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Técnicas para treinamento na indústria de alimentos

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Muitas empresas, ao contratarem novos empregados, no momento da admissão recorrem ao chamado “treinamento de integração”. Isto é necessário, bem-vindo, mas é apenas um momento introdutório, insuficiente para que novos empregados efetivamente absorvam todas as demandas requeridas numa indústria de alimentos.

Normalmente, esse treinamento consiste em palestras com apresentação de slides abordando uma variedade de temas, como Boas Práticas de Fabricação (BPF) incluindo higiene pessoal e operacional, Manejo Integrado de Pragas (MIP), outros tópicos de segurança dos alimentos específicos da organização, além de regras gerais, direitos e deveres trabalhistas, uso do refeitório e aspectos associados à saúde e segurança ocupacional.

No entanto, esse modelo concentra uma grande quantidade de informações em um curto espaço de tempo, resultando em baixa retenção de conhecimento.

Muitas vezes, os participantes assinam uma lista de presença sem realmente absorver o conteúdo, alguns distraídos com o celular, outros cansados ou simplesmente desinteressados. Mesmo assim, algumas empresas assumem que essa abordagem é suficiente para garantir a prevenção de riscos sanitários e operacionais.

Este artigo destaca que treinamentos de integração são apenas um primeiro passo. Embora a assinatura da lista possa servir como registro de participação e referência para cobranças futuras, o verdadeiro aprendizado ocorre ao longo do tempo, com a adaptação dos funcionários aos locais de trabalho e respectivos processos, desenvolvimento de consciência sobre os temas associados à segurança dos alimentos e aplicação prática dos conceitos.

Depois de atividades de treinamento, nas quais há uma transferência de competências e conhecimento, o reforço contínuo, bons exemplos por parte dos líderes, retreinamentos e, em alguns casos, medidas disciplinares, farão parte da construção de uma curva efetiva de absorção do aprendizado, criando uma atitude voltada para a conscientização. Em seguida, derivam para a aplicação prática daquilo que foi aprendido, fomentam a criação de um comportamento individual proativo.  Só assim, disseminando ao máximo competências em segurança dos alimentos, será possível criar um comportamento coletivo que se traduza em cultura organizacional.

A indústria alimentícia contabiliza numerosos incidentes devido a treinamentos ineficazes, resultando em contaminações e não conformidades. Para evitar esse cenário, as empresas devem abandonar métodos ultrapassados que não desenvolvem habilidades essenciais e nem promovem uma cultura de segurança dos alimentos proativa, investindo continuamente na capacitação de seus times, e mais, sempre avaliando se as ações tomadas foram eficazes.

As empresas devem enxergar o treinamento e o desenvolvimento de funcionários como um investimento estratégico, e não apenas como uma exigência burocrática para atender requisitos normativos.

Após qualquer treinamento, é essencial dedicar tempo e esforço para garantir que a equipe realmente pratique os conceitos aprendidos. A educação diária e a criação de uma cultura de aprendizado contínuo são fundamentais para minimizar riscos e elevar os padrões de qualidade, segurança e eficiência operacional.

Andragogia: o ensino para adultos

É fundamental compreender que ensinar adultos exige uma abordagem diferente do ensino infantil ou juvenil. Os adultos possuem experiências prévias, são mais independentes e precisam enxergar uma aplicação prática imediata para o que estão aprendendo.

A andragogia, conceito desenvolvido por Malcolm Knowles, trata do ensino de adultos e se baseia em estratégias que maximizam a aprendizagem. Diferentemente da pedagogia, que é voltada para crianças e adolescentes, valorizam-se aqui a experiência prévia, a autonomia e a responsabilidade do aprendiz pelo próprio processo de aprendizagem.

Princípios fundamentais da andragogia

  1. Necessidade de saber – Os adultos precisam compreender a relevância do aprendizado para suas vidas, tanto profissional quanto pessoal. No contexto da segurança dos alimentos, por exemplo, é essencial que eles entendam como as falhas podem impactar a empresa, seus empregos e a saúde dos consumidores;
  2. Autonomia – O aprendizado deve ser prolongado de forma independente, permitindo que os adultos tenham controle sobre o próprio processo de desenvolvimento e sejam estimulados a buscar novas informações;
  3. Experiência prévia – Conhecimentos adquiridos em empregos anteriores ou na vida pessoal influenciam a forma como novas informações são processadas e aplicadas, podendo e devendo fazer parte do aprendizado, pois adicionam novas camadas de conhecimento;
  4. Aprendizagem orientada a problemas – Os adultos aprendem melhor ao enfrentar desafios reais e situações concretas, como uma tomada de decisão diante de um produto não conforme ou uma falha em um ponto crítico de controle, desde que bem orientados.

Modelos e técnicas de ensino para adultos

Com base nesses princípios, diferentes técnicas podem ser aplicadas para tornar o ensino mais eficaz. Entre as principais estão:

I – Aprendizagem Ad Hoc

A aprendizagem Ad Hoc ocorre de maneira espontânea e não estruturada, sendo aplicada para situações específicas. No dia a dia da indústria de alimentos, pode ser usada quando um funcionário precisa, por exemplo, aprender rapidamente a higienizar um equipamento ou separar produtos defeituosos. É voltada, portanto, para tarefas simples, claras, pontuais e objetivas.

Embora útil para necessidades pontuais, a abordagem Ad Hoc não é suficiente para lidar com desafios complexos, pois pode deixar lacunas no conhecimento.

Para avaliar a eficácia em treinamentos ao estilo Ad Hoc, os instrutores podem fazer perguntas diretas sobre o conteúdo abordado, garantindo que os conceitos essenciais foram compreendidos e assimilados.

II – Treinamento On the Job

O treinamento On the Job ocorre diretamente no ambiente de trabalho e é uma forma prática e econômica de capacitação, podendo incluir:

  • Job Rotation – Rodízio de funções para que o colaborador tenha uma visão ampla do negócio;
  • Aprendizado por observação – O funcionário acompanha um colega mais experiente para aprender suas funções;
  • Shadowing (Sombreamento) – O funcionário segue um especialista durante sua rotina para compreender melhor a atividade.

Para garantir a eficácia desse modelo de transferência de competências, é fundamental que o treinamento seja bem estruturado e acompanhado por instrutores capacitados no tema que farão a instrução, e também, capazes de exercer uma pedagogia apropriada. Depois, os resultados podem ter sua eficácia avaliada pelo uso de checklists específicos que incluam os pontos chaves de uma tarefa ou processo, para que o instrutor certifique-se de que cada um está sendo atendido sem execução de erros pelo aprendiz.

É uma ótima técnica para treinar tarefas como monitoramento de Limites Críticos (LC) em Pontos Críticos de Controle (PCC) ou Critérios de Controle (CC) em Programas Operacionais de Pré-Requisitos (PPROs).

III – Aprendizagem Baseada em Problemas (PBL)

A Aprendizagem Baseada em Problemas é uma técnica que desafia os funcionários a resolver situações reais ou simuladas.

O BPL pode ser altamente eficaz na segurança dos alimentos, preparando os profissionais para tomar decisões corretas em situações críticas como gestão de emergências, destinação de produtos não conforme e recall.

Para avaliar o aprendizado, o instrutor pode aplicar um estudo de caso ao final do treinamento, permitindo que os participantes demonstrem sua capacidade de resolver problemas e garantindo que qualquer erro seja corrigido no momento, com isso, reforçando o aprendizado.

IV – E-learning e Microaprendizagem

O uso da tecnologia no aprendizado tem crescido, permitindo que os funcionários aprendam no ritmo próprio. O e-learning oferece cursos completos online, enquanto o microlearning apresenta conteúdos curtos e diretos, facilitando a absorção.

É importante escolher muito bem o material a ser utilizado em e-learning ou na microaprendizagem, pois cursos genéricos e superficiais podem não preparar especificamente os funcionários para identificar e lidar com riscos emergentes, além de se tornarem monótonos e o aprendiz fingir que assistiu, sem assistir com a devida atenção.

Para garantir a eficácia desse método, avaliações periódicas devem ser aplicadas, por exemplo, com uso de provas ao final de cada carga de aprendizado, que também podem ser feitas com uso de recursos de tecnologia.

