes públicos e aeroportos de países do Sudeste Asiático. Algumas cidades chegam até a restringir sua venda em determinados espaços fechados para evitar desconforto aos frequentadores.

Não se trata propriamente de um problema de segurança dos alimentos. Não há risco para a saúde, no entanto, quem não conhece ou não está acostumado com a fruta, pode sentir nojo, ter náuseas e até vomitar. Para evitar problemas, o durian deve ser consumido em áreas abertas e ventiladas, além de embalar bem a fruta ao transportá-la.

Algumas variedades de durian híbridos foram desenvolvidas para ter um cheiro menos intenso, permitindo que mais pessoas possam apreciá-lo sem os inconvenientes do odor.

12 – Amêijoas de sangue (China e Sudeste Asiático)

As amêijoas (Anadara spp.) são moluscos bivalves que habitam águas com baixos níveis de oxigênio, também chamadas de “amêijoas de sangue” devido à hemoglobina presente no seu fluido corporal.

Esse ambiente particular faz com que desenvolvam uma capacidade única de filtrar grandes volumes de água, o que, por sua vez, as torna mais suscetíveis ao acúmulo de vírus e bactérias potencialmente perigosos.

Estudos indicam que esses moluscos podem ser vetores de agentes patogênicos, como o vírus da hepatite A e E, bem como bactérias associadas a doenças gastrointestinais graves, incluindo a cólera.

Em algumas regiões da Ásia, onde esses moluscos são considerados uma iguaria e frequentemente consumidos crus ou levemente cozidos, surtos de doenças transmitidas por alimentos foram relatados. Por isso, é altamente recomendável que as amêijoas sejam submetidas a um processo de cozimento rigoroso antes do consumo, pois temperaturas elevadas são eficazes na eliminação de microrganismos.

13 – Sapo-boi-africano (Namíbia)

O sapo-boi-africano (Pyxicephalus adspersus), também conhecido como rã-touro-africana, é um anfíbio anuro da família Pyxicephalidae. Embora seja chamado de “rã” em algumas regiões, suas características físicas e comportamentais, como corpo robusto, cabeça larga e comportamento agressivo, são comumente associadas a sapos.

Na Namíbia, especialmente entre o povo Ovambo, o sapo-boi-africano é considerado uma iguaria e é consumido durante a estação das chuvas.

No entanto, seu consumo requer precaução devido à presença de toxinas defensivas em sua pele e órgãos. Embora a composição exata dessas toxinas não esteja completamente documentada, sabe-se que podem causar irritação em contato com mucosas e, se ingeridas, podem levar a complicações graves, conhecida localmente como “Oshiketakata“, com insuficiência renal aguda e, em casos extremos, óbito.

Para minimizar os riscos de intoxicação, é fundamental seguir métodos tradicionais específicos de preparo, que envolvem uma limpeza meticulosa, com a remoção das glândulas tóxicas, seguida de secagem e posterior cozimento ou preparo em grelha.

Em algumas comunidades, há a prática de maturação: o sapo é enterrado por alguns dias antes do preparo, na crença de que isso reduz sua toxicidade. Contudo, a eficácia desse método não é cientificamente comprovada.

Portanto, a preparação inadequada pode resultar em envenenamento grave, tornando o consumo desse prato um risco significativo.

14 – Lagarta da mariposa do pôr do sol (Madagascar)

A mariposa do pôr do sol de Madagascar (Chrysiridia rhipheus) é amplamente reconhecida por suas cores vibrantes, sendo frequentemente considerada uma das mariposas mais belas do mundo. Ela é muito presente em Madagascar, onde suas lagartas são ocasionalmente consumidas como uma iguaria rara, sendo preparadas por meio de cozimento ou fritura.

No entanto, é importante destacar que o consumo dessas lagartas envolve riscos significativos à saúde, pois se alimentam exclusivamente de plantas do gênero Omphalea, pertencentes à família Euphorbiaceae, conhecidas por conterem compostos tóxicos, como alcaloides, que não são metabolizados pelas lagartas e permanecem em seus corpos até a fase adulta.

A ingestão das lagartas pode resultar em intoxicação devido à presença de substâncias tóxicas não metabolizadas provenientes da Omphalea.

Diante desses riscos, é altamente recomendável evitar o consumo dessas lagartas, especialmente sem um preparo adequado que possa neutralizar as possíveis toxinas presentes. Devido à natureza restrita e tradicional desse consumo, os métodos de preparo seguro não são amplamente documentados ou padronizados, o que aumenta a incerteza e o potencial perigo associados à sua ingestão.

15 – Cogumelos selvagens (Ásia, Europa e América do Norte)

A colheita de cogumelos selvagens é uma tradição em muitos países, valorizada pelo sabor e supostos benefícios medicinais. No entanto, erros na identificação causam intoxicações graves e mortes todos os anos.

A Amanita phalloides (Cogumelo-da-Morte), presente na Europa e América do Norte, além de ter sido introduzido na Ásia e Austrália, é um dos mais letais, pois contém amatoxinas, que destroem fígado e rins, levando à falência múltipla de órgãos.

Além deste, há outras Amanitas venenosas, como Amanita exitialis (sul da China) e Amanita subjunquillea (leste da Ásia), que também causam intoxicações fatais.

O problema ocorre quando esses fungos são confundidos com espécies seguras, como Amanita caesarea (comum na Europa) e Amanita fulva (presente na Europa, Ásia e América do Norte), ou com outras espécies de cogumelos comestíveis.

Intoxicações são frequentes entre coletores inexperientes e em mercados sem controle de triagem rigoroso. Para evitar riscos, recomenda-se consumir apenas cogumelos de fontes confiáveis e buscar orientação especializada.

No Brasil também há muitos cogumelos selvagens, alguns comestíveis e outros venenosos. No entanto, como não está tradicionalmente nos hábitos alimentares brasileiros, incidentes com consumo de cogumelos venenosos são incomuns.

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Inspeções (não anunciadas) do FDA em atendimento ao FSMA

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A Lei de Modernização da Segurança dos alimentos (FSMA) e o Plano de Segurança de Alimentos constituem a legislação americana para a segurança de alimentos assinada pelo ex- Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, em 04 de janeiro de 2011. Estabelecem diversas seções que devem ser atendidas pelas empresas inseridas na cadeia produtiva de alimentos. O objetivo é garantir que o fornecimento de alimentos nos Estados Unidos seja seguro ao mudar o foco das autoridades reguladoras federais da posição reativa de resposta à contaminação para uma posição de prevenção, por meio de um conjunto de procedimentos escritos exigido pela FSMA. Os procedimentos incluem a análise de perigos, controles preventivos (incluindo controles no processo, programa de higienização, controle de alergênicos, qualificação de fornecedores, entre outros), procedimento de recolhimento, além de definir regras para monitoramento, ação corretiva, verificação e registro.

A Análise de Perigos e Controles Preventivos Baseados no Risco é uma ferramenta que foi incorporada ao ato em 04 de julho de 2012. A norma de Análise de Perigos e Controles Preventivos com Base no Risco deve ser aplicada às empresas estabelecidas no território norte-americano e empresas estrangeiras que produzem, processam, embalam ou armazenam alimentos para consumo humano.

O PSA é preventivo e projetado para minimizar os riscos para a segurança de alimentos. Tem por base um programa de pré-requisitos e a análise de perigos, priorizando o mais importante para a segurança de alimentos gerenciamento de risco, dinâmico, integrado e baseado em sistemas (processos e pessoas). Existe a necessidade do PCQI, ou seja, o indivíduo qualificado em controles preventivos que tenha concluído com êxito um treinamento completo de desenvolvimento de controles preventivos baseados em risco que atenda ao currículo padronizado reconhecido pelo FDA ou que tenha sido qualificado pela experiência de trabalho para desenvolver e aplicar um sistema de segurança de alimentos.

O que a estrutura do PSA contempla

1- Informações gerais e apresentação da empresa, da equipe responsável, do processo (diagrama e descrição) e do produto (descrição);

2- Análise de perigos;

3- Determinação dos controles preventivos necessários;

4- Plano de recolhimento (incluindo recall);

5- Implementação de procedimentos (inclui validações e procedimentos de monitoramento, correção, ação corretiva, verificação e registro).

