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Alérgenos não declarados tornam-se a principal causa de recalls alimentares na Irlanda

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Em julho de 2025, a Food Safety Authority of Ireland (FSAI) divulgou seu relatório anual, trazendo um dado que acendeu o sinal vermelho na cadeia global de segurança dos alimentos: os recalls motivados por alérgenos não declarados superaram, pela primeira vez, os casos de contaminação microbiológica.

Foram 126 alertas alimentares registrados no ano, sendo 56 relacionados a falhas na declaração de alérgenos como leite, ovo, gergelim, nozes, glúten e mostarda. Embora o dado se refira à realidade irlandesa, ele carrega um impacto que extrapola fronteiras, pois revela uma vulnerabilidade crescente e global na comunicação dos riscos ao consumidor alérgico.

Entre 2020 e 2025, o número de alertas alimentares por alérgenos na Irlanda cresceu 38%, superando pela primeira vez os casos de contaminação microbiológica. Esse salto revela uma tendência clara: falhas na gestão e comunicação de riscos alérgicos vêm se tornando o principal motivo de acionamento das autoridades sanitárias.

Enquanto a Europa avança em ferramentas de rastreabilidade e protocolos de avaliação de risco para alérgenos, o Brasil ainda busca consolidar as mudanças exigidas pela RDC nº 727/2022. Essa regulamentação representou um avanço significativo ao exigir termos padronizados e destaque gráfico, além de vedar o uso de expressões genéricas. A implementação, contudo, tem demandado adequações operacionais contínuas por parte da indústria, que busca garantir conformidade ao mesmo tempo em que aprimora práticas internas de rastreabilidade, validação e comunicação.

A complexidade do tema é global. Em diversos países, o controle de alérgenos exige não apenas conformidade com a legislação vigente, mas também a adoção de protocolos baseados em risco, capazes de diferenciar entre presença acidental, traços não intencionais e ingredientes declarados. Ferramentas como o VITAL Program, amplamente adotado na Austrália, e o regulamento europeu EU 1169/2011, exemplificam abordagens que buscam equilibrar rigor técnico com clareza para o consumidor. Em ambos os casos, a comunicação de risco é construída com base em evidências analíticas, níveis de referência e protocolos validados de limpeza e segregação.

Mesmo com diferentes modelos regulatórios, há um ponto de convergência: a necessidade de alinhar formulação, rotulagem, logística e informação ao consumidor de forma integrada e transparente. Em diversas partes do mundo, falhas simples — como alterações na composição sem revisão do rótulo, ou ausência de validação de limpeza entre lotes com e sem alérgenos — continuam a ser causas frequentes de recall.

Essas falhas, além de gerarem custos elevados com logística reversa e destruição de produtos, também impactam diretamente a saúde pública e a reputação das marcas. Casos de reações alérgicas graves, hospitalizações e perda de confiança do consumidor se tornam frequentes quando o controle falha.

Abaixo, alguns exemplos verídicos ilustram esse cenário:

Ano Empresa / País Alimento Alérgeno não declarado Impacto Fonte
2025 La Fiesta / EUA Pan Ralado Gergelim Recall nacional; gergelim não declarado nos EUA Link
2025 Wegmans / EUA Nonpareils de chocolate Leite Possível risco de anafilaxia por traços de leite Link
2025 Costco (Kirkland) / EUA Sweet Cream Butter Leite Recall de 79.000 lbs por erro de rotulagem Link
2025 Pearl Milling (Quaker) / EUA Mistura de panqueca Leite Risco elevado de reações alérgicas graves Link
2024 RV Pharma / EUA Welby B12 Amendoim Contaminação cruzada com amendoim Link
2025 Casa Mamita (Aldi) / EUA Churros congelados Leite Erro de rotulagem causou recall nacional Link
2024 Whitley’s / EUA Mix de castanhas Amendoim, leite, soja, trigo, gergelim Falha generalizada em rotulagem de vários alérgenos Link
2025 Patties Food Group / Austrália Roast Chicken Roll Amendoim, crustáceos Alérgenos não listados; recall preventivo Link
2024 Nocelle Foods / Austrália Ranger Mix Caju Risco à população com alergia a castanhas Link

Esses episódios reforçam o valor estratégico da gestão de alérgenos como parte integrante dos programas de segurança de alimentos. Para os profissionais da área, a atenção deve estar voltada não apenas ao cumprimento normativo, mas à eficácia prática dos controles implementados — o que inclui capacitação de equipes, validação laboratorial de limpeza, segregação física e revisão de rotulagem por múltiplos setores envolvidos.

Diversas empresas globais já adotam políticas internas de validação cruzada entre áreas de qualidade, P&D e rotulagem, garantindo que mudanças em ingredientes acionem automaticamente revisão dos rótulos e treinamento das equipes.

Recomendações práticas para controle de alérgenos na indústria

  • Treinamento contínuo de colaboradores sobre manipulação segura e rotulagem clara;

  • Validação de limpeza entre lotes com e sem alérgenos, por meio de testes laboratoriais;

  • Auditorias internas e revisão de rótulos por múltiplas áreas (qualidade, P&D, marketing);

  • Aplicação de ferramentas analíticas baseadas em risco, como o VITAL Program;

  • Comunicação clara com o consumidor, inclusive em canais digitais e SAC.

Diante da crescente exigência por transparência e responsabilidade compartilhada, o controle de alérgenos se consolida como um indicador de maturidade do sistema de gestão da qualidade. O alerta vindo da Irlanda não se restringe a um contexto local: ele ecoa como uma oportunidade para reforçar políticas internas, revisar fluxos operacionais e investir em soluções baseadas em ciência e prevenção.

Afinal, comunicar corretamente os riscos não é apenas uma exigência legal — é um compromisso ético com a saúde, a integridade e a confiança do consumidor.

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A fermentação elimina as proteínas alergênicas do alimento?

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O Allergen Bureau, organização que representa as indústrias para gerenciamento de alergênicos na Austrália e Nova Zelândia, publicou um guia sobre  avaliação do estado alergênico de substratos de fermentação e matérias-primas.

Você pode acessar o arquivo completo diretamente no site do Allergen Bureau.

O objetivo principal do guia é:

fornecer à indústria orientação sobre como avaliar os requisitos de declaração de alérgenos para alimentos fermentados produzidos com matérias-primas derivadas de alérgenos, independentemente do tipo de alimento produzido.

O guia apresenta um referencial teórico sobre a fermentação, princípios básicos e tipos. Entre essas considerações, é abordada a questão da presença de substratos ou matérias-primas alergênicas na composição do produto. Assim, a presença de residuais de proteína alergênica da matéria-prima no alimento à venda pode variar dependendo do tipo de fermentação e dos processos posteriores utilizados.

