6 min leitura
0

Desmistificando a utilização de métodos rápidos na detecção de patógenos: o que dizem as normativas

6 min leitura

Em um mundo cada dia mais globalizado, em que cadeias de suprimentos estão conectadas e que despesas logísticas representam uma grande fatia dos custos finais dos alimentos, os gestores da qualidade e os profissionais de Food Safety precisam tomar decisões rápidas e sempre com muita segurança. Quando o assunto é detecção de patógenos, mais que apenas uma questão “de negócios”, a assertividade e a rapidez na entrega do resultado são essenciais para a segurança e a saúde do consumidor.

Entretanto, os métodos clássicos de microbiologia e suas técnicas, apesar de sua singularidade e confiabilidade, são compostos por inúmeras etapas que demandam muitos dias até que seja possível obter um resultado confirmado1. Para detecção de Salmonella, por exemplo, um dos principais patógenos de preocupação da indústria, utilizando o método tradicional ISO 6579:2017, a liberação de uma análise apenas será realizada entre 5 e 7 dias2.

Nesse sentido, os métodos rápidos alternativos surgiram como uma contraposição aos métodos tradicionais, com a finalidade de trazer rapidez para o diagnóstico de micro-organismos patogênicos. Hoje, existem diferentes metodologias fundamentadas em métodos moleculares, imunológicos ou até mesmo técnicas de cultivo aprimoradas, que oferecem não só redução de tempo, mas trazem facilidade e tornam o laboratório de microbiologia mais otimizado3.

Porém, algumas dúvidas ainda pairam na cabeça de muitos microbiologistas no momento de mudar de uma metodologia tradicional para uma alternativa: afinal, métodos alternativos rápidos podem ser aplicados para qualquer análise e em qualquer indústria de alimentos? O que a legislação e órgãos reguladores falam sobre isso? Como escolher uma metodologia e como é feita a implementação correta desses métodos na rotina?

O que dizem as normativas

Para responder a essas e a outras questões, o primeiro passo é entender a atuação dos dois principais órgãos reguladores em alimentos: MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) e ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ligada ao Ministério da Saúde), e o que eles dizem sobre o monitoramento microbiológico.

De maneira resumida, a ANVISA atua em toda a cadeia produtiva de alimentos e, por meio da RDC 331 e da IN 60, ambas de 2020, estabelece e monitora padrões microbiológicos em produtos prontos para o consumidor – de origem animal ou não. Segundo este órgão, para o monitoramento microbiológico (não só de patógenos, mas também de deteriorantes) permite-se às indústrias a utilização de métodos alternativos em todas as análises, desde que eles demonstrem, ao menos, equivalência analítica em relação aos métodos tradicionais, comprovadas por meio de estudo de validação ISO 16.140-2 ou outra de reconhecimento internacional4,5.

Já o MAPA – cujas competências incluem a fiscalização de produtos exclusivamente de origem animal, bebidas em geral e vegetais in natura – de forma um pouco mais restrita, concede autorização apenas para a aplicação de métodos reconhecidos e realizados por laboratórios credenciados quando se trata de análises oficiais. Entretanto, recentemente o órgão emitiu, através do Ofício Circular n°436, documento afirmando que as indústrias devem realizar monitoramento da qualidade de todo o seu processo produtivo, matérias-primas e produtos de origem animal, através de “programas de autocontrole”, fazendo uso de métodos com reconhecimento técnico e científico comprovados, e garantindo evidências auditáveis que comprovem a realização dos ensaios e efetividade do monitoramento. Em outras palavras, isso quer dizer que na visão do MAPA, para as análises internas, de controle, é permitido usar métodos rápidos reconhecidos internacionalmente.

Como escolher o método

Seja para a ANVISA ou para o MAPA, quaisquer métodos utilizados devem possuir comprovação técnica. Isso quer dizer que, independentemente do fabricante ou do tipo de teste, o método escolhido deve obrigatoriamente ter sido submetido a um amplo estudo de validação, preferencialmente interlaboratorial, conduzido por uma entidade terceira, que comprove o desempenho do método em questão em relação ao de referência. Existem diferentes protocolos para esse tipo de estudo de validação, os quais incluem os estabelecidos por organizações como BAM/FDA (Bacterial Analytical Manual/U.S Food & Drug Administration), AOAC (Association of Official Analytical Chemists) e o mais usual no Brasil, a ISO (International Organization for Standardization). Importante pontuar que todo esse (trabalhoso) processo é feito pelo próprio fabricante ou proponente do método e, excetuando os casos em que ocorra uma mudança essencial, só é realizado uma única vez7.

Uma dica valiosa é solicitar esses relatórios aos fabricantes e ir a fundo nas leituras. Esses documentos trazem informações importantíssimas como sensibilidade, robustez e especificidade do método. Retomando o exemplo da detecção de Salmonella e levando em consideração que esse gênero é composto por mais de 2.500 sorotipos diferentes8, em casos em que haja a necessidade de detectar um sorovar específico, por exemplo, faz-se necessário confirmar se, de fato, ele foi incluído na validação e se o método é capaz de recuperá-lo.

Portanto, desde que a metodologia escolhida atenda a essas premissas, os demais critérios são facilidade de utilização, custo-benefício, tempo de resposta e compatibilidade entre a estrutura física e de pessoal do laboratório com o método.

Como implementar o método

Na contramão do que muitos acreditam, ao laboratório que escolher utilizar algum tipo de metodologia analítica alternativa, seja ela baseada em kits comerciais prontos ou não, cabe apenas a realização de uma “verificação de implementação”. Isso não passa de uma simples bateria de testes para atestar que o desempenho do método aplicado à rotina e executado pela equipe de cada um dos laboratórios é equivalente àquela encontrada no estudo oficial de validação.

Os procedimentos detalhados deste tipo de verificação normalmente são descritos nas próprias normas ou manuais da BAM, AOAC, dentre outros. Na parte 3 da série ISO 16140:2014, por exemplo, são detalhados diversos tipos de protocolos que podem ser aplicados para essa finalidade. Em alguns casos, a simples realização de sete replicatas de amostras com concentração de contaminação conhecida já é suficiente para avaliar (e eventualmente atestar) a correta implementação do método alternativo rápido9.

Portanto, para quem se preocupa com a Segurança de Alimentos, a detecção de micro-organismos patogênicos, apesar de ser tarefa praticamente ininterrupta, não precisa ser árdua. Nesse sentido, a Neogen apresenta o método OBOP – One Broth, One Plate, uma solução rápida e segura, com possibilidade de resultados confirmados em 48 horas.

