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Entrevista: os erros mais frequentes cometidos na gestão do HACCP

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A Dra. Tatiana Lorca, é Gerente Sênior de Educação em Segurança dos Alimentos e Treinamentos (Ecolab, Food & Beverage USA). Sua formação acadêmica é Mestre e Ph.D em Food Science & Technology pela Universidade Virginia Tech, USA. Possui ainda credenciais como consultora e instrutora para FSSC 22000, BRC , SQF e HACCP. Ela estará no Brasil ministrando o Workshop de HACCP nos dias 02 e 03 de outubro no evento Food Safety Insights e tem muito a compartilhar sobre o assunto.

Eu lhe revelei que em teoria, desde 1993 as empresas brasileiras supostamente devem ter o HACCP implementado.

Passados mais de 20 anos, nem todas atendem ainda a este requisito.  Perguntei então quais são as maiores dificuldades para se conseguir implementar de forma consistente esta sistemática? Quais aprendizados dos últimos anos?

Os desafios potenciais que o Brasil tende a enfrentar atualmente são os mesmos que serão enfrentados globalmente, salvo particularidades muito específicas. Em resumo:

1. A Alta Gestão não se mostra completamente comprometida (em aspectos como de pessoal ou financeiro, por exemplo) para permitir que a Equipes desenvolvam e implementem um programa de HACCP nas instalações.

2. Muitas vezes, os programas HACCP não refletem as atividades reais do local. Questões como a utilização de  produtos e equipamentos são recorrentes, além de falta de processos.

3. Nos casos em que um plano de HACCP foi desenvolvido pela empresa, muitas vezes o desafio está em torná-lo simples e prático o suficiente para que seja implementado e sustentado. Como resultado, há pouca propriedade do plano nas operações e as lacunas são vistas nos planos e nas atividades ao longo do tempo. É muito importante que a empresa verdadeiramente “se aproprie” do seu plano de HACCP, uma vez que serão os únicos a implementá-lo e sustentá-lo. Às vezes isso pode ser alcançado dentro do espírito de melhoria contínua e através da utilização de metas e incentivos para o site.

4. A Análise de Perigos não aborda todos os riscos potenciais especialmente aqueles inerentes às matérias-primas e ingredientes.

5. O estudo HACCP e a posterior manutenção dele não são realizados por uma equipe        multidisciplinar, mas sim por uma pessoa. Isso resulta em um programa de HACCP unilateral, com fraca aderência pelos times dentro do site como um todo.

6. A falta de evidências científicas que sustentam a escolha dos limites críticos. Os limites críticos devem ser validados e precisam demonstrar sua eficácia tanto na teoria quanto na  prática.

7. A falta geral de validação completa e exaustiva para o plano HACCP e programas de pré-requisitos. Em muitos casos os sites demonstram apenas uma  parte de um processo de validação. Por exemplo, eles podem mostrar que os controles existentes são teoricamente viáveis, mas eles não podem provar que os controles funcionam de forma eficaz em sua fábrica para os seus riscos específicos.

8. Programas de pré-requisitos (que são os fundamentos de um bom programa de HACCP) que não são robustos, comprovadamente eficazes, ou devidamente controlados. Muitas vezes, não são revisados junto com o programa HACCP quando há uma mudança significativa para um produto ou um processo (ou quaisquer outras alterações significativas que justificassem a revisão do programa de HACCP).

 

Para ir ao evento Food Safety Insights, clique aqui.

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Entrevista sobre fármacos em produtos de origem animal

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O prof Jonas Augusto Paschoal, que concedeu esta entrevista, vai palestrar no Simpósio ILSI Brasil sobre avanços científicos e regulatórios sobre Contaminantes Químicos em Alimentos, que acontecerá no dia 05/08 na Food Ingredients, e abordará o tema de fármacos em produtos de origem animal. Desde já ele compartilha informações valiosas sobre o tema.

 É comprovada cientificamente a correlação entre resistência microbiana em terapêutica humana x uso de antibióticos como promotores de crescimento?

Não conheço dados da literatura científica que comprovem de forma direta a relação entre causa e efeito relacionando o uso de antibióticos como promotores de crescimento como a causa do desenvolvimento de resistência microbiana em terapêutica humana. O que muitos estudos científicos demonstram é o surgimento da resistência microbiana decorrente do uso de antibióticos.

A eficácia e consequente importância do uso dos antibióticos na medicina veterinária também estão cientificamente demonstradas. Os antibióticos podem ser utilizados com diferentes propostas, com fins terapêuticos, profiláticos, metafiláticos e/ou como aditivos zootécnicos (promotores de crescimento).

Os prós e contras do uso dos antibióticos na medicina veterinária compõem, respectivamente, os ingredientes da relação benefícios versus custos, cujo balanço, à luz do que se conhece hoje, não permite a exclusão dessa prática como forma de se amenizar o risco à saúde humana e animal decorrente do potencial desenvolvimento da resistência microbiana.

O emprego de antibióticos como promotores de crescimento em relação às outras finalidades mencionadas implica no tratamento de animais com menores dosagens por um maior período de tempo. Cientificamente, sabe-se que estas características na forma de uso dos antibióticos favorece o desenvolvimento da resistência microbiana. Tem-se, portanto, que o uso de antibióticos como promotores de crescimento é considerado uma prática de risco ao desenvolvimento da resistência microbiana, constituindo-se numa prática zootécnica muito discutida no mundo todo há muito tempo, sendo, inclusive, proibida em muitos países, principalmente naqueles do continente europeu.

Qual é o cenário no Brasil em relação à prevalência de resíduos de fármacos em produtos de origem animal?

Um dos aspectos envolvidos na segurança de uso de antibióticos veterinários consiste no fato de que os fármacos de uso em humanos não podem ser regulamentados para uso em animais destinados à produção de alimentos (ainda que o possam para animais domésticos – pets).

Todo medicamento veterinário precisa ser administrado conforme as boas práticas de uso, que visam garantir a eficácia do mesmo, bem como, prevenir que, em caso de animais destinados à produção de alimentos, os produtos a serem destinados ao consumo humano não contenham resíduos dos fármacos empregados em níveis acima dos considerados toxicologicamente seguros. Nesses casos, são prescritos os chamados períodos de carência (período de tempo que deve ser aguardado entre a última administração do medicamento e o abate do animal ou coleta dos ovos, leite ou mel).

O Brasil dispõe do Plano Nacional de Controle de Resíduos Biológicos em Produtos de Origem Animal (PNCRC), instituído e dirigido pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), que, através dos laboratórios credenciados, promove amostragens e análises dos mais diferentes tipos de alimentos de origem animal com fins de fiscalização de uso de uma grande variedade de medicamentos veterinários, tanto para aqueles de uso autorizado como de outros considerados de uso proibido.

Em 2013, o MAPA publicou os resultados (Instrução Normativa nº 7, de 27 de março de 2013) obtidos das análises pertinentes à ação do PNCRC em carnes (bovina, suína, de aves, de avestruz e equina), em leite, ovos, mel e pescado, referentes ao exercício do ano de 2012. Das 14.956 análises laboratoriais, 99,54% estavam conforme o padrão do programa, isto é, com resultados para resíduos de contaminantes em níveis acima dos limites estabelecidos como sendo toxicologicamente seguros.

Num país de expressiva produção pecuária como o Brasil, o número de amostras colhidas para as análises de fiscalização ainda parece baixo quando se pensa na extrapolação da representatividade desses resultados em termos de uma avaliação nacional adequada.

 Que linha de pesquisa tem interessado os pesquisadores atualmente?

Sem dúvida alguma, estudos que visem o desenvolvimento de alternativas à prática do uso de antibióticos na medicina veterinária correspondem ao anseio da ciência e da opinião pública em geral.

No entanto, até o presente momento não se comprovou a viabilidade do uso de qualquer outro recurso que pudesse substituir essas substâncias com a mesma eficiência no combate a doenças infecciosas, garantindo simultaneamente o mesmo nível de produtividade pecuária.

Sabe-se que a existência de uma maior variabilidade de fármacos para o combate de doenças infecciosas é de grande importância, de modo que cada vez mais, novos fármacos estão sendo estudados.