Para determinação do status de alergênico do produto, são fornecidas as recomendações:

  1. Levantar informações sobre o perfil alergênico das matérias-primas com o fornecedor
  2. Realizar uma avaliação de risco do processo – o guia fornece algumas perguntas que podem ser usadas como base
  3. Determinar a etapa do processo em que há a separação entre o substrato de fermentação com presença do alergênico e onde existe produto livre de sua presença

Dada a complexidade dos processos fermentativos e das questões envolvendo alergênicos, é importante a validação e verificação do processo para garantia da ausência de alergênicos no produto, através de ferramentas como: robusta avaliação de riscos, evidências e métodos científicos, guias de grupos técnicos da FAO/WHO, análises ELISA etc. O Allergen Bureau também oferece uma ferramenta para auxiliar na avaliação de risco, o Allergen risk review.

Quando não é possível validar o processo e garantir a ausência do alergênico no produto final, a recomendação é seguir com a declaração na rotulagem do produto.

Destaca-se que o foco não é um guia de validação de processo para verificar a eficácia da remoção de proteínas ou avaliar a segurança dos produtos fabricados. A publicação também chama a atenção para considerar requisitos regulatórios aplicáveis que, por vezes, tornam mandatória a declaração de alergênicos independentemente da existência de etapas de fermentação.

É importante reforçar que, no Brasil, existe regulamentação da ANVISA sobre o tema rotulagem de alergênicos. Além disso, o Guia sobre Programa de Controle de Alergênicos também é bastante relevante para as indústrias e deve ser consultado.

Imagem: Insightsias

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Coco está fora da lista de alergênicos do FDA!

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O FDA (Food and Drug Administration), em apoio ao FALCPA (Lei de Rotulagem de Alergênicos Alimentares e Proteção ao Consumidor de 2004), publicou em 6 de janeiro de 2025, um documento alterando orientações finais relacionadas à lista de alergênicos com rotulagem obrigatória.

A decisão é um ajuste que remove algumas “nozes de árvores (tree nuts)” da obrigatoriedade de declaração e ao mesmo tempo passa a exigir que sejam especificados os animais fontes de ovos e leite declarados como alergênicos.

Após uma reanálise de riscos associados a alergênicos, concluiu-se que algumas “nozes de árvores” não representam um perigo significativo para a maioria das pessoas e poderiam ser removidas da obrigatoriedade de rotulagem. Já outros alergênicos, como ovos e leite, deveriam ter informações mais claras.

A medida ocorre após estudos concluírem que no casos da nozes, algumas poderiam ser removidas da obrigatoriedade, justamente pelo entendimento de que raramente causam reações alérgicas comparáveis com outras que tem um maior potencial alergênico, como é o caso das amêndoas, castanha-de-caju, castanha-do-Pará (do Brasil), avelã ou pistache.

Por outro lado, no caso de ovos e leite, houve um entendimento de que alguns indivíduos podem ter alergias diferentes dependendo da fonte destes ingredientes, e que portanto, o animal que originou o ovo ou o leite deve ser obrigatoriamente declarado.

Nozes

O FDA reduziu sua lista de nozes de árvores que exigem rotulagem de alérgenos alimentares de 23 para 12, conforme tabela a seguir:

PERMANECE EXIGÊNCIA DA DECLARAÇÃO DE ALERGÊNICO: NÃO REQUER MAIS EXIGÊNCIA DA DECLARAÇÃO DE ALERGÊNICO:
  • Amêndoa;
  • Noz preta;
  • Castanha-do-Brasil (do Pará);
  • Noz da Califórnia;
  • Castanha-de-caju;
  • Avelã;
  • Noz japonesa;
  • Macadâmia;
  • Noz pecã;
  • Pinhão;
  • Pistache;
  • Noz inglesa ou persa.
  • Coco;
  • Noz de cola;
  • Noz de faia;
  • Noz-moscada;
  • Castanha;
  • Chinquapina;
  • Noz de ginkgo;
  • Noz de nogueira;
  • Noz de palma;
  • Noz pili;
  • Noz de carité.

Usando o exemplo do coco, um alimento tão comum e tradicional na culinária do Brasil: ele antes estava na lista que exigia sua declaração obrigatória como alergênico, e agora saiu.

O coco estava incluído neste grupo de nozes de árvores, apesar de, num olhar stricto sensu, botanicamente falando, não ser uma noz, mas um fruto seco simples de uma palmeira da família Arecaceae chamada Cocos nucifera, classificado como drupa fibrosa.

Por isso, caros leitores, por favor desconsiderem o artigo “O FDA considera coco alergênico?” que publiquei em 2019, no qual afirmava a necessidade da rotulagem de coco como alergênico ao exportar para os EUA, pois não é mais.

A partir de agora, as empresas norte-americanas e quem exporta para os Estados Unidos da América não precisarão mais declarar coco e as demais “nozes” que foram excluídas da obrigatoriedade na rotulagem. Porém, tais “nozes”, inclusive o coco, ainda precisam ser listados individualmente como ingredientes.

Assim, se porventura, um indivíduo souber que tem reações alérgicas a estas nozes que foram retiradas, apesar de não estarem na lista de alergênicos, obviamente deve evitar tais alimentos. Assim, enfatiza-se a importância de sempre ler por completo os rótulos dos alimentos a serem consumidos, em especial, a lista de ingredientes.

Ressalta-se que o FDA não declarou que o coco e outras espécies de nozes removidas da exigência de rotulagem não sejam mais alérgenos alimentares reconhecidos, apenas que os requisitos de rotulagem do FALCPA não se aplicam mais a eles.

Ovos

A FALCPA continua a exigir que ingredientes derivados de ovos, como a albumina (proteína dos ovos), sejam listados e tratados como alérgeno alimentar.

No entanto, o FDA expandiu a definição para fins de rotulagem, exigindo que seja citada a fonte dos ovos, sejam galinhas, patos, gansos, codornas e outras aves domesticadas, por exemplo: albumina (ovo de pato).

De agora em diante, um produto que utilize ovo de pato deverá ser rotulado como “ovo de pato” na lista de ingredientes e na declaração “Contém ovo de pato” (se uma declaração “Contém” for usada).

Leite

O grupo Leite e derivados seguiu a mesma lógica dos ovos, ou seja, o FDA expandiu a exigência, requerendo que agora sejam citados os ruminantes domesticados do qual o leite foi obtido, seja uma vaca, cabra, ovelha, carneiro, iaque, camelo ou outro ruminante.

Esta determinação é muito positiva, uma vez que há pessoas que podem ter reações alérgicas variadas ao leite dependendo da origem utilizada. Existem indivíduos que apresentam reações alérgicas ao leite de vaca e que não são alérgicos ao leite de cabra.