A reorganização da Food and Drug Administration (FDA), que teve início em 1 de outubro de 2024, constituiu uma mudança estrutural com implicações diretas para a regulação dos alimentos para consumo humano e suas inspeções. Este processo de reorganização tem como principal objetivo consolidar e reforçar as funções da FDA relacionadas com a segurança de alimentos, a gestão de surtos e a prevenção de doenças. O objetivo principal é ter inspeções mais rápidas e mais eficazes, com uma melhor capacidade de identificar problemas na cadeia alimentar. Outro objetivo é  melhorar a capacidade de resposta da FDA às emergências alimentares, tais como surtos de doenças de origem alimentar ou recolhimento de produtos, rotulagem e controle nutricional.

Mais recentemente, em 06 de maio de 2025, o FDA anunciou a expansão do uso de inspeções não anunciadas em instalações de fabricação fora dos Estados Unidos. Estas inspeções, que antes eram usadas de forma mais restrita, passam a ser adotadas como estratégia regular para supervisionar fabricantes estrangeiros, a fim de reforçar a segurança da cadeia de abastecimento global, especialmente após os desafios enfrentados durante a pandemia.

O FDA fará uma análise dos planos de cada empresa e tomará uma decisão sobre a viabilidade de realizar inspeções físicas nas instalações. Como exemplo, as consideradas de alto risco podem ser inspecionadas sem aviso prévio. FSMA exige que essas instalações sejam inspecionadas dentro de 5 anos, e depois ao menos a cada 3 anos. As consequências por falta do plano de segurança de alimentos (PSA) ou plano insuficiente podem ser:

       Emitir uma carta pública de advertência e ou um alerta de importação para um fornecedor estrangeiro.

       Proibir as importações provenientes de um fornecedor estrangeiro. Produtos alimentares ficariam retidos nos portos dos EUA até que o FDA aprove o plano.

       Processar criminalmente uma empresa ou a pessoa encarregada.

       Suspender o registro da instalação.

       Detenção de produtos na fronteira ou a proibição de venda.

Sua empresa, que já exporta para o mercado americano, ou pretende, está preparada de forma contínua para apresentar documentos, registros e demonstrar boas práticas de fabricação e segurança dos alimentos a qualquer momento? Este tema já foi diversas vezes abordado neste blog. Você pode rever aqui:

Case de implementação do FSMA 204 para rastreabilidade na cadeia alimentar

FDA, PSA e IICA realizam treinamento baseado no FSMA – Parte 1

A Lei de Modernização da Segurança de Alimentos dos EUA – FSMA

Perigos radiológicos para atendimento ao FSMA

FSMA | Explore os principais elementos da Lei de Modernização de Segurança de Alimentos do FDA

Quais legislações compõem o FSMA?

Passo-a-passo para implementar uma grande mudança em segurança de alimentos em uma empresa – caso FSMA

Fonte: FDA

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Food Fraud: dados históricos

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Tentar enganar consumidores com produtos alimentícios e bebidas fraudadas para obter ganhos financeiros não é uma novidade nas civilizações humanas. Os primeiros registros de food fraud na história são dos impérios egípcio e babilônico.

Há relatos em papiros egípcios (2000 a.C.) sobre produtores que diluíam ou usavam menos cevada do que o necessário na cerveja, e também de padeiros que adicionavam grãos ou óleos vegetais de baixa qualidade nos pães. Na Babilônia, o Código de Hamurabi (cerca de 1754 a.C.) regulava a venda de cerveja e previa a punição por afogamento para taberneiros que diluíssem a bebida, afinal, é um crime vil. Nem os romanos deram jeito. Em seu império (30 a.C.), a fraude alimentar era tão comum que havia leis específicas para o vinho, o pão e o sal, que frequentemente eram adulterados.

Fraude alimentar é deturpação intencional da verdadeira identidade ou conteúdo de um ingrediente ou produto alimentar, englobando a substituição, adição, adulteração ou deturpação deliberada de alimentos, ingredientes ou embalagens, ou declarações falsas ou enganosas feitas sobre um produto para ganho econômico.

Nos dias atuais, a prevenção e detecção de fraudes em alimentos permanece como um problema desafiador para os países, indústrias e consumidores, apesar dos recentes avanços nos requisitos regulatórios em muitas regiões do mundo. Também ocorreu a introdução de requisitos normativos em esquemas para Sistemas de Gestão da Segurança dos Alimentos, como os impulsionados pelo GFSI, nas norma FSSC 22000, como apresentado nos artigos:

Este artigo apresenta informações sobre fraude alimentar provenientes do estudo publicado no Jornal de Proteção Alimentar – Vol 87, ed. 3, de 2024, que analisou casos de fraude em alimentos entre 1990 e 2022 e foi publicado com o nome Banco de Dados de Registros de Fraude Alimentar: Resumo dos Dados de 1980 a 2022 (o original pode ser acessado aqui).

Os dados do estudo revelam que 46% dos casos de adulteração representam algum risco potencial à saúde de quem consome os produtos. Por exemplo: uma almôndega de carne adulterada com proteína de soja não declarada pode causar danos à consumidores alérgicos a esta leguminosa.

Convém ressaltar que o banco de dados utilizado no estudo foi compilado usando fontes públicas de informações sobre fraude, incluindo reportagens da mídia, que podem variar em precisão e validade.

Tipos de fraudes identificadas no estudo

1 – Deturpação da origem geográfica

  • Azeite de origem tunisiana rotulado como italiano;
  • Vinho espanhol vendido como vinho verde, porém, vinho verde só pode ser produzido no Minho, em Portugal;
  • Vinho alegando um determinado terroir, porém com uvas provenientes de outras regiões.

2 – Diluição via substituição parcial ou total de alimentos ou ingredientes

  • Substituição parcial de folhas de oliveira ou murta em orégano seco;
  • Inclusão de carne de cavalo em carne bovina moída;
  • Excesso de gordura e cartilagem em embutidos;
  • Diluição do mel com xaropes de açúcar;
  • Fiapo de milho misturado a pistilo de açafrão;
  • Excesso de água em carcaças de frango ou no congelamento de peixes;
  • Diluição de azeite de oliva com outros óleos vegetais, como canola, milho ou soja;
  • Diluição de água de coco com água e adição de sacarose e glicose para acerto da concentração (°Brix);
  • Café com excesso de sujidades diluindo o produto, ou com adição de cevada ou milho torrados;
  • Substituição de manteiga de cacau em chocolate por outras gorduras, sem declarar devidamente;
  • Substituição de ingredientes lipídicos lácteos por gorduras vegetais, por exemplo, em requeijão.

Azeites desclassificados Fonte: Polícia Civil do Espírito Santo 

3 – Adição não declarada, não rotulada ou não permitida de uma substância, para melhorar ou maquiar artificialmente a qualidade percebida

  • Adição de corantes do Sudão às especiarias;
  • Adição de melamina ou proteína de soja ao leite;
  • Adição de formol, soda cáustica e água oxigenada ao leite;
  • Agentes químicos de amadurecimento em frutas;
  • Venda de truta salmonada como se fosse truta verdadeira;
  • Venda de cachaça escurecida com folhas de mate para informar que foi amadurecida em barril de carvalho;
  • Produtos químicos artificiais de “envelhecimento/ maturação” de queijo.

Peixe com olhos falsos para parecer fresco no mercado de frutos do mar do Kuwait –  Fonte: site Al Arabiya

  • Notas:
    • Os corantes do Sudão são corantes azóicos utilizados em produtos têxteis e cosméticos e são proibidos de serem utilizados em alimentos devido aos seus possíveis efeitos cancerígenos.
    • Melamina é uma substância alcalina, considerada um trímero da cianamida, com 66% de sua massa composta de nitrogênio, usado na fabricação de pratos, talheres, bandejas e outros utensílios. Por apresentar nitrogênio em sua composição, foi usada em fraudes para adulterar  resultados do teor de proteínas em algumas análises do leite.