Incessante esforço científico vem sendo feito também ao longo dos anos na busca do estabelecimento de métodos analíticos sensíveis, seletivos, rápidos e de menor custo, que possam facilitar as análises de rotina para fiscalização dos alimentos de origem animal quanto à presença de resíduos de medicamentos veterinários em níveis de concentração que poderiam comprometer a segurança alimentar.

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Entrevista – Cadeia de suprimentos de especiarias, seus riscos e como se prevenir

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O caso da contaminação de especiarias e da gestão de fornecedores no exterior é velho conhecido do blog. Já tratamos deste assunto aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.

Recentemente, tivemos a rica oportunidade de entrevistar o Sr. João Fogacci, que possui larga experiência no mercado internacional de especiarias, tendo visitado os principais centros produtores para selecionar fornecedores e adquirir produtos. Veja abaixo a entrevista conduzida pela editora do blog, Juliane Dias Gonçalves, e a colunista Cristina Leonhardt.

Juliane: Por que é tão difícil manter um padrão de qualidade e segurança de alimentos das especiarias?

João: Isto acontece quando não se está sendo atendido por empresas especializadas, pois não conhecem estas empresas, ou não querem pagar o preço por produto processado de maneira adequada que atenda a necessária segurança e legislação.

Juliane: Há especiarias que devem nos preocupar mais do que outras em relação à segurança? Por quê?

João: Sim, a exemplo Pimentas Vermelhas e Pimentas do Reino, devido forma de plantio, forma de colheita e forma de secagem.

Cristina: Por que as pimentas são pontos de maior atenção? Como é esta cadeia de produção?

João: São produzidas em locais quente e úmido, muitas vezes secas no chão, ficando sujeitas às naturais contaminações.

Juliane: A prática de adição de outros ingredientes (ex: maltodextrina) e até mesmo areia, se dissemina nesta cadeia produtiva. Por que surgiu essa “oportunidade” e como coibi-la?

João: Outros ingredientes como Sílica (e não Areia), Maltodextrina, ou seja, ingredientes de grau alimentício aceitos pela Legislação, até podem ser acrescidos por necessidade técnica de estabilidade e para facilitar aplicação, como também para manter padrões de certos mercados e a Legislação prevê para alguns produtos.

Quando adulterações grosseiras ocorrem em locais menos evoluídos, geralmente visam suprir populações de baixo poder aquisitivo, que não tem como controlar a qualidade e já estão habituadas com produtos deste nível, que até já virou padrão por terem preços baixos.

Cristina: Sobre a adição de veículos, muitas vezes são usados, mesmo no Brasil, sem a correta menção no rótulo. Como a empresa usuária poderia se resguardar de práticas como tal? Por exemplo, existe mesmo uma flutuação de cor na pimenta preta moída conforme a época do ano, ou a variação de cinza escura para cinza claro é somente relacionada à incorporação de veículos?

João: Quando se recebe uma amostra, esta deve estar acompanhada com especificação detalhada para avaliações necessárias sobre os veículos e aditivos descritos. Por exemplo, sobre a variação de cor na pimenta do reino de cinza escura para cinza claro, pode ser decorrente do tipo de grãos que foram utilizados na moagem, isso também ocorre com cominho, coentro, louro, noz moscada, orégano e outros produtos. Também com a adição de necessários veículos que tem cor clara, tipo antiumectantes.

Cristina: Como uma empresa usuária de especiarias pode se precaver do uso de produtos de baixa qualidade? Como distinguir o joio do trigo entre os fornecedores qualificados e não tão bem qualificados?

João: Adquirindo de empresas de alimentos especializadas, certificadas e idôneas que comprovadamente já atendem grandes indústrias e que devem ser auditadas.

Cristina: Quais são as tendências mundiais no quesito descontaminação de especiarias?

João: Está sim ocorrendo a difícil tarefa de se adequar, junto às fontes produtoras, os sistemas de coleta, cultivo, colheita e secagem. Eles estão melhorando, se modernizando, com consequente melhoria na redução das contaminações. Porém, sempre haverá necessidade de uma indústria final, especializada em adequar os padrões e especificações às necessidades atuais, às modernas técnicas de controle de qualidade das indústrias, ao consumidor cada vez mais consciente e exigente, à legislação, e também ajustar os produtos aos padrões dentro dos limites factíveis – sempre buscando a segurança alimentar. Uso de processos físicos e químicos seguros de descontaminação a nível macroscópico, microscópico, microbiológico, não agressivos para saúde humana e ambiental.

Cristina: Uma mudança de perfil de  consumo de especiarias está acontecendo, com as pessoas adicionando especiarias diretamente sobre saladas que posteriormente não sofrerão tratamento térmico. Como as empresas produtoras de especiarias estão se preparando para este caso?

João: As empresas que fracionam especiarias para o consumidor final doméstico, food service e fast-food, precisam utilizar especiarias previamente reprocessadas e submetidas a tratamento de redução de carga microbiana, e não fracionar a partir das especiarias recebidas tal qual chegam das origens.

E um comentário final do Sr João Fogacci:

 Especiarias: “Se você usa tão pouco, use o melhor”.

E complemento, use o que tem mais tecnologia e segurança agregada.

 O processamento e forma de adequar as especiarias para os produtos atuais também estão se adequando aos conceitos atuais, através da engenharia de alimentos, tal qual a modernização de fórmulas e produção de maioneses, margarinas, queijos cremosos, achocolatados, embutidos. Enfim, todos os alimentos fabricados pelas indústrias a cada dia são aperfeiçoados com inclusão de aditivos de última geração.

Foto: autoria Cristina Leonhardt. Ají peruando seco naturalmente na estrada que conecta Lima a Huaraz,

João Fogacci atua no ramo de especiarias, ervas culinárias, vegetais desidratados e alternativas desde 1976. É autodidata e foi discípulo do Eng. Efroin M. Sapiro – pioneiro no Brasil em beneficiamento (moagem, desidratação, branqueamento e esterilização) de: especiarias, ervas culinárias, vegetais desidratados, caldos em tabletes e sopas desidratadas. Experiência profissional em P&D, CQ, Administrativo, Marketing, e Comercial em empresas como Ital Ind. de Temperos e Alimentos, Mc Cormic, Fuchs Gewurze. Atualmente: Representante autônomo comercial/técnico e consultor através da VFOGACCI.

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Entrevista sobre a Iniciativa Global de Harmonização (de alimentos)

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O holandês Huub Lelieveld, por muitos anos serviu a indústria como pesquisador e hoje tem uma biografia extensa de publicações, patentes e manuais extremamente úteis, incluindo o legado da EHEDG e livros. Hoje ele se dedica à causa da harmonização de critérios de segurança de alimentos no mundo e é presidente da Iniciativa Global de Harmonização.

Por que decidiu fundar a Global Harmonization Initiative (GHI)?

O início da GHI foi desencadeada por notícias sobre a destruição de alimentos eram totalmente inócuos na opinião de pesquisadores da área que estavam na mesma reunião. Políticos acabaram chegando a conclusões baseadas em mídia e oposição, alegando que os cientistas disseram que os alimentos em questão eram tóxicos. Enquanto isso, cientistas de verdade afirmavam que tudo é tóxico se os níveis são altos o suficiente para causar dano, incluindo água e oxigênio.

 Quais são os principais desafios para a indústria de alimentos a nível mundial?

A grande quantidade de substâncias químicas que podem estar presentes nos alimenta, na sua maioria, naturalmente. Muitas pessoas acreditam que os produtos químicos são de natureza tóxica, sem saber que tudo o que eles comem é composto por substâncias químicas. Existem milhares de produtos químicos que são listados como tóxicos que ocorrem na natureza, nos alimentos não processados e não adicionados de substâncias. Além disso, muitos dos produtos químicos que podem ser tóxicos em grandes concentrações suficientes são essenciais à saúde, causando doenças se suprimidos. Se as autoridades encontram substâncias químicas – mesmo em concentrações extremamente baixas – para o qual não tenha sido estabelecida concentração segura – eles não são permitidos e são apreendidos e destruídos – nem mesmo se o produto químico está lá naturalmente.

Existem produtos químicos maior prioridade nas discussões da GHI?