OBOP Salmonella e OBOP Listeria

Com aprovação ISO 16140 e AOAC e com performance superior aos métodos de referência, as duas opções de testes OBOP oferecem um fluxo de trabalho simples, baseado em microbiologia tradicional de cultivo e que não necessita de equipamentos especiais. São apenas duas etapas de teste: um enriquecimento altamente seletivo e exclusivo Neogen, e um plaqueamento em meio cromogênio com diferenciação superior das colônias.

  • Maior especificidade e sensibilidade: Testes mais sensíveis que a ISO 6579 e ISO 11290.
  • Desempenho aprimorado com cepas atípicas: Recuperação de salmonelas imóveis como S. Pullorum e S. Gallinarum, cepas monofásicas, lactose positivas e com atividade fraca de esterase.
  • Confirmação flexível: diferentes opções validadas para confirmação das colônias características, incluindo teste de apenas 10 minutos. Consulte um representante Neogen para saber mais!

Lauane Gonçalves

Especialista em Microbiologia Neogen

Referências

1. RAJAPAKSHA P., Elbourne A., Gangadoo S., Brown R., Cozzolino D., Chapman J. A review of methods for the detection of pathogenic microorganisms. Analyst. (2019). 14,144(2),396-411. doi: 10.1039/c8an01488d. PMID: 30468217.

2. BRASIL, Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico. Brasília, 2019.

3. RIPOLLES-AVILA C, Martínez-Garcia M, Capellas M, Yuste J, Fung DYC, Rodríguez-Jerez J-J. From hazard analysis to risk control using rapid methods in microbiology: A practical approach for the food industry. Compr RevFood Sci Food Saf. 2020;1–31. https://doi.org/10.1111/1541-4337.12592

4. BRASIL, Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Instrução normativa n°. 60, de 23 de dezembro de 2019.

5. BRASIL, Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução de Diretoria Colegiada n°. 331, de 23 de dezembro de 2019.

6. BRASIL, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Secretaria de Defesa Agropecuária. Departamento de Inspeção de produtos de Origem Animal. Ofício Circular n°. 43, de 11 de agosto de 2021.

7. INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION. ISO 16140-2:2016. Microbiology of the food chain — Method validation — Part 2: Protocol for the validation of alternative (proprietary) methods against a reference method.

8. ELNEKAVE E., Hong S. L., Lim S., Johnson T. J., Perez A., Alvarez J. (2020). Comparing Serotyping With Whole-Genome Sequencing for Subtyping of Non-Typhoidal Salmonella Enterica: A Large-Scale Analysis of 37 Serotypes With a Public Health Impact in the USA. Microb. Genom. 6, mgen000425. doi: 1099/mgen.0.000425

9. INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION. ISO 16140-3:2021. Microbiology of the food chain — Method validation — Part 3: Protocol for the verification of reference methods and validated alternative methods in a single laborator

6 min leituraEm um mundo cada dia mais globalizado, em que cadeias de suprimentos estão conectadas e que despesas logísticas representam uma grande fatia dos custos finais dos alimentos, os gestores da […]

5 min leitura
0

Diferenças regulatórias em alimentos entre Chile e Brasil

5 min leitura

Mesmo tão perto, podemos ser tão diferentes. Começando com uma análise das diferenças culturais de cada país, o Brasil é um país tropical, com clima em geral quente e uma diversidade de fauna e flora gigantesca. O povo é alegre e receptivo, num total aproximado de 213 milhões de habitantes. Em relação à alimentação, podemos encontrar durante todo o ano diversos tipos de frutas e outros vegetais, que também podem variar de acordo com a região. Em relação aos alimentos industrializados, em sua maioria, encontram-se produtos de origem brasileira para consumo interno e alguns desses alimentos são exportados, principalmente carnes bovinas, carnes de aves, soja e outros vegetais. No Brasil, encontram-se produtos alimentícios importados, mas geralmente não são acessíveis à grande maioria da população devido aos preços elevados, resultado dos altos impostos para entrada e comercialização, o que reforça o consumo e o desenvolvimento das marcas brasileiras e a competição interna.

O Chile é um país de estações do ano bem-marcadas e com temperaturas extremas entre frio e calor. A vida aqui também é por estações, inclusive o que se come, as frutas, os vegetais e os costumes, de acordo com o clima. É um país separado por Cordilheira dos Andes, Deserto do Atacama, Patagônia e Oceano Atlântico, com um total aproximado de 19 milhões habitantes (10% do que possui o Brasil). Por outro lado, o Chile possui diversos “Contratos de Livre Comercio” com outros países, que possibilitam a chegada de produtos importados, principalmente alimentícios, de todo o mundo, em preços acessíveis, considerando os baixos custos de impostos e facilitando o acesso da população a produtos de qualidade e de diversos países diferentes. O Chile, como o Brasil, também é um país exportador, sendo o maior exportador de frutas do hemisfério sul e o maior exportador do mundo de frutas como blueberry, cerejas, uva de mesa e ameixas, além de pescados como salmão, vegetais como abacate e –  é claro  – o vinho!

Aprofundando as diferenças relacionadas às regulações entre ambos os países, em relação às embalagens de alimentos, por exemplo, o Chile possui, desde 2016, uma lei estrita sobre a rotulagem nutricional dos alimentos. A “Ley de Etiquetados de Alimentos No 20.606” determina que em todos os rótulos de alimentos são obrigatórios os selos de advertência na parte frontal da embalagem, que devem indicar ao consumidor excesso de compostos que podem estar relacionados com a obesidade e outras doenças não transmissíveis, a parte de proteger as crianças da exposição a produtos que podem ser prejudiciais à saúde. A lei obriga a informar os selos de: alto em açúcar, gorduras saturadas, sódio e calorias, valores que são calculados por 100g ou 100 mL de alimento com referências de valores máximos. Essa lei tem 3 etapas e o principal objetivo é diminuir gradativamente a quantidade máxima de cada composto em 100g/mL, com atualização dos limites máximos em cada etapa. No caso das empresas que importam produtos para o Chile, elas devem considerar incluir na etiqueta do alimento esses selos, quando aplicáveis, que podem ser diretamente impressos na arte da embalagem ou considerar uma etapa de inclusão de adesivos preparados internamente ou em um fornecedor terceirizado.