4 – Uso fraudulento de pesticidas, antibióticos, fungicidas ou outros biocidas ou conservantes não aprovados

  • Uso de cloranfenicol em populações de abelhas;
  • Uso de verde malaquita em aquicultura.
    • Notas:
      • O cloranfenicol é um antibiótico primariamente bacteriostático. Liga-se à subunidade 50S do ribossomo, inibindo a síntese proteica da bactéria.
      • Verde malaquita (ou verde de anilina) é um fungicida tópico eficaz usado na indústria de aquicultura. O verde de malaquita (MG) é absorvido pelo tecido de peixe e metabolicamente reduzido a verde leucomalachite (LMG), que é lipofílico e pode ser armazenado em tecidos de peixe comestíveis por um longo período de tempo.

5 – Rotulagem com intenção de enganar o consumidor. Pode ser incorreta sobre conteúdo nutricional, enganosa ou deturpação de um atributo de rótulo que implica em uma técnica de produção específica, muitas vezes relacionada a alimentos consumidos por populações étnicas ou vulneráveis

  • Fórmula infantil que não atende aos requisitos nutricionais conforme rotulado;
  • Rotulagem incorreta intencional de variedades de uvas usadas na produção de vinho;
  • Venda de Saithe como se fosse bacalhau Gadus morhua;
  • Declaração que um azeite de oliva é extra virgem, sem que realmente seja;
  • Rotulagem de cevada ou milho aromatizados como café, com embalagens similares a marcas de café tradicional, induzindo o consumidor a erro;
  • Rotulagem fraudulenta de designações como orgânico, vegano, Kosher, Halal, galinhas criadas livremente, ovos caipiras e adulteração de datas de validade.

Foto divulgada pela Associação Brasileira da Indústria do Café (Abic) de “pó sabor café” que imita o café.

Neste caso da figura, o problema não está no produto,  pois há a descrição “pó para preparo de bebida sabor café”, em letras pequenas na parte de baixo do painel frontal da embalagem. No entanto, a similaridade com uma marca tradicional de café, as cores (letra branca, com fundo vermelho numa embalagem verde), nome da marca (trocando apenas “tt” por “ss”) e a imagem de uma xícara branca no painel frontal, com bebidas que são similares ao café, induzem o consumidor a erro, especialmente idosos e pessoas com dificuldade de visão.

6 – Remoção de um componente de um ingrediente ou alimento que o caracterize e autentique

  • Pimenta do reino, que previamente teve a piperina extraída;
  • Especiarias que tiveram seus lipídios ou óleos essenciais aromatizantes removidos para produzir extratos aromatizantes derivados de especiarias.

7 – Criação de um produto alimentício totalmente fraudulento por meio de uma combinação de métodos

  • Suco de “maçã 100%” que consiste em água, açúcar, aromatizantes, corantes e ácido.

Há também casos de violação de propriedade intelectual (embalagens e rótulos de marcas), mercadorias contrabandeadas e/ ou roubadas e outras formas de distribuição de produtos que deveriam ter sido retirados do mercado e se configuram como fraude.

Os 10 alimentos com maior incidência de fraudes relatadas no estudo

Sobre relatos de fraude em produtos específicos, leia também:

Devido à natureza da food fraud, os registros disponíveis publicamente provavelmente representam apenas uma fração da verdadeira incidência de fraude. Nas transações business to business, há casos em que há suspeita de fraude e o ingrediente é rejeitado pelos compradores sem que o incidente seja relatado publicamente.

Por isso, este ranking é uma análise parcial dentro da amostragem avaliada, não representando propriamente quais são as maiores fraudes que ocorrem no mundo. No entanto, ele dá um norte para análise e auxílio numa visão ampla do problema.

A FDA, a agência regulatória dos Estados Unidos, estima que 1% de todos os alimentos produzidos no mundo sofram algum tipo de fraude, o que gera prejuízos estimados na casa dos US$ 40 bilhões (cerca de R$ 230 bilhões) todos os anos.

Exemplos de adulterantes comuns por categoria de produtos observados no estudo

CATEGORIA DE PRODUTOS EXEMPLOS DE ADULTERANTES RELATADOS
Produtos lácteos e derivados Água, óleos vegetais, ureia, formaldeído, hidróxido de sódio, melamina, leite de espécies alternativas, amido, açúcar, isolado de proteína de soja, sal.
Frutos do mar e produtos do mar Produtos do mar de espécies alternativas, formaldeído, água, gelatina, produtos vencidos, verde de malaquita, cloranfenicol, produtos declarados do mar, porém, criados em fazendas.
Produtos de carne e aves Produto à base de carne vencido e reaproveitado, espécies alternativas à declarada, produto à base de carne impróprio para consumo humano, alvejante, formaldeído, carne não Halal, carne não Kosher, carne não orgânica, proteína de soja, incorporação de miúdos, dióxido de enxofre, corante, glúten, água.
Ervas, especiarias e temperos Corantes, cromato de chumbo, corantes do Sudão, vários materiais vegetais (folhas, cascas/ cascas de nozes), farinha de milho, amidos, material vegetal  com origem botânica alternativa, farinhas de grãos.
Bebidas (alcoólicas) Bebidas alcoólicas falsificadas, bebidas alcoólicas com origem geográfica ou varietal alternativa, metanol, álcool isopropílico, álcool propílico, água, corantes, açúcar, etilenoglicol.
Ingredientes botânicos Produtos botânicos de fonte alternativa, corantes, amido de milho, ingredientes farmacêuticos ativos, fontes exógenas de compostos bioativos, clorofilas, cascas.
Mel Mel  com origem geográfica alternativa, uso de cloranfenicol, xarope de milho rico em frutose, xarope de açúcar (não especificado), xarope de açúcar de cana, glicose.
Óleos vegetais Óleo de semente de algodão, corantes do Sudão, óleo de cozinha reciclado, óleo de palma, gorduras/ óleos animais, óleo de girassol.
Azeite Óleo de girassol, óleo de milho, óleo de avelã, óleo de canola, azeite grau alternativo, não virgem ou não extra virgem, azeite  de origem geográfica alternativa.
Bebidas não alcoólicas Produtos de bebidas falsificados, açúcar, água, polpa de laranja não declarada, cores e sabores não declarados, xarope de milho com alto teor de frutose, suco de maçã não declarado, suco de frutas  de origem botânica alternativa.

As fraudes ocorrem em todo o mundo, variando segundo os produtos mais produzidos em cada região do globo. O mapa a seguir apresenta a distribuição geográfica dos registros de incidentes de fraudes analisados no estudo, com as cores representando o nível das incidências. Índia, China, Estados Unidos, Itália e Reino Unido foram os países com o maior número de fraudes detectadas.

Mapa de incidência de fraudes alimentares por região do globo

O Brasil neste estudo aparece em uma posição intermediária no ranking, ao lado de outros países europeus, asiáticos e africanos.

Contudo, no Brasil, o MAPA tem atuado fortemente no controle da fraude em alimentos. Só em 2023 apreenderam 131 mil litros de azeite de oliva, 66 mil litros de água de coco, 59 mil litros de néctar, 58 mil litros de vinho e 5 mil kg de café fraudados, e nenhum destes casos aparece na pesquisa em questão.

Ainda no cenário brasileiro, com base em informações de fiscalizações do MAPA, o índice de conformidade em relação a fraudes no leite, na carne de frango e nos pescados chama a atenção:

  • Leite pasteurizado = 5,9 % estão fora do padrão, potencialmente alteradas com a adição de soro de leite, açúcares, sais e conservantes não declarados, entre outras substâncias proibidas;
  • Leite UHT = 9,8 % estão fora do padrão;
  • Leite em pó = 6,6 % estão fora do padrão;
  • Carcaças de frango = 16,5 % estão fora do padrão, especialmente em relação à adição de água;
  • Pescados = 8,7 % estão fora do padrão, também em relação à água de congelamento.

Por isso, os resultados apresentados no estudo não devem ser interpretados para representar o escopo conhecido da food fraud globalmente, pois há uma grande variação nos mecanismos de vigilância e denúncia de questões de segurança dos alimentos e fraude em todo o mundo.