Usando como exemplo o leite de cabra, deverá ser rotulado como “leite de cabra” na lista de ingredientes e na declaração “Contém” (se uma declaração “Contém” for usada), ou seja, é preciso identificar a fonte ruminante do leite. O mesmo vale para outros derivados, como  soro de leite de cabra.

Análise de riscos requer aprimoramento constante

A decisão do FDA de reavaliar os riscos associados a alérgenos alimentares demonstra um compromisso contínuo com a ciência e a segurança dos alimentos, garantindo que apenas ingredientes de risco significativo tenham obrigação de rotulagem.

A retirada de nozes de baixo risco, como o coco, e a exigência de uma rotulagem mais clara para fontes animais de ovos e leite, fortalecem a transparência e a comunicação assertiva com o consumidor, aumentando a credibilidade das informações e facilitando sua compreensão.

Note que embora a obrigatoriedade deixe de existir, as empresas que desejarem manter tais informações no rótulo para atender a públicos específicos poderão fazê-lo.

Os fabricantes de alimentos que desejarem manter a declaração têm a opção de usar uma declaração “Alérgeno alimentar adicional [alérgeno X]” imediatamente após a declaração “Contém” ou imediatamente após a lista de ingredientes (se uma declaração “Contém” não for usada).

Medidas como essa reduzem alarmismos desnecessários e melhoram a aceitação das normas de segurança dos alimentos.

Trazendo para a realidade brasileira 

Em minha opinião, no Brasil, a ANVISA poderia adotar uma abordagem semelhante e revisar sua lista de alérgenos, especialmente no que diz respeito ao látex, que é um item obrigatório apenas em nosso país e que gera muita controvérsia.

A maioria dos casos de alergia ao látex está relacionada ao contato direto com produtos como luvas e preservativos, enquanto há uma carência de estudos que comprovem a contaminação cruzada via alimentos, tanto que apenas o Brasil tem essa exigência em sua legislação de rotulagem de alergênicos em alimentos.

A exigência atual de decalração de látex na lista de ingredientes alergênicos gera muitos transtornos, pois obriga a declaração da presença de látex quando há uso de luvas na manipulação dos alimentos, podendo gerar confusão aos consumidores, levando-os a interpretar erroneamente que o látex foi utilizado como ingrediente.

Qual o real nível de risco do uso de luvas de látex?

Qual a real efetividade de contaminação cruzada com látex em alimentos devido aos manipuladores terem utilizado luvas deste material? A rotulagem do látex ajuda a informar e prevenir problemas de saúde pública ou gera confusão aos consumidores? Deixe sua opinião nos comentários!

Uma revisão criteriosa desse requisito alinharia a regulamentação brasileira às evidências científicas, reduzindo incertezas e aprimorando a comunicação de riscos reais.

Leia também:

Perguntas e repostas sobre rotulagem de alérgenos alimentares 5° Edição – FDA

Atualização da orientação da FDA para rotulagem de alérgenos alimentares – FARE

Entendendo o látex na rotulagem de alergênicos

Alimentos alergênicos e a nossa coletânea de posts

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A famigerada alergia a camarão

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A alergia alimentar é uma condição que afeta milhões de pessoas em todo o mundo, caracterizada pela reação adversa do sistema imunológico a determinados alimentos. Com isso, tais alimentos tornam-se um risco às populações e tema importante dentro da segurança dos alimentos.

A alergia alimentar é, portanto, uma condição de saúde pública crescente que requer atenção em todos os níveis, desde o diagnóstico até a prevenção de contaminação em cozinhas e indústrias alimentícias, exigindo esforços de agentes públicos, privados e da sociedade como um todo.

A alergia a camarão, especificamente, é comum no Brasil, provavelmente por nosso hábito de consumir este crustáceo, especialmente no verão. O Brasil é um país com vasto litoral e belas praias, onde esta iguaria é muito apreciada, exigindo, por isso, cuidados rigorosos, considerando que em casos severos, a reação alérgica pode levar a óbito.

O que é uma alergia alimentar?

O sistema imunológico é projetado para proteger o corpo contra substâncias prejudiciais, como vírus e bactérias. No entanto, em pessoas alérgicas, o sistema reconhece certas proteínas alimentares como perigosas e, em consequência, o corpo inicia um processo de reação alérgica que ocorre em duas etapas principais:

  1. Sensibilização: Quando o sistema imunológico de uma pessoa alérgica encontra pela primeira vez um alergênico e reage produzindo anticorpos IgE, que se ligam a células imunológicas chamadas mastócitos e basófilos;
  2. Reação: Ao ser exposto ao mesmo alergênico novamente, os anticorpos IgE ativam os mastócitos e basófilos, liberando histamina e outras substâncias inflamatórias, provocando sintomas imediatos como inchaço, urticária, cólicas abdominais e, em casos extremos, anafilaxia.

Uma alergia alimentar, portanto, ocorre quando o sistema imunológico de um indivíduo identifica uma substância inofensiva presente em um alimento como uma ameaça. Isto gera uma resposta imunológica exagerada, com sintomas que podem variar desde leves, como coceira e erupções cutâneas, até graves, como dificuldade respiratória e choque anafilático.

No caso do camarão, quem inicia o processo de reação alérgica é principalmente a tropomiosina, uma proteína muscular estável ao calor. Isso gera uma reação de defesa por meio da produção de anticorpos específicos, mais comumente a imunoglobulina E (IgE).

O mecanismo de reação imunológica inicia durante a primeira exposição ao camarão, quando as proteínas alergênicas, especialmente a tropomiosina, é reconhecida como um antígeno pelo sistema imunológico de algumas pessoas.

Como curiosidade, a alergia a camarão e aos ácaros  compartilham alérgenos de reação cruzada, sendo a mais conhecida justamente a tropomiosina. Por isso, é comum que alérgicos a ácaros desenvolvam alergia à camarão.

Na sequência, as células dendríticas capturam essas proteínas e as apresentam às células T auxiliares (Th2), que estimulam os linfócitos B a produzir IgE específica para o alérgeno.

Após a sensibilização inicial, em que o sistema imunológico já havia produzido imunoglobulina E (IgE) específica contra as proteínas do camarão, a IgE se liga a receptores localizados na superfície de mastócitos e basófilos, “preparando” o organismo para uma futura exposição ao alergênico, visando uma rápida resposta de “proteção” ao suposto “antígeno”.

Até então, o indivíduo sensibilizado ainda não apresenta sintomas, pois a ocorrência alérgica propriamente dita ainda não ocorreu. No entanto, daí em diante, as células estão prontas para desencadear uma resposta rápida na próxima exposição ao camarão, levando à liberação dos mediadores inflamatórios que causam os sintomas, como a histamina.