Por causa dos muitos produtos químicos, o Grupo de Trabalho de Segurança Química Alimentar está desenvolvendo um protocolo harmonizado que para ser usado para todos os produtos químicos. Há algumas substâncias químicas no topo da lista como o Carbendazim e cloranfenicol.

O JECFA é um conselho de especialistas que propõe a harmonização em relação à substâncias químicas usadas em alimentos. Qual é a diferença entre este grupo e GHI?

GHI é a única organização que se tem como base somente cientistas (indivíduos) e não tem representantes de indústrias , governos ou qualquer lobby. Os membros devem dar sua própria opinião, não a do seu empregador ou do governo. É dessa consciência que vamos construir o consenso. Por essa razão GHI não aceita financiamento de governos ou indústrias.

Como o GHI é mantido?

GHI não é financiado, exceto por uma pequena quantidade de dinheiro de royalties sobre o livro GHI e algumas pequenas doações. GHI espera ter recursos no futuro, a partir de uma instituição de caridade fundada especialmente para recolher fundos para ser usado apenas para a GHI . Atualmente, todos que trabalham doam seu próprio tempo. Reuniões são eletrônicas ou em eventos onde os membros GHI iriam de qualquer maneira (como os Congressos IUFoST ) . A razão é que GHI é muito cuidadoso com a imparcialidade e, portanto, não aceita financiamento da indústria ou governos (isso também está nos estatutos do GHI).

 Quais são as principais conquistas da GHI desde a fundação?

A GHI é notado pelos reguladores que tornam-se mais cuidadoso, sabendo que há pessoas que olham por cima do ombro e eles não gostam de ser expostos. Experts da GHI são encarregadas de emitir pareceres. Apesar de não termos publicado qualquer documento de consenso em vários campos, temos trabalhado planos para a resolução destes impasses de regulamentação. Contudo vai levar tempo antes de nós chegarmos a um consenso global. O consenso precisa ser construído com provas científicas sólidas e isso requer discussões entre especialistas de todo o mundo. A proposta será publicada em breve no boletim GHI e será discutida em várias outras publicações. Estou convencido de que o consenso global necessári0 será alcançada depois que essas discussões forem realizadas .

 Como o Brasil pode se beneficiar de GHI? Quais países são membros?

Todos os países sofrem de problemas de exportação e importação, devido às diferenças na regulamentação. Produtos considerados seguros em um país exportador podem ser considerados inseguros no país importador quando as diferenças não têm base científica. Países não fazem parte do GHI, há membros de todo o mundo. O que talvez seja outra distinção de outras organizações – cientistas GHI são ouvidos e levados a sério independente de onde eles vêm. Em outras palavras, não apenas de países ricos ou grandes e independentes de seu sistema político.

 Como podem os indivíduos ou empresas podem contribuir?

Todo o processo de consenso científico é feito por cientistas e cientistas individuais podem contribuir usando seus conhecimentos. As empresas não podem contribuir diretamente para o processo, mas que pode levantar questões que, em seguida, podem ser captados pela comunidade GHI. As empresas e os governos podem ajudar a acelerar o processo, apoiando outra organização, GHI Financials. Esta é uma organização completamente separada, com estatuto próprio onde qualquer recurso pode ser usado somente para o apoio do GHI 

Quais são os próximos passos?

Os próximos passos serão produzir documentos de consenso pelos cientistas de todo o mundo e orientar. Detalhes desse processo podem ser baixado do site da GHI.

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Aline Santana concede entrevista em seu aniversário

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Aline é nossa colunista que já transitou em multinacional alimentícia e agora atua na área da qualidade de um fabricante francês de nutracêuticos – segmento fronteiriço entre alimentos e medicamentos.

Como é nossa tradição, hoje ela nos concedeu uma entrevista, encabeçada por dois colunistas.

Juliane Dias: Por que participar como voluntária de um blog de segurança de alimentos?
Devemos para as outras pessoas com quem convivemos o mínimo de respeito e cuidado. E na minha opinião, é exatamente isto que segurança de alimentos representa, mas no cenário comercial de alimentos. É o tema mais básico, mais primitivo (não estou dizendo que é um tema fácil, mas, com toda certeza é essencial).
Qualidade e Segurança de Alimentos são coisas distintas.
Se um consumidor ingerir um suco com menos aroma ou cor do que o padrão, isto é um tema de falta de qualidade.
O máximo que pode acontecer é ele ficar chateado e reclamar para alguns amigos. E não voltar a comprar da marca, claro.
Mas se ele ingerir um suco contaminado, isto é falta de segurança de alimentos. É desrespeitoso!
Na minha concepção é inadmissível imaginar que alguma criança ficou doente ou passou mal porque não fizemos o nosso trabalho direito.
E é por isso fico feliz em poder ajudar qualquer colega da área que busque a maneira correta e responsável de fabricar e vender seus produtos.
Agradeço muito ao Blog Food Safety Brazil por me conceder esta oportunidade.

 Cecília Cury: Qual sua opinião sobre uma norma que obrigaria o destaque da presença de lactose na embalagem do medicamento (na linha do PL 5368/09 rejeitado em 2012 sob alegada desproporcionalidade entre custo e benefícios ao consumidor)  ?

Lactose é comumente utilizada como excipiente em comprimidos. Excipiente é o ingrediente que não traz o principio ativo do medicamento, mas é necessário tecnologicamente (para comprimir, por exemplo) ou então como veículo.
A intolerância a Lactose é geralmente dose dependente. Ou seja, mesmo as pessoas com maior intolerância a lactose podem consumir produtos com baixo teor de lactose. É recomendado, inclusive, que não retirem totalmente a lactose de sua dieta, pois eliminando-a totalmente do seu consumo tornam-se cada vez mais intolerantes. A ingestão de ¼ de xícara de leite é, inclusive, recomendado para estes casos.
¼ de xícara de leite contem aproximadamente 3,125 gramas de lactose (5%).
Os comprimidos pesam, em sua maioria, aproximadamente de 200 a 600 mg (no total).
O maiores pesam, no máximo, em torno de 1g.
Se o comprimido de 1g possuir em sua composição 70% de lactose (que é um valor já bastante alto e fora do comum para uma formulação), o consumo de cada comprimido agrega 700 mg de lactose – que é um valor significativamente inferior à dose acima mencionada. Se a pessoa for extremamente sensível, precisaria ingerir 4,6 comprimidos destes do exemplo (de tamanho e porcentagem de lactose acima do padrão) para sentir desconforto.
A baixa dosagem de lactose, atrelada à presença da formulação na bula e ao fato de que toda prescrição deve ser realizada pelo médico do paciente, talvez embase a justificativa de “desproporcionalidade entre custo e benefícios ao consumidor” utilizada para o arquivamento desta PL.
No entanto, toda informação para o cliente/paciente é benéfica.
Um caso que chama atenção, é o da sacarose.
Muitos xaropes são à base de sacarose, e não há informação em destaque sobre a presença de sacarose, a não ser a própria lista de ingredientes na bula – Embora tenhamos uma parcela bastante significativa de diabéticos no Brasil. Esta informação também é presente somente na bula.

Cecília Cury: É possível afirmar que a lactose utilizada em medicamentos seja segura para quem tem alergia à proteína do leite de vaca (que nada tem a ver com a lactose, a rigor).
É uma prática comum para as indústrias farmacêuticas (respeitáveis) avaliarem (tecnicamente e nos mínimos detalhes) as especificações/características das matérias-primas utilizadas, para garantir pleno conhecimento do que está sendo adicionado no medicamento/nutracêutico/cosmético produzido.
Todavia, o conceito de alergênicos ainda é muito recente para a industria farmacêutica. Este é um tópico bastante difundido para alimentos, não para farma.
A legislação para alimentos é muito mais clara e diretiva neste aspecto, o que força a indústria de alimentos a ter mais controles sobre este tema – principalmente devido aos volumes consumidos.
Contaminantes como solventes residuais, impurezas genotóxicas, metais pesados etc são comumente considerados nas matérias-primas do nicho farmacêutico.
Ou seja, a maturidade para tratar de alergênicos ainda está acontecendo na indústria farmacêutica.
Há algumas que já trabalham com o conceito, mas não está difundido entre toda a categoria.