Uma baixa incidência de denúncias de fraude num determinado país não necessariamente deve ser interpretada como representando baixo risco, pois pode ser um caso de subnotificações, seja por falhas na sistemática de denúncias ou outros motivos.

Embora neste estudo tenham usado todos os meios necessários para coleta de dados e, assim, realizar pesquisas de informações globalmente, há, sem dúvida, um viés em relação aos relatórios em inglês, uma vez que este trabalho foi baseado nos EUA, país com que os analistas tinham mais familiaridade com a língua e com os mecanismos de relatórios.

Apesar das relatadas limitações, tal estudo representa um avanço significativo, aprimorando o olhar sobre fraudes em alimentos relatadas em fontes publicamente disponíveis.

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Os 10 fatores que mais contribuem para falhas de segurança dos alimentos

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Embora o mundo tenha avançado muito em sistemas de gestão e fiscalização de segurança dos alimentos, os surtos e recalls continuam a acontecer. Um estudo de 2025, dos pesquisadores Wu e Wallace, trouxe à tona uma perspectiva pouco explorada: como a cultura de segurança — ou a falta dela — pode ser o elo mais fraco na cadeia que deveria proteger consumidores. Ao analisar 32 incidentes específicos e mais de 6600 registros em revisões globais, os autores identificaram dez fatores recorrentes ligados à cultura organizacional, comportamento humano e sistemas formais que explicam por que, mesmo com protocolos, falhas continuam a ocorrer.

O que o estudo investigou

Usando o modelo dinâmico de cultura de segurança dos alimentos proposto pelo GFSI, o estudo mapeou fatores culturais e sistêmicos com base em relatórios públicos, revisões científicas e literatura. Foram destacados cinco blocos estruturais que interagem para moldar a cultura de segurança: eficácia organizacional, normas culturais internas, comportamentos coletivos, intenções individuais e o ambiente externo.

Os 10 fatores que mais contribuem para falhas de segurança

1. Valores da liderança

Falta de compromisso genuíno da alta gestão com a segurança foi um fator determinante em diversos surtos. O estudo destacou que valores não praticados se tornam invisíveis para a equipe e abrem espaço para complacência, como evidenciado nos casos da Maple Leaf Foods e da Blue Bell Creameries.

2. Sistemas formais

A presença de programas como HACCP ou sistemas documentados não garante segurança se não forem implementados com profundidade. Muitos surtos ocorreram apesar de haver “planos no papel”, que não eram seguidos na prática.

3. Gestão da cadeia de suprimentos

Problemas com rastreabilidade, fornecedores que entregam ingredientes contaminados e falhas na comunicação interorganizacional foram mencionados em 14 dos 32 casos.

4. Clima organizacional

Ambientes onde há medo, falta de diálogo ou percepção distorcida de risco (otimismo ilusório) contribuem para que comportamentos inseguros se perpetuem.

5. Normas comportamentais aceitas

Em várias empresas, práticas ruins se tornaram normalizadas — como funcionários doentes trabalhando, limpeza incompleta ou manipulação sem higiene — revelando um padrão institucionalizado de desvios.

6. Comportamentos de higiene compartilhados

As falhas mais recorrentes estavam ligadas ao coletivo: funcionários que não lavavam as mãos, reutilizavam utensílios sujos ou não seguiam as instruções de sanitização corretamente.

7. Expertise técnica

Empresas sem conhecimento técnico aprofundado ou treinamento adequado cometeram erros graves na avaliação de perigos e aplicação de medidas preventivas.

8. Equipamentos e recursos

Falta de manutenção, má ergonomia, projetos que dificultam a limpeza ou ausência de recursos básicos foram destacados como falhas de suporte à execução segura das atividades.

9. Comportamento individual

Mesmo com estrutura e cultura sólida, atitudes individuais — como negligência, pressa ou desatenção — também figuraram entre os fatores contribuintes.

10. Ambiente externo

A ausência de fiscalização efetiva, legislação branda ou falta de alinhamento regulatório entre países foi identificada como fator que pode acentuar falhas internas.

Reflexões 

O estudo propõe que investigações de surtos não se limitem à identificação do patógeno ou da falha técnica. É preciso ampliar o escopo das análises e incluir fatores culturais e comportamentais como parte da investigação de causa raiz. A sugestão é que empresas integrem os dez fatores identificados em seus próprios programas de avaliação de risco e cultura organizacional, cruzando essas informações com dados operacionais e de treinamento.

A conclusão é clara: sistemas são importantes, mas são as pessoas que os vivenciam. Sem uma cultura forte, políticas viram formalidades, e os riscos persistem. Por isso, promover um ambiente em que a segurança seja um valor — e não apenas uma exigência externa — é o caminho mais eficaz para evitar futuros incidentes.

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Visão geral do “prato da mente saudável”

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O Departamento de Agricultura dos EUA (USDA) substituiu sua pirâmide alimentar por uma revisão necessária. Este é um exemplo pictórico do sistema “escolha seu prato” a partir de um prato de grupos de alimentos, para nos lembrar do que uma dieta diária deve consistir para otimizar a saúde física e mental.

O MyPlate foi lançado oficialmente em 2 de junho de 2011, encerrando quase 20 anos de uso dos modelos “Food Guide Pyramid” (1992–2005) e “MyPyramid” (2005–2011). Assim como o corpo precisa de nutrientes para funcionar bem, a mente também precisa de uma “dieta” saudável para se manter equilibrada, criativa, resiliente e funcional.

A questão é:

O que seria o equivalente a uma dieta diária recomendada para uma mente saudável?

Com uma epidemia de obesidade desenfreada nos EUA e em diversos outros lugares do mundo, essa mudança é bem-vinda e, esperançosamente, inspirará as pessoas a estarem cientes de como compor a ingestão de alimentos do dia.

Nossa mente, incorporada em nossos circuitos neurais estendidos, estabelece nossas conexões com os outros e até mesmo como nos relacionamos com nosso planeta, e também precisa de atenção cuidadosa para estabelecer e manter a saúde mental.

A pobreza, a fome e a falta de moradia ameaçam as necessidades essenciais de muitos em todo o mundo. A guerra e os desastres naturais enchem muitas vidas de medo e sofrimento. E mesmo para indivíduos em ambientes mais estáveis, a vida moderna pode ser preenchida com um foco avassalador no mundo exterior e uma experiência de estar isolado de conexões significativas com os outros. A multitarefa com sua atenção fragmentada e a sensação de ficar sobrecarregado com a quantidade de informações frequentemente fraturam um senso de totalidade. Em cada uma dessas condições, os requisitos incorporados e socialmente incorporados para uma mente saudável não estão sendo criados na vida diária em todo o mundo. Muitos são deficientes em um regime diário necessário para o bem-estar mental, ou seja, a segurança alimentar (e não a de alimentos).

Então, o que seria incluído no The Healthy Mind Platter? No campo da neurobiologia interpessoal, definimos um aspecto central da mente e também propomos que uma mente saudável emerge de um processo chamado “integração” – a ligação de diferentes componentes de um sistema. Esse sistema pode ser, por exemplo, o corpo à medida que conectamos as regiões superior e inferior. A integração também pode incluir como nos conectamos com outras pessoas em uma família ou comunidade, honrando as diferenças e promovendo vínculos compassivos uns com os outros. Se adotarmos a definição proposta pela neurobiologia interpessoal de uma faceta-chave da mente como um processo incorporado que regula o fluxo de energia e informação, como podemos fazer uma definição prática de hábitos mentais que podem ajudar as pessoas com sua dieta de “nutrientes mentais essenciais diários”? Como podemos usar o foco de atenção para fortalecer a integração em nossos corpos e em nossos relacionamentos diariamente? Quais seriam os componentes fundamentais de tal regime diário de atividades mentais que promove a saúde?

O Healthy Mind Platter tem atividades mentais essenciais diárias necessárias para uma saúde mental ideal. Essas compõem o conjunto completo de “nutrientes mentais” que seu cérebro e relacionamentos precisam para funcionar da melhor maneira possível. Ao se envolver todos os dias em cada uma dessas porções, você promove a integração em sua vida e permite que seu cérebro coordene e equilibre suas atividades. Essas atividades mentais essenciais fortalecem as conexões internas do seu cérebro e suas conexões com outras pessoas e com o mundo ao seu redor.