A histamina desempenha um papel crucial nesse processo, sendo responsável por muitos dos sintomas observados durante as crises alérgicas, como surtos e constrição das vias aéreas. Ao se ligar a seus receptores no corpo, ela causa dilatação dos vasos sanguíneos, aumento da permeabilidade capilar e contração dos músculos lisos, o que pode resultar em sintomas de deficiências graves, como falta de ar e em casos mais extremos, choque anafilático.

Por isso, muitas pessoas relatam que podiam comer normalmente camarão, mas subitamente foram acometidos de alergia, quando na verdade, não foi tão súbito assim, pois o processo foi sendo construído. Em muitos casos, ocorrem inicialmente sinais brandos, como vermelhidão e coceira, até chegar a dificuldades respiratórios, podendo evoluir para choque anafilático.

As reações alérgicas podem ser fatais, especialmente se não forem tratadas rapidamente, requerendo maior atenção quando ocorre o chamado choque anafilático, uma emergência médica caracterizada pela queda da pressão arterial e obstrução das vias respiratórias, o que pode levar à morte.

  • No Brasil, os dados sobre mortalidade associada a alergias alimentares em geral são limitados. No entanto, estima-se que ocorram cerca de 10 a 20 óbitos anuais devido a reações graves a alimentos, com mariscos e amendoim sendo os principais responsáveis;
  • Globalmente, cerca de 150 a 200 mortes por ano são relatadas devido a anafilaxia relacionada a alergias alimentares, com a prevalência mais alta em países desenvolvidos, considerando que nos outros pode haver uma não notificação ou subnotificação.

Indivíduos com histórico familiar de alergias, especialmente a alimentos, têm uma probabilidade maior de desenvolver alergias ao camarão, indicando que a predisposição genética é um fator chave para o desenvolvimento de alergias alimentares. Além disso, a exposição repetida ao crustáceo pode aumentar o risco em pessoas predispostas.

O número de casos de alergia a camarão no Brasil não é amplamente documentado, mas estima-se que entre 1% e 2% da população adulta possa ser afetada por alergias a frutos do mar, incluindo camarão.

As notificações de reações graves, como anafilaxia, aumentaram nos últimos anos, especialmente em áreas costeiras onde o consumo de frutos do mar é mais comum. No entanto, a subnotificação continua a ser um desafio, dificultando a precisão das estatísticas.

Não confunda alergia ao camarão com dificuldades respiratórios provocadas pelo sulfito,  especialmente em asmáticos, pois apesar deste agente conservante, antioxidante e branqueador muito usado neste crustáceo também ter o potencial de causar dificuldades respiratórias, o mecanismo acionado não é de uma alergia típica, como visto no artigo “Por favor, parem de chamar os sulfitos de alergênicos!“.

Sulfitos, além do camarão, são muitas vezes utilizados em frutas secas, como nozes, castanhas, passas, damascos, em leite de coco e água de coco, em sucos de frutas concentrados, em vinho e em muitos outros alimentos e bebidas.

Esta ressalva é importante porque no caso do sulfito, o problema não envolve a produção de anticorpos, mas o estimulo do sistema parassimpático, que provoca a chamada broncoconstrição colinérgica dependente. Esta reação pode gerar falta de ar e, neste caso, há estimativas para limites abaixo dos quais pode ser considerado seguro (10 mg/kg ou 10 mg/l), o que é bastante diferente das alergias típicas, uma vez que são desencadeadas assim que o organismo sensível identifica qualquer sinal da proteína indesejada e desencadeia uma reação imunológica descontrolada e adversa.

Cuidados para evitar contaminação cruzada nas indústrias e cozinhas industriais

Normalmente um indivíduo que é alérgico a um determinado produto naturalmente tende a evitá-lo, ou ao menos deveria fazer isso, lendo rótulos de produtos industrializados e conhecendo os ingredientes dos pratos que escolhe nos restaurantes.

Contudo, o risco permanece devido à chamada contaminação cruzada, que ocorre quando alimentos que não contêm alergênicos entram em contato com proteínas alergênicas, o que pode ocorrer através de utensílios, superfícies ou equipamentos contaminados.

Este tipo de contaminação representa um grande risco para indivíduos alérgicos, podendo ocorrer principalmente em ambientes industriais onde não se praticam procedimentos para prevenir a contaminação cruzada e em cozinhas nas quais múltiplos tipos de alimentos são manipulados simultaneamente.

Um indivíduo com alergia a camarão precisa ter muito cuidado na escolha dos restaurantes que frequenta, certificando-se de que sabem o que é uma alergia e que possuem medidas para prevenir o problema. Um simples descuido, como o uso de uma mesma colher para mexer um prato com camarão e outro sem camarão, pode gerar uma contaminação cruzada e desencadear uma reação alérgica.

Por isso, é preciso implantar um Programa de Controle de Alergênicos (PCAL) que consiste num conjunto de medidas e procedimentos para prevenir alergias alimentares. O objetivo desse programa é evitar a contaminação cruzada entre alimentos que contêm alergênicos e os que não os contêm, assegurando a correta rotulagem dos alimentos. Um PCAL inclui ações como:

  1. Identificação dos alergênicos: Reconhecimento dos ingredientes alergênicos utilizados no processo de produção;
  2. Segregação e armazenamento: Separação adequada dos ingredientes e produtos para evitar contaminação;
  3. Controle no processo produtivo: Monitoramento de todas as etapas da fabricação para prevenir a contaminação cruzada;
  4. Equipamentos separados: Utensílios, tábuas de corte, bancadas de trabalho, panelas nas cozinhas e equipamentos industriais que não podem ser higienizados rigorosamente nos setups devem ser dedicados ao preparo de alimentos livres de alergênicos;
  5. Áreas isoladas: Quando possível, áreas específicas da cozinha ou linha de produção devem ser dedicadas exclusivamente ao preparo de alimentos sem alergênicos, minimizando a possibilidade de contaminação cruzada;
  6. Limpeza e desinfecção adequadas: Após o manuseio de alimentos alergênicos, superfícies, utensílios e equipamentos devem ser limpos e desinfetados para garantir que não haja vestígios de alergênicos;
  7. Treinamento de funcionários: Capacitação dos trabalhadores para manuseio correto e seguro de alimentos alergênicos;
  8. Rotulagem rigorosa: Ingredientes contendo alergênicos devem ser rotulados claramente, e a rotulagem de alimentos industrializados deve seguir normas que identifiquem possíveis alergênicos no produto, mesmo que em quantidades traço;
  9. Fornecedores confiáveis: A escolha de fornecedores que seguem protocolos rígidos de controle de alergênicos é crucial para garantir que os ingredientes cheguem livres de contaminação cruzada.

