Muita gente já a conhece pelo trabalho ou já a ouviu em palestras e eventos. Ela é perita, grande disseminadora de conhecimento, sempre disponível e acessível para dar informações e contar casos que marcaram sua carreira.
Dra Andrea Boanova é médica veterinária, especialista em Direito Sanitário, mestre e doutora em Saúde Pública, com uma vasta experiência na área de alimentos, estando à frente da Vigilância Sanitária de Alimentos do município de São Paulo por 32 anos, além de ser perita pelo Instituto de Medicina Social e Criminologia (IMESC). Atua também como perita aduaneira, judicial e com emissão de laudos, pareceres técnicos e defesa em fiscalizações. Já publicou livros e ministra aulas e palestras para compartilhar conhecimento e contribuir para a área de alimentos.
É sempre interessante entendermos um pouco mais sobre o funcionamento dessa área, além de conhecer casos marcantes que podem contribuir para o nosso trabalho na área de alimentos, seja dentro da indústria ou nas auditorias e consultorias Brasil afora!
Dra Boanova, obrigada por aceitar esse convite! Um prazer estar mais uma vez contigo, uma profissional tão relevante para a nossa área. Como foi sua escolha pela área: o que a levou a seguir na área de perícia em alimentos?
Resposta: Primeiramente eu gostaria de agradecer a oportunidade de colaborar com esse espaço tão importante, para podermos compartilhar um pouco do nosso trabalho e contribuir com os profissionais que atuam na área de alimentos.
A experiência na Vigilância Sanitária de Alimentos de São Paulo me mostrou como a fiscalização é importante para a elucidação de possíveis causas de contaminação dos alimentos. E o ato de fiscalizar nada mais é do que uma perícia. A diferença está no fato de que, na fiscalização, o processo é administrativo.
Motivada pela minha atuação na fiscalização, senti a necessidade de fazer uma segunda faculdade, a de Direito. Nessa área conheci a perícia judicial e me encantei. Posso agora exercitar as minhas duas áreas de formação que se complementam, sempre com o objetivo de proteger a saúde do consumidor.
Pensando em quem quer seguir ou quem não imagina como é o dia a dia do perito aduaneiro em alimentos, explique como funciona, na prática, um caso de perícia aduaneira e qual é o processo para ser um perito aduaneiro?
Resposta: Eu gostaria de esclarecer a diferença entre a perícia judicial e a perícia aduaneira. A perícia judicial pode ser realizada por qualquer profissional com capacitação e expertise em determinada área ou assunto. Ele se cadastra nos tribunais e a sua indicação para perícias é feita pelo juiz. Já para a perícia aduaneira, que também deve ser realizada por profissionais que possuem capacitação e expertise em determinadas áreas de atuações, preestabelecidas pela Receita Federal do Brasil – o acesso à função é por meio de processo seletivo.
Na perícia aduaneira, o profissional vai auxiliar o fiscal ou auditor da Receita Federal do Brasil com a classificação e quantificação de mercadorias importadas ou a serem exportadas, nos casos em que ele tiver qualquer dúvida técnica que requeira a ajuda de um profissional especializado. Por exemplo: a pessoa diz que importou tomate seco. Visualmente não é possível identificar se é tomate seco mesmo ou uma pimenta desidratada. Então o perito aduaneiro recolhe a amostra, leva ao laboratório para identificação e faz o laudo para o auditor, indicando a identidade do produto. A perícia aduaneira acontece dentro de processos administrativos e de fiscalização da Receita Federal do Brasil.
Outro aspecto importante é que a perícia é realizada em portos, aeroportos e recintos alfandegados.
E na perícia judicial, o processo é parecido?
Resposta: Em alguns aspectos. O laudo, o procedimento de coleta de amostras, as análises laboratoriais e a imparcialidade e ética estarão presentes em toda e qualquer perícia.
O perito judicial, porém, é indicado pelo juiz e será seu especialista de confiança, para trazer a verdade aos autos sobre determinada demanda entre autor e réu, fornecendo a convicção para o juiz, para que ele tome uma decisão justa e fundamentada. A perícia cível acontece dentro de processos judiciais que tramitam nos Tribunais de Justiça.
Na sua experiência, diante dos casos concluídos, acha que os fabricantes de alimentos cometem mais falhas em controles de seus processos de fabricação ou realizam desvios intencionais, que podem ser considerados fraudes mesmo?
Resposta: A minha experiência tem mostrado que existem muito mais falhas de controle, mas não só do processo de fabricação. Também os transportadores, distribuidores, comerciantes e até os próprios consumidores podem contribuir com as inconformidades que são tratadas em ações judiciais. Casos de fraudes acontecem, mas na minha opinião, estão sendo tratados mais administrativamente por órgãos de fiscalização e de Defesa do Consumidor e entidades de proteção contra fraudes.
Gostaria de saber qual sua visão sobre como as exigências sanitárias brasileiras se comparam com as de outros países?