Imagem 1: Tipos de selos “ALTO EM” que se deve usar no Chile quando o alimento supera os limites estabelecidos para calorias, açúcares totais, sódio e gorduras saturadas

Já no Brasil, somente em 2020 a Anvisa aprovou as normas sobre rotulagem nutricional nos produtos embalados (RDC nº 429/2020, IN nº 75/2020), que regulamentam o uso de selos de advertência com excesso de açúcar, gordura saturada e sódio, e também especificam critérios adicionais na tabela nutricional, como açúcares adicionados. Os prazos de implementação variam dependendo do tipo / porte da empresa, entrando em vigor em 9 de outubro de 2022. Portanto, as empresas devem estar atentas à implantação desta rotulagem e se preparar em relação aos consumidores, considerando que muitas vezes, eles podem se assustar ao comprar um produto que se vende como saudável, mas que contém altos índices de açúcar, o que antes somente podia se evidenciar por uma revisão detalhada da tabela nutricional ou nem assim. Além disso, é necessário considerar que o consumidor atual é muito mais exigente e conectado. A falta de preparação das empresas para a implantação destas normas pode gerar diminuição de vendas. Isso pode afetar o status da marca, o que ocorreu com diversos negócios aqui no Chile, como por exemplo, cereais matinais, que de um dia ao outro passou a levar selos de advertência, confundindo o consumidor que acreditava que o produto era “saudável”. Na preparação para implementação das normas, recomenda-se que as empresas revisem suas formulações, comunicações com o consumidor e proposta / projeção da marca.

Imagem 2: Tipos de selos “ALTO EM” que serão usados no Brasil quando o alimento superar os limites estabelecidos para calorias, açúcares totais, sódio e gorduras saturadas

Outra diferença nas regulações refere-se aos planos de amostragem de microbiologia. Em uma análise simples de parâmetros microbiológicos em produtos de chocolates, por exemplo, no Chile utiliza-se a normativa RSA “Reglamento Sanitario dos Alimentos” DTO. N° 977/9 que solicita para análises microbiológicas somente o microrganismo Salmonella (em 50g, com um n=5).

Já no Brasil utilizava-se somente a  RDC 12/2001, mas houve sua revogação e substituição pela  IN N° 60/2019 que incorporou novos riscos, contribuindo para um detalhamento mas rigoroso sobre as categorias de produtos e solicitando novas análises microbiológicas. No blog Food Safety Brazil, esse assunto foi comentado no post A RDC 331/2019 e a IN 60/2019 entraram em vigor em 26 de dezembro de 2020. E agora?

De acordo com essa instrução, para chocolates maciços há necessidade de analisar Salmonella (25g, n=5) e adicionalmente Enterobactérias. Também determina que, se são chocolates com recheios, deve-se incluir análises de Bolores e Leveduras e dependendo do tipo de recheio, como perecível, deve incluir análises de Estafilococos coagulase positiva. Com essa pequena comparação, para uma categoria somente, podemos concluir que a norma brasileira atualizou-se e atualmente inclui novos microrganismos, além de ser mais detalhada em relação a categorias e diferenciação dos itens de alimentos, comparada com a RSA Chilena.

Essa comparação vale somente para as vendas internas de cada país. Considerando que ambos os países são exportadores, a gama de legislações pode aumentar, sendo necessária uma gestão robusta para área de regulatórios com objetivo de facilitar a visualização, otimizar processos e reduzir custos e retrabalho.

Finalmente podemos concluir que independentemente da distância física, da cultura, da quantidade de habitantes ou de regulações, podemos ser similares em alguns aspectos e diferentes em outros. O mais importante é poder compartilhar os conhecimentos entre ambos os países, e assim aprimorar e atualizar o gerenciamento da qualidade em nosso continente. Por que não pensar que em algum momento possa haver uma padronização em nível de continente latino-americano? Seria incrível poder simplificar toda a gestão regulatória e de qualidade para as empresas, para os profissionais da área e para os outros países que desejarem exportar para nós!

Sarah Arcuri Eluf Kindermann é Factory Quality Manager em Nestlé Chile S.A

5 min leituraMesmo tão perto, podemos ser tão diferentes. Começando com uma análise das diferenças culturais de cada país, o Brasil é um país tropical, com clima em geral quente e uma […]

5 min leitura
5

Laudos de análises microbiológicas: você sabe interpretar os resultados?

5 min leitura

Ei, você que trabalha com food safety, é você mesmo! Você sabe interpretar os laudos de análises microbiológicas? A gente manda uma amostra para o laboratório e quando chega o resultado vem a dúvida: como interpretar esse resultado? O que isso quer dizer de fato? Ou você é daqueles que recebe o laudo, arquiva e vida que segue?

Se você sabe interpretar, mas de vez em quando bate uma insegurança ou ainda, se você tem dúvidas em alguns pontos, esse post é para você. Venha comigo conferir essas dicas.

Os ensaios microbiológicos podem ser utilizados para verificar e validar se os PCC estão bem definidos e se permanecem efetivamente sob controle.

As análises microbiológicas constituem uma importante ferramenta adotada na gestão da qualidade e segurança dos alimentos, podendo ser utilizadas, com diferentes objetivos, pelas entidades governamentais, pelas empresas, distribuidores e terceiros, servindo inclusive para aprovação de fornecedores. Podem ser efetuadas em todas as etapas da cadeia, seja para testar matérias-primas, produtos em processamento, produto final ou amostras do ambiente de produção, preparação e distribuição.

Os resultados obtidos nos ensaios microbiológicos podem ser utilizados, numa métrica de gestão do risco e controle de perigos, para avaliar a segurança de um lote de um alimento ou de água, o cumprimento das BPF, a aceitabilidade de processos, a adequação da utilização de um produto/matéria-prima para um determinado fim e o prazo de vida útil ou data limite de utilização de um alimento.

Frequentemente, a interpretação dos resultados microbiológicos obtidos na análise laboratorial torna-se complexa.

Vamos entender esse universo de leitura de laudo, venha comigo!

  • Como escolher os parâmetros ou ensaios a serem realizados?

Qual o objetivo da sua análise? Se você está buscando apenas atender a legislação ou solicitação de um cliente, basta fazer o que eles estão pedindo. Porém, se está utilizando esse ensaio para validar um processo, você pode requerer análises diferentes das habituais. Por exemplo: para uma análise microbiológica de embalagem que não possui uma regulamentação específica, veja aqui o que pode ser realizado.

  • O que são critérios microbiológicos (CM) ou padrão microbiológico?

É um conjunto de elementos qualitativos e quantitativos que definem a aceitabilidade de um lote ou um processo de alimentos.

O padrão pode ser expresso como presença ou ausência (qualitativo) ou ainda a quantidade (quantitativo) de micro-organismos presentes na amostra. *

*Conceito baseado nas informações da ANVISA e documentos do Codex Alimentarius (1981).

Quais são os componentes do padrão microbiológico?