Não estamos sugerindo quantidades específicas de tempo para esta receita para uma mente saudável, pois cada indivíduo é diferente e nossas necessidades também mudam com o tempo. O objetivo é tomar consciência de todo o espectro de atividades mentais essenciais e, como acontece com os nutrientes essenciais, certificar-se de que, pelo menos todos os dias, estamos trazendo os ingredientes certos para nossa dieta mental, mesmo que por um pouco de tempo. Assim como você não comeria apenas pizzas todos os dias por dias a fio, não devemos viver apenas no tempo de foco sozinhos com pouco tempo para dormir. A chave é equilibrar o dia com cada uma dessas atividades mentais essenciais. O bem-estar mental tem tudo a ver com reforçar nossas conexões com os outros e com o mundo ao nosso redor; e também se trata de fortalecer as conexões dentro do próprio cérebro. Quando variamos o foco de atenção com esse espectro de atividades mentais, damos ao cérebro muitas oportunidades para se desenvolver de maneiras diferentes.

Uma maneira de usar a ideia do “prato” é mapear um dia normal e ver quanto tempo você gasta em cada atividade mental essencial. Como uma dieta balanceada, existem muitas combinações que podem funcionar bem, tais como: sono restaurador, relações humanas positivas, movimento físico (caminhar, dançar ou praticar esportes), meditação, respiração profunda ou contemplação, tempo sem telas e redes sociais, atividades com propósito (trabalho ou hobbies que façam sentido – como escrever este post), estímulo cognitivo (ler, aprender algo novo, resolver problemas), expressão emocional (escrever, conversar, criar), gratidão e pensamento positivo realista.

Em suma, é importante comer bem, e aplaudimos o “novo prato de alimentação saudável”. Como sociedade, faltam-nos boas informações sobre o que é preciso para ter uma mente saudável. Como a mente está incorporada em nossas conexões com os outros e com nosso ambiente – tanto naturais quanto culturais – esses momentos essenciais ajudam a fortalecer nossas conexões internas e relacionais. E como o cérebro está mudando continuamente em resposta à forma como focamos a atenção, podemos usar nossa consciência de maneiras que envolvem o corpo e nossas conexões para criar uma mente saudável ao longo da vida!

Crie um apetite para aumentar a consciência de como nutrir nosso bem-estar mental a cada dia também!

O Healthy Mind Platter foi criado pelo Dr. Daniel J. Siegel, Diretor Executivo do Mindsight Institute e Professor Clínico da Escola de Medicina da UCLAem colaboração com o Dr. David Rock, Diretor Executivo do NeuroLeadership Institute.

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Food Defense: origem e aplicação

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Tradicionalmente a segurança dos alimentos concentra-se em prevenir a contaminação involuntária de alimentos por agentes microbiológicos, químicos e físicos, fazendo uso, por exemplo, do HACCP. No entanto, a história mostra que alimentos e bebidas podem ser contaminados intencionalmente de diversas formas e por diversas motivações.

  • Durante a I Guerra Sacra (590 a.C), segundo Heródoto, os anfictiões, aliados de Delfos, envenenaram com heléboro, uma planta tóxica, a água da cidade sitiada de Cirra;
  • Em 331 a.C., os persas tentaram envenenar os poços e suprimentos de alimentos de Alexandre, o Grande, antes da chegada do exército macedônio;
  • Em 1346, os mongóis, comandados por Jani Beg, catapultaram corpos infectados com peste negra sobre as muralhas da cidade de Caffa, na Criméia, contaminando suprimentos de água;
  • Em 1478, Francesco de Pazzi tentou derrubar os Médici em Florença, envenenando Lorenzo e seu irmão Giuliano com comida e bebida;
  • Na II Guerra Mundial, em 1943, ao recuar diante do avanço da União Soviética, os nazistas envenenaram poços nas cidades de Kursk e Smolensk com substâncias tóxicas, incluindo arsênio e patógenos.

Food Defense trata da proteção dos alimentos contra contaminações intencionais que possam causar danos à saúde pública, perdas econômicas ou crises de confiança na indústria alimentícia. As principais motivações para atos que comprometem a segurança dos alimentos incluem diferentes motivações:

  1. Terroristas – Ataques intencionais com o objetivo de causar pânico, desestabilizar a economia ou prejudicar a segurança nacional por meio da contaminação da cadeia de alimentos;
  2. Criminosas – Extorsões, sabotagens ou envenenamentos planejados para prejudicar empresas, concorrentes ou indivíduos específicos;
  3. Vingança ou insatisfação – Funcionários insatisfeitos, ex-colaboradores ou outros agentes com intenção de prejudicar uma empresa por ressentimento pessoal;
  4. Ideológicas ou protestos – Ativistas ou grupos que utilizam a contaminação como forma de protesto contra determinada indústria (como a pecuária, grandes corporações ou empresas envolvidas em questões ambientais ou sociais).

Essas motivações reforçam a necessidade de um sistema robusto de Food Defense, incluindo monitoramento rigoroso, controle de acesso, capacitação de funcionários e planos de resposta a incidentes.

O Food Defense visa proteger a cadeia produtiva contra atos de sabotagem, bioterrorismo e outras formas de contaminação deliberada.

Casos contemporâneos reais de contaminação intencional

Existem diversos casos documentados de contaminação intencional de alimentos e medicamentos:

  1. Caso Tylenol (1982, EUA): O episódio envolveu a contaminação intencional de cápsulas do analgésico Tylenol com cianeto de potássio, resultando na morte de sete pessoas na região de Chicago. O crime, cuja autoria nunca foi descoberta, causou pânico nacional e levou a uma grande reformulação na segurança de medicamentos e alimentos, incluindo o desenvolvimento de embalagens à prova de violação;
  2. Caso Rajneeshee (1984, EUA): Membros da seita liderada pelo guru Bhagwan Shree Rajneesh contaminaram saladas de diversos restaurantes na cidade de The Dalles, Oregon, com a bactéria Salmonella typhimurium. O ataque foi uma tentativa de incapacitar a população local de votar e influenciar as eleições municipais, garantindo que candidatos favoráveis ao grupo fossem eleitos. Como resultado, 751 pessoas foram infectadas, mas não houve mortes;
  3. Casos de envenenamento com cianeto (1985, Japão): Similar  ao episódio do Tylenol, o Japão enfrentou uma série de envenenamentos intencionais com cianeto em produtos de consumo, como bebidas e medicamentos, que foram deixados em prateleiras de lojas. Esses ataques, atribuídos a grupos interessados em extorsão ou criminosos anônimos, geraram pânico na população e evidenciaram vulnerabilidades na segurança dos produtos;
  4. Morangos com agulhas (2018, Austrália): Consumidores começaram a relatar que encontraram agulhas de costura dentro de morangos comprados em supermercados, ocasionando o recolhimento em massa, causando prejuízos milionários para os produtores e pânico entre os consumidores. Após investigação, uma ex-funcionária da fazenda de morangos My Ut Trinh foi presa e acusada de sabotagem, supostamente por vingança contra o empregador;
  5. Morangos com agulhas (2018, Brasil): O incidente foi uma imitação do caso australiano, quando surgiram relatos semelhantes no Brasil, com consumidores encontrando objetos metálicos dentro das frutas. Embora alguns casos tenham sido confirmados como verdadeiros, outros foram suspeitos de trotes.

Contudo, foi só após os atentados contra as torres gêmeas do World Trade Center nos EUA, em 11 de setembro de 2001, que o tema Food Defense passou a ser visto como prioritário, pois vulnerabilidades na cadeia produtiva de alimentos foram identificadas como riscos potenciais capazes de causar danos em massa.

Os ataques terroristas de 2001 impulsionaram a criação de diversas medidas de segurança, incluindo a preocupação com a segurança dos alimentos. Por isso, o governo dos EUA implementou o Bioterrorism Act de 2002, com foco na proteção do fornecimento de alimentos e água contra ameaças intencionais.