Devido à importância e aos riscos das alergias alimentares para a saúde pública, agentes públicos são envolvidos e desenvolvem legislações que variam entre regiões naquilo que consideram a necessidade de rotulagem. No Brasil, temos RDC nº 727/2022 da ANVISA; nos EUA, o Food Allergen Labeling and Consumer Protection Act (FALCPA), e na União Europeia, o Regulamento (UE) nº 1169/2011.

A tabela a seguir resume o que cada legislação considera como alergênico no Brasil (ANVISA), nos EUA (FALCPA) e na União Europeia:

BRASIL

RDC nº 727/2022 da ANVISA

ESTADOS UNIDOS

Food Allergen Labeling and Consumer Protection Act (FALCPA)

UNIÃO EUROPEIA

Regulamento (UE) nº 1169/2011

TRIGO Sim, incluindo também centeio, cevada, aveia e suas estirpes híbridas. Sim Sim, citando glúten (presente em trigo, centeio, cevada, aveia, espelta, kamut).
CRUSTÁCEOS Sim, citando camarão e lagosta. Sim, citando camarão, lagosta e caranguejo. Sim, citando camarão e lagosta.
OVOS Sim Sim Sim
PEIXES Sim Sim, citando bacalhau e salmão. Sim
AMENDOIM Sim Sim Sim
SOJA Sim Sim Sim
LEITE Sim, citando leite de todos os mamíferos. Sim. Sim e incluindo lactose, apesar da lactose não causar uma reação alérgica propriamente.
AMÊNDOAS Sim, citando amêndoas, avelãs, castanha de caju, castanha-do-Brasil (também chamada de castanha-do-Pará), macadâmias, nozes, pecãs, pistaches, pinoli (sementes de pinheiro) e outras castanhas em geral. Sim, citando amêndoas, nozes, castanha de caju, pecã, pistache. Sim, citando amêndoas, avelãs, nozes, castanha de caju, noz pecã, pistache, macadâmia, castanha-do-Brasil.
LÁTEX NATURAL Sim, citando látex presente em embalagens de alimentos. Não Não
AIPO Não Não Sim
MOSTARDA Não Não Sim
SEMENTES DE SÉSAMO/ GERGELIM Não Não Sim
DIÓXIDO DE ENXOFRE E SULFITO (SO2) Não Não Sim, citando concentrações superiores a 10 mg/kg ou 10 mg/l, apesar do dióxido de enxofre e dos sulfitos não causarem propriamente reações alérgicas.
LUPINO/ TREMOÇO Não Não Sim
MOLUSCOS Não Não Sim, citando mexilhões, ostras e lulas.

Você tem ou conhece alguém com alguma alergia a alimentos? O artigo fui útil? Tem informações a acrescentar? Conte-nos nos comentários sua experiência com este tema.

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Semana Nacional de Conscientização sobre Alergia Alimentar: novo marco na conscientização

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No dia 23 de novembro de 2023, foi sancionada no Brasil a Lei nº 14.731, que instituiu a Semana Nacional de Conscientização sobre Alergia Alimentar, a ser celebrada na terceira semana de maio de todos os anos.

O reconhecimento da necessidade de ter uma data para a pauta da alergia alimentar acontece pelo crescente aumento nos casos, não só no Brasil, mas no mundo todo. Um problema eminente na saúde pública, muitas vezes silenciosa, a alergia alimentar manifesta-se após a ingestão direta ou indireta (contaminação cruzada) de algum alimento considerado “estranho” pelo corpo humano.

Sua manifestação pode ocorrer com desconfortos momentâneos, como manchas vermelhas espalhadas pelo corpo, coceira ou inchaço. Também podem ocorrer, nos casos mais graves, dificuldade ao respirar, dor abdominal, tontura, entre outros sintomas. Em alguns casos,  a alergia alimentar pode  até levar a vítima a óbito.

O Brasil conta com regulamentação específica para rotulagem de alergênicos, por meio da RDC 727/2022, que apresenta em seu anexo III a listagem dos principais alergênicos, dentre eles: leite, soja, ovo, trigo, amendoim, castanhas, peixes e crustáceos, além do látex.

Ao contrário do que se pensa, o simples fato de não consumir o produto diretamente, não exime a pessoa alérgica da exposição, que pode ocorrer por meio da contaminação cruzada, ou seja, o alergênico pode estar presente por meio de pequenas partículas em razão do compartilhamento de utensílios ou de superfícies.

Por isso, adotar procedimentos de prevenção de contaminação cruzada, como metodologias validadas de limpeza de linhas (CIP) que processaram alergênicos, além de outros controles, é parte importantíssima na luta contra a alergia alimentar.

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Publicação de Guia para Programa de Monitoramento Ambiental, com indicadores e níveis aceitáveis

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Seja por ser requisito dos principais esquemas de certificação ou pela sua relevância para a segurança dos alimentos, um programa de monitoramento ambiental é essencial para as empresas acompanharem a eficácia das medidas de controle de contaminação microbiológica.

Entretanto, os responsáveis por esses programas sempre têm dúvidas, como: quais microrganismos considerar, frequência e pontos de coleta, quais os níveis aceitáveis para os resultados etc.

Nesse intuito, a Neogen/3M em parceira com a Cornell University, publicou um guia completo para auxiliar os responsáveis pelos sistemas de gestão a implementar o programa de monitoramento ambiental nas organizações. O guia é composto por 8 capítulos, estruturados da seguinte forma:

  1. A importância da amostragem ambiental em programas de qualidade e segurança de alimentos
  2. Monitoramento de higiene baseada em proteína e ATP
  3. Monitoramento ambiental para organismos indicadores
  4. Monitoramento ambiental para patógenos
  5. Monitoramento ambiental para organismos deteriorantes
  6. Monitoramento ambiental para alérgenos
  7. Condução de mudanças significativas em sua organização por meio da cultura e do monitoramento ambiental
  8. Orientação de amostragem ambiental

O guia apresenta informações relevantes que podem servir de base para o programa de monitoramento ambiental, como definição de zonas de amostragem, com base em risco:

Outra informação bastante útil é a orientação de microrganismos indicadores e níveis aceitáveis para os resultados de análises:

Esse guia apresenta diversas informações que podem ser utilizadas tanto no planejamento do programa de monitoramento ambiental como na análise dos resultados e investigação de desvios e contaminação.

Para saber mais, acesse o documento completo aqui.

Além disso, para saber mais sobre o tema, acesse outras publicações do blog, como:

Monitoramento ambiental de patógenos (PEM) para alimentos de baixa atividade de água

Elaborando um plano de monitoramento ambiental

Quais microrganismos devo considerar no Plano de Monitoramento Ambiental?