  1. Alimento – O tipo de alimento a ser analisado influencia diretamente a flora a ser pesquisada: se o alimento é cru ou cozido, se elaborado ou não, se pronto ao consumo ou não. Ex: pesquisa de Listeria em pratos prontos
  2. Micro-organismo – Como se diz “cada macaco no seu galho”, alguns micro-organismos têm predileção por este ou aquele componente do alimento, favorecendo ou não seu desenvolvimento Ex: pesquisa de bactérias halofílicas em charque.
  3. Ponto da cadeia – Se é matéria-prima ou produto pronto faz toda a diferença na coleta e na interpretação do resultado.
  4. Limites microbiológicos – Divisor de águas entre aceitável e inaceitável, produto apto ou não para consumo ou destinação a outros fins. É composto geralmente pelo limite microbiológico mínimo (m) e máximo (M).
  5. Plano de amostragem – Define o número de unidades amostrais a serem coletadas aleatoriamente de um mesmo lote e analisadas individualmente (n), o tamanho da unidade analítica ou alíquota da amostra
    a ser analisada (1g, 25g, 10g) e a indicação do número de amostras aceitáveis (c) entre os limites m e M.

A fim de facilitar a compreensão dos padrões e plano de amostragem, vamos usar uma tabela e ver como devemos interpretar:

Fonte: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/centraisdeconteudo/publicacoes/alimentos/perguntas-e-respostas/padroes-microbiologicos.pdf/view

Alimento A:

Padrão – coletar 5 amostras (n=5). Nenhuma unidade amostral (c=0) pode apresentar resultado positivo para Salmonella (m=Aus). Resultado: presença ou ausência (Plano de duas classes – qualitativo)

Plano de duas classes geralmente é utilizado quando se pesquisa os patógenos mais importantes para saúde pública

Alimento B:

Padrão – coletar 10 amostras (n=10). Nenhuma unidade amostral (c=0) pode apresentar resultado maior que 102 UFC por grama (m). Resultado: aceitável ou inaceitável (Plano de duas classes – qualitativo)

Alimento C:

Padrão – coletar 5 amostras (n=5). Somente 2 unidades amostrais (c=2) podem apresentar resultado intermediário, ou seja, contagens entre 10 UFC por grama (m) e 102 UFC por grama (M), e nenhuma unidade amostral pode apresentar resultado maior que 102 UFC por grama (M).  Resultado: aceitável, intermediário ou inaceitável (Plano de três classes* – quantitativo)

*plano de três classes geralmente é utilizado quando não existe risco direto ou de difusão extensiva ao consumidor, causado pelos micro-organismos presentes no alimento,

Como o Laudo apresenta os resultados:

Como ler este laudo:

Análise A:

Análise realizada: NMP* de Escherichia coli. Referencia de legislação: o laboratório não apresentou*1. Resultado encontrado pelo laboratório: < 1,1 NMP/100ml, quantidade inferior e 1,1 micro-organismo em 100 ml. Unidade amostral: 100 mL. Metodologia utilizada pelo laboratório para realizar a análise. Neste caso a empresa deve verificar se este resultado é considerado aceitável segundo seus padrões de referência.

*Número Mais Provável

*1: quando o laboratório não apresenta a referência, a empresa deve buscar fontes e legislações para se basear.

Análise B:

Análise realizada: Pesquisa de Salmonella. Referência de legislação: resultado ausente. Resultado encontrado pelo laboratório: Ausência. Unidade amostral: 25g. Metodologia utilizada pelo laboratório para realizar a análise. Neste caso a amostra encontra-se de acordo com a regulamentação.

Contagens de microrganismos pelo Número Mais Provável (NMP) são técnicas que permitem avaliar estatisticamente a quantidade de microrganismos presentes em uma amostra e estimar a proporção viável metabolicamente ativa. Ou seja, essa técnica pode ser utilizada para estimar a população total ou de um grupo específico de microrganismos, sendo o conjunto de respostas positivas ou negativas considerado para o cálculo estimado final.

Da mesma forma podem ser interpretados os padrões microbiológicos de água para consumo humano. Veja o laudo a seguir:

Como ler este laudo

Análise A:

Analise realizada: NMP* de Escherichia coli. Referência de legislação: Ausência em 100 mL. Resultado encontrado pelo laboratório: < 1,1 NMP/100 mL, quantidade inferior a 1,1 micro-organismo em 100 mL. Metodologia utilizada pelo laboratório para realizar a análise. Neste caso a amostra encontra-se de acordo com a legislação, mesmo que o resultado do laboratório não indique ausência em 100 mL. Isso ocorre porque a metodologia do NMP busca intervalo de confiança de 95% e a leitura é realizada pela combinação de tubos positivos em séries de 3 a 5 tubos.

Análise B:

Analise realizada: NMP* de Coliformes Totais. Referência de legislação: o laboratório não apresentou*1. Resultado encontrado pelo laboratório: < 1,1 NMP/100 mL, quantidade inferior a 1,1 micro-organismo em 100 mL. Metodologia utilizada pelo laboratório para realizar a análise. Neste caso para considerar a amostra em conformidade é necessário atentar ao padrão de referência utilizado pela empresa.

Saiba mais: no blog há mais conteúdo a respeito do assunto, veja:

Falhas na interpretação de laudos de análises de água e alimentos

Análise da água: você conhece os macetes para a coleta?

Estamos próximos de 1 bilhão de análises microbiológicas no mundo

Fonte consultada:

https://www.google.com/search?q=anvisa+perguntas+e+respostas+padr%C3%B5es+microbiologicos&rlz=1C1PRFI_enBR769BR769&oq=anvisa+perguntas+e+respostas+&aqs=chrome.1.69i57j35i39j0i512l4j0i22i30l4.8002j0j15&sourceid=chrome&ie=UTF-8

5 min leituraEi, você que trabalha com food safety, é você mesmo! Você sabe interpretar os laudos de análises microbiológicas? A gente manda uma amostra para o laboratório e quando chega o […]

2 min leitura
0

Como reduzir os custos das análises do novo plano de amostragem da IN 60/2019?

2 min leitura

O grande número de amostragens exigidas pelas novas normas RDC 331/2019 e IN 60/2019 da Anvisa, referentes à qualidade microbiológica dos alimentos está dando o que falar. Embora esteja claro e seja indiscutível que o maior número de análises promove melhorias na segurança dos alimentos ofertados à população e aumenta a garantia de qualidade, uma vez que quanto mais dados gerados, mais fácil é a tomada de decisões no processo, o que está em pauta também é o aumento nos custos analíticos.

A maior quantidade no número de amostras que devem ser coletadas no plano de amostragem influencia os gastos tanto das grandes empresas quanto das pequenas.

Nesse post, serão abordadas algumas formas de reduzir os custos com essas análises e ainda seguir as normas.

A primeira forma já foi abordada em um post anterior, o qual também cita outros detalhes das novas normas, entre eles a composição de amostras, também conhecida como pooling, que será mais detalhada agora.