Posteriormente, com a Food Safety Modernization Act (FSMA) de 2011, a Food and Drug Administration (FDA) reforçou as exigências regulatórias, obrigando empresas a implementarem planos específicos de Food Defense.

Exigências da Food Safety Modernization Act (FSMA)

A FSMA impõe que indústrias alimentícias desenvolvam e implementem planos de mitigação para prevenir ataques intencionais, incluindo:

  1. Análise de vulnerabilidades: Identifica pontos críticos na produção, transporte e armazenamento;
  2. Medidas preventivas: Controle de acesso, monitoramento e treinamento de funcionários;
  3. Procedimentos de resposta: Protocolos para agir rapidamente em caso de ameaças;
  4. Auditorias e testes regulares: Verificação da eficácia das estratégias implementadas.

Food Defense é uma área essencial para garantir que alimentos permaneçam seguros contra ataques intencionais. Por isso, a conscientização e a implementação de protocolos eficazes são fundamentais para proteger a a cadeia produtiva de alimentos em escala global.

Impulsionados pelas exigências do Bioterrorism Act, do FSMA e pela influência de diversos stakeholders, como algumas das maiores empresas de alimentos e bebidas do mundo, o Global Food Safety Initiative (GFSI) passou a considerar que os protocolos e normas que reconhece pelas análises de benchmarking, também deviam possuir requisitos sobre Food Defense, buscando a integridade da cadeia de suprimentos alimentares global.

Assim, a diretriz do GFSI para Food Defense foi desenvolvida para orientar as normas de segurança dos alimentos sobre como prevenir, identificar e mitigar os riscos de contaminações intencionais e atividades de sabotagem na cadeia produtiva de alimentos.

A partir de então, as normas reconhecidas pelo GFSI, como FSSC 22000 (Food Safety System Certification), IFS (International Featured Standards), SQF (Safe Quality Food) e BRCGS (Brand Reputation Compliance Global Standards), integraram requisitos de Food Defense em seus protocolos e esquemas, essencialmente considerando:

  1. Avaliação de riscos associados a atos intencionais, incluindo a análise de vulnerabilidades em diferentes pontos da cadeia de produção e um plano para mitigar esses riscos;
  2. Estratégias de prevenção e controles rigoroso de acesso às instalações, como a segurança física das fábricas e a vigilância das áreas de processamento;
  3. Treinamento e conscientização para que empregados possam identificar e relatar atividades suspeitas;
  4. Plano de resposta a incidentes estruturados para lidar com possíveis incidentes de Food Defense, com protocolos definidos para comunicação e ação imediata em caso de ataque ou contaminação.

O GFSI foi fundamental ao exigir a integração dos princípios de Food Defense nas normas de segurança dos alimentos, reconhecendo que a proteção contra riscos intencionais é tão importante quanto a gestão de riscos microbiológicos, físicos e químicos.

Orientações gerais para ações em Food Defense

Na prática, a organização deve estabelecer um plano de Food Defense formalizado, que defina a abordagem da empresa em relação à proteção contra ameaças intencionais e a segurança dos produtos. Tal plano deve ser baseado em políticas de gestão aprovadas pela alta direção e estar integrado ao Sistema de Gestão em Segurança dos Alimentos da organização.

Para atender ao plano Food Defense, a organização deve realizar uma avaliação de risco para identificar e avaliar vulnerabilidades em todas as etapas da cadeia de produção, incluindo pontos críticos onde o produto pode ser exposto a sabotagem, contaminação maliciosa ou adulteração. Esta análise deve ser documentada e atualizada regularmente para refletir novas ameaças ou mudanças no processo produtivo.

Dependendo da localização geográfica e de questões culturais da organização ou da região, as ameaças podem ser diferentes, e cada contexto específico deve ser devidamente considerado.

Com base na avaliação de riscos, a organização deve implementar controles preventivos específicos para mitigar os riscos identificados. Esses controles podem incluir medidas de segurança física (como cercas, câmeras de vigilância, controles de acesso), segurança de processos (como monitoramento constante) e treinamento de pessoal para identificar comportamentos suspeitos.

Quanto maior o risco e a probabilidade de ocorrência de uma contaminação intencional, mais robusta deve ser a ação de mitigação adotada.

A vigilância de áreas críticas e a monitoração contínua de locais como armazéns, câmaras frigoríficas, reservatórios de água e áreas de processamento, são essenciais para prevenir ataques intencionais. Os controles de acesso precisam ser rigorosos e implementados para garantir que apenas pessoal autorizado tenha acesso a áreas sensíveis da planta de produção. O uso de sistemas de identificação como crachás, identificação facial ou de digitais podem ser útil.

Claro, a empresa deve também garantir que os funcionários recebam treinamento específico sobre Food Defense, incluindo a conscientização sobre as ameaças possíveis e os procedimentos a serem seguidos em caso de incidentes. O treinamento deve incluir a identificação de atividades suspeitas, o reporte de comportamentos incomuns e a implementação de medidas de resposta.

A organização deve possuir procedimentos de resposta rápida em caso de incidentes de Food Defense, que incluam planos de ação para:

  1. Identificar e isolar rapidamente qualquer insumo, aditivo, coadjuvante ou produto suspeito;
  2. Informar as autoridades competentes, conforme necessário.
  3. Realizar investigações internas e externas sobre incidentes;
  4. Realizar recall caso o produto não esteja mais sob controle da organização;
  5. Recuperar a confiança dos consumidores, caso o incidente tenha repercussões negativas (gestão de crises).

Por fim, é importante que a eficácia das medidas de Food Defense seja testada regularmente via auditorias e ou testes simulados. As auditorias internas devem verificar se os controles de segurança contra ameaças intencionais estão sendo seguidos e se os planos de ação estão sendo eficazes. Já os simulados testam, na prática, de forma aleatória e não programada, se há falhas e vulnerabilidades nos planos de ação.

A alta direção deve revisar periodicamente o sistema de Food Defense para garantir sua adequação, eficácia e conformidade com os requisitos das normas em food safety adotadas.

Com base nas falhas identificadas em simulados, feedback de auditorias e benchmarking com ocorrências reais em outras empresas ao redor do mundo, a organização deve sempre buscar a melhoria contínua de seu sistema de Food Defense.

A implementação desses requisitos mediante as normas de Segurança dos Alimentos, seja a FSSC 22000, IFS, SQF e BRCGS, visa a criação de uma rede de segurança robusta que protege os alimentos e bebidas desde a origem até o consumidor final, garantindo que as ameaças intencionais sejam prevenidas, identificadas e tratadas com eficácia.

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PFAS na indústria de alimentos: entenda os desafios e estratégias de proteção

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A segurança dos alimentos e a sustentabilidade estão no centro das preocupações do consumidor moderno e os PFAS entram nesse debate como um dos maiores desafios emergentes.

Mas afinal, o que são esses compostos e por que todo profissional da indústria de alimentos precisa estar atento a eles?

PFAS é a sigla para substâncias per e polifluoroalquiladas, uma família de compostos sintéticos criados na década de 1930, conhecidos por sua extrema resistência térmica, química e à degradação.

Essa durabilidade, no entanto, trouxe consequências indesejadas: os PFAS são hoje chamados de “químicos eternos”, pois persistem no meio ambiente e nos organismos vivos, bioacumulando-se ao longo do tempo.

Eles geralmente estão presentes em panelas antiaderentes (como as de teflon), embalagens de alimentos resistentes a gordura, roupas impermeáveis e tecidos anti-manchas, cosméticos, espumas de extintores, e muito mais.

Os PFAS podem migrar para os alimentos por diferentes rotas:

  • Materiais de processamento: selantes, anéis de vedação, tubulações e equipamentos revestidos.
  • Embalagens de alimentos: caixas de pizza, sacos de pipoca para micro-ondas, embalagens de fast food.
  • Ambiente contaminado: água utilizada na irrigação ou na produção de alimentos.

Essa exposição indireta representa um desafio crescente para a indústria alimentícia, especialmente para marcas que buscam atender a regulamentações internacionais cada vez mais rígidas.

Diversos estudos associam a exposição prolongada a PFAS com:

  1. Disfunções da tireoide
  2. Aumento do colesterol
  3. Imunossupressão
  4. Problemas reprodutivos
  5. Maior risco de câncer?