Monitoramento ambiental de alergênicos

Imagem: Food Engineering

2 min leituraSeja por ser requisito dos principais esquemas de certificação ou pela sua relevância para a segurança dos alimentos, um programa de monitoramento ambiental é essencial para as empresas acompanharem a […]

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Gestão de Alergênicos na Versão 6 FSSC 22000 – dicas para implementar o requisito adicional!

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Hoje vamos falar um pouco sobre o requisito adicional de Gerenciamento de Alergênicos na versão 6 da FSSC 22000.

A nova versão apresenta o tema de forma mais detalhada e com exigências mais claras. Para empresas que já atendem à legislação brasileira e têm implementado um programa de gestão de alergênicos não há muito mistério. Entretanto, acho que vale uma discussão para melhor entendimento de cada requisito. Para isso, vou esmiuçar cada item que o requisito adicional trata, dando dicas e fazendo comentários com base na experiência e nas melhores práticas conhecidas.

Se você tem interesse em aprofundar-se mais no assunto, recomendo ler a coletânea de posts sobre alergênicos que já publicamos no blog.

Mesmo para indústrias de embalagens, este requisito adicional é aplicável. Por isso, para entender um pouco mais sobre alergênico neste segmento recomendo estes posts: Procedimento para controle de alergênicos em embalagens  e Controle de alergênicos na indústria de embalagens.

Para quem vai estruturar este programa ou deseja melhorar o que já possui, recomendo este documento da Anvisa como modelo a ser seguido. Nele é apresentado um passo a passo para implementar o Plano de Controle de Alergênicos. Bom trabalho!

Agora vamos ao que interessa.

O requisito adicional determina que “a organização deve possuir um plano de gerenciamento de alérgenos que inclua”:

a)     “Lista dos alérgenos manipulados no local, inclusive em matérias-primas e produtos acabados”

Para ter esta informação é primordial realizar questionamento aos fornecedores de matérias-primas, que são os que detêm o conhecimento sobre o processo, os ingredientes alergênicos utilizados na planta, os compartilhamentos de linha e o risco de contaminação cruzada.

Para isso é recomendável ter um formulário onde perguntas direcionadas são realizadas. Este registro deve ser mantido atualizado para garantir que a comunicação adequada esteja ocorrendo. Segue aqui um exemplo.

 b)     “Avaliação de risco abrangendo todas as fontes potenciais de contaminação cruzada com alérgenos”

Para atendimento a este requisito, uma forma de demonstrar evidência é identificar o perigo alergênico no APPCC nas etapas do processo, em virtude de compartilhamento de linha, de equipamentos, de utensílios ou por proximidade, e realizar análise do risco considerando a probabilidade de ocorrência e a severidade.

Outra forma também é no próprio procedimento de gestão de alergênicos já documentar esta avaliação, de forma simples, como por exemplo uma tabela com as seguintes informações:

Etapa

Risco alergênico envolvido

Controles existentes

Pesagem de matérias-primas

Contaminação cruzada por compartilhamento de utensílios de pesagem

Utensílios dedicados e segregados por cor para cada alergênico; Treinamento dos responsáveis

Pesagem de matérias-primas

Contaminação cruzada por compartilhamento de local/ambiente

Determinação de horários específicos para pesagem de matérias primas alergênicas e não alergênicas; Instrução de limpeza do local após pesagem de alergênico;

Troca de uniforme entre pesagem de alergênico e não alergênico

c)      “Identificação e implementação de medidas de controle para reduzir ou eliminar o risco de contaminação cruzada, com base no resultado da avaliação de risco”

Para cada etapa onde seja identificado risco de contaminação cruzada de alergênico (seja risco baixo ou alto), medidas preventivas devem ser implementadas de forma robusta. Por exemplo:  Área de pesagem de matérias primas – risco de contaminação cruzada por compartilhamento de utensílios de pesagem – Exemplos de controles: uso de utensílios dedicados, segregação de local de pesagem, troca de uniforme entre pesagem de alergênico e não alergênico, ordem/sequenciamento de pesagem do não alergênico para alergênico, higienização das mãos e limpeza do local após manipulação de matéria prima alergênica. Fazer esta identificação e implementação para todas as etapas que apresentam risco de contaminação cruzada.

Segue sugestão de post sobre limpeza para controle de alergênicos.

d)     “A validação e verificação dessas medidas de controle devem ser implementadas e mantidas como informação documentada. Quando mais de um produto for produzido na mesma área de produção com diferentes perfis de alérgenos, o teste de verificação deve ser realizado com uma frequência baseada no risco, por exemplo, testes de superfície, amostragem de ar e/ou testes de produtos”

Todos os controles implementados precisam ter evidência de que são de fato eficazes. Para isso, a validação dessas medidas de controles devem contemplar, por exemplo:

– testes analíticos quantitativos em equipamentos (ex. análise residual de alergênico após limpeza em amostra de água de enxágue, swab de equipamentos)

testes analíticos quantitativos em produto (ex: análise residual de alergênico em produto fabricado posteriormente após limpeza da linha com produção de alergênico)

– testes e entrevistas com os responsáveis pelos monitoramentos dos controles

Acesse aqui e aqui posts sobre validação de limpeza de alergênicos.

Após validados os controles, é necessário continuamente avaliar a manutenção da eficácia. Isso é alcançado através das atividades de verificação, que podem ser variadas, mas precisam estar definidas, planejadas e implementadas.

Alguns exemplos de atividades de verificação:

– análise swab de local sem alergênico (monitoramento ambiental de alergênicos)

– análise swab de superfície de contato após limpeza de alergênico

– análise swab de uniformes de colaboradores que circulam em áreas não alergênico e alergênico

– análise qualitativa de alergênico-alvo em amostra de água de enxágue após limpeza

– análise qualitativa de alergênico-alvo em amostra de produto sem alergênico após limpeza

– entrevistas com os responsáveis

– verificação dos registros de limpeza entre produto com alergênico e sem alergênico

e)     “Rótulos de precaução ou de alerta só devem ser usados quando o resultado da avaliação de risco identificar a contaminação cruzada de alérgenos como um risco para o consumidor, mesmo que todas as medidas de controle necessárias tenham sido efetivamente implementadas. A aplicação de rótulos de advertência não isenta a organização de implementar as medidas necessárias de controle de alergênicos ou realizar testes de verificação”

Bastante similar ao conceito da RDC 727/22 em relação à rotulagem de alergênicos. Aqui o requisito deixa claro que o fato de a rotulagem de precaução indicar “pode conter” não exime a obrigatoriedade da empresa em implementar um Programa de Controle de Alergênicos com medidas preventivas de contaminação cruzada.

f)       “Todo o pessoal deve receber treinamento em conscientização sobre alérgenos e treinamento específico sobre medidas de controle de alérgenos associados à sua área de trabalho

Costumo dividir em dois tipos as capacitações sobre alergênicos. Uma é mais genérica, somente para conscientização do risco de alergênico à saúde de quem possui alergia alimentar e os cuidados necessários. A outra é por setor, com ementa específica relacionada aos controles daquela área.