V – Mentoria e Coaching

O modelo de mentoria conecta aprendizes a profissionais experientes, os coachings (treinadores), promovendo aprendizado pela troca de experiências e orientação personalizada. O coaching, por sua vez, auxilia o desenvolvimento de habilidades específicas e a melhoria do desempenho.

O sucesso de uma mentoria depende da qualidade do coaching, do seu real conhecimento no tema no qual fará mentoria, e das suas habilidades, tanto técnicas quanto pedagógicas.

Também é preciso levar em consideração que aprender enquanto se executam tarefas, ainda mais sob o olhar de um coaching, pode ser estressante para alguns empregados, principalmente em ambientes de alta demanda.

Neste modelo de transferência de competências, apropriado especialmente para temas mais complexos e gestão, o próprio coaching, ao final, deve avaliar se sua mentoria foi eficaz e se o aprendiz está apto ou não, para seguir com suas próprias pernas.

VI – Gamificação

O treinamento por gamificação é uma abordagem que usa elementos de jogos, como pontuação, desafios, recompensas e rankings, para tornar o aprendizado mais envolvente e motivador.

As principais vantagens da gamificação incluem o aumento do engajamento dos participantes, a melhoria na retenção do conhecimento e a criação de um ambiente mais interativo e sonoro.

Um exemplo prático é o uso de plataformas de aprendizado corporativo que premiam funcionários com medalhas virtuais, dia de folga ou brindes para aqueles que completam com melhor performance cursos ou desafios.

No entanto, esse método apresenta desafios, como a necessidade de um design bem estruturado para evitar que a competição desmotive alguns participantes, além do risco de os colaboradores focarem mais nas recompensas do que na aprendizagem em si.

Use exemplos!

O exemplo é uma das ferramentas mais eficazes para o ensino, pois facilita a compreensão e a assimilação do conhecimento ao tornar conceitos abstratos mais concretos e acessíveis.

Ao apresentar exemplos práticos, deve-se estabelecer conexões entre a teoria e a realidade, permitindo que os participantes visualizem a aplicação do conteúdo no cotidiano.

Além disso, exemplos bem escolhidos despertam o interesse, promovem o engajamento e ajudam na memorização, tornando o aprendizado mais significativo. Dessa forma, o uso de exemplos é essencial para uma educação mais clara, dinâmica e eficaz.

Alguns exemplos de como dar exemplos

  1. Se vai treinar sobre limpeza de tubulações e placas, mostre exemplos destas tubulações e placas abertas, com formação de biofilme;
  2. Se vai treinar em higiene pessoal, colete swabs de mãos, faça análises de contagem total e mostre os resultados;
  3. Se vai treinar em prevenção de carunchos, mostre produtos infestados com larvas, pupas e carunchos.

Treinamento desenhado conforme o público-alvo

Para que um programa de treinamento seja realmente eficaz, ele deve ser estruturado conforme o público-alvo. Isso significa que os conteúdos e abordagens devem ser adaptados às necessidades específicas de cada grupo dentro da organização. Dessa forma, o treinamento pode tanto desenvolver habilidades técnicas e operacionais quanto fornecer um conhecimento mais amplo, essencial para o desempenho de funções mais estratégicas.

Por motivos óbvios, as necessidades de aprendizagem variam significativamente entre gestores, líderes e funcionários da linha de frente, portando, precisam ter conteúdo programático e estratégia de abordagem diferentes.

Isso inclui uma abordagem estratégica na escolha da técnica de ensino que será utilizada, considerando que não é preciso escolher uma única. Num programa de treinamento robusto aconselha-se combinar diferentes técnicas para que sejam melhor sucedidas, devido aos efeitos sinérgicos, ao estimular diferentes partes do cérebro (não perca o próximo artigo será sobre teoria da neurociência do cérebro trino).

Treinamento para gestores

Para os gestores, a capacitação deve ter um foco estratégico, priorizando o desenvolvimento de liderança, a gestão de riscos e a compreensão sistêmica dos processos.

Além disso, é fundamental aprofundar conhecimentos sobre conformidade regulatória, padrões normativos para a indústria de alimentos, compreensão do contexto na cadeia produtiva e boas práticas de governança, garantindo que possam promover uma forte cultura de segurança dos alimentos dentro da organização.

Espera-se que profissionais na posição de gestores tenham capacidade de liderança, influência e implementação de iniciativas que fortaleçam a segurança dos alimentos em toda a empresa, incluindo conexões com fornecedores, distribuidores e clientes.

Treinamento para líderes e funcionários da linha de frente

Os líderes e funcionários da linha de frente requerem treinamentos mais práticos e direcionados à execução de tarefas operacionais.

Isso inclui, por exemplo, identificação de riscos e estratégias de resposta imediata, a resolução de problemas em situações críticas, aplicação de correções, ações corretivas e preventivas para desvios em Planos de APPCC, em critérios de controle de PPROs (Programas de Pré-Requisitos Operacionais) e limites críticos em PCCs (Pontos Críticos de Controle), etc.

Além dos aspectos técnicos, também é essencial desenvolver habilidades interpessoais , como comunicação eficaz para relatar incidentes e compartilhar informações associadas com a segurança de alimentos, desenvolver senso de prioridade, e claro, pensamento crítico e raciocínio lógico , fundamentais para avaliar situações e tomar decisões rápidas e assertivas.

Enquanto os gestores devem ser capacitados para definir estratégias e implementar melhorias de longo prazo, os treinamentos práticos garantem que os funcionários da linha de frente possam implementar procedimentos de segurança dos alimentos. No entanto, independentemente da função exercida, ações contínuas de treinamento e conscientização são essenciais para fortalecer a cultura de segurança dos alimentos dentro das organizações.

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Cuidados em segurança dos alimentos com equipes terceirizadas

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Buscando a otimização de recursos, torna-se cada vez mais comum para as organizações o uso de funcionários temporários. Equipes terceirizadas podem significar uma vantagem em muitos segmentos industriais, em especial quando há processos produtivos susceptíveis a sazonalidades, pois a terceirização pode contribuir com a flexibilidade na mobilização da mão de obra, melhorar a eficiência e dar foco no core business. Por outro lado, este tipo de recurso é também desafiador pela perspectiva da segurança dos alimentos.

A terceirização movimentou 4,3 milhões dos profissionais em 2023, o que, segundo o IBGE, representa 25% dos trabalhadores formais.

Não é preciso dizer que mesmo que recrutados via agências, os funcionários temporários precisam ser supervisionados, treinados e avaliados quanto às suas habilidades pela organização. Além disso, devem existir canais abertos para uma boa comunicação e rotinas para o monitoramento de desempenho.

Um fator a ser considerado é que como o trabalhador temporário não é um funcionário habitual da empresa, ele pode não sentir o mesmo engajamento dos outros e isso dificulta sua inclusão numa cultura Food Safety.

Entre as empresas que fornecem mão de obra terceirizada, destacam-se as de limpeza, zeladoria, segurança, obras e manutenção, call centers, entre outras.

Não se deve negligenciar o treinamento de trabalhadores terceirizados que executam tarefas indiretas ao processo produtivo principal; ao contrário, uma tarefa como limpeza ou manutenção pode impactar severamente a segurança dos alimentos.

Há que se considerar que como o trabalhador temporário tem um contrato finito, ele pode não se sentir parte da equipe e não se comprometer ao máximo com as regras da instituição e isto, é claro, pode impactar na segurança dos alimentos produzidos.

Outra questão a ser considerada é que os funcionários permanentes podem não sentir a necessidade de investir tempo na construção de trabalho em equipe com os funcionários temporários, uma vez que os temporários não ficarão lá por muito tempo. Nesta mesma linha, é preciso atenção e cautela para evitar potenciais animosidades causadas caso os funcionários permanentes vejam a força de trabalho temporária como ameaça à sua estabilidade, crescimento ou oportunidades.

Devido a erros de funcionários, produtos em condições de não conformidade podem ser gerados, e no pior caso, sair dos limites da empresa podendo causar danos à saúde dos consumidores, requerendo recalls e gerando danos à marca a longo prazo.