Devido à sua estabilidade química, mesmo pequenas concentrações podem trazer impactos significativos.

No âmbito de assuntos regulatórios, a pressão está aumentando para que essas substâncias sejam regulamentadas ou banidas.

União Europeia: em vigor o Regulamento 2023/915, que estabelece limites máximos de PFAS em carnes, peixes, frutos do mar e ovos.

Regulamento (UE) 2022/2388: altera o Regulamento (CE) 1881/2006, estabelecendo novos valores máximos permitidos para PFAS em alimentos.

Outras medidas

A UE também está implementando medidas para restringir o uso de PFAS em diversos produtos e setores.

Estados Unidos: a Agência de Proteção Ambiental (EPA) endureceu limites para PFAS em água potável e propõe regulamentações para alimentos.

Brasil: Em fase inicial de regulamentação, mas já há detecção de PFAS em carnes, vegetais e água mineral.

A regulamentação ainda está em desenvolvimento, com o Projeto de Lei 2.726/2023 (PL 2726/2023) propondo uma política nacional de controle.

PL 2726/2023: Este projeto de lei, que busca instituir a Política Nacional de Controle de PFAS, ainda aguarda tramitação na Câmara dos Deputados.

Agência de Proteção Ambiental (EPA): em abril de 2024, a EPA anunciou parâmetros para PFAS na água potável, estabelecendo limites legais obrigatórios.

Para empresas exportadoras, ignorar o tema pode significar perda de mercado.

Técnicas de detecção e remoção

Detectar PFAS é um grande desafio devido às baixíssimas concentrações presentes nos alimentos (em nível de nanogramas ou picogramas). As principais técnicas analíticas incluem:

  • Cromatografia líquida acoplada à espectrometria de massas (LC-MS/MS): alta sensibilidade para identificar PFAS individuais.
  • Técnicas híbridas (CLAE-ESI-MS/MS): permitem análise mais ampla e precisa.

Osmose reversa, carvão ativado granular e resinas de troca iônica: métodos utilizados para remover PFAS da água e minimizar contaminações.

Alternativas aos PFAS: um caminho sustentável

Frente às restrições, a indústria já pesquisa e testa materiais alternativos para embalagens e revestimentos:

  • Biopolímeros naturais
  • Revestimentos à base de ceras vegetais
  • Materiais compostáveis sem adição de PFAS

Inovar e substituir PFAS não é apenas uma questão de responsabilidade ambiental, mas de sobrevivência competitiva.

Como os profissionais da indústria de alimentos podem agir?

  • Auditoria de fornecedores: verificar certificações e testar embalagens e materiais em busca de presença de PFAS.
  • P&D de novos materiais: trabalhar junto a fornecedores no desenvolvimento de alternativas seguras e sustentáveis.
  • Capacitação contínua: manter-se atualizado sobre regulamentações internacionais e tecnologias emergentes.
  • Comunicação transparente: informar claramente aos consumidores e autoridades a composição dos produtos.
  • Avaliação de riscos: avaliar risco baseado na geolocalização e pesquisas de referência sobre seus produtos e seus insumos.

A presença de PFAS na cadeia alimentar é uma preocupação real e urgente. Empresas que investem agora em inovação, monitoramento e substituição de materiais estarão à frente conquistando a confiança do mercado e garantindo sua sustentabilidade no futuro.

Ana Silvia Mattos Gonçalves é engenheira de alimentos, coordenadora de Segurança de Alimentos e Qualidade e especialista em assuntos regulatórios e qualificação de fornecedores.

3 min leituraA segurança dos alimentos e a sustentabilidade estão no centro das preocupações do consumidor moderno e os PFAS entram nesse debate como um dos maiores desafios emergentes. Mas afinal, o […]

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Segurança de Alimentos em Jogos Olímpicos

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Com uma trajetória profissional rica e diversificada, nosso entrevistado de hoje é Geidemar Oliveira. Ele vem consolidando ao longo dos anos conhecimento em várias áreas da farmácia, gestão empresarial e especialmente em segurança de alimentos nos Jogos Olímpicos e em grandes eventos.

Sua dupla formação acadêmica, no Brasil e em Portugal, e suas experiências profissionais internacionais em grandes eventos permitiram-lhe desenvolver uma visão abrangente e estratégica dos setores farmacêutico e alimentício e contribuir para o sucesso dos eventos.

Os grandes eventos esportivos têm um papel central na sociedade moderna, como momentos de competição e ocasiões que promovem a união, a celebração e o orgulho nacional. Desde a antiguidade até os dias de hoje, são marcos significativos que transcendem as barreiras culturais e linguísticas.

Garantir a segurança dos alimentos para atletas de alto nível, que dedicam suas vidas para o esporte, é extremamente crítico nestes eventos, pois surtos podem impactar diretamente o quadro de medalhas.

FSB: Geidemar, por favor, conte-nos como começou sua carreira e como surgiram as oportunidades para trabalhar nos Jogos Olímpicos?

R: Comecei a carreira trabalhando como farmacêutico RT em farmácias e drogarias, depois em produção na indústria farmacêutica. Saí do Brasil para estudar a área dos alimentos e tive a oportunidade de trabalhar com consultorias na área de nutracêuticos. 

Voltei ao Brasil após 11 anos, atuei em auditorias em laboratórios de análises clínicas e, em seguida, com cozinhas industriais de grandes volumes de produção, como responsável por food safety (Gerente de Qualidade). 

Em 2015 fui presenteado com a oportunidade de ser parte de todo o planejamento da área de alimentos e bebidas para os Jogos Olímpicos Rio 2016. Entrei e não saí mais dos grandes eventos. Ainda faço algumas auditorias e consultorias no mundo dos alimentos, porém o foco realmente são os grandes eventos.

FSB: Como foram suas experiências na organização de grandes eventos esportivos? Qual sua função para garantir a segurança de alimentos de atletas e comissões técnicas?

R: Nos últimos anos tive o prazer de participar de grandes projetos esportivos, gastronômicos e artísticos. Neste momento estou como Head da área de Alimentos e Bebidas no planejamento dos Jogos Panamericanos Júnior Assunção 2025.

Este evento acontecerá em agosto e contaremos com mais de 4.000 atletas de 41 países. O objetivo é sempre garantir uma alimentação segura, cumprindo os requisitos nutricionais, étnicos, culturais e religiosos necessários.

Além dos atletas, temos que planejar a alimentação de 3.500 voluntários, 550 empregados diretos do Comitê Organizador, oficiais técnicos, imprensa e todos os dignitários e autoridades dos comitês olímpicos envolvidos neste megaevento.

Todas estas operações têm como um dos pilares a Segurança dos Alimentos. As operações são desenhadas e definidas segundo os conceitos da ISO 22000 e os princípios de HACCP.

Isto tem um peso muito grande na escolha das empresas que prestam os serviços e os fornecedores e é a base também de todos os treinamentos necessários para garantir que os manipuladores de alimentos estejam aptos para suas funções.

Um ponto muito importante, talvez dos mais relevantes, é trabalhar a quatro mãos, Comitê Organizador e empresa fornecedora de alimentos. Cada vez mais tenho a certeza de que só assim evoluímos e podemos de verdade falar em Segurança dos Alimentos.

Outro conceito que é amplamente trabalhado são os alergênicos, desde a mitigação da contaminação cruzada até a identificação adequada em todas as preparações que as necessitem. 

Em resumo, as equipes que tive o prazer de liderar têm como missão planejar sempre com o olhar em Food Safety, durante todas as etapas.

Outros eventos de grande impacto em que pude trabalhar com conceitos de Food Safety foram o TomorrowLand Brasil 2024, os Jogos Panamericanos Santiago 2023, onde tivemos mais de 8.000 atletas participantes, Copas América de Futebol 2019/2021 no Brasil e 2024 nos EUA. 

Também teve grande relevância o Riyadh Season na Arábia Saudita em 2019, com a participação de alguns dos restaurantes eleitos os melhores deste ano. 

FSB: Qual evento foi mais impactante em sua carreira?