Resposta: Do meu ponto de vista, temos um repertório enorme de normas que são bastante rigorosas e creio que uma das mais exigentes de todo mundo. Além disso, temos hábitos de higiene diferenciados com relação a outros países e culturas. Situações que pude presenciar em outros países jamais seriam aceitas aqui.
No entanto, vejo que o suporte para o trabalho da vigilância sanitária e da inspeção é muito aquém do necessário e a divulgação do excelente trabalho realizado por nossos especialistas não é valorizado como deveria.
Ocorrências de surtos de intoxicação e de fraude na União Europeia e nos EUA são minhas fontes de estudo. Aqui no Brasil os dados são desatualizados e defasados, não espelhando a realidade. Infelizmente.
Como o perito deve agir para garantir que permaneça ético e imparcial quando interesses comerciais entram em conflito com critérios técnicos? Já passou por alguma situação nesse sentido?
Resposta: Sim. O profissional que quer ser perito, antes de tudo tem que ser ético e responsável. Você está representando o juiz e existem vidas envolvidas com o resultado do seu trabalho. Na perícia judicial essa situação é muito bem controlada porque os peritos procuram ter o mínimo de contato com as partes, uma vez que todas as informações necessárias estão no processo. E se não estiverem, ele pode solicitá-las diretamente ao juiz.
No caso da perícia aduaneira existem mais interesses comerciais porque são, na maioria, mercadorias importadas em grandes quantidades e de alto valor. De qualquer maneira, somos representantes da Receita Federal do Brasil e temos que defender o que é correto e justo para o nosso país.
Temos que realizar as análises necessárias para a correta classificação fiscal das mercadorias.
Pensando no aumento da complexidade da cadeia produtiva de alimentos, com maior trânsito internacional de alimentos e com as diferenças regulatórias entre os países, quais você considera os maiores desafios na liberação ou retenção de produtos de origem animal em zonas alfandegárias?
Resposta: Eu penso que as novas tecnologias e novos produtos estão sempre desafiando a fiscalização e a legislação não consegue acompanhar essa evolução. Existem brechas na legislação em vigor que podem favorecer a liberação de mercadorias não regulamentadas. Também ações judiciais e mandados de segurança muitas vezes conseguem pareceres favoráveis para liberação dessas mercadorias. Para mim, um dos maiores desafios é a atualização constante e célere da legislação em vigor.
O trabalho que a VIGIAGRO exerce na fiscalização de produtos de origem animal é fantástico e deveria ser mais divulgado e valorizado. Eles são a primeira barreira para os produtos de origem animal irregulares. Se eles não autorizam, a Receita Federal também não autoriza a nacionalização.
Imagino que deva ser difícil selecionar apenas um caso, mas uma pergunta que nos deixa sempre muito curiosos é: na sua trajetória, qual o caso mais marcante?
Resposta: Não é difícil porque alguns casos são bem marcantes. Um caso de perícia judicial em arroz industrializado, cuja consumidora havia comprado em um supermercado. Estava envolvido nesse processo a indústria do arroz e o supermercado onde foi feita a compra, além da consumidora, autora da ação.
O arroz estava contaminado com larvas. A contaminação não foi na casa da consumidora porque ela constatou a contaminação no momento do preparo do arroz, que foi no mesmo dia da compra.
Restava saber onde havia sido a contaminação.
Para minha sorte, a consumidora havia guardado dois sacos íntegros do arroz, além do saco de arroz que ela tinha aberto para preparar.
Conhecendo um pouco do comportamento da larva e da sua fase alada, pensei em realizar a análise da embalagem plástica para ver se tinha perfurações. Mandei para um laboratório especializado em fitopatologia vegetal e eles, por sorte, tinham essa expertise.
Eles fizeram a análise da embalagem e constataram que havia perfurações somente de dentro para fora. Ou seja, o arroz foi embalado já com os ovos que evoluíram durante a cadeia de distribuição do arroz.
Essa análise eliminou a possibilidade de contaminação no supermercado ou na casa da consumidora porque, em ambos os casos, as perfurações seriam em dois sentidos: de dentro para fora e de fora para dentro.
Foi um caso muito interessante e que só deu certo porque a consumidora guardou as embalagens com muito cuidado por mais de 2 anos, evitando qualquer tipo de contaminação.
A minha experiência na vigilância sanitária foi fundamental nesse processo. E eu sou imensamente grata por isso.
Gostou do conteúdo? Muito bom saber mais sobre as atuações específicas da área de alimentos, que é tão abrangente e multidisciplinar, não é mesmo? Para ver mais entrevistas como esta, seguem algumas opções aqui no Food Safety Brazil:
–Entrevista com médico veterinário perito criminal da Polícia Federal
–Segurança de Alimentos na gastronomia, com Eduardo César Tondo
–Insetos como alimento: entrevista com Thelma L Cheung
Imagem: Sora Shimazaki
6 min leituraMuita gente já a conhece pelo trabalho ou já a ouviu em palestras e eventos. Ela é perita, grande disseminadora de conhecimento, sempre disponível e acessível para dar informações e […]