Nesse método é possível recolher 25g de cada amostra a ser analisada, fazer o pré-enriquecimento das amostras separadamente, depois juntá-las no caldo de enriquecimento e então fazer um único plaqueamento, conforme ilustrado na imagem abaixo.

Este método permite reduzir o número de materiais utilizados e o tempo destinado à análise, diminuindo os custos. Entretanto, ele tem algumas restrições e só pode ser utilizado nos planos de presença e ausência, ou seja, para a análise de Salmonella e Listeria monocytogenes de apenas algumas categorias.

Além disso, o método utilizado para realizar a análise deve mencionar a possibilidade de fazer a composição das amostras, isto é, deve citar a possibilidade de utilizar quantidades maiores que 25 g (ex.: adicione 25g ou 375g em 225 ml ou 1,5 L, respectivamente). As metodologias utilizadas devem seguir uma das referências citadas no Art. 10. da RDC 331/2019. Nesse método, caso ocorra a detecção de presença do patógeno, não é possível saber quais amostras estavam positivas, portanto será preciso depois analisar uma a uma para então pesquisar a causa. Esse assunto foi abordado anteriormente no final deste post.

Outra maneira para reduzir custos analíticos é a união de empresas. Como acontece em diferentes setores, quanto maior o número de amostras, mais baixo é o custo por análise. Sendo assim, seria interessante as pequenas empresas se juntarem e fazer um pacote com o laboratório de análises, unindo as suas amostras para serem analisadas conjuntamente.

E por fim, dependendo das condições da empresa, porte e o número de análises, é interessante também pensar na montagem de um laboratório próprio, o que pode também reduzir os custos de análises em longo prazo.

Quer saber mais sobre as novas normas da Anvisa RDC 331/2019 e IN 60/2019? Leia estes posts:

A RDC 331/2019 e a IN 60/2019 entraram em vigor em 26 de dezembro de 2020. E agora?

Faltam 6 meses para a RDC 331/2019 e a IN 60/2019 entrarem em vigor. Dicas sobre o que mudou

Atualização da norma de padrões microbiológicos para alimentos

Análises microbiológicas por lote composto e cautela na interpretação de resultados

Análise microbiológica de alimentos: importância do plano de amostragem

2 min leituraO grande número de amostragens exigidas pelas novas normas RDC 331/2019 e IN 60/2019 da Anvisa, referentes à qualidade microbiológica dos alimentos está dando o que falar. Embora esteja claro e seja […]

4 min leitura
0

Por que funis descartáveis são alternativas interessantes para análises microbiológicas?

4 min leitura

Funis reutilizáveis e descartáveis são ambas opções viáveis para análises microbiológicas. Produtos de uso único, single-use, são indiscutivelmente mais convenientes, precisos e seguros, embora funis reutilizáveis pareçam ser mais baratos e gerar menos resíduos. Esses prós e contras levaram algumas equipes a permanecer com os funis reutilizáveis. No entanto, análises detalhadas estão desafiando os benefícios associados ao uso de funis reutilizáveis, mostrando que dispositivos descartáveis são melhores alternativas.

Conveniência e flexibilidade

A conveniência dos funis descartáveis é uma de suas maiores vantagens, e um fator que os torna mais convenientes é a facilidade de uso. A filtração e a transferência de membranas para placas são mais fáceis ao trabalhar com este tipo de sistema, ao ponto em que mesmo pessoas sem experiência prática possam realizar o processo. Com este tipo de dispositivo, não há risco de ruptura ou ondulações na membrana, o que geralmente resulta em falsos negativos.

O segundo fator chave que torna os funis descartáveis mais convenientes está relacionado à eliminação das etapas de limpeza e esterilização necessárias no fluxo de trabalho. Uma empresa que normalmente analisa 10 amostras por dia pode ter 12 funis reutilizáveis, o que dá à empresa a capacidade de sempre ter acesso a funis limpos e estéreis em dias normais. No entanto, se essa empresa de repente precisar analisar 20 amostras em um prazo apertado, com o processo de limpeza e esterilização levando de uma a duas horas, faltaria acesso à quantidade suficiente de funis estéreis.

Esse é um exemplo pontual de um problema de rotina associado ao uso de funis reutilizáveis. Por outro lado, funis descartáveis sempre estão prontos para uso. O resultado é que empresas que utilizam esses funis terão maior flexibilidade, podendo rapidamente aumentar a capacidade para atender as mudanças na demanda.

Custo e desperdício

A eficiência operacional proporcionada pelos funis de uso único é um fator que compensa o gasto extra com os produtos em si.

Outro fator é a redução de gastos em outras áreas. Empresas que usam funis reutilizáveis precisam de autoclaves e outras peças de equipamentos para limpeza e esterilização. Além disso, elas também precisam gastar mais com eletricidade e outros recursos humanos necessários para limpar e esterilizar funis reutilizáveis.

 

Comparação de gastos entre funis descartáveis e reutilizáveis. Embora a quantidade de funis single-use seja maior, os funis reutilizáveis estão associados a gastos indiretos, como eletricidade, água e equipamentos.

Esses fatores neutralizam os benefícios ambientais associados aos funis reutilizáveis. Embora funis descartáveis possam parecer um acúmulo de resíduos à primeira vista, eles são compostos de materiais recicláveis e não possuem impactos ambientais ocultos, ao contrário dos reutilizáveis.

Além disso, empresas que consideram os custos ambientais de autoclavação, flambagem ou imersão em água fervente para serem mais ecológicos, ao invés de focar apenas a redução do descarte de sólidos, tendem a estabelecer uma imagem mais verdadeira de seu impacto no mundo.

Precisão e reprodutibilidade dos resultados

Uma análise mais realista de custo e desperdício precisa considerar também a reprodutibilidade e precisão dos resultados com produtos reutilizáveis e descartáveis.

Toda análise microbiológica realizada com funis descartáveis começa com um produto estéril que não trará fatores de variação. Isso significa que os resultados gerados devem apresentar maior reprodutibilidade.

O processo de limpeza introduz o risco de interferência com as amostras, devido a resíduos de sanitizantes. Detergentes a base de nitrato apresentam um problema em particular, uma vez que seus resíduos podem impedir o crescimento microbiológico. Além disso, existe também a possibilidade de o processo de esterilização falhar ao erradicar todos os microrganismos, criando um risco de contaminação que interfere com os resultados. Desgastes no funil e a qualidade da membrana utilizada também são fatores que podem levar a um desvio nos resultados.

Embora funis reutilizáveis possam entregar resultados precisos e reprodutíveis, esses riscos existem e são difíceis de quantificar, tornando os funis de uso único boas alternativas. Se uma equipe é incapaz de garantir reprodutibilidade dos resultados, é provável que existam custos adicionais e que eles não alcancem os padrões determinados pelo cliente.