Estes problemas requerem responsabilidades individuais nos controles dos processos e no cumprimento de regras de BPF e higiene pessoal. Assim, a falta de engajamento ou uma desarmonia entre a força de trabalho terceirizada e a permanente podem representar ameaças críticas.

Diante do exposto, para garantir produtos seguros e contribuir com uma cultura food safety, há que se adotar estratégias para gerenciar funcionários temporários:

  1. Treinamento – Nunca se deve supor que todos terão bom senso. Deve-se treinar e garantir um treinamento eficaz. Não presuma que os terceirizados contratados já saibam algo, mesmo que pareça óbvio, é importante garantir que recebam o treinamento necessário para exercer suas funções. Para isso, um processo de integração abrangente é essencial;
  2. Avaliação de competências – Junto com o treinamento, garanta que os funcionários temporários sejam capazes de executar corretamente as tarefas. Para tal, avalie a capacidade com testes de pré-avaliação que podem incluir capacidade física, capacidade cognitiva, compreensão de leitura e escrita, julgamento situacional ou habilidades específicas da posição;
  3. Monitoramento de desempenho – Monitore o desempenho dos funcionários, tanto permanentes quanto temporários com o propósito de se certificar que ocorra um feedback alinhado com as metas e expectativas da organização em relação aos serviços sendo realizados. Considere incentivos baseados em desempenho para motivar e encorajar funcionários temporários a investirem em suas funções e aumentar a satisfação e o desempenho no trabalho;
  4. Cultura food safety – Treine as lideranças táticas e estratégicas sobre como gerenciar potenciais efeitos negativos na cultura food safety do seu local de trabalho com técnicas para garantir o trabalho em equipe com funcionários temporários. Para tanto, promova um ambiente colaborativo que seja capaz de reduzir atritos, fazendo com que todos, terceirizados e permanente, se sintam valorizados;
  5. Meritocracia – Se houver posições potenciais ou abertas para as quais os funcionários temporários possam ser elegíveis, certifique-se de que conheçam os requisitos e os incentive a buscarem a posição, passando de temporários para permanentes. Mostre que a empresa tem as portas abertas. Implemente um plano de sucessão que identifique funcionários temporários de alto desempenho que possam ser candidatos a posições permanentes dentro da instalação.

Como dica, considere que muitas organizações criam uma forma de distinguir um funcionário novo ou temporário, por exemplo, com o uso de uniformes de cores diferentes ou coletes de alerta. Este tipo de ação não é para segregá-los como uma classificação diferente, mas para ajudar os funcionários mais experientes e permanentes a identificá-los facilmente, para ajudá-los se estiverem com dificuldades em uma tarefa ou para garantir que estejam executando suas tarefas apropriadamente e considerando requisitos de segurança dos alimentos.

Orientações dos funcionários permanentes aos terceirizados devem ser realizadas por colegas de equipe de forma cortês e não de forma “policialesca”. Para isso, convém sempre que os líderes estejam usando técnicas de reforço positivo para promover camaradagem e empatia entre seus funcionários.

Incentive a liderança que atua diretamente com a força de trabalho para que mantenha um canal de diálogo aberto com todos os funcionários, sejam permanentes ou temporários, objetivando garantir que as preocupações sejam ouvidas e tratadas regularmente.

Promova uma comunicação clara e sem ambiguidades, garantindo que as expectativas, objetivos e metas para todos os funcionários sejam comunicadas de forma clara e transparente, para que ninguém fique confuso. Quando as pessoas não têm certeza de seus requisitos de trabalho, das expectativas quanto ao desempenho, elas tendem a executar tarefas de forma insegura e ineficiente.

Uma questão importante na contratação de trabalhadores temporários, quando se utiliza uma agência de recrutamento, é que haja uma permanente parceria, a fim de que tais agências entendam as políticas da organização, suas regras, demanda e cultura, para que assim recrutem da melhor forma.

As agências de recrutamento devem ser capazes de garantir que um trabalhador temporário tenha a formação mínima e habilidades para o cargo no qual serão alocados. Em alguns casos, as agências de recrutamento também podem conduzir parte do treinamento. No entanto, caberá às organizações avaliarem se estes treinamentos foram eficazes.

Como pela natureza do cargo, um trabalhador temporário terá um contrato finito, crie um mecanismo de gestão que conduza entrevistas de saída para obter feedback sobre a experiência de trabalho deles.

Essas informações podem ser valiosas e permitir que a organização corrija o curso de falhas reais ou potenciais sempre que necessário. Com isso, assim como em outros processos, melhore continuamente, especialmente neste caso. O uso de mão de obra temporária requer aprendizado e estratégias para que, com base no feedback e métricas de desempenho, seja cada vez mais bem gerenciado como um recurso valioso e seguro.

Sejam trabalhadores terceirizados ou permanentes, todos são importantes para a segurança dos alimentos. Portanto, todos devem ser treinados, capacitados e conscientizados para que executem suas tarefas devidamente e sem representar riscos.

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Cultura na FSSC 22000: alerta de risco e a esperança por um fio

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A FSSC 22000 está de versão nova. Dentro do que já era esperado, a versão 6.0 confirmou as expectativas de trazer para o conjunto de requisitos adicionais o tema Cultura de Segurança de Alimentos. Assim, o que já foi recomendação no passado através de um Guia da GFSI, passa a ser obrigatório também neste esquema de certificação.

E, também seguindo tendência já bastante observada, o requisito possui claro alinhamento com outras Normas, inclusive textual, partindo da definição de Cultura amplamente aceita no universo da Segurança de Alimentos:

“Valores compartilhados, crenças e normas, que afetam o pensamento e o comportamento em Segurança de Alimentos”.

A semelhança, porém, não se limita à definição de Cultura. Fica estabelecida a necessidade do compromisso da Alta Direção em estabelecer, implementar e manter objetivo(s) para a Cultura de Segurança de Alimentos e Qualidade como parte do sistema de gestão. No mínimo, os seguintes elementos devem ser abordados:

?  comunicação;

?  treinamento;

?  feedback e engajamento dos funcionários;

?  medição de desempenho de atividades definidas abrangendo todas as seções da organização com impacto em segurança de alimentos e qualidade.

O(s) objetivo(s) deve(m) ser apoiado(s) por um plano documentado de Cultura de Segurança de Alimentos e Qualidade, com metas e cronogramas, incluídos na análise crítica e nos processos de melhoria contínua do sistema de gestão.

Considerando que o trecho dos dois parágrafos anteriores são um recorte quase literal do novo requisito, é possível que não haja grandes mudanças no cenário atual, conforme o conhecemos.

A Cultura, posta como está, será inserida dentro do contexto da gestão tradicional. Com rigor, comunicação, treinamento e medição de desempenho não são e nunca foram novidades em um sistema de gestão.

Quando a Cultura se torna um requisito, de certa forma, decreta-se a falência das próprias Normas, ainda que pouco se queira admitir isso. Trata-se de um atestado da nossa incompetência em fazer certo até então e joga-se uma luz sobre a esperança de que “agora vai ser diferente”.

O grande fato positivo, talvez, tenha sido adicionar “Qualidade” à Segurança de Alimentos, para que se apoiem e sejam desenvolvidas conjuntamente.

Mas de fato, se não há grandes novidades na abordagem, não há motivos para se esperar que seja diferente agora. Salvo mudança de rota importante, os elementos mencionados acima continuarão sendo tratados em planilhas e documentos, sob o mesmo olhar frio que nunca foi capaz de mudar a cara do nosso setor.

Uma transformação cultural não será feita com mais do mesmo. A Cultura nas organizações surge do senso comum sobre a melhor forma de resolver os problemas do dia a dia. E, embora os documentos da gestão ajudem, eles são apenas parte deste processo. No dia a dia, as pessoas precisam de acompanhamento próximo, de acolhimento, do exemplo das lideranças. E é isso que precisa mudar com urgência. As Normas, mesmo bem intencionadas, não deixam isso suficientemente claro.

Por fim, ainda que se compreenda que, durante a implementação de uma Norma, profissionais da gestão acostumaram-se a ser, via de regra, duros e inflexíveis, lidando com lideranças de topo que apenas querem o certificado por razões comerciais, o resto da história é o que nos trouxe até aqui: arranjos para a auditoria e dificuldades para fazer o certo todos os dias.