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Entrevista: Marcelo Garcia

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Marcelo Garcia é o colunista mais jovem do blog Food Safety Brazil, e está aqui para demonstrar que a capacidade de fazer diferença para uma causa independe da idade. Ele é cientista em alimentos e antes mesmo de se graduar já fazia parte da equipe, atendendo de forma eclética as demandas dos leitores. É dele o post mais visitado do blog atualmente, o Surtos alimentares no Brasil – dados atualizados em 2013.

Hoje é seu aniversário, e mantendo nossa tradição, o entrevistamos: 

Como se tornou colunista do blog?
Conheci o blog através do Facebook e achei bastante interessante o trabalho dos colunistas. Claramente todos tinham algo para compartilhar e a vontade de promover a segurança de alimentos no país. Aí entrei em contato com a editora chefe e demonstrei interesse em fazer parte do corpo de colunistas. Fui muito bem aceito e já “coloquei a mão na massa” na tradução de textos relacionados à food safety que não são geralmente veiculados em sites do Brasil. Já faz mais de um ano que eu sou colunista e posso dizer que o trabalho é muito gratificante. Cada comentário, curtida, ou dúvida de leitores é muito legal.

O blog me proporcionou muitas oportunidades também, pois além de conhecer excelentes profissionais de todo o país, ainda fiz viagens à congressos representado o Food Safety Brazil, sempre em busca de atualizações como profissional e para o blog, compartilhando sempre com os leitores.

 Por que resolveu trabalhar na área de tecnologia de alimentos?
Eu diria que caí de paraquedas no curso. Era um curso novo na minha cidade, eu mal sabia o que um profissional formado nessa área faria especificamente. Fiz o vestibular, passei e disse: Vamos ver no que vai dar.
A cada semestre fui me apaixonando mais pelo curso e pelas disciplinas. Ainda no segundo semestre comecei a trabalhar com microbiologia de alimentos, o que fez eu pensar: estou no lugar certo.
Depois da disciplina de higiene e legislação de alimentos que fui me focando mais área de controle de qualidade, até fazer estágio voluntário auxiliando na elaboração de um plano de Boas Práticas para escolas da minha cidade. Aí cada vez mais fui me ligando à essa área e fiz meu estágio de conclusão em um indústria de beneficiamento de arroz, onde tive a oportunidade de trabalhar com grandes profissionais, os quais eu sou muito grato por toda aprendizagem que a mim foi proporcionada.

 Como avalia a abordagem do assunto “Segurança de alimentos” em seu curso de Ciência e Tecnologia de Alimentos? Quais os pontos fortes e fracos na sua opinião?
– A abordagem no curso é bem completa. Começamos tendo noções nas disciplinas de microbiologia e iniciação à ciência e tecnologia de alimentos, depois vamos tendo disciplinas mais específicas como higiene e legislação de alimentos e controle de qualidade na indústria de alimentos, também vemos alguma coisa na disciplina de gestão ambiental e controle de efluentes na indústria de alimentos.
O ponto forte eu diria que é a parte teórica em si, que é bastante completa e aborda todos os conceitos e requisitos de forma bem prática.
O ponto negativo, acho que como em todas as disciplinas que envolvem o conhecimento industrial, devemos conhecer bem o processo que envolve o processamento de determinado tipo de alimento, para se pôr em prática o conhecimento sobre os sistemas de gestão de qualidade que quer ser utilizado. E esse conhecimento industrial só é adquirido quando se está atuando na indústria.

 Na sua percepção, que características o mercado de trabalho está buscando nos jovens profissionais? Os processos seletivos testam ou valorizam algum conhecimento técnico ou é mais importante “trabalhar em equipe” e falar inglês?
Acho que depende muito do que a empresa está buscando. Por exemplo, no processo seletivo para o meu estágio na indústria, acho que o meu conhecimento técnico falou mais alto para que eu fosse escolhido, pois a empresa estava precisando de alguém para auxiliar na implementação das BPF e eles não tinham tempo de treinar alguém, por isso eles queriam alguém que já tivesse o conhecimento no assunto para auxiliar os profissionais que já estavam trabalhando no processo.
Obviamente existem empresas que avaliam apenas o “trabalhar em equipe” e o “falar inglês”, isso claramente é visto nos requisitos básicos do processo seletivo de algumas delas. Mas como eu disse, isso depende da empresa e outro fator que acho que influencia nessa questão é o porte da empresa e a consolidação da mesma no mercado.

 
Você que é cientista de alimentos, sente que ainda há preconceito no mercado com estes profissionais? Já passou por alguma situação deste tipo?
No início eu sentia sim, principalmente quando eu falava qual curso eu fazia. Quando eu falava: Eu sou acadêmico do curso de ciência e tecnologia de alimentos, a primeira coisa que eu ouvia era: O que é isso? “É tipo nutrição?” Ou “é tipo gastronomia?”.
Mas com relação ao profissional em si, não senti não. Acho que as empresas que procuram estes profissionais já conhecem e já sabem o que um cientista de alimentos é hábil a fazer e quais as suas competências. Acho que o preconceito pode vir apenas de pessoas desinformadas e que estão acostumadas com os cursos mais habituais, como nutrição e gastronomia.
Aproveitando o espaço, deixo a seguinte definição de cientista de alimentos, de acordo com a PLC 5486/2013.
O cientista de alimentos é o responsável, dentre outras coisas, pelo gerenciamento, responsabilidade técnica, assistência, assessoria, consultoria, elaboração de orçamento, divulgação e comercialização, no âmbito do controle, produção e análise de matérias primas, insumos e alimentos.”
“A profissão será exercida pelos graduados em curso superior de Ciência de Alimentos ou Ciência e Tecnologia de Alimentos, ou mesmo cursos similares realizados no exterior e reconhecidos pelo MEC
 

Como é a concorrência profissional na sua área?
Como o mercado de alimentos é bastante complexo e abrangente, eu diria que a concorrência é grande. As empresas buscam cada vez mais profissionais ligados à área de alimentos seja para uma consulta técnica ou até responsabilidade técnica.
Mas não é só o mercado de trabalho que é bastante concorrido, os processos seletivos, principalmente de cursos de pós-graduação são bem procurados e a concorrência é grande. Digo por experiência própria.
 

Quais são suas preocupações como jovem em relação à segurança de alimentos?
– Acho que a minha preocupação é igual a de todos os profissionais da área de alimentos, a falta de comprometimento das indústrias de alimentos com a segurança dos seus produtos. As legislações e as portarias estão aí para serem cumpridas e sabemos que não é bem assim. Acho que se não houver cobrança dos órgãos competentes, nada adianta a legislação. Obviamente existem exceções e empresas muito comprometidas com a segurança de alimentos, mas não é regra.

 

Em termos práticos, como cuida da sua segurança de alimentos?
Fazendo o básico, principalmente nos fatores relacionados a conservação dos alimentos e os cuidados com tempo x temperatura.

 Recorde outros posts do Marcelo:
Aplicativos para smartphones e tablets contribuindo para a segurança dos alimentos
Gafes na manipulação de alimentos nos programas de TV
Temperatura de segurança mínima para o cozimento dos alimentos
CDC identifica os grupos de pessoas mais suscetiveis à Listeria
Surto de Norovírus em um Cruzeiro em Sidney
Como preparar álcool 70% em casa

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Entrevista: Ana Cláudia Frota

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Ana Cláudia Frota é conhecida como “consultora dos consultores” da Flavor Food, empresa onde é sócia. Preparou mais de 30 empresas em certificação ISO 22000 no papel de consultora, de portes e segmentos diversos, além de atuação na FSSC 22000 e BRC Food. Como hoje é seu aniversário, nos concedeu esta entrevista:

Como foi que você decidiu focar a sua carreira na área de segurança de alimentos, desde o início? Era um assunto que já era do seu interesse desde o início?
Sim, desde a faculdade sempre tive o interesse pela área da qualidade, tanto que só busquei estágios nesta área. Alias, diria que meu interesse pela área é que me levou a fazer a faculdade de engenharia de alimentos. Na faculdade, adorava as aulas de ciência e tecnologia, tão importantes hoje para conhecer e dominar os diferentes processos em que atuo. Depois, conhecendo melhor o assunto, me apaixonei pelo tema segurança de alimentos. Com o tempo, meu interesse pelo segmento só aumentou. Acredito que nosso trabalho faz a diferença na prevenção de doenças que impactam diretamente na saúde de um número enorme de pessoas. Trabalho pensando na minha filha, na minha família, nos meus amigos…e para mim não há nada mais motivador do que o bem estar daqueles que eu amo. Além de acreditar na causa, consigo como consultora somar a deliciosa atividade do aprender para ensinar.