Segurança do operador

O último pilar de benefícios do uso de funis descartáveis é a segurança. A limpeza e a esterilização apresentam riscos para o operador, mais especificamente durante o processo de flambagem, que pode resultar em eventos graves de segurança.

A formação de bolhas na pele é o risco de segurança mais comum. Elas parecem quando o operador segura o funil durante o processo de flambagem, mas não percebe que o aço inox aquece a uma temperatura capaz de ferir a pele. Operadores também já queimaram seus braços durante a flambagem e, ainda mais preocupante, o processo de flambagem aumenta os riscos de incêndio.

Funis de uso único não apresentam esses riscos. Operadores podem simplesmente descartá-los após o uso, eliminando os riscos associados à flambagem e outros processos de esterilização. O resultado é que funis descartáveis promovem um ambiente de trabalho mais seguro.

Conclusão

A conveniência, precisão e segurança dos funis descartáveis torna esses produtos adequados às necessidades de laboratórios de análises microbiológicas. Escolher funis de uso único permite que equipes tenham o produto em mãos sempre que precisarem, entregando resultados precisos e reprodutíveis, atingindo excelência em registros de segurança e contribuindo com as iniciativas sustentáveis.

Conteúdo fornecido pela Merck KGaA, Darmstadt, Alemanha. Edição por Ana Beatriz Batista A B Pereira. Para mais informações sobre este artigo, por favor entre em contato com a Equipe Merck Brasil (biomonitoringbra@merckgroup.com).

4 min leituraFunis reutilizáveis e descartáveis são ambas opções viáveis para análises microbiológicas. Produtos de uso único, single-use, são indiscutivelmente mais convenientes, precisos e seguros, embora funis reutilizáveis pareçam ser mais baratos […]

2 min leitura
0

Copiar o resultado de uma análise em múltiplos laudos é fraude!

2 min leitura

Em duas auditorias de minha vida profissional procurei rastrear o resultado analítico de um laudo gerado por uma empresa com o respectivo relatório de ensaio do laboratório terceirizado. Constatei tristemente que embora a empresa emitisse um laudo a cada lote ao seu cliente “informando” os resultados dentro das especificações, ela só enviava amostras para o laboratório prestador de serviços uma vez a cada seis meses.

Achou difícil de acreditar? Vou desenhar:

 

A resposta para isso: “A diretoria não aprova tantas análises  por questão de custo e como os resultados não variam muito e nunca dá problema, utilizamos o resultado mais recente obtido. Nenhum cliente reclamou até hoje”.

Várias empresas consideram em seus estudos de APPCC que podem confiar em um fornecedor por gestão de qualidade assegurada e se respaldam em resultados analíticos dos laudos enviados lote a lote. Contudo, nem todas as empresas avaliam criticamente os laudos enviados por seus fornecedores e pedem para eles discriminarem quais são as análises feitas internamente e as que são terceirizadas. Quando terceirizadas, uma boa prática é solicitar, como medida de verificação, que o laudo do laboratório externo acompanhe o laudo “internalizado” da empresa.

Alguns fornecedores são mais sinceros e emitem um documento com o número do lote enviado, acompanhando a nota fiscal, e numa nota de rodapé explicam quais dos parâmetros apresentados são daquele lote mesmo, ou o resultado de um plano de análises amostral. Isso inclui parâmetros físico-químicos, microbiológicos, micotoxinas, contaminantes inorgânicos, dentre outros.

Contudo, seria mais honesto, caso o fornecedor decididamente não queira assumir o custo das análises, que ele emita uma carta declarando a periodicidade de seu plano amostral. Aí caberá ao seu cliente fazer sua avaliação de riscos e tomar a decisão se esta periodicidade lhe atende ou não. Se não atender, devem ir para a parte não técnica (comercial) da negociação de expectativas.

Copiar o resultado de uma análise em múltiplos laudos é fraude! Não há nada de errado em uma empresa gerar  um documento único compilando resultados de análises que podem ter origens distintas: internas, terceirizadas de um ou mais laboratórios, colocando seu logo e CNPJ. A questão é comunicar que um determinado lote apresenta o resultado analítico tal, sendo que este resultado é proveniente de outro lote.

Ficou claro?

2 min leituraEm duas auditorias de minha vida profissional procurei rastrear o resultado analítico de um laudo gerado por uma empresa com o respectivo relatório de ensaio do laboratório terceirizado. Constatei tristemente […]

3 min leitura
2

Tive um positivo para Salmonella. Repito a análise e se der negativo, tudo bem?

3 min leitura

Nenhuma empresa gosta de receber a notícia de que teve um resultado positivo para Salmonella em suas análises de monitoramento ou verificação de produto acabado ou zonas de contato direto. Geralmente a perplexidade e desespero são tão grandes, que uma reação costuma ser: “este resultado está errado. Vamos repetir a análise e se der negativo, está tudo bem! Foi um erro de amostragem ou do laboratório”.

É muito surpreendente que exista este tipo de reação por parte dos profissionais, e principalmente, dos altos níveis gerenciais e até de proprietários de empresas. Chega a ser engraçado pensar que quando o resultado é favorável – negativo para  um patógeno – ele nunca é questionado como “falso negativo”. Somente quando o perigo está literalmente embaixo do nariz é que a confiabilidade do método ou do laboratório é questionada.

Vamos nos lembrar do caso da Peanut Corporate of America, envolvida num gigantesco recall nos EUA em produtos de amendoim contaminados por Sallmonela. Os executivos envolvidos estão na cadeia e devem permanecer lá até seu último dia de vida justamente por causa desta fatídica decisão: embora tenha havido um primeiro resultado positivo, os responsáveis pela planta consideraram um segundo resultado, que deu negativo, como sendo o válido. Segundo o FDA, o primeiro resultado positivo deveria ter sido suficiente para que os produtos fossem destruídos.

Se você não leu ainda, sugiro que visite os posts: Por que confiar cegamente em análises microbiológicas de produto acabado pode ser uma furada e  Análise microbiológica de alimentos – importância do plano de amostragem.  Com base em  conceitos estatísticos irá entender  a explicação que um positivo num plano de amostragem representativo de duas classes como o da Salmonella (que não admite qualquer nível de contaminação – ou tem ou não tem), significa condenar o lote.

E quando somente é tomada uma única amostra do lote, ou a composição de vários lotes em uma amostra?

A RDC 12/01, nossa referência legal em microbiologia, que por sua vez usa como base guias de renome como ICMSF, responde:

5.8.3.4. Quando da existência do plano de duas classes onde o c igual a zero, o resultado positivo de uma amostra indicativa é interpretado para todo o lote ou partida. O mesmo se aplica quando for detectada a presença de toxinas em quantidades suficientes para causar doença no consumidor.