Ou preparamos as pessoas para entregarem o melhor delas, através de um trabalho que não é nada técnico, ou continuaremos exigindo dos indivíduos tudo aquilo que eles não podem oferecer. A psicologia positiva, a filosofia e a neurociência são as verdadeiras aliadas nesta jornada de construção de uma Cultura positiva. As planilhas e documentos, tais como os conhecemos hoje não precisam ser extintos, até porque são necessários à gestão. Porém, precisam incluir ações que realmente importam. O tempo de apenas falar sobre comunicação, treinamento e medição de desempenhos já foi. É preciso abrir novos espaços para a mudança. Urgentemente.

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Confiança é a base para uma Cultura de Segurança dos Alimentos

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Nas organizações que exercem algum papel na cadeia produtiva de alimentos, seja na produção primária, distribuição, processamento, armazenamento, venda etc., uma cultura que adote a segurança dos alimentos como prioridade é fundamental para proteger as marcas de produtos e o nome das empresas, assim como a todos os demais stakeholders envolvidos.

Porém, desenvolver uma forte cultura em segurança dos alimentos leva tempo, requer esforço e precisa contar efetivamente com a adesão de todos, e claro, com o apoio e exemplo das lideranças como visto no artigo “O perfil de líderes que favorecem a Cultura Food Safety

cultura food safety

A construção de uma cultura de segurança dos alimentos não é algo que se baseia em algum requisito legal ou normativo, seus elementos não serão pretos e brancos, sim ou não, atende ou não atende. Isso, a princípio, pode ser bem incômodo e até mesmo desconcertante para aqueles de pensamento mais cartesiano e que estão acostumados a seguir checklists e procedimentos claramente definidos.

Apesar de a cultura de segurança dos alimentos não ser exigida pela regulamentação, certamente será  recompensada pelos seus efeitos, tais como:

  1. Menos reclamações de mercado por falhas de food safety;
  2. Potencializar a prevenção de ocorrência de recall;
  3. Proteger de processos judiciais e indenizações;
  4. Tornar o trabalho mais harmonioso pela participação coletiva em prol de um tema comum;
  5. As marcas serão fortalecidas uma vez que estarão sob um guarda-chuva mais robusto para prevenir riscos à segurança dos alimentos.

Quanto mais se avança numa cultura de segurança de alimentos, mais se estabelece uma mentalidade preventiva em detrimento de uma corretiva.

Porém, calma, toda empresa que atua com alimentos há algum tempo, já possui, em maior ou menor grau, sua própria cultura de segurança dos alimentos, mesmo que ainda não saiba disso. Por isso, mesmo que este tema pareça inicialmente uma novidade, sua construção nunca partirá do zero.

Primeiramente é preciso fazer um diagnóstico, entender como a organização atualmente lida com o tema, para então identificar os pontos fortes a serem potencializados e as fragilidades, e a partir daí desenhar um caminho de melhoria contínua, um plano de ação efetivo, para elevar o nível de adesão das pessoas à segurança dos alimentos.

Para fazer isso, deve-se partir de coisas simples, como por exemplo, conversar francamente com os funcionários sobre o assunto, tanto nos níveis operacionais quanto nas médias e altas lideranças, e claro, nas áreas de processamento e de apoio.

O tema segurança dos alimentos precisar ser visto como um objetivo máximo de cada um dos indivíduos que atuam na cadeia produtiva de alimentos e não apenas o objetivo de um grupo específico dentro de uma organização.

Perguntas básicas precisam ser respondidas:

  1. As pessoas sentem-se confortáveis para apontar e alertar seus superiores sobre situações de risco à segurança dos alimentos?
  2. Há liberdade para interromper os processos se um risco à segurança dos alimentos for identificado sem receio de punições?
  3. Mesmo que afete a produtividade ou o atendimento de uma meta corporativa, a empresa agirá em prol da segurança dos alimentos?
  4. A aquisição de matérias-primas, embalagens e aditivos considera apenas o fator preço ou se escolhem fornecedores baseados em sua capacidade de garantir ausência de riscos?

Todas as pessoas que exercem algum papel na cadeia produtiva de alimentos devem ser incentivadas a priorizar suas ações tendo clareza de que de nada vale produtividade, bons contratos e lucros se o produto fornecido não for seguro, pois no final, pode custar caro para a empresa a ocorrência de surtos de doenças veiculadas por alimentos, que podem causar, além de processos judiciais e indenizações, até mesmo a morte de pessoas.

No final, uma cultura de segurança dos alimentos norteia o comportamento organizacional para um caminho ético.

Justamente por isso, todos devem ser estimulados a pensar sobre os riscos das atividades que exercem e dos impactos das decisões que tomam, assim como a alertar quando algo estiver errado, tendo a liberdade e o poder de paralisar uma atividade ou linha de produção quando houver a nítida ocorrência de um problema ou mesmo um risco iminente ou potencial de contaminação nos produtos, voltando a produzir apenas quando a segurança for reestabelecida.

Deve-se fortalecer por toda organização mensagens de segurança dos alimentos no conceito de “nós”, porém, definindo claramente os objetivos individuais de trabalho para cada função.

Embora sejam os empregados da linha de frente, o chamado chão de fábrica, tão relevantes devido a sua atuação “genba,”, que por estarem no dia-a-dia da produção precisam ter a responsabilidade de parar uma linha frente a um problema que possa afetar a segurança dos produtos, assim como relatá-lo tão logo seja evidenciado, não haverá adesão das pessoas caso seus executivos não deleguem tal autoridade e criem um ambiente que favoreça ações que tenham a segurança dos alimentos em primeiro plano.

Segurança de alimentos flui de cima para baixo, mas também pode fluir de baixo para cima, como visto no artigo “Estratégias chuveiro e bidê para implantar SGSA.”

Uma boa ideia na construção deste ambiente é reconhecer os funcionários que se destacarem neste papel, para que sirvam de exemplo aos demais, mostrando que a empresa valoriza quem se preocupa com a produção de alimentos seguros.

O uso de recompensas pode ser uma boa ideia, como receber um bônus monetário ou levar os funcionários ou equipes em destaque para almoçar com a alta direção ou alguém que é respeitado na empresa, ganhar a oportunidade de fazer um curso, ou mesmo, tirar um dia de folga do trabalho.

Porém, o sistema de recompensas requer cautela, para não se criar um modelo mercenário onde só se age frente ao prêmio, pois uma forte cultura em segurança de alimentos requer uma conscientização pessoal de alto nível. Cada um deve agir não porque vai ganhar algo, mas porque é a coisa certa a se fazer.

Todos, incluindo trabalhadores da linha de frente, áreas de apoio como manutenção, compradores e analistas, e obviamente, altos executivos, precisam desenvolver também esta consciência positiva, que uma vez desenvolvida precisa impulsionar uma adesão via ações concretas rumo à produção de alimentos seguros.

Por outro lado, trata-se de um tema simpático, e por isso, naturalmente haverá uma adesão, afinal, todo mundo tem uma família, amigos, pessoas que amam e que não gostariam de ver doentes por algo que comeram. É preciso chamar cada um à sua responsabilidade de provedores de alimentos para a sociedade.

Lembre-se de que a implantação de uma cultura em segurança de alimentos não é uma tarefa linear, pois há fatores complexos, uma vez que se lida com o ser humano.

Além disso, dependerá sempre de conhecer profundamente a cultura local onde as plantas processadoras estão instaladas, anseios, aflições, valores e elementos motivacionais das populações contratadas como mão-de-obra, para montar um amálgama com aquilo que cada organização entende como essencial para a produção de alimentos seguros, o que requer considerar também os próprios VALORES, MISSÃO e VISÃO de cada organização.

Como cada empresa é única, cada região tem suas próprias particularidades. Não há uma fórmula mágica na construção de uma cultura em segurança dos alimentos. Por isso, esqueça os modelos prontos!