Quais foram os principais desafios que você enfrentou quando começou a trabalhar na Flavor Food?
Há 10 anos o tema segurança de alimentos não era tão divulgado e principalmente não era tão cobrado na cadeia produtiva de alimentos. As grandes e médias empresas estavam direcionadas para as implementações de Sistemas de Gestão da Qualidade, geralmente baseado na ISO 9001 e buscavam adequações nas regras de BPF. As pequenas, muitas vezes, desconheciam completamente os requisitos estatutários e regulamentares aplicáveis ao segmento. Assim, um dos principais desafios foi trabalhar a conscientização e a importância do atributo segurança dos alimentos dentro da temática qualidade, tanto na indústria como em serviço de alimentação. Nem sempre a segurança dos alimentos foi considerada um requisito intrínseco da qualidade de um alimento!
Comecei a trabalhar na Flavor Food em maio de 2003 quando a empresa tinha apenas 6 meses de fundação, era uma empresa recém criada e por este motivo também tivemos dificuldades para conquistar o nosso espaço e para mostrar a competência do nosso trabalho. Com os meses, o volume de trabalhos foi aumentando e hoje há meses do ano que não damos conta! É um orgulho poder falar que nossa principal fonte de trabalho são as indicações de clientes.

A sua experiência profissional é essencialmente voltada para a área de consultoria, mas alguma vez você teve vontade ou sentiu falta de ter uma experiência de trabalho mais direta e rotineira na indústria?
No começo de 2005 senti esta vontade, ou melhor esta necessidade de vivenciar o outro lado. Por este motivo, sai da consultoria e fui trabalhar na área da qualidade de uma empresa tendo como desafio a implementação da ISO 9001 e do APPCC segundo o Codex Alimentarius. Fiz este trabalho e assim que surgiu a oportunidade voltei para a consultoria. Gosto de ensinar, gosto de descobrir soluções para cada problema, dos desafios, da pressão e da correria da consultoria. Também gosto do fato de não haver tanta rotina,  da oportunidade de poder conhecer processos, pessoas e realidades distintas (com quanta gente interessante já pude trocar experiência!), gosto de ser constantemente desafiada (física e mentalmente), gosto de ter que estudar e fazer melhor a cada dia, me sinto grata e honrada por poder participar de tantas mudanças e de momentos importantes nos meus clientes, enfim…pelo menos nos próximos 20 anos não me vejo fazendo nenhuma outra coisa…depois quem sabe, daria aulas.

Tem alguma dica para os leitores do blog que desejam desenvolver uma carreira como consultor em segurança de alimentos?
Ser consultor em segurança de alimentos não pode ser um passatempo ou “ bico”. Isso pela complexidade, seriedade e pela importância do tema. É preciso estudar muito e sempre. As inovações da ciência e tecnologia e os contextos socioeconômicos afetam significativamente e estão em constante mudança. É preciso ter visão estratégica, além do conhecimento.  O consultor deve estar preparado para buscar soluções personalizadas para cada segmento, para cada empresa e para cada necessidade. Para isso, é preciso ter empatia, saber e querer entender as necessidades de seu cliente. E muito importante: é preciso saber se posicionar e dizer não quando preciso, mesmo quando o poder de decisão não está nas suas mãos, os riscos e potenciais consequências devem ficar claros.   

Como você vê a evolução das normas de segurança de alimentos nas últimas décadas? O que podemos esperar para os próximos anos?
O assunto de segurança de alimentos tem ganhado cada vez mais espaço na cadeia produtiva de alimentos. No Brasil, até anos atrás se falava apenas em Boas Práticas de Fabricação de uma forma bastante superficial ou direcionada para apenas uma região do país (Ex: a já revogada Portaria CVS6/99 válida apenas no estado de SP). A publicação da Resolução RDC 275/02 da Anvisa e de abrangência nacional já nos presenteou com pormenores interessantes. A partir daí vivenciamos um grande avanço no tema em termos de requisitos estatutários e regulamentares. Tivemos a publicação da NBR 14900, BRC, IFS, SQF, ISO22000, FSSC22000, entre outros esquemas específicos ou que trabalham a temática segurança dos alimentos. Hoje para uma empresa inserida na cadeia produtiva de alimentos fornecer para outra comumente é exigido que se tenha um programa ou sistema de gestão de segurança de alimentos. Nos últimos 3 anos, os esquemas reconhecidos pelo GFSI estão sendo cobrados por diversas empresas. Acredito que esta tendência será mantida para os próximos anos e que esta exigência será permeada ao longo de toda cadeia, de modo a fechar todo o ciclo de avaliação e controle.  Empresas fornecedoras de embalagens, ingredientes, aditivos e de materiais de contato serão cada vez mais inseridas neste contexto.
Recentemente foi publicado aqui no blog um relatório contendo os dados das certificações em segurança dos alimentos aqui no Brasil. Na ocasião do levantamento, haviam 251 empresas certificadas em esquemas reconhecidos pelo GFSI, número este ainda pequeno quando comparado com o número de empresas existentes.  Pode se observar uma concentração nas regiões sudeste (São Paulo, principalmente), sul e centro oeste. Ainda temos muitas oportunidades de crescimento.

 
Em termos de legislação:
a)     Se você pudesse criar uma norma ligada à segurança de alimentos para uso no Brasil, que norma você criaria?   Criaria um documento para gestão e controle de perigos químicos na cadeia produtiva de alimentos como por exemplo: alergênicos, acrilamida, 3MCPD, dioxinas, carbamatos de etila, entre outros. Também considero urgente a necessidade de um regulamento de abrangência nacional para se definir as regras de boas práticas de fabricação em indústrias de embalagem para contato em alimentos.

 b)     Se você pudesse eliminar uma norma vigente, qual seria? Por que?
Eu eliminaria normas totalmente já desatualizadas como por exemplo o Decreto 55871 de 1965! Mas faria um grande trabalho de revisão nos regulamentos que são reconhecidamente não cumpridos. Particularmente considero um absurdo a fala “ tal lei não pegou”. No entanto, muitas normas já são publicadas sem que haja um trabalho de base anterior, dificultando sua compreensão e aplicação. Outras preveem controles analíticos sem que se tenha laboratórios nacionais capacitados ou ainda desconsideram a realidade da infraestrutura de fábricas anteriores a publicação dos requisitos.  E ainda tem as que são simplesmente confusas (quem nunca se perdeu na Portaria 2914/11 ou na Resolução 42/13?).

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Dez anos de rotulagem nutricional: tendências e desafios

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A rotulagem nutricional é uma ferramenta para conhecer a composição do alimento e pode fornecer uma base para as escolhas de consumo, com reflexos na saúde.

Recentemente, o FDA ressaltou o impacto da rotulagem nutricional na diminuição do consumo de gordura trans pelos americanos: o consumo caiu pela metade em 20 anos. A redução foi atribuída à menor utilização de óleos hidrogenados na fabricação de alimentos e o FDA relata que a maior parte da redução ocorreu após a informação do teor de gordura trans ser adicionada ao rótulo dos alimentos em 2003.  

No Brasil, as normas que estabelecem a rotulagem nutricional obrigatória completam dez anos neste mês de dezembro. Para falar deste assunto, o blog entrevistou Marta de Toledo Benassi*, pesquisadora da Universidade Estadual de Londrina, com mais de 70 artigos científicos publicados nas áreas de análise química e sensorial de alimentos.

A população brasileira já incorporou a informação nutricional ao seu dia a dia?