Ou seja, não existe negociação: se houve um positivo para Salmonella, não adianta correr atrás de amostragem retroativa! O resultado é este. Especialistas em microbiologia costumam dizer que encontrar este patógeno é quase acertar na loteria! Assim, sinta a “felicidade” de ter podido saber do problema antes que a “bomba estoure” lá na frente.

O número de recalls por patógenos nos EUA e Europa é muito mais alto justamente por causa dessas premissas. Você pode conferir no site do FDA e do RAASF europeu a quantidade de recalls por “possível” ou “potencial” contaminação por Salmonella e Listeria monocytogenes. Essas palavrinhas estão aí justamente por que os positivos foram em uma ou poucas amostras do plano ou mesmo na única amostra indicativa. Com certeza as empresas envolvidas não queriam estar fazendo estes recalls, mas essa é a única atitude possível do ponto de vista técnico-científico, dado que o risco existe e não é uma mera burocracia de constar ou não em um laudo.

Vamos raciocinar ao contrário: seu fornecedor teve um positivo para Salmonela. Sua conduta seria qual das abaixo?

  1. Você aceitaria de bom grado este lote, caso tenha sido reamostrado (extensivamente) e não tenha voltado a acontecer um positivo?
  2. Solicitaria análise da amostra de retenção, e se der negativo, então foi só um susto e o episódio pode ser esquecido. Você bem sabia que esse resultado estava errado e vai aceitar o lote bem tranquilamente.
  3. Nem pensar em receber este lote!

Ficou mais claro???

Consideração final:

É importante lembrar que este tema trata de Salmonella, mas o raciocínio é totalmente aplicável para Listeria monocytogenes também, incluindo ocorrências em monitoramento ambiental na zona de contato 1.

Deu positivo? A conduta é retenção de lote, destruição (ou reprocessamento se isso for tecnicamente possível e viável), e recolhimento em caso de produto já disponível para o consumidor nos pontos de venda. Ponto final.

Leia também:

https://foodsafetybrazil.org/por-que-confiar-cegamente-em-analises-microbiologicas-de-produto-acabado-pode-ser-uma-furada

https://foodsafetybrazil.org/analises-microbiologicas-por-lote-composto-e-cautela-na-interpretacao-de-resultados

3 min leituraNenhuma empresa gosta de receber a notícia de que teve um resultado positivo para Salmonella em suas análises de monitoramento ou verificação de produto acabado ou zonas de contato direto. […]

4 min leitura
11

Análises microbiológicas por lote composto e cautela na interpretação de resultados

4 min leitura

Já expliquei no post Por que confiar cegamente em análises microbiológicas de produto acabado pode ser uma furada que estatisticamente é bem difícil detectar um defeito em produto acabado analisando um pequeno número de amostras. E mesmo quando o número de amostras é aumentado, ainda há um importante risco de aprovação de um lote que apresente contaminação. É por isso que deve haver cautela na interpretação de resultados de análises microbiológicas dos lotes compostos.

Análises microbiológicas geralmente são feitas por lote (ou lotes compostos) e os resultados devem ser  interpretados com cuidado uma vez que se considera que o lote é a representação de uma condição padronizada que é muito mais teórica do que prática.

Vamos à definição de lote segundo a ICMSF:

 Lote é o total de unidades de um produto produzido, manuseado ou armazenado em condições idênticas, dentro de um determinado período.

Do lote, se retira uma amostra/unidade amostral, que segundo a RDC 12/01, 3.7:

Porção ou embalagem individual que se analisará, tomado de forma totalmente aleatória de uma partida como parte da amostra geral.

Não existe legislação no Brasil que determine como o lote deve ser definido na fabricação de alimentos. Assim, fica a cargo do fabricante fazê-lo. Na prática, costuma ser determinado por um destes caminhos: 1) Pela receita/formulação, onde uma batelada recebe um código atribuído a uma mistura de ingredientes que deu origem ao todo 2) Por tempo. Intervalos de tempo como um turno ou um dia de fabricação determinam esta condição que delimitam o lote.

Variabilidade de resultados em um mesmo lote

Gostaria de abrir os olhos para um fator de variabilidade adicional na interpretação de resultados microbiológicos: o lote. Por questões práticas, ele não é tão homogêneo como as definições preconizam.

Imagine a situação em que um lote é definido por tempo, que seja um turno. Ao longo deste turno, várias bateladas ou receitas são pesadas por um operador de formulação. Porém, durante o turno vão acabando as matérias primas de um mesmo lote mãe e são abertas novas embalagens que podem até ser de um fornecedor diferente do que o que foi pesado há duas horas. Não estamos mais falando de um lote de condições idênticas. As matérias-primas mudaram!

 

 

 

 

 

 

 

No segundo caso, o de um lote atribuído por formulação, vamos supor que a mesma receita percorra trechos diferentes de uma linha de produção. Vamos a um caso fictício em que a causa da contaminação possa ser uma das mangueiras da recheadora ou a canaleta com um ponto de difícil limpeza por onde está passando a manteiga, como ilustrado abaixo. Pronto, esse lote também não está homogêneo! Imagine se for retirada uma amostra de um lado só da linha para análise.

 

A causa da contaminação se refletirá no resultado microbiológico da análise

Num exercício fictício imagine 3 causas possíveis para a contaminação de uma peça de carne assada pronta para consumo:

  • A carne foi contaminada pós cocção pelas mãos do manipulador ou alguma superfície do processo (bandeja ou esteira transportadora. A contaminação vai se apresentar espalhada pela superfície onde houve o contato.
  • A contaminação se deu por causa de um fatiador e os microrganismos se distribuirão ao longo da face cortada, sendo mais concentrada no início.
  • A cocção foi insuficiente, tendo sobrevivido patógenos no centro do produto.

Você consegue imaginar que a forma de tomada de amostra das peças desta carne pode contribuir para se encontrar ou não o contaminante e que este pode passar não detectável? Note que não é tão fácil assim ser “sorteado” e “tirar a sorte grande” de conseguir detectar o problema antes de chegar ao consumidor.

Amostragem de lote composto – quem está se enganando?

Agora vamos a uma situação observada em algumas empresas: a adoção de lotes compostos, ou “pool” de amostras, que fazem “render” os resultados. Se você não conhece, funciona assim: um fabricante produziu 10 lotes de um determinado produto, e para economizar em análises, ao invés de tomar uma amostra de cada um e realizar 10 análises, vai tomar uma amostra de cada lote, homogeneizá-las e realizar uma análise só. Não é uma ideia brilhante?

