A manutenção dos padrões internos de qualidade e segurança dos alimentos faz parte de nossa rotina, porém, como garantir a continuidade destes padrões fora de nossas instalações? Em um Brasil com clima predominantemente tropical, você já analisou a verdadeira viagem que seu alimento percorre até o consumidor final e quanto ele está preparado para suportar todas as variáveis das localidades nas quais é comercializado?
Aqui não vamos falar da cadeia de refrigerados e congelados, também denominada pelo setor de transporte como “logística de temperatura controlada”. Esta sistemática já é bem mais madura e consolidada.
Estou me referindo à cadeia de alimentos secos, como produtos de panificação, biscoitos das mais diversas composições (recheados, amanteigados, com ou sem cobertura), massas e produtos já prontos para o consumo. Estes são denominados como cadeia de secos ou sob temperatura controlada. Geralmente são estáveis em temperaturas amenas (15-25°C), porém requerem uma adequada preservação para que estejam com suas características físico-químicas, microbiológicas e sensoriais conformes até o consumo.
Nossa logística nacional é feita, predominantemente, por rodovias, sendo que há vários tipos de transporte utilizados para alimentos destas categorias. As variáveis de logística começam com a escolha da carroceria, que pode ser:
- Sider – Estrutura em metal com vedação em lonas retráteis, por vezes e dependendo do produto, adicionalmente isolada com placas de madeirite. Permite um fluxo de ar interno, mantendo temperatura mais amena. Tende a movimentar-se se não for bem amarrada e isolada. Esta movimentação pode ocasionar desgastes que podem causar fissuras e rasgos nas lonas, necessitando de maior atenção a desgastes naturais ou ocasionados por atrito, que podem permitir a entrada de água da chuva e umidade.
- Furgões – Estrutura e vedação 100% metálica, alguns confeccionados tipo sanduiche ou somente por folhas simples em alumínio. Tendem a ter temperaturas internas mais elevadas. Se não são climatizados, passam dos 50ºC no verão e não permitem trocas de calor. São muito estanques e possuem boa proteção contra pragas.
Além da escolha do caminhão, a segunda variável é o tipo de frete contratado. Normalmente, esta seleção ocorre no momento da venda do produto e depende dos acordos comerciais que a empresa realiza.
O frete pode ser CIF – Cost, Insurance and Freight. Neste formato, o vendedor é responsável pela logística da mercadoria. Normalmente nestes casos, são selecionadas transportadoras exclusivas ou até uma frota interna preparada.
O frete também pode ser FOB – Free on Board, quando o comprador é responsável pela logística da mercadoria, sendo imprescindível neste caso, orientar o comprador por meio de um contrato sobre as condições ideais de transporte para se precaver de surpresas.
Definidas as variáveis supracitadas e a escolha pelo melhor método de transporte, passamos aos controles da fábrica, onde se dará o processo de carregamento. Nesta etapa é essencial – e bastante primário – que o caminhão seja inspecionado quanto às condições de limpeza, vedação, presença de odores e materiais estranhos. Uma boa dica é, quando se tratar de caminhões de frota não exclusiva, questionar quais foram os dois últimos produtos/itens transportados.
É importante conhecer as diversas variáveis da logística da sua empresa. Transportes diretos, onde o produto é expedido e diretamente entregue ao cliente, são os ideais. A homologação de transportadora, controle de higienização, lacre da carga até o destino, inspeção e fumigação dão boas garantias. Tenha controle da validade destas informações.
Tome cuidado com cargas mistas, de transportadoras que realizam o carregamento de vários produtos, não somente alimentícios. Estas merecem muita atenção, pois há risco de contaminações químicas, até por produtos não alimentícios e também podem ocorrer danos físicos aos alimentos.
Cargas com transbordo são as mais suscetíveis a problemas. Os transbordos ocorrem quando há transferência da carga, ou seja, troca de meio de transporte até o destino. As transferências nem sempre ocorrem sob boas condições, há transbordos feitos em beira de estrada, postos de gasolina, sob chuva, com cargas mistas de produtos não alimentícios… tenho certeza de que você já viu isso por aí.
Como meio de melhorar o conhecimento e assegurar um melhor cumprimento de normas, insira observações nas notas fiscais, indicando recomendações de temperatura de transporte e armazenamento. Coloque informativos com recomendações de transporte e armazenamento junto com a nota fiscal, mantenha sua caixa de embarque com todas as informações necessárias.
Dentro de casa, procure sempre analisar suas reclamações, não somente por motivo, procedência ou outras variáveis internas, mas também por região. Considere todas as variáveis logísticas até o ponto de venda. Muitas vezes, um número elevado de reclamações de produto por sabor alterado, ranço, esbranquiçamento, derretimento, quebra, em regiões específicas, pode ter como causa raiz a sistemática de logística.
Faça testes de transporte regularmente, considerando as condições climáticas das diversas regiões que você atende, as formulações de seus produtos e as estruturas de embalagem.
Por fim, mais uma dica: treine sua equipe comercial e de logística em requisitos de qualidade. Isto é fundamental para eles compreenderem as condições ideais. Reserve um tempo para visitar alguns clientes, entender o mercado e pensar fora da fábrica no que você precisa melhorar internamente para evitar um determinado defeito. Pode ser uma caixa mais reforçada, novas estruturas de embalagem, adição ou melhoria de conservantes, tudo isso precisa ser pensado e avaliado, sempre, de maneira multidisciplinar.
Você pode achar que isso não é trabalho da Qualidade, mas com certeza ajudará e muito na sua percepção e nas tratativas de reclamações, afinal de contas é a sua marca que está em jogo. Evitar consequências negativas depois de todos os cuidados que foram tomados dentro das instalações traz muitos benefícios para a empresa e garante bons negócios e a satisfação de seus consumidores.
Cristiane Cavinato Martini é tecnóloga em Química, com especializações em qualidade, segurança dos alimentos, inovação e meio ambiente. Atua em indústrias de alimentos há mais de 2o anos, com implantação e manutenção de programas de qualidade e segurança dos alimentos, certificações e gestão ambiental.
Imagem gerada por IA
4 min leituraA manutenção dos padrões internos de qualidade e segurança dos alimentos faz parte de nossa rotina, porém, como garantir a continuidade destes padrões fora de nossas instalações? Em um Brasil com […]