Dez anos de rotulagem nutricional obrigatória não é um período longo, comparado ao tempo que produtores e consumidores de outros países tiveram para incorporar essa informação ao seu cotidiano. No Brasil, em cinco anos, passamos de uma primeira norma (1998) que previa rotulagem nutricional apenas para alimentos que destacavam alguma propriedade nutricional, para outra resolução (2003) com a obrigatoriedade de rotulagem nutricional para todos os alimentos e bebidas embalados. O setor produtivo brasileiro teve até 2006 para adequar os rótulos de seus produtos. Nos EUA, a rotulagem nutricional foi introduzida pelo FDA em 1973, de forma voluntária, e passou a ser obrigatória 20 anos depois (1993), mas nessa época estima-se que quase 90% dos alimentos no país já tinham declarações nutricionais no rótulo. Na Comunidade Europeia, somente a partir de uma norma regulatória proposta em 2011 e que vai entrar em vigor até 2016, a rotulagem nutricional tornou-se obrigatória.

As tabelas nutricionais dos alimentos comercializados no Brasil são confiáveis?

Existem vários trabalhos acadêmicos que fazem este tipo de avaliação, mas são pontuais na amostragem, produtos ou nutrientes avaliados. No geral, indicam muitos problemas na confiabilidade das informações da rotulagem, com alimentos apresentando teores maiores que os declarados de gordura total, gordura saturada, gordura trans e sal e menor teor de fibras.  

Na legislação de 1998, quando a rotulagem era opcional, era exigência que se reportassem dados analíticos. Quando a rotulagem passou a ser obrigatória, isso não foi mais exigido, o fabricante foi autorizado a obter dados de nutrientes por meio de cálculos teóricos baseados na fórmula do produto ou obtidos de valores de tabelas de composição de alimentos. Isso não necessariamente representa um problema, a norma europeia de 2011 é igual. O fabricante continua sendo responsável pela veracidade da informação e sabe que deve trabalhar com uma tolerância de 20% com relação aos valores de nutrientes declarados no rótulo. Essa faixa pode parecer grande para o consumidor, mas na verdade contempla a inevitável variação da composição das matérias primas e alterações no processamento, e não é fácil de ser atingida por quem não faz um controle de qualidade analítico da rotulagem de seus produtos.

Para realmente dar credibilidade à rotulagem de forma geral, essa pesquisa deveria ser feita de forma ampla e como rotina por agências reguladoras, que têm o papel de garantir essas informações.

Uma pesquisa divulgada pelo Idec em agosto de 2013 constatou que 30% das pessoas compreendem apenas parcialmente uma tabela nutricional e outras 10% compreendem nada ou muito pouco. O que pode ser feito pra facilitar esta compreensão?

Muitos trabalhos acadêmicos descrevem um panorama parecido com o citado nessa pesquisa. Uma parcela da população brasileira já tem dificuldade de compreensão de textos ou de tabelas, habilidades necessárias para aproveitar a informação da rotulagem. Por outro lado, é difícil usar uma linguagem muito simples sem distorcer informações; a informação é técnica, algum conhecimento básico é requerido para seu entendimento. O que me parece ainda mais preocupante é que a falta de interesse em entender as tabelas está muito associada a pouca credibilidade da informação oferecida. Muitos dos participantes dessas pesquisas declararam que não confiavam nos rótulos, por acreditarem que as informações são manipuladas, falsas ou colocadas como propaganda dos produtos, ou que não são fiscalizadas pelos órgãos competentes.

Campanhas de divulgação, na mídia, enfatizando a importância de se ler rótulos de alimentos em geral e da rotulagem nutricional, e o reforço dessas informações num contexto escolar e associadas ao estudo de química/biologia poderiam surtir efeito. No geral, as pessoas tem curiosidade em saber mais sobre os alimentos. É necessário despertar o interesse do consumidor e garantir que ele receba informações de qualidade.

Como a indústria pode participar deste processo?

A ABIC (Associação Brasileira da Indústria de Café) faz, desde 2003, uma pesquisa bastante abrangente sobre tendências de consumo de café pelo brasileiro, que já conta com oito edições e mais de 1600 entrevistados em cada edição, de todas as regiões do país, idades e classes sociais. Um dos pontos mais interessantes é que mais da metade dos entrevistados em 2010 relatou que já havia escutado sobre os benefícios do café à saúde e muitos conseguiam reportar informações bastante específicas e atuais como auxilio na prevenção de doenças crônicas e degenerativas e combate a radicais livres. Com certeza o brasileiro fica feliz em saber algo que o incentive a tomar café. Será que há o mesmo empenho em saber se está ingerindo mais gordura e sal que o recomendado?

As tabelas nutricionais são diferentes para cada país. Por que é tão difícil obter uma padronização e o que já existe neste sentido?

Nos últimos anos, as legislações vêm ficando mais padronizadas, tanto na exigência quanto aos nutrientes quanto na forma de expressão dos resultados (por peso/por porção). Em uma economia global, o estabelecimento de padrões de qualidade e normas técnicas comuns ocorre em função do aumento do intercâmbio comercial e devido à criação de mercados comuns, para permitir o fluxo de mercadorias entre os países parceiros. No Brasil, a legislação foi harmonizada em 2003 com a proposta para o Mercosul, na União Europeia houve uma readequação no mesmo sentido em 2011. Pode-se observar na nossa tabela, por exemplo, a necessidade de declarar o valor energético não apenas em kcal como também em kJ, unidade não usual no Brasil, mas que pode ser relevante se o objetivo for exportar.

Essa busca por padronização também vem ocorrendo em outras frentes, como na área de análise da composição de alimentos, que tem uma correlação direta com a qualidade da informação oferecida pela rotulagem nutricional. Há 30 anos, não havia padronização de metodologias e os dados das tabelas de composição de diferentes países eram extremamente discrepantes. Em 1984, foi estabelecido o programa mundial INFOODS (International Network of Food Data Systems) com o objetivo de melhorar a qualidade e a disponibilidade de dados de composição de alimentos em todo o mundo. Hoje o Brasil conta com dois importantes bancos de dados/tabelas de composição brasileiras, da USP e NEPA/UNICAMP, com disponibilidade de acesso total e nossos dados tem sido incorporados em tabelas mais abrangentes, como a da FAO. Assim, hoje não só o formato da rotulagem está mais padronizado, mas provavelmente as informações estão sendo obtidas por métodos similares.

Quais os principais desafios que a rotulagem nutricional enfrenta atualmente?

Como inovações e novas informações vão aparecendo continuamente, o desafio para a rotulagem de alimentos é que ela se mantenha dinâmica para incorporar adequada e rapidamente conhecimentos na área da alimentação e nutrição humana. É o caso da explicitação de componentes potencialmente alergênicos a grupos populacionais específicos. Temos um bom exemplo disso na nossa legislação com o glúten. Que outros mais poderiam ser necessários?

Achei bastante interessante que na discussão sobre rotulagem nutricional feita em 2011 na União Europeia, já se descreve o conceito de um nanomaterial artificial: “material intencionalmente produzido com dimensões da ordem de 100 nm com propriedades características da nanoescala incluindo as que estão relacionadas com a grande área de superfície específica dos materiais e/ou propriedades físico-químicas específicas que divergem das da não-nanoforma do mesmo material…”. Em 2012, numa Feira Europeia de Ingredientes Saudáveis, o prêmio de inovação do ano foi dado para o produto SODA-LO™ Salt Microspheres (Tate & Lyle), ingrediente para redução de sal, composto por esferas cristalinas nanoestruturadas de NaCl que promovem o sabor salgado a baixas concentrações. Nesse caso temos um ingrediente usual (sal), num formato diferenciado, mas que poderia ser rotulado da mesma forma, mas e nos casos em que isso não for possível?

No Reino Unido, a Agência de Controle de Alimentos propôs o uso do Semáforo Nutricional como meio de facilitar o uso das informações nutricionais pelos consumidores. A ideia é incluir na parte frontal das embalagens um semáforo com as indicações: verde para nutrientes em baixas quantidades, amarelo para aqueles que estão em quantidades medianas e vermelho para os que aparecem em quantidades altas. O que acha desta proposta? 