Lamento informar que com essa “técnica” a capacidade de detecção do patógeno foi reduzida em 90%! E sem contar que, se foi retirada uma única amostra do lote, por mais aleatória e bem-feita que seja, já não estamos falando de plano de amostragem representativo.

Esta situação parece ser muito econômica e funcionar bem até que…saia um positivo!!!

No caso do lote composto, como é que vamos rastrear a causa-raiz do problema? Qual dos dez lotes está comprometido? Qual o tamanho do bloqueio de lote ou recolhimento a ser feito? Está pensando agora em “compensar” a situação analisando os lotes em separados e caso não saia positivo, era só um susto?

Aguarde o post “Tive um positivo para Salmonela. Repito a análise e se der negativo, tudo bem?” para tratarmos desta questão!

Leia também:

https://foodsafetybrazil.org/analise-microbiologica-de-alimentos-importancia-do-plano-de-amostragem/

https://foodsafetybrazil.org/por-que-confiar-cegamente-em-analises-microbiologicas-de-produto-acabado-pode-ser-uma-furada

4 min leituraJá expliquei no post Por que confiar cegamente em análises microbiológicas de produto acabado pode ser uma furada que estatisticamente é bem difícil detectar um defeito em produto acabado analisando […]

4 min leitura
5

Por que confiar cegamente em análises microbiológicas de produto acabado pode ser uma furada

4 min leitura

Análises microbiológicas são fundamentais para verificarmos se programas de segurança dos alimentos são bem implementados e termos dados sobre controles implementados. Contudo, confiar cegamente e de forma isolada em análises microbiológicas de produto acabado pode ser uma furada. Quem pode dar este respaldo é a estatística, uma ciência bastante exata.

Probabilidade de detecção de um defeito

Para explicar onde está a fragilidade, vamos começar com noções básicas de estatística. Se você não faltou na primeira aula, deve se lembrar que o professor perguntou:

Qual a probabilidade de aleatoriamente se sortear uma bolinha em 100?

Essa é para ser fácil mesmo: 1%. Então se tenho 100 latas/sacos/pacotes ou qualquer unidade de um alimento e uma delas está contaminada, a chance de se detectar esta contaminação tomando-se uma única amostra é 1%. Tranquilo?

Vamos aumentar o problema. Se 1% do lote de um alimento estiver contaminado e este lote for de 10 mil pacotes de qualquer coisa (chocolate, pet food, especiarias, sorvetes) 100 destes pacotes estarão positivos.  Se forem amostradas 100 pacotes deste lote, a chance do resultado sair positivo para o patógeno pesquisado, é de 1%. Se o plano de amostragem for super econômico e se tomar uma única embalagem, a chance de se encontrar o contaminante é cem vezes menor, ou seja, 0,01%. Já está quase ficando como ganhar na loteria, né?

Aceitação (aprovação) de um lote defeituoso

A estatística também fala de risco para o produtor, e risco para o consumidor.

No risco para o produtor, há a chance de se condenar um lote que não estaria contaminado, o que  o levaria a perder dinheiro.

No risco para o consumidor, este acaba levando uma doença transmissível por alimentos de presente, já que a empresa julgou que o lote estava OK e foi liberado com patógeno.

Mas espera aí… se o consumidor adoecer ou morrer, é super risco para a imagem do produtor! Nesta hora a frieza da estatística tem que ser ponderada.

Para ficar mais profissional: vamos usar uma tabela de plano de amostragem da ICMSF, OK? É a aquele comitê de referência internacional de microbiologia.

Agora usando a tabela de duas classes, aquela que é para “tem ou não tem” patógenos, como é o caso de  Salmonella e Listeria monocytogenes, vamos consultar qual seria o risco de se aprovar um lote que tenha contaminação. Se tal lote tiver 5% de defeito e forem tomadas cinco amostras, ainda assim a PROBABILIDADE DE MANDAR CONTAMINAÇÃO PARA O MERCADO É DE 77%. Ah, importante: perceba que a tabela começa com 3 amostras. Uma amostrinha nem conta! Nem se chama amostragem e esse é um critério que tem viés econômico e não científico.

De onde vem este número de defeituosos?

No exemplo apresentado, utilizei como base os valores de 1 e 5% de contaminação. Não é um chute e sim médias de valores de vários trabalhos acadêmicos.

Patógenos em alimentos confiscados em aeroportos: 5%

Meta de prevalência de Salmonella em galinhas poedeiras na CE: 2%

Salmonella na Itália em produtos de origem animal: 2,2%. Na mesma pesquisa Listeria monocytogenes está presente em 2,4% dos alimentos.

Listeria no Irã: 4%

Salmonella em carcaça de frango no Brasil: 3%

Listeria monocytogenes em queijos europeus: 3%

E para que servem essas análises de produto acabado então?

Passado o primeiro impacto de perplexidade e a vontade de perguntar por que então são feitas análises de produto acabado se estatisticamente não é “garantia” de segurança, vamos aos fatos:

– O resultado analítico negativo de uma amostragem significativa não prova que todo o processo de fabricação está sob controle. Ele prova que dentro daquela amostragem especificamente há o perigo de acordo com a capacidade de detecção do método (ex: ausência em 25 gramas).

– Laudos são evidências de conformidade (ou não conformidade) e seu significado deve ser interpretado com cautela.

– A não realização de análises de produto acabado deixa o fabricante de alimentos e seu cliente com a sensação de falta de controle. Contudo, como falarei em outro post, o recurso gasto em análises no produto final pode ser direcionado um plano que contemple matérias-primas, fases intermediárias do processo e monitoramento ambiental, que podem ser a causa da contaminação e esta ser prevenida. Isso é muito mais alinhado ao conceito de APPCC de não de se trabalhar na inspeção final onde não é mais possível tomar uma ação e sim monitorar o processo.

– Testes estatisticamente significativos requerem amostragem proporcional ao risco, isto é, relacionados ao público-alvo, tendência do patógeno se multiplicar no alimento ao longo da vida útil e severidade do perigo. É por isso que em processos de alto risco (ex: cárneos que podem ser consumidos mal passados o número de amostras, pode ser tão alto quando 60, como já contamos aqui). Uma amostra por lote não tem significado estatístico e caso seja positiva, todo o lote deve ser condenado.

E por falar em lote: este é mais um fator de variabilidade de resultados. Em teoria, ele é uma condição padronizada e homogênea, mas na prática não é bem assim, o que aumentam as nossas incertezas, sendo que isso será tratado em novo post.

4 min leituraAnálises microbiológicas são fundamentais para verificarmos se programas de segurança dos alimentos são bem implementados e termos dados sobre controles implementados. Contudo, confiar cegamente e de forma isolada em análises […]

Compartilhar
Pular para a barra de ferramentas