No Japão, o peixe baiacu, chamado de fugu, é considerado uma iguaria sofisticada e seu consumo remonta há mais de mil anos, mas foi durante a era Meiji (1868-1912) que o prato ganhou popularidade e se tornou tradicional. Não é incomum ver também fugu em cardápios na China e na Coreia do Sul.
Baiacu-tigre. Fonte: Shutterstock/Reprodução
A espécie de baiacu mais consumida no Japão é o baiacu-tigre (Takifugu rubripes), considerada a mais apreciada na culinária japonesa devido ao seu sabor delicado e textura firme, e além disso, a carne do fugu contém ácido glutâmico e ácido inosínico e, como resultado, tem mais umami do que qualquer outro peixe de carne branca.
Por um período foi proibido o consumo de fugu no Japão, porque muitas pessoas morriam ao consumi-lo sem preparações adequadas, mas apesar da proibição, seu consumo nunca foi banido, justamente por ser um peixe tradicional para o preparo de sashimis sofisticados.
Hirobumi Ito, o primeiro primeiro-ministro do Japão na era Meiji, ao visitar a província de Yamaguchi, no final do século XIX, experimentou o peixe durante uma visita à região e gostou tanto que revogou a proibição, permitindo que restaurantes especializados servissem fugu, desde que fossem preparados por chefs devidamente treinados.
A decisão do primeiro-ministro abriu caminho para que o fugu se tornasse uma tradição gastronômica no Japão, um prato apreciado até os dias de hoje.
A maior parte do fugu no Japão é consumida em Osaka, no oeste do Japão, a principal área de produção e, assim, o fugu está disponível na região a um preço acessível, como uma iguaria popular.
Efeitos da tetrodotoxina no organismo
O perigo do consumo de fugu se deve a toxina tetrodotoxina (TTx), uma neurotoxina extremamente potente que é encontrada nas gônadas, fígado, pele e outros tecidos viscerais do baiacu. Como comparação, essa toxina é cerca de 100 vezes mais letal que o cianeto de potássio.
A TTx é termoestável, ou seja, não sofre ação pela cocção ou congelamento, sendo seu nível sazonal, e as maiores concentrações são encontradas nas fêmeas em época reprodutiva.
A toxina atua bloqueando os receptores de sódio, impedindo a despolarização e a propagação do potencial de ação nas células nervosas. Esta ação ocorre nos nervos periféricos motores, sensoriais e autonômicos, tendo ainda ação depressora no centro respiratório e vasomotor do tronco encefálico.
Sintomas da ação da tetrodotoxina
Sintomas iniciais (10 – 45 minutos após ingestão) | Sintomas intermediários | Sintomas graves |
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A intoxicação por tetrodotoxina não tem antídoto específico. O tratamento é apenas por controle de sintomas, incluindo ventilação mecânica em casos de insuficiência respiratória até que o corpo elimine a toxina naturalmente, o que pode levar várias horas.
Anualmente, o Japão registra entre 20 e 50 casos de intoxicação por fugu por ano. A taxa de mortalidade varia conforme o período analisado: há 20 anos atrás estava em torno de 6%, mas houve uma redução e atualmente gira em torno de 3%, justamente devido à conscientização sobre os riscos associados e às regulamentações mais rigorosas para liberação de certificação para chefs.
Treinamento rigoroso para preparo do fugu
No Japão, apenas chefs certificados podem preparar o fugu. Para tanto, passam por um treinamento rigoroso e provas para garantir que saibam remover as partes venenosas do baiacu com segurança.
O fugu pode ser preparado em fatias finas, cru ou cozido, sendo que o sashimi de fugu é servido com molho ponzu, rabanete daikon ralado, wasabi, laranja amarga ou frutas cítricas sudachi.
A técnica tradicional de preparo consiste em fatiar o fugu tão fino que as fatias se tornam translúcidas, prato chamado de usuzukuri.
Os chefs que desejam se especializar para preparar e servir o fugu precisam obter uma certificação, cujo processo requer um treinamento com duração de dois a três anos, incluindo estudo teórico e prático, com uma prova ao final que contempla três etapas:
- Prova teórica: Conhecimento sobre as espécies de fugu, anatomia e toxicidade;
- Teste prático: Habilidade de remover corretamente as partes tóxicas do peixe;
- Degustação final: O próprio chef deve provar seu próprio fugu preparado, garantindo que o processo foi realizado corretamente.
Apenas os chefs que passam nesses testes recebem licença para preparar e servir fugu em restaurantes certificados.
Principais instituições de treinamento de fugu no Japão
- Escritório de Bem-Estar Social e Saúde Pública de Tóquio: Órgão responsável pela regulamentação da certificação em Tóquio, encarregado da supervisão de exames e licenciamento de chefs especializados em fugu.
- Associação Osaka Fugu: Associação que regula e certifica o preparo do fugu em Osaka, uma das cidades onde o peixe é mais consumido e que oferece treinamentos, exames e certificações para restaurantes e chefs.
- Associação Fugu do Japão: Associação nacional que promove padrões de segurança e consumo de fugu e atua na fiscalização e educação de profissionais do setor gastronômico.
- Escola de Culinária de Tóquio: Uma das principais escolas de culinária de Tóquio que oferece cursos para chefs com o propósito de licença para preparar fugu .
Consumo de baiacu no Brasil
Existem pelo menos 20 espécies de baiacu no Brasil, algumas com maior concentração de TTx, outras com menos. As espécies mais comuns encontradas no litoral brasileiro são o baiacu-arara (Lagocephalus sp) e o baiacu-pintado (Sphoeroides sp).
No Brasil há poucos dados registrados sobre casos de intoxicação pelo consumo de baiacu, em parte pelas subnotificações, e em parte, por não ser um peixe tão tradicional na culinária brasileira. Mas há relatos:
- JS, uma criança de 1 ano e 11 meses de idade, em 2010, no distrito de São Lourenço, município de Goiana, Estado de Pernambuco, ingeriu as vísceras de baiacu (Sphoeroides testudineus) com batata doce preparadas pela avó, foi levada para o hospital após sintomas de sudorese fria, fraqueza muscular progressiva, até parada cardiorrespiratória e morte;
- Magno Sérgio Gomes, um homem de 46 anos, em 2024, em Aracruz, no norte do Espírito Santo, ingeriu o baiacu, ficou mais de um mês internado, não resistiu e morreu;
- Luis Carlos Fonseca, Elinete Fonseca e Antônio Denilde, todos da mesma família, em 2024, na Vila Alto Pindorama, em Salinópolis, no nordeste do Pará, ingeriram baiacu e morreram.
O consumo de baiacu pode ser fatal e requer preparo apropriado, que consiste na remoção precisa das partes onde a toxina se encontra no peixe, e também, deve-se evitar que, durante a manipulação, a toxina contamine outras partes. Na dúvida, sem a certeza de saber como proceder a limpeza e preparo do baiacu, seu consumo deve ser evitado.
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