Exemplos:

– Treinamento de Conscientização de Alergênico (público-alvo: todos!) – ementa mais simples e tempo de menor duração;

– Treinamento Boas Práticas de Gestão de Alergênico por setor (público-alvo: setor x) – ementa mais aprofundada, detalhada, com dinâmicas, podendo ser on the job e com maior tempo de duração. A ideia é cada setor receber um treinamento personalizado para sua atividade e esgotar ao máximo às dúvidas dos responsáveis.

g)      O plano de gerenciamento de alérgenos deve ser revisado pelo menos uma vez ao ano e após qualquer mudança significativa que afete a segurança do alimentos, um recall público ou recolhimento do produto pela organização como resultado de um ou mais alérgeno, ou quando as tendências na indústria mostrarem contaminação de produtos similares relacionados com alérgenos. A revisão deve incluir uma avaliação da eficácia da medida de controle existente e a necessidade de medidas adicionais. Os dados de verificação devem ser analisados e usados como entrada para a revisão”.

A sistemática de gestão de alergênicos precisa ser revisada no mínimo anualmente, conforme deixou claro o requisito. Isso porque os cenários mudam. Veja alguns exemplos de mudanças que podem impactar no resultado dos controles de alergênicos:

– mudança de contexto

– novos produtos

– novas matérias primas

– novos fornecedores

– mudanças de leiaute

– novos equipamentos e materiais de contato

– alteração em produto químico de limpeza

– alteração em instrução de limpeza

– mudança de pessoal

É tanta coisa que muda em um único ano! Por isso deve estar programada na agenda da ESA a revisão do Plano de Gerenciamento de alergênicos. Uma forma de evidenciar isso é através da elaboração de um relatório contemplando avaliação de todas as mudanças ou até mesmo um checklist com perguntas investigativas para ajudar a ESA na revisão pormenorizada de todos os controles e cenários existentes.

h)     “Apenas Categoria D (Processamento de feed e pet food) – Onde não houver legislação relacionada a alérgenos para o país de venda referente a produtos para alimentação animal, esta seção dos requisitos do Esquema pode ser indicada como ‘Não Aplicável’, a menos que uma declaração relacionada a um status de alergênico tenha sido feita no produto”.

Esta indicação de não aplicável pode ser feita no Manual do SGSA da organização ou em outro documento relevante.

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Parasita Anisakis como causa de alergia por consumo de peixes

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Anisakis simplex é um parasita que pode estar presente na carne de peixes. Ele é considerado um perigo biológico e um problema de segurança de alimentos ao se consumir peixes ou moluscos (polvos, lulas) de origem marinha, crus ou mal cozidos e que não tenham sido previamente submetidos a condições específicas de congelamento. O ciclo biológico do parasita vermiforme Anisakis simplex requer a presença de mamíferos aquáticos como focas, leões marinhos ou golfinhos, portanto esse tipo de parasita não ocorre em peixes de rio ou criados em cativeiro. Esse parasita, quando consumido vivo ou viável, produz no homem uma doença chamada anisaquíase, que se caracteriza por náuseas, vômitos, dores abdominais e diarreia. Este é o aspecto mais característico da infestação parasitária. Em outra postagem neste blog, esse aspecto foi desenvolvido de forma mais ampla (veja aqui).

Mas há também uma outra  doença que está diretamente relacionada à ingestão de Anisakis e que se observa como uma reação alérgica às proteínas do parasita e é sobre isso que quero me referir brevemente neste post. Observou-se que uma ou mais proteínas do parasita podem exercer efeito como alérgenos, causando a produção de anticorpos pelo consumidor.

Os principais sintomas observados são comichão e vermelhidão da pele e, mesmo nos casos mais graves, dificuldade respiratória. Também pode ser o caso de choque anafilático, que geralmente é causado por alimentos ou medicamentos e produz uma diminuição da pressão arterial com risco de vida. Afetações mistas têm sido descritas com apresentação de sintomas de parasitização gastroentérica, acompanhados de sinais de alergia alimentar. Embora este tipo de distúrbio tenha sido associado à ingestão de carne de peixe crua ou mal cozida contendo larvas viáveis de Anisakis simplex, também está associado ao consumo quando as larvas são inativadas por congelamento prolongado ou cozimento em temperaturas superiores a 60°C por pelo menos 2 minutos. Em outras palavras, a inativação das larvas do parasita não o isenta de causar alergia em pessoas suscetíveis. Determinou-se que o alérgeno é estável em temperaturas de congelamento e de cozimento (termoestável).

Preparações culinárias de estilo asiático, como sushi ou sashimi, além de salgadas, semi-conservadas, preparadas em vinagre ou suco de limão como o ceviche, não são capazes de garantir a morte do parasita, sua sobrevivência está comprovada e portanto, sua capacidade de infestação.

Vale ressaltar que, neste caso, a alergia é independente daquela causada pelas proteínas do peixe, uma vez que é devida apenas à proteína do parasita. Isso pode confundir a origem da reação alérgica, por isso o diagnóstico correto não é fácil. Portanto, a alergia a Anisakis passou a fazer parte da lista de antígenos para alergias alimentares. Países como Espanha, Portugal e Holanda observaram um aumento nos casos de alergia por essa causa. Uma ou mais das proteínas componentes do Anisakis são reconhecidas pelo corpo humano como um alérgeno e o resultado é a reação do sistema imunológico produzindo anticorpos chamados IgE como defesa contra o alérgeno.

Referências:

https://foodsafetybrazil.org/parasita-anisakis-potencial-perigo-do-sashimi/

https://foodsafetybrazil.org/limao-cozinha-os-alimentos/

https://foodsafetybrazil.org/sulfitos-no-camarao-qual-e-o-risco/

https://www.msdmanuals.com/pt/casa/doenças-imunológicas/reações-alérgicas-e-outras-doenças-relacionadas-à-hipersensibilidade/considerações-gerais-sobre-

https://foodsafetybrazil.org/codigo-de-pratica-de-gestao-de-alergenicos-codex-em-portugues/

Inmunología celular y molecular.- Propiedades generales de las respuestas inmunitarias- Abul K Abbas.

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Declarar traços de alergênicos em rótulos de alimentos é ilegal

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Frequentemente me deparo com produtos cuja rotulagem de alergênicos apresenta o termo com a palavra traços. “Pode conter traços de glúten”, “Contém traços de ovo”, e por aí vai… Não são casos isolados infelizmente. Mas cuidado: declarar traços é ilegal!