É uma comprovação de que conseguir que o consumidor entenda a rotulagem nutricional não é um desafio só no Brasil, é mundial.

O semáforo é um modelo simples e interessante, com certeza facilita o entendimento, mas não tenho ideia de como o consumidor brasileiro reagiria. Tenho medo da simplificação excessiva, simplesmente concluir que o verde é bom e o vermelho perigoso pode não ser a melhor opção. Qual vai ser o critério para definir se um determinado componente do alimento deve ser designado como alto, médio ou baixo? Ninguém come um só produto, o conjunto da dieta é que define se alguém tem uma alimentação saudável. Sinal verde para um consumidor menos informado pode dar uma falsa sensação de segurança. O consumo de vários produtos com sinal verde de um nutriente que deve ser consumido em baixas quantidades não necessariamente resulta numa dieta com teores inexpressivos desse nutriente.

Pessoalmente acho que visualizar os dados dos Valores Diários de Referência por porção é uma informação mais completa, quem sabe a associação dos dois modelos poderia ser o mais interessante. Atualmente uma série de outras propostas estão em discussão. A questão é alterar um sistema, que mesmo com os citados problemas de entendimento, após 20 ou 30 anos já está implantado em escala mundial, de forma razoavelmente padronizada. Isso requer um tempo considerável e provavelmente uma “briga” com muitas empresas de alimentos que não vão gostar de associar seus produtos a um sinal vermelho.

No entanto, independentemente do formato adotado, o mais importante é qualificar minimamente o consumidor para o uso da informação nutricional e convencê-lo da sua credibilidade, e que ela pode ser estratégica para manutenção da sua saúde, contribuindo na redução dos índices de obesidade, deficiências nutricionais e doenças crônicas associadas a uma dieta inadequada.

*Marta de Toledo Benassi é engenheira de alimentos pela Unicamp, com mestrado e doutorado em Ciência de Alimentos também pela Unicamp. É professora e pesquisadora na Universidade Estadual de Londrina, onde orienta alunos de mestrado e doutorado. 

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Entrevista: políticas de alergênicos para a indústria de alimentos

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Hoje é aniversário da nossa colunista Cecília Cury, e ela pediu de presente uma entrevista com Fernando Ubarana, que tem experiência em gestão de alergênicos tanto como auditor quanto gestor de uma multinacional de alimentos.

Você também, acaba dividindo o presente!

Como poderíamos viabilizar a aprovação de normas sobre rotulagem de alérgenos no Brasil e como incluir a rotulagem preventiva?
  Essa é uma necessidade antiga e tanto consumidores quanto indústria são afetados negativamente pela falta de uma regulamentação clara sobre o tema.  Em função disso, entendo que essa pressão deve vir de todos os lados, não só de associações e de entidades de defesa do consumidor, mas também da própria indústria. Quanto à maneira de se incluir a rotulagem preventiva, existe muita polêmica a respeito. Pessoalmente, sou partidário de se evitar frases dúbias do tipo “pode conter…’”.Acho que um claro CONTÉM…”, seguido do alérgeno em questão,  com exatamente o mesmo destaque do alerta de glúten, seria o mais adequado. Mas sempre aplicando o princípio de que o alerta de rotul agem é o último recurso. A indústria deveria  esgotar todas as alternativas possíveis para se evitar a potencial contaminação cruzada através de matérias-primas, ambiente de trabalho ou equipamentos antes de utilizar a rotulagem preventiva. Nesse sentido, acho que a legislação devia ir mais além, incluindo não só os aspectos de rotulagem, mais também um maior detalhamento dos cuidados preventivos quanto a alergênicos a serem utilizados pela indústria, associados às normas de Boas Práticas de Fabricação.

Para as empresas que já adotam boas práticas no tocante ao manejo de alérgenos no exterior, qual a dificuldade de se aplicar, no Brasil, aquilo que já se adota há anos nos EUA, Canadá, Europa, por exemplo, destacando a presença de alérgenos? No tocante à rotulagem preventiva, por que algumas empresas elegem rotular leite, amendoim e oleaginosas, mas deixam de controlar a presença de outros alérgenos, como soja e ovo, cuja prevalência de alergia, no Brasil, é maior?
A principal dificuldade está na falta de informação a respeito do tema. Muitas vezes é difícil demonstrar aos diferentes níveis de uma organização, passando por operadores, chefias até a alta direção, que esse é um perigo muito crítico e mesmo mortal para uma parcela crescente da população. Então, o primeiro passo deve ser a sensibilização. Trazer palestrar de especialistas da área médica alertando sobre a gravidade do problema, pode ser um bom começo para a implementação de um programa de prevenção e controle de alérgenos. Teoricamente, todos os alérgenos citados (amendoim, leite,  ovos, soja e outras oleaginosas) deveriam ter o mesmo nível de controle por parte das empresas, pois todos encontram-se na relação do Codex Alimentarius (para falar de um exemplo de referência mais básico). Mas de fato, muitas vezes já presenciei empresas  locais com uma preocupação maior com a contaminação cruzada com o amendoim, por exemplo, que é um alérgeno de forte prevalência em países como os Estados Unidos, em detrimento de outros mais críticos para a população local, em função do direcionamento de requisitos corporativos externos ou de clientes. O ideal  é tratar todos os grandes alérgenos com o mesmo rigor dentro dos programas de BPF e APPCC.

Como as empresas de grande porte lidam com a falta de comunicação interna entre produção, marketing, qualidade e SAC? Questiono isso baseada em um dado concreto: em 22/10, o SAC de uma empresa X repassou lista produtos sem leite (com data de março de 2013, frise-se), indicando que um dado produto XPTO seria livre de leite, ignorando que a formulação foi alterada em outubro, passando a conter leite dentre os ingredientes. Você não acha que esta conduta expõe a empresa, mesmo que haja a informação, neste mesmo arquivo, que a empresa pode “modificar as informações constantes nas nossas embalagens ou mesmo a composição dos produtos” e que, assim, o consumidor deve verificar “com atenção as informações constantes no rótulo, assim como a relação dos ingredientes”? Qual seria sua sugestão para que o SAC pudesse acompanhar o ritmo das demais áreas?
 Essa é ótima pergunta. Na medida em que as organizações se tornam mais complexas e segmentadas, maiores são os desafios referentes à comunicação interna para a segurança de alimentos. Todas os princípios e as ferramentas de gestão devem ser aplicados para se buscar uma comunicação interna efetiva. Incluo aqui o gerenciamento de mudanças, as auditorias internas, as ações corretivas, e outras mas, principalmente, uma clara definição de responsabilidades e autoridades com relação à segurança de alimentos e a  definição de competências mínimas para todas as funções que de alguma maneira possam afetar a segurança de alimentos. A Norma ISO 22000 traz um requisito, dentro de competê ncia de pessoal, que acho muito interessante e ao mesmo tempo importantíssimo. Ele estabelece que “ a organização deve assegurar que os requisitos para comunicação eficaz são compreendidos por todo o pessoal cujas atividades afetam a segurança dos alimentos”. Se estendermos esse conceito de maneira efetiva não só às áreas ligados à manufatura, mas também a outros processos, que também afetam segurança de alimentos, como marketing, comercial, relacionamento com o consumidor, compras, etc., estaremos dando um grande passo nesse sentido. Mas certamente isso não é fácil.

Qual sua opinião sobre possível contaminação cruzada na lavoura, por rotação de plantação (aveia/trigo, soja/milho)? 

Trata-se de um perigo que não deve ser negligenciado, não só na lavoura em si, mas em toda a cadeia primária, incluindo armazenamento, transporte e beneficiamento. Já me deparei com claras situações de contaminação cruzada em empresas beneficiadoras ou armazenadora de grãos como soja  em trigo ou amendoim em soja.  A extensão desse problema ainda é pouco conhecida e o ideal é que no futuro os protocolas vigentes de Boas Práticas Agrícolas passem a incorporar requisitos preventivos nesse sentido.