Ao final, um dos elementos mais importantes é a construção de uma relação de confiança mútua permeando toda hierarquia de uma organização. Todos devem atuar em prol de um objetivo comum que é a garantia de alimentos seguros, buscando o máximo de rendimento e produtividade, como ditam as regras da engenharia de produção e da competitividade mercadológica, mas jamais abrindo mão, nem mesmo por um segundo, da segurança dos alimentos.

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5 Dicas para implantar a Cultura Food Safety na indústria de embalagens

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Como é difícil implantar a cultura Food Safety na indústria de embalagens! Quem é da área com certeza já ouviu: “Que exagero! Nós não produzimos alimentos, produzimos embalagem…”

E nós, os caras da qualidade, temos que fazer a ponte entre o SGSA e a empresa. Somos os responsáveis por ampliar a visão dos colaboradores, da alta direção e pouco a pouco implantar a visão e mostrar a importância do SGSA.

Confira abaixo as 5 dicas implantar a Cultura Food Safety na indústria de embalagens:

1.Vá com calma

O que é claro para você que está imerso nesse universo não é tão óbvio para os demais. As legislações, requisitos das normas, exigência e cobrança de clientes, ocorrências de contaminações em produtos alimentícios  e outros assuntos afins fazem parte da sua rotina e do seu cotidiano, mas não vai ajudar em nada você despejar tudo isso em cima da alta direção, cobrar incessantemente seus colegas e ficar “pilhado” com isso.

Passo a passo, com muita naturalidade, vá construindo essa cultura em meio à realidade da empresa. Talvez em um primeiro momento não seja possível fazer perfeitamente, porém proponha as melhorias pouco a pouco para que possa ser construído algo real e sustentável.

 2. Faça um planejamento

Estabeleça as prioridades, defina metas e prazos e não abrace todas as responsabilidades. Pelas prioridades definidas, será possível traçar um plano de ação condizente com a realidade da empresa. Distribua as responsabilidades, demonstre apoiar a execução das tarefas, mas não assuma tudo. Demonstre aos responsáveis a importância de tal atividade e as consequências que a empresa pode sofrer em casos de não conclui-la. A dica extra aqui é utilizar exemplos reais e conhecidos pelo colaborador.

 3. Não tenha medo de ser chato e insistente se for preciso

Em algumas situações, é indispensável que tenhamos um pulso mais firme. Algumas situações não podem ser toleradas e proteladas, precisamos agir de imediato para proteger o produto, a empresa e o consumidor e muitas vezes passaremos por chatos ou insistentes, mas não abra mão da cobrança. Faça isso, demonstrando a importância de cumprir tal requisito.

4. Traga conhecimento de qualidade

Invista em um programa de treinamentos bem completo e com uma frequência adequada. Se possível, traga pessoas de fora para treinar, dar palestras, etc. Ofereça a oportunidade de os colaboradores terem domínio dos assuntos pelos quais são responsáveis. Hoje há muito material de qualidade (como este blog que você está lendo, :D) de graça disponível na internet. Outra dica legal é fazer parcerias com clientes, trazendo alguns responsáveis da área de Qualidade para palestrar aos seus colaboradores e falar sobre a importância do produto que fornecem para eles terem qualidade e não oferecerem risco aos seus consumidores.

5. Demonstre os resultados

Crie indicadores que demonstrem os resultados obtidos com as ações implantadas e com o amadurecimento do SGSA. Podem ser indicadores de reclamações de clientes, de não conformidades internas e externas, resultados de auditorias, entre outras. Essa atitude trará uma motivação maior aos colaboradores para continuar no caminho da cultura Food Safety.

Após a implantação do SGSA, com o passar do tempo, com toda a certeza teremos um sistema mais maduro, as pessoas estarão mais envolvidas e mais atentas, a comunicação fluirá melhor e os problemas e dificuldades tenderão a zero.

2 min leituraComo é difícil implantar a cultura Food Safety na indústria de embalagens! Quem é da área com certeza já ouviu: “Que exagero! Nós não produzimos alimentos, produzimos embalagem…” E nós, os caras da […]

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A ética nas atividades de food safety

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Um profissional que atua em food safety, por mais conhecimentos técnicos que tenha, será um profissional falho se não tiver bases éticas consistentes, pois são elas que no dia-a-dia direcionam o seu comportamento em cada ação que toma. Esta ética faz com que cada um dos indivíduos de uma organização utilize corretamente as bases teóricas que conhece sobre os diversos temas que domina.

A ética é a base que sustenta e direciona o indivíduo a agir corretamente.

Saber a técnica de nada adianta se um profissional negligenciar o comportamento ético na hora da tomada de decisões, optando pelo errado para favorecer a si mesmo, a outra pessoa ou uma organização, em detrimento do consumidor e dos contratos firmados em relações business to business. Acima de tudo, não se deve relativizar os conceitos sobre perigos associados com a segurança dos alimentos, podendo com isso, inclusive, colocar a saúde de consumidores em risco.

A ética trata dos princípios que motivam, distorcem, disciplinam ou orientam o comportamento humano, considerando o respeito às normas, virtudes morais e prescrições e exortações presentes em qualquer realidade social, como é claro, também dentro das relações profissionais que ocorrem em uma organização como são as indústrias de alimentos, bebidas, insumos e embalagens.

Por extensão, a ética é o conjunto de regras e preceitos de ordem de valores e moral de um indivíduo, de um grupo social ou de uma sociedade como um todo.

Assim, organizações também podem ser avaliadas pela sua ética derivada do conjunto de pessoas que nela trabalham.

A palavra “ética” vem do grego ethos e significa caráter, disposição, costume, hábito, sendo sinônima de “moral”, do latim mos, mores, que serviu de tradução para o termo grego mais antigo, significando também costume, hábito.

Mas ética não se resume apenas aos hábitos ou costumes socialmente definidos e comuns, mas busca a fundamentação para encontrar o melhor modo de agir, seja na vida privada, nas atividades profissionais dentro das organizações ou nas relações comerciais.

Isto logicamente depende do comportamento de cada indivíduo, do entendimento e comprometimento de cada um em fazer o que é correto, mesmo que seja o mais difícil, ou mesmo que para isso, haja até a necessidade de se admitir e expor falhas pessoais na condução de algum processo.

A ética ajuda a justificar os hábitos e os costumes de uma organização, e neste sentido, ela avalia a conduta humana e a moral é a qualidade desta conduta, quando julga-se do ponto de vista do CERTO e do ERRADO, inclusive a partir da nossa perspectiva de auto julgamento, portanto, daquilo que se faz quando ninguém está olhando, o que se sustenta pelo caráter.

Os valores éticos ajudam a definir, no momento de uma decisão, a resposta para:

QUERO, POSSO & DEVO?

Pois uma decisão pode ser a respeito de algo que se queira (talvez muito), para o qual se esteja preparado e se tenha o poder de fazer, mas cujos valores éticos freiam a ação, por ser algo errado, inadequado, que prejudicará a outros, como é o caso de desvios em processos que permitam a perda de controle quanto à qualidade que afeta a segurança de alimentos.

A falta de ética leva ao comportamento de enganar, disfarçar resultados, omitir problemas, fraudar produtos, agir em benefício próprio mesmo que isso prejudique a organização ou os consumidores.

A ética é, portanto, intrinsecamente relacionada à definição da moral, ao questionamento e julgamento sobre quais são os bons e maus valores no relacionamento humano ou numa atividade profissional, esclarecendo o que pode ou deve ser uma conduta adequada. Por exemplo, numa análise de valores genéricos espera-se que um profissional  da área de qualidade e food safety ético:

  1. Não minta para seus clientes descumprindo especificações;
  2. Não fraude produtos para otimizar lucro;
  3. Não disfarce problemas para enganar auditores e ser recomentado em auditorias de Food Safety;
  4. Haja corretamente frente a situações de gestão de crises, por exemplo, tomando a decisão de um recall caso isso seja necessário ao invés de esconder o fato;
  5. Atue dentro dos limites da normas e leis e não seja jamais desonesto com isso;
  6. Não libere lotes com desvios de especificação alterando laudos;
  7. Siga regras de BPF mesmo que ninguém esteja olhando;
  8. Siga rigorosamente planos de HACCP, em especial em casos de desvio de PCCs, mesmo que isso afete metas de produtividade ou leve a perda de lotes;
  9. Não minta na hora de fechar contratos prometendo cumprir especificações técnicas que previamente sabe que não é capaz;
  10. Não trafique informações ou formulações entre empresas, assim como não descumpra contratos de sigilo profissional.