As regras para declaração de alergênicos estão descritas na RDC 26/15 da Anvisa e já as apresentamos aqui no blog, com exemplos práticos, mas como tenho visto que este tema ainda persiste como dúvida em empresas de alimentos, trago novamente o assunto.

Segundo a RDC 26/15, a declaração da contaminação cruzada com alimentos alergênicos ou seus derivados deve ser realizada por meio da advertência:

ALÉRGICOS: PODE CONTER (NOME COMUM DO ALIMENTO ALERGÊNICO)

Veja que não há opção de traços! É somente:  PODE CONTER + ALERGÊNICO

E por que ainda continuam a rotular traços? De onde veio essa prática?  Vamos lá…

  1. O que são traços?

São partículas de um alérgeno que não foram adicionadas de forma intencional ao produto. Isso quer dizer que esta transferência ocorre em consequência da contaminação cruzada (exemplos: falhas de limpeza de equipamentos, compartilhamento de utensílios ou linhas, contaminação ambiental, falhas na embalagem, entre muitos outros casos). (Fonte: Perguntas e Respostas da ANVISA).

  1. Mas se são partículas, tenho que me preocupar?

Sim, pois quantidades muito pequenas dos alérgenos podem ser suficientes para desencadear uma grave reação alérgica em alérgicos muito sensíveis.

  1. Por que antigamente se declarava “traços”?

No Brasil, há alguns anos atrás, não havia regulamentação de como deveriam ser declarados os alergênicos nos alimentos (na verdade, não havia nem obrigação). Dessa forma, algumas empresas, por iniciativa própria ou por seguirem diretrizes da sua matriz (quando multinacionais, por exemplo), rotulavam alergênicos seguindo seu próprio padrão de declaração ou se baseando em regulamentações de outros países que já tinham esse tema consolidado e implementado. Portanto, a palavra “traços” era comumente utilizada naquela ocasião, para casos de contaminação cruzada.

  1. E por que agora é errada a utilização deste termo?

Em 2015, no nosso país, com a publicação da Resolução da Diretoria Colegiada – RDC N° 26, de 2 de julho de 2015, as regras para rotulagem de alergênicos foram estabelecidas! Ficou determinado que para casos de contaminação cruzada, a forma legal e correta deve ser a seguinte: ALÉRGICOS: PODE CONTER (NOME COMUM DO ALIMENTO ALERGÊNICO)

Concluímos então, que o termo “contém traços ou “pode conter traços” não está previsto em nossa legislação, portanto está errado.

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Alergênicos em alimentos dentro do panorama regulatório e da segurança dos alimentos

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A prevalência de alergias alimentares cresce ao longo dos anos, mobilizando a saúde pública global e localmente, num cenário onde evitar consumir o alimento potencialmente alergênico continua sendo a maneira mais eficaz de prevenir os quadros alérgicos. No Brasil, o movimento “Põe no Rótulo”, conduzido inicialmente por mães de crianças alérgicas, demonstra desde a proximidade do tema com nossa sociedade, a importância da informação correta acessível no rótulo, única ferramenta onde este público pode se apoiar para a seleção correta de seus alimentos.  Gabriela Lopez Velasco, especialista global de Food Safety na 3M, desvenda o panorama regulatório atual de alergênicos em alimentos, contextualizando sua origem e esclarecendo a relevância do caráter preventivo ao olhar para o futuro.

Felipe Zattar – Especialista Técnico 3M

 

Alergênicos em alimentos dentro do panorama regulatório e da segurança dos alimentos

Boa parte das normas e recomendações globais para o manejo de alergênicos se referem, com frequência, à correta declaração de ingredientes específicos, conhecidos por causarem reação adversa em indivíduos sensíveis a eles. Estas diretrizes são concebidas não apenas para facilitar a identificação e a prevenção do consumo deste alimento por parte do público alérgico, mas também para dar assistência às empresas na declaração correta dos eventuais componentes alergênicos em seus alimentos. O Ato de Rotulagem de Alergênicos e Proteção ao Consumidor (FALCPA, 2004), nos EUA, se tornou efetivo em 2006, estabelecendo o “Big 8”: oito grupos de alimentos listados como alérgenos e passíveis de declaração em rótulo: leite, ovo, peixe, crustáceos, amendoins, trigo, soja, além de sementes oleaginosas (castanha, noz, amêndoa, etc.).

Na Europa, dois atos – 1169/2011 da FIC e a publicação de 2014 da FIR – orientam a declaração de 14 alimentos com potencial alergênico: além dos Big 8, alimentos que contenham glúten, mostarda, moluscos, gergelim, tremoço e aipo. Globalmente, a seção 4.2.1.4 dos Padrões para Rotulagem de Alimentos do CODEX Alimentarius – do qual o Brasil é signatário – torna compulsória a declaração dos Big 8, além dos cereais contendo glúten. Países como Austrália, Nova Zelândia, Japão, Canadá e Argentina possuem requerimentos similares ao Big 8, além de um ou outro grupo de interesse. Em linhas gerais, apesar de haver diversos alimentos potencialmente alergênicos, os países elaboram suas normas considerando as preferências culturais e da dieta de sua população, ponderando, também, a importação e exportação global de alimentos.

Neste cenário, o Brasil publica a RDC 26/2015, definindo padrões e responsabilidade de declaração, além de seus grupos de interesse: os Big 8, com especial atenção à lista nominal de oleaginosas, além do pinhão e do látex natural. A legislação brasileira se destina a todas as instâncias que oferecem alimentos para consumo, sejam indústrias, restaurantes ou pontos de venda. Também estabelece responsabilidade para os fornecedores de matérias primas que, apesar de não estarem obrigados a rotular os materiais, são responsáveis por documentar a informação junto àquele produto, englobando, desta forma, toda a cadeia de produção.

Mesmo com a robustez mundial no controle de alergênicos, estima-se que mais de 40% dos recalls de alimentos estão relacionados a alergênicos não declarados, resultado de declarações inadequadas ou contaminações cruzadas, o que sugere que cuidados adicionais são necessários, por parte dos produtores de alimentos, para garantir rotulagem eficiente e controle sobre a contaminação. O Ato de Modernização de Segurança dos Alimentos e proposta de código de manejo e gerenciamento de alergênicos (CODEX) utilizam abordagem preventiva, estabelecendo planos de controle que incluem estratégias e procedimentos para se chegar a este fim. A aderência aos requisitos de rotulagem é fundamental para proteger os consumidores e evitar alergias veiculadas por alimentos e, igualmente, são importantes os controles que previnem a inserção destes alérgenos nos alimentos.

Gabriela Lopez Velasco

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