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Entrevista: Fernando Ubarana

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Fernando Ubarana construiu grande parte de sua carreira como auditor de segurança de alimentos nas normas mais exigentes de alimentos, incluindo a líder de mercado, FSSC 22000, BRC e outros protocolos. Também fez história como importante formador auditores  de todo o país. É um dos autores do livro “Implementação de Sistemas da Qualidade e Segurança de Alimentos“. Em passado recente, ele se mudou para uma multinacional líder em vários segmentos onde é gestor  nacional de segurança de alimentos. Nossos colunistas direcionaram questões de elevado teor técnico para este profissional que faz aniversário hoje!

Qual é a sua opinião sobre o gerenciamento de perigos químicos no Brasil, podendo-se exemplificar desde os mais familiares como pesticidas até aqueles para alguns desconhecidos como a acrilamida, 3-MCPD, dioxinas, carbamatos de etila? Você acredita que em outros países a situação é diferente?
Quando se fala em perigos químicos a conclusão é a de que certamente ainda temos muito a evoluir! As dificuldades são variadas. No caso de pesticidas provenientes de matérias-primas agrícolas, por exemplo, acompanhamos os resultados do Programa de Monitoramento de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos divulgado pela ANVISA, que apontam 36% de resultados insatisfatórios em amostras em 2011 e 29% em 2012. Teoricamente, esse é um perigo “gerenciável”, mas ainda carecemos de uma regulamentação consistente de Boas Práticas Agrícolas no país, de um maior controle na comercialização e uso de pesticidas e de um trabalho mais preventivo de conscientização do produtor. Entendo que fatores a complexidade da cadeia produtiva no Brasil, a extensão territorial e o baixo nível educacional no campo ainda são obstáculos, mas não impedem o estabelecimento de políticas preventivas mais eficazes. Há também casos, como o do carbamato de etila em bebidas destiladas, em que há uma regulamentação clara, mas a mesma não é cumprida por uma parcela significativa dos produtores sem ações específicas por parte dos organismos fiscalizadores. E, finalmente, há os perigos cuja complexidade de gerenciamento, seja pela falta de regulamentos mais específicos, seja pela falta de conhecimento, dificulta bastante um controle mais efetivo como é o caso das acrilamidas.  Essas dificuldades no gerenciamento de perigos químicos têm um impacto direto nas organizações da cadeia de alimentos, principalmente pequenas e médias, incluindo indústrias e serviços de alimentação, seja pelos altos custos analíticos ou seja pela impossibilidade de gerenciar de maneira efetiva alguns contaminantes. Imagine, por exemplo, a dificuldade enfrentada por uma rede de serviços de alimentação para controlar ou prevenir adequadamente os perigos de agrotóxicos em produtos hortifrúti adquiridos.

Qual é a saída para as empresas que comercializam produtos para trading fazer um bom levantamento de requisitos legais, já que não são responsáveis diretamente pela introdução do produto nos diferentes mercados? Até onde vai a responsabilidade de cada elo da cadeia produtiva?
Uma alternativa é a contratação de empresas especializadas em levantamento de requisitos legais dos países de destino. Já presenciei este tipo de controle em grandes empresas exportadoras (café por exemplo) com um bom resultado. Eu diria que essa é uma situação  ideal, porém bastante onerosa. Uma saída encontrada por muitas empresas é especificar claramente as características biológicas , químicas e físicas de seus produtos relacionadas a segurança de alimentos de acordo com a legislação local do país de produção, Codex Alimentarius e/ou mercados mais tradicionais como Europa e Estados Unidos e submeter ao cliente externo (que em teoria domina a legislação local) para aceite, solicitando ainda ao mesmo as legislações a que o produto deve atender. É uma maneira de dividir a responsabilidade com quem irá comercializar o produto no país de destino, através de uma clara comunicação externa.  Adicionalmente a comunicação interna deve funcionar muito bem para que essas informações sejam usadas na atualização do sistema de gestão da segurança de alimentos da organização.

A legislação brasileira (RDC 20/07) proíbe o uso de aço carbono sem revestimento como superfície de contato direto com alimentos. Na sua opinião como gerenciar a realidade de parques fabris antigos ou a falta de opção no mercado de equipamentos de materiais adequados a um custo viável? Dependendo do segmento, sequer há a opção de equipamentos com material alternativo (Ex: alimentos com alto teor de gordura, os fornecedores de equipamentos alegam que este componente evitaria a oxidação do material).
Quando se avalia as legislações de equipamentos metálicos, plásticos e elastoméricos em contato com alimentos um pouco mais a fundo percebe-se que as indústrias em geral têm uma grande dificuldade para estarem em completa conformidade com as mesmas. Vamos pensar em dois exemplos: no caso da Resolução 20 de 22 de março de 2007, relativa a embalagens equipamentos metálicos em contato com alimentos, deve-se assegurar além do atendimento às listas positivas, o que está relacionado ao exemplo dado, também o atendimento aos limites máximos de impurezas relacionadas a chumbo, arsênio, cádmio, mercúrio, antimônio e cobre, previstos pela regulamentação. Isso é relativamente fácil de ser demonstrado para embalagens mas quanto a equipamentos muitas vezes é impossível. Outro exemplo: imagine que no caso de esteiras plásticas ou elastoméricas pigmentadas para contato com alimentos deve-se atender, além de uma série de legislações específicas relativas a lista positiva e migração também à Resolução RDC 52 de 26 de novembro de 2011, relativa aos corantes usados em embalagens e equipamentos plásticos destinados a entrar em contato com alimentos. Também nesse caso, boa parte dos fabricantes de equipamentos não está preparada para fornecer esse tipo de informação. O que temos muitas vezes são às certificações internacionais como NSF ou atendimento aos critérios da FDA. Isso ajuda a demonstrar que os materiais são seguros, mais ainda não asseguram o completo atendimento à legislação local. A ação mais imediata que a indústria pode tomar é assegurar, apesar da falta de demonstração de que os equipamentos estão em completa conformidade com a legislação, o máximo de evidências da inocuidade destes equipamentos e também que os produtos encontram-se dentro dos limites de contaminantes químicos através de um plano consistente de análises de verificação de seus produtos.

Quais são os maiores desafios em se manter um SGSA implementado, efetivo e atualizado na visão de quem gerencia fábricas de processos e tecnologias tão distintos?

O maior desafio ainda é manter as pessoas conscientizadas sobre a importância de se ter um sistema de gestão de segurança de alimentos atualizado e melhorado continuamente.  O HACCP é uma ferramenta muito útil, mas muita gente ainda tem a visão de que ele é um conjunto de documentos que está lá para ser mostrado em uma auditoria. Certa vez ouvi uma frase que achei muito interessante: “no HACCP, uma implementação perfeita é mais importante do que uma documentação perfeita”. E essa implementação perfeita depende de muitos fatores como provisão de  recursos, comprometimento da alta direção, adequado gerenciamento de mudanças e, principalmente, de profissionais capacitados e motivados para a segurança de alimentos a todo o momento. 

 Como foi a transição dos papéis de auditor (aquele que só avalia de acordo com o critério estabelecido) para o de responsável pelo suporte tantos universos divididos em fábricas   de segmentos, estruturas e contextos bastante diferentes?
Uma das diferenças é que parei de ouvir a pergunta: “Mas você trabalha ou só faz auditorias?”. Brincadeiras a parte, o trabalho de auditor muitas vezes é visto erroneamente como “fácil”, consistindo em simplesmente em se levantar não conformidades para serem resolvidas pelas organizações auditadas. Mas trata-se de fato de uma atividade que exige grande preparo e qualificação, em função da responsabilidade envolvida. A partir do momento que se emite um parecer sobre a conformidade de um sistema de gestão de segurança de alimentos, se está atestando publicamente que uma organização gerencia adequadamente os perigos à segurança de alimentos inerentes a seus produtos e processos. Do outro lado, está a organização pertencente à cadeia produtiva, com a responsabilidade de fornecer alimentos seguros ao consumidor. A conclusão é de que, os papéis são outros, mas que o grau de responsabilidade perante a segurança do consumidor é o mesmo. É função tanto dos organismos de certificação e acreditação quanto da indústria manter a credibilidade das certificações em segurança de alimentos, para que continuem sendo uma referência para o mercado. Portanto, a satisfação de ter uma participação, pequena que seja, nesse árduo trabalho de tentar salvaguardar a saúde do consumidor é a mesma.

 

 

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