Agir de forma ética é acima de tudo uma escolha pessoal, o que depende do caráter de cada indivíduo, e que ao final, certamente a vida pessoal e profissional recompensará, pois pessoas éticas atraem ao seu redor outras pessoas éticas, acabam por fazer parte de times de empresas éticas, e logicamente, isso refletirá em bases sólidas para implementação de uma cultura Food Safety como visto no artigo “Desafios brasileiros para implantação da cultura Food Safety“.

Pessoas que agem com ética são a base que sustenta um sistema de gestão em segurança dos alimentos, uma vez que trata-se do “como agir”, tão necessário como resultado de uma boa conscientização, que é justamente aquilo que sustenta uma verdadeira cultura de Segurança dos Alimentos.

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O perfil de líderes que favorecem a Cultura Food Safety

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O tema deste artigo envolvendo a cultura food safety surgiu a partir do questionamento de um dos leitores do blog: “como lidar com chefes que não dão exemplos sobre hábitos higiênicos”.

A sugestão me chamou a atenção e corri para escrever sobre isso porque é um tema que me fascina e uma questão que recorrentemente surge em grupos de profissionais que atuam na indústria de alimentos e bebidas, demostrando que infelizmente, ainda nos deparamos com pessoas em cargos de liderança, portanto, de decisão, para as quais ainda não “caiu a ficha” de que neste segmento não basta apenas produzir, mas é preciso produzir atendendo especificações técnicas, e acima de tudo, garantindo alimentos e bebidas seguras aos consumidores.

Claro que uma empresa deve contratar profissionais comprometidos com a produtividade e o rendimento, com a máxima do “fazer mais com menos”, de ter foco em cortar custos, em otimizar processos, etc, que são direcionamentos tão necessários num cenário de mercado competitivo.

Contudo, na indústria de alimentos, isso precisa vir sempre somado ao componente qualidade e food safety, de outro forma tudo pode ser posto a perder, pela elevação dos custos de não qualidade como já tratado no artigo Gestão de food safety focada em resultados, ou pior, pela perda de imagem associada a problemas que coloquem em risco a saúde de consumidores, inclusive podendo destruir totalmente uma marca.

Cabe então às organizações no momento de selecionar profissionais, cuidarem ao longo do processo seletivo de escolher pessoas com o perfil apropriado, e veja, aqui não falo apenas daqueles que irão trabalhar diretamente em áreas de qualidade e food safety, mas de qualquer profissional que terá poder de decisão em temas de apoio e suporte à produção de alimentos e bebidas, o que inclui, por exemplo, pessoal de produção industrial, manutenção, compras, etc.

Pois veja:

  1. O pessoal do industrial tem como meta principal produzir a quantidade estipulada num prazo determinado de acordo com a programação de SKUs estabelecida, mas tudo tem que atender especificações e estar livre de contaminantes químicos, físicos e microbiológicos ou de nada adianta;
  2. O pessoal de manutenção tem que garantir o funcionamento do parque industrial com metas de obter a melhor disponibilidade dos equipamentos, os máximos intervalos entre quebras e mínimos tempos de reparo, mas tem que fazer isso enquanto previne a contaminação das linhas de produção e garantindo a segurança dos equipamentos, como visto no artigo TPM a serviço da segurança dos alimentos;
  3. O pessoal de compras tem que comprar matérias-primas, insumos e embalagens pelo melhor preço e prazo, mas sempre respeitando especificações a partir de fornecedores previamente qualificados, capazes de garantir a entrega de produtos seguros ao longo dos abastecimentos.

Ou seja, quando se trata de “desenhar” perfis de cargo na indústria de alimentos e bebidas, não se restringe somente ao pessoal da qualidade a escolha de pessoas que tenham um foco em food safety, ainda mais para cargos de liderança, afinal, estrategicamente não há nada mais verdadeiro do que o velho jargão que diz que “um exemplo vale mais do que mil palavras”, uma vez que líderes dão o rumo das organizações.

Assim, um profissional na posição de liderança que demonstra praticar ações voltadas para segurança dos alimentos, a começar evidentemente pelos hábitos higiênicos e de BPF pessoais, ajudará a partir de seu exemplo a aculturar todo um time.

Analogamente, mas num viés inverso, aqueles líderes que não dão o exemplo colocam todo um programa de Food Safety a perder, porque eles não terão uma conduta moral que lhes permita cobrar o cumprimento de regras de seus subordinados, tornando-se portanto, um elo fraco em todo o processo de segurança dos alimentos de uma organização; em outras palavras, representam risco.

Na definição destes perfis com a estruturação dos papéis que são ocupados pelos cargos nas organizações, como uma boa prática de gestão, devemos planejar o que esperamos dos profissionais em termos de competências e conscientização, sendo que:

Competências são determinadas a partir de conhecimento, experiência e treinamento, já conscientização pode ser facilitada a partir da correta escolha do perfil dos profissionais.

Tratando-se da determinação das COMPETÊNCIAS para um perfil de cargo, a seguir é apresentado um exemplo típico (resumido) para gerente de operações na indústria de alimentos, e veja que são determinadas “especificações curriculares” que direcionam a busca de um profissional que ocupará esta função.

Figura 1: Modelo de descritivo de cargo:

Mas mesmo que uma organização encontre um profissional que se encaixe atendendo devidamente a todas as recomendações da vaga, de nada adianta se não houver conscientização para o tema segurança dos alimentos, afinal, a produção de alimentos seguros deve vir prioritariamente.

A conscientização busca um comportamento onde os indivíduos mesmo quando sem supervisão realizam corretamente suas atividades e tarefas, sabendo que não o fazendo, irão comprometer a qualidade e a segurança dos alimentos, e assim, prejudicar ou causar danos aos consumidores.

A CONSCIENTIZAÇÃO, como se vê, já é um pouco mais complexa de especificar de forma objetiva para auxiliar na realização de recrutamentos, uma vez que está ligada ao comportamento de cada indivíduo. A seguir são apresentadas características que devem ser buscadas, portanto, desejáveis a um profissional que ocupará cargos de liderança na indústria de alimentos e bebidas, justamente porque favorecem a produção de alimentos seguros. Em contraponto, também são apresentadas caraterísticas que são indesejáveis, pois sabotam o programa de Cultura Food Safety em uma organização.

Tabela 1: Características profissionais desejadas e indesejadas:

Obviamente, nem todos indivíduos têm 100% das características positivas ou sabotadoras, mas apresentam um pouco mais de uma ou outra das características apresentadas, inclusive situacionalmente, afinal o ser humano é uma criatura complexa quando se trata de comportamento e sentimentos.

É a predominância das características sabotadoras que se torna um grande problema, e cada uma delas deve ser trabalhada com orientação das organizações, por exemplo via feedbacks, em prol de uma mudança real de comportamento para que que a liderança, de fato, possa exercer da melhor forma seu papel na condução de um time que favoreça a Cultura Food Safety.

Para reforçar a condução de perfis proativos na direção da segurança dos alimentos e integrar times, é aconselhável também que as organizações, quando estruturam metas individuais, utilizem entre diferentes departamentos o uso de metas cruzadas, de forma a incentivar, por exemplo, que equipes de produção industrial persigam metas de produtividade e rendimento, mas sem abrir mão de qualidade e food safety, sendo que se surgirem reclamações, reprocesso e devoluções, haverá um decréscimo de pontuação (penalidade).

Da mesma forma se incentiva via metas que os times de qualidade também atuem em prol de rendimento e produtividade, para que não se tornem meros apontadores de problemas e foquem só a retenção de lotes, mas para que atuem ativamente e preventivamente via análise de riscos, ou corretivamente ajudando times industriais a solucionar problemas da produção.