R: Com certeza foram os Jogos Olímpicos do Rio em 2016. Um grande aprendizado sobre os conceitos do mundo do esporte, seu dinamismo, operações de números absurdos. No dia de pico na Vila dos Atletas chegamos a servir mais de 70.000 refeições.

FSB: Quais conselhos daria para quem gostaria de atuar nesta área?

R: Primeiro de tudo é gostar muito de adrenalina, não existe nada de estático, muito pelo contrário. Costumo brincar que as mudanças acontecem até nas próprias mudanças.

Gostar de trabalhar com pessoas e ter a capacidade de formar uma grande equipe, com conhecimento diversificado e focada nas entregas dentro dos padrões necessários. 

Ter conhecimentos sólidos do alimento seguro dentro de toda a cadeia produtiva, da fazenda ao prato. Muita empatia, compromisso e não ter medo de desafios.

Agradecemos ao Geidemar por compartilhar sua experiência conosco. Certamente é uma trajetória que inspirará nossos leitores!

Quer saber mais sobre segurança de alimentos em grandes eventos? Leia:

A (in)segurança dos alimentos em grandes eventos: casos reais

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Impactos econômicos globais: a Segurança de Alimentos em tempos de guerra comercial

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A guerra comercial entre os Estados Unidos e a China não está apenas nos jornais — ela pode estar dentro do seu sistema de gestão de segurança de alimentos.
O que parece um embate político e econômico distante pode estar afetando diretamente a sua operação, o seu fornecedor, a composição do seu produto… e, principalmente, a segurança do alimento que você entrega ao consumidor.

Você já refletiu sobre como uma política de tarifas comerciais pode fazer com que o seu SGSA precise ser revisto? Quando insumos desaparecem, custos aumentam e fornecedores mudam, o SGSA exige ação rápida e estratégica — e é aí que muitas organizações falham ou se destacam.

Neste artigo, vamos entender:

  • Como a guerra tarifária entre EUA e China vem afetando diretamente o setor alimentício global;
  • Quais os impactos disso para empresas certificadas pela ISO 22000 e FSSC 22000;
  • Que requisitos da norma são diretamente acionáveis nesse contexto;
  • Como transformar um cenário de crise em oportunidade de reforço do SGSA;
  • E por que manter a segurança de alimentos no centro das decisões é mais urgente do que nunca.

O que está em jogo na guerra tarifária EUA x China?

A disputa comercial entre Estados Unidos e China, iniciada em 2018 no primeiro mandato de Donald Trump, ainda reverbera no mundo inteiro — especialmente nos setores que dependem de insumos, ingredientes e matérias-primas importadas ou exportadas.

Segundo a OMC, essa guerra tarifária já impactou milhões de toneladas de produtos alimentícios, como grãos, carnes e ingredientes amplamente utilizados pela indústria, como o xarope de milho.

A imposição intempestiva mais recente de tarifas vem causando aumento nos preços, dificuldades logísticas e instabilidade nas cadeias de suprimento e no mercado financeiro.

A disputa entre os dois gigantes econômicos afeta diretamente o mercado global, inclusive o de alimentos.

O impacto direto no setor alimentício e no SGSA

O setor de alimentos sofre com:

  • Aumento no custo de insumos, ingredientes, peças e equipamentos;
  • Redução da oferta desses mesmos produtos;
  • Alteração forçada em fórmulas e fornecedores.

Esses fatores desafiam diretamente a integridade dos Sistemas de Gestão de Segurança de Alimentos (SGSA), que exigem padronização, controle e validação rigorosa.

Para empresas certificadas em qualquer protocolo de segurança de alimentos, cada alteração pode gerar riscos adicionais à segurança dos produtos finais.

As mudanças podem afetar não só a qualidade, mas a segurança dos alimentos, ao longo de toda a cadeia.

O impacto organizacional e a necessidade de resposta estratégica

A guerra tarifária não afeta apenas os produtos. Ela altera também:

  • O contexto organizacional, que deve ser monitorado continuamente conforme exige a ISO 22000;
  • As expectativas de partes interessadas (clientes, fornecedores, órgãos reguladores);
  • A estabilidade dos contratos e a conformidade com normas legais e sanitárias.

Clientes pressionam por preços menores. Fornecedores podem falhar nos prazos e nas quantidades. E as autoridades exigem comprovações mais detalhadas sobre ingredientes e origem dos insumos.

O impacto da guerra tarifária não deve ser visto apenas como aumento de custos, mas como uma potencial alteração no risco de segurança de alimentos.

Requisitos da ISO 22000 diretamente relacionados ao cenário

A seguir, os principais pontos da ISO 22000:2018 que se conectam a esse contexto de crise:

  • Requisito 4 – Contexto da Organização: Compreensão de fatores externos (econômicos, políticos e legais) que afetam o SGSA.
  • Requisito 5 – Liderança: Comprometimento da alta direção em manter a segurança dos alimentos como prioridade, mesmo sob pressão financeira.
  • Requisito 6 – Planejamento: Avaliação e gestão de riscos e oportunidades. A guerra tarifária demanda planejamento para substituição de fornecedores, gestão de mudanças e controle de riscos emergentes.
  • Requisito 7 – Apoio (Recursos): Manutenção de recursos críticos, mesmo com cortes ou ajustes orçamentários: pessoas, infraestrutura, conhecimento e sistemas.

Esses pontos não são apenas requisitos documentais — eles formam a base da resiliência organizacional para a Segurança de Alimentos em tempos de instabilidade global.

Oportunidade estratégica: adaptar o SGSA e reforçar compromissos

Em vez de apenas reagir, sua organização pode usar este cenário para revisar, fortalecer e tornar mais estratégico seu SGSA. Veja como:

1 – Reavaliação da cadeia de suprimentos: mudar fornecedores ou diversificar origens pode ser necessário. A ISO 22000 exige que você mapeie riscos e implemente ações preventivas.

Situações de crise aumentam as oportunidades para operações fraudulentas.

2 – Revisão da análise crítica de segurança de alimentos: as mudanças exigem uma nova avaliação de riscos, especialmente se houver alteração nos processos ou matérias-primas.

3 – Atualização de planos de contingência: Escassez de produtos, atrasos de entrega ou custos elevados? É preciso prever cenários e garantir continuidade sem comprometer a segurança de alimentos.

Não deixe a Segurança de Alimentos sair do primeiro plano

Momentos de crise colocam empresas à prova. É aqui que muitas negligenciam o SGSA — e pagam caro por isso. Priorize:

  • Manutenção de recursos críticos (pessoas, infraestrutura, tempo e conhecimento);
  • Validação de mudanças antes de implementá-las (ingredientes, processos e fornecedores);
  • Comunicação clara e treinamentos atualizados com todas as equipes;
  • Análise imediata de desvios: aumento de NCs, atrasos, falhas logísticas e mudanças na qualidade.

Um SGSA eficaz é aquele que é interativo com o contexto, mas que não perde de vista seus princípios fundamentais – a Qualidade e a Segurança do Alimento.

Em tempos de guerra comercial, o SGSA deixa de ser apenas uma ferramenta de conformidade e se torna um instrumento de sobrevivência e reputação.
O que separa empresas resilientes das que apenas sobrevivem é a capacidade de manter a segurança de alimentos como prioridade inegociável.

Revise agora mesmo sua cadeia de suprimentos, reavalie seus riscos e valide todos os processos impactados por variações de insumos. Promova reuniões com sua equipe de SGSA. Atualize o plano de contingência. Treine. Reforce. Antecipe-se.

Sua próxima decisão pode ser o que define o quanto a sua organização vai sofrer — ou crescer — em meio à turbulência global.

Diogo Ximenes é técnico em alimentos pela UFRPE, graduado em administração de empresas e pós-graduado em engenharia de alimentos. Com 17 anos de experiência na área de Qualidade e Segurança de Alimentos, é auditor líder FSSC 22000 e classificador oficial de açúcar pelo MAPA. É especialista no processamento de cana-de-açúcar para alimentos e bebidas, incluindo açúcar, cachaça e aguardente. Atualmente ocupa o cargo de Supervisor de Qualidade e Segurança de Alimentos em indústria sucroenergética em Pernambuco.

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