Então, voltando à questão inicial “como lidar com chefes que não dão exemplos sobre hábitos higiênicos”, acredito que o caminho seria:

  1. Primeiramente, escolhendo melhor o perfil profissional de quem ocupará cargos de chefia na indústria de alimentos, para que sejam pessoas já comprometidas com o tema food safety;
  2. Para os profissionais antigos de casa, que já ocupam estas funções e que carecem desta conscientização no tema, prover treinamentos e uma conversa franca por parte da alta direção, informando de forma inequívoca que precisam mudar de comportamento;
  3. Para aqueles que não mudam de comportamento de jeito nenhum, portanto, não conseguem entender a importância de produzir alimentos seguros e de dar o exemplo a seus liderados neste sentido, talvez não reste opção que não a de substitui-los, uma vez que colocam em risco a saúde de consumidores.

Gostou do artigo? Posso dar uma sugestão para que tenhamos mais profissionais engajados com Food Safety?

Envie gentilmente este artigo aos líderes não engajados para que reflitam e quem sabe revejam seu comportamento; envie também para os departamentos de Recursos Humanos para que considerem estas questões nas contratações; e por fim, para os diretores de empresas de alimentos e bebidas que são os tomadores de decisão.

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Desafios brasileiros para implantação da cultura Food Safety

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Quando contratamos pessoas para trabalhar na indústria de alimentos, bebidas e suas embalagens, visando à produção de alimentos não só dentro de suas especificações técnicas associadas à qualidade percebida, como umidade, textura, sabor, cor, aroma, etc, mas também dentro da condição intrínseca de serem seguros, ou seja, livres de quaisquer tipos de contaminantes, percebemos que os treinamentos normalmente oferecidos são apenas o começo de um trabalho muito mais profundo para se chegar plenamente a um ambiente onde há efetivamente uma cultura voltada a Food Safety.

Numa plena cultura Food Safety os indivíduos são capazes de praticar ações que previnam a contaminação.

Há um desenvolvido olhar de gestão de riscos que ocorre de uma forma natural, o que passa por seguir devidamente procedimentos e regras que cada organização cria de acordo com seu contexto e riscos associados aos seus produtos, suas características e as tecnologias utilizadas, e claro, pela disposição de cada indivíduo em praticar assiduamente hábitos de higiene pessoal e ambiental que passam a ser compreendidos por todos como condições rotineiras necessárias às atividades.

Isso tudo desperta uma cultura efetivamente proativa, que deve ser a marca principal de uma cultura Food Safety, que alerta quando riscos são identificados nas operações e os previnem dentro das rotinas diárias. Tais alertas devem partir de qualquer um, pois todos passam a ter responsabilidades equiparáveis neste tema, em cada uma das diversas e diferentes atividades que realizem, seja num posto operacional, de gestão ou estratégico.

Inicialmente, como regra geral, damos treinamentos aos novos funcionários, como os de integração, e depois, periodicamente fazemos reciclagens, onde nós os levamos para uma sala, passamos alguns slides, tratamos temas como BPF, CIP, HACCP, alergênicos, etc. Até fazemos jogos e dinâmicas de fixação, muitas vezes inclusive dedicamos esforços na criação de “semanas da qualidade”, mas nada garante que o tema foi ou será efetivamente absorvido e fixado, e mais, que será posto em prática pelas pessoas dali em diante em seu dia-a-dia dentro das atividades que realizam.

Falamos aqui de coisas muitas vezes simples, como por exemplo, de BPF pessoal: de não ter barba, bigodes ou costeletas; de cortar os cabelos e mantê-los devidamente dentro de toucas; de ter sempre as unhas limpas, aparadas e sem esmalte; de tomar banho diariamente; de escovar os dentes após cada uma das refeições; de não usar adornos como brincos, anéis, piercings; de não usar perfumes ou desodorantes com odores fortes; de usar os sanitários de forma higiênica, fazendo devidamente as necessidades dentro dos locais apropriados, de não jogar papel no chão e deixar as lixeiras devidamente fechadas; de alertar superiores quando se está com alguma infecção, etc. E claro, de manter as mãos sempre muito bem limpas e higienizadas.

Parece simples, não é?

Parece óbvio que as pessoas que atuam na indústria de alimentos tenham que seguir hábitos higiênicos, não?

A questão começa a se apresentar como um desafio porque o Brasil é um país de dimensões continentais onde a situação da coleta de esgoto é precária e apenas 66% das casas têm acesso à rede, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2018. No Piauí, pior colocado na lista, esse índice é de apenas 7% das residências; em outros 13 estados, o número é menor do que 50%.

Figura 1: Mapa dos domicílios com rede de esgoto pela rede em 2018.

 

Não é uma situação homogênea, há discrepâncias regionais significativas com relação à coleta de esgoto, pois enquanto a região Sudeste tem 88,6% das casas atendidas, a Norte tem apenas 21%.

As diferenças entre o campo e as cidades também são grandes. Cerca de 74% dos domicílios urbanos têm seu esgoto coletado pela rede, mas essa proporção é de apenas 7,4% nas áreas rurais, que recorrem principalmente a fossas (80%).

De tudo o que é coletado, porém, apenas uma parte passa por tratamento. Segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (Snis) de 2017, em todo o Brasil, apenas 73,7% do esgoto coletado é tratado. A região Sul é a que mais trata o material que coleta (93,7%), seguida por Centro-Oeste (92,6%), Norte (84,6%), Nordeste (80,8%) e Sudeste (67,3%).

No entanto, se for considerado todo o esgoto gerado no país, coletado ou não, apenas 46% recebe tratamento.

Em relatório de 2018 sobre a situação do saneamento nos 100 municípios mais populosos do país, o Instituto Trata Brasil destacou que 21 deles tratam menos de 20% do volume de esgoto produzido, sendo este assunto o principal gargalo do saneamento básico em nosso país.

E logicamente, a carência de saneamento básico tem impacto direto na saúde das pessoas, pois conforme destaca o Sistema de Informações Hospitalares do SUS, do Ministério da Saúde, houve três milhões de internações por conta de doenças relacionadas à insuficiência de saneamento básico em dez anos, entre 2009 e 2018.

As regiões Norte e Nordeste, que têm as piores taxas de cobertura de saneamento básico, também apresentam as maiores taxas de internação por doenças evitáveis relacionadas à carência de saneamento básico. Enquanto a média nacional é de 65 internações por 100 mil habitantes, no Norte e no Nordeste as taxas são de 110 e 121, respectivamente.

As doenças decorrentes da falta de coleta de esgoto e lixo ou do acesso à água tratada incluem aquelas causadas por contato com fezes, transmitidas por insetos vetores, além de verminoses (helmintíases e teníases), segundo o Ministério da Saúde, ou seja, todos configuram riscos provenientes de manipuladores quando pensamos em segurança dos alimentos.

Ainda de acordo com o Sistema de Informações sobre Mortalidade, também do Ministério da Saúde, essas doenças relacionadas ao saneamento básico inadequado foram responsáveis por 73,4 mil mortes em 10 anos, entre 2008 e 2017.

Podemos dizer que, por isso, temos no Brasil um desafio maior em comparação com países do primeiro mundo onde a questão do saneamento básico já está equacionada, afinal, temos que lidar com uma mão de obra com maior risco potencial de doenças ocasionadas por falta de saneamento básico.

Além disso, naquilo que se refere à cultura Food Safety, teremos um público que por não ter acesso ao saneamento básico em seus lares, se depara com regras na indústria com as quais não está bem familiarizado, afinal, neste cenário, nem todos em seus lares têm banheiros, batentes e pias apropriadas com água tratada e algum detergente e sanitizante.

Qual o reflexo direto disso e que comprova este fato?

Basta dar uma olhada nos banheiros das indústrias e avaliar se efetivamente se mantem de forma satisfatória!

Banheiros são áreas críticas pelos riscos microbiológicos e onde se requer muitas vezes que se gaste muito tempo e energia para garantir um ambiente sanitário minimamente satisfatório, e refletem de forma escancarada, o grau e nível de inserção da Cultura Food Safety numa organização.

Alias, o uso de um banheiro público no Brasil, de forma geral, é sempre um drama, seja num bar, numa lanchonete, numa rodoviária, numa parada de posto de combustíveis, e até mesmo em aeroportos, demonstrando que os cuidados com os hábitos higiênicos ainda são bem precários.

Por isso tudo, as organizações se veem obrigadas a assumir um papel educador, de transformação, propriamente de aculturamento em temas relacionados à higiene pessoal e cultura Food Safety, e eis que aqui surge então um segundo grande desafio para indústria alimentícia brasileira, relacionado ao fato de que, segundo dados de 2005 do IBOPE, no Brasil o analfabetismo funcional atinge cerca de 68% da população, sendo 30% no nível 1 e 38% no nível 2.

Tabela 1: Diferença entre os níveis de analfabetismo funcional:

Nível 1 – Alfabetização rudimentar   Nível 2 – Alfabetização básica
Compreende aqueles que apenas conseguem ler e compreender títulos de textos e frases curtas; e apesar de saber contar, têm dificuldades com a compreensão de números grandes e em fazer as operações aritméticas básicas.

 

Compreende aqueles que conseguem ler textos curtos, mas só conseguem extrair informações esparsas no texto e não conseguem tirar uma conclusão a respeito do mesmo; e também conseguem entender números grandes, conseguem realizar as operações aritméticas básicas, entretanto sentem dificuldades quando é exigida uma maior quantidade de cálculos, ou em operações matemáticas mais complexas.

Somados esses 68% de analfabetos funcionais com os 7% da população que é totalmente analfabeta, temos que:

75% da população não possui o domínio pleno da leitura, da escrita e das operações matemáticas, ou seja, apenas 1 de cada 4 brasileiros é plenamente alfabetizado.

Pois bem, esta é a mão de obra que ocupará grande parte das vagas de auxiliares e operadores na indústria de alimentos e bebidas, e vejam, não é que estes indivíduos não tenham um diploma de “segundo grau”, muitas vezes tal diploma até existe, mas mesmo com tal diploma a capacidade de interpretar textos e de fazer minimamente operações matemáticas é muito precária.

O tema é muito grave, e muitas vezes não se restringe apenas à mão de obra que ocupa postos de base. Em 2012, o Instituto Paulo Montenegro e a ONG Ação Educativa divulgaram o Indicador de Analfabetismo Funcional (Inaf) entre estudantes universitários do Brasil e este chega a incríveis 38%, refletindo o expressivo crescimento de universidades de baixa qualidade durante a última década.

É claro que isto terá impactos na forma, velocidade e ações necessárias para a implantação de uma Cultura Food Safety. Terá reflexo diretamente ao ministrarmos treinamentos, pois justamente por isso, precisamos usar uma linguagem apropriada para que se atinja uma absorção de conteúdo minimamente aceitável, e é preciso ir além, estas pessoas terão no seu dia-a-dia que ler e entender POPs (Procedimentos Operacionais Padronizados), fazer registros de monitoramento, e outras diversas atividades que requerem interpretar textos e usar, ao menos, a matemática básica.

POPs, por exemplo, precisam ser escritos em linguagem capaz de ser entendida por este público que tem dificuldades em ler e interpretar textos, tema que tratei no artigo “Cuidado para não transformar seu sistema de gestão num cartório!”

Afinal, o que se espera não é apenas a existência de um POP, mas que ele seja útil, e para isso, precisa ser lido e compreendido, e como a capacidade de compreensão por analfabetos funcionais é limitada, há que se recorrer ao uso de figuras, desenhos, fotos, fluxogramas, cores de alerta e palavras muito bem escolhidas para garantir seu entendimento, além, é claro, de treinamentos mais frequentes e que enfatizem especialmente ações essenciais para prevenir contaminações.

A Dra. Lone Jespersen que vem tratando o tema de forma brilhante define Cultura em Food Safety como as atitudes, valores e práticas predominantes relacionadas à segurança de alimentos que são ensinadas direta e indiretamente a novos funcionários pelas organizações.

Contudo, não é apenas uma questão daquilo que é “ensinado”, mas principalmente daquilo que é “aprendido e efetivamente absorvido”, e por isso, de novo, ensinar é apenas a primeira ação de um desafio que é muito maior quando falamos em aculturamento, ação esta que é dificultada, evidentemente, num cenário onde há tantos analfabetos funcionais.

Fora isso, após ensinar regras de food safety, há que se fazer um grande esforço para garantir uma atitude de conscientização, ou seja, a prática daquilo que se aprendeu na teoria, o que pode ser via repetição de treinamentos, exemplo dos líderes, valorização por meritocracia de quem se destaca incentivando ações proativas, orientação e cobrança diária.

Figura 2: Esforços para o avanço de uma Cultura Food Safety.

Todas estas são ferramentas indispensáveis. Com o tempo, se tudo estiver ocorrendo a contento, passamos a ter um comportamento de agir corretamente no que se refere à Food Safety, sem que seja preciso “vigilância ferrenha e constante”, até atingirmos um comportamento coletivo, onde as pessoas de fato praticam regras de segurança dos alimentos, começando indubitavelmente pelos próprios hábitos higiênicos, e isso requer esforço constante e tempo apropriado.

Atingir o comportamento coletivo é fantástico, porque em um ambiente onde todos praticam regras de Segurança dos Alimentos e Higiene, mesmo novos empregados o farão, por verem os colegas fazerem, pois o exemplo direciona ações.

Mas o inverso também é verdadeiro: sem uma sedimentada cultura Food Safety, mesmo novos empregados que acabaram de receber treinamentos não se verão engajados e motivados a seguirem as regras que aprenderam, preferindo seguir o que a “maioria” pratica.

Imagino que o leitor até aqui já percebeu que o tema Cultura Food Safety é imprescindível para garantir a produção de alimentos seguros, mas que sua criação de forma efetiva e robusta é um grande desafio e que sua implementação está longe de ser um mar de rosas, pois além dos problemas estruturais associados à falta de saneamento e educação básica que temos em nosso país que configuram um desafio a mais como visto, temos ainda outros relacionados à natureza humana, de pessoas que não querem mudar seus hábitos, mesmo conscientes de que suas atitudes configuram riscos.

Quem nunca se deparou com os teimosos que insistem em não se adequar às regras de organização, ou com frases típicas como “isso é um exagero”, “sempre fiz deste modo e não vou mudar”, “lá vem esse pessoal da qualidade criar regras para atrapalhar meu serviço”, ou coisas mais ou menos assim?

Em comportamento de times industriais em momentos de mudança, e falo aqui com base na minha experiência pessoal de anos na indústria de alimentos, vejo que há aqueles grupos que vestem a camisa e querem mesmo colocar em prática o que aprenderam, assim como há aqueles que não querem de jeito nenhum mudar seus velhos hábitos, e no meio disto tem uma maioria que “vai na onda”, que vai seguir o que a empresa ditar como regra e o a maioria dos colegas de trabalho vier a fazer. Estes comportamentos típicos se distribuem de forma razoavelmente semelhante a uma  curva de Gauss.

Figura 3: Grupos de engajamento a mudanças.

O segredo é utilizar ao máximo a ajuda do pessoal que efetivamente vestiu a camisa (círculo verde), com ações para potencializar e fazer crescer este grupo, porque eles ajudarão a conduzir os rumos dos demais (círculo amarelo) em prol de um comportamento proativo voltado à segurança dos alimentos. Mas ao mesmo tempo, é preciso monitorar aqueles que não querem cooperar (círculo vermelho), tentando trazê-los ao grupo de ações positivas ou ao menos ao grupo dos que não atrapalham ou configuram riscos, inclusive sob a possibilidade de serem influenciadores e acabarem sabotando todo um programa de criação de Cultura Food Safety, justamente pela influência que também exercem sobre o grupo do círculo amarelo.

Como consequência do não engajamento, a Cultura Food Safety pode realmente configurar aumento da probabilidade de riscos quanto à produção de alimentos e bebidas seguras, tais pessoas algumas vezes precisam ser afastadas de atividades de maior risco como manipulação direta, áreas críticas do processo, pontos críticos de controle identificados em planos de HACCP, postos de liderança justo porque possuem um papel influenciador, e até de áreas susceptíveis à sabotagem como previsto em programas de Food Defense (veja mais em Guia de Food Defense da FSSC 22000 em português).

Finalizo dizendo que este artigo não tem objetivo de assustar o leitor frente aos desafios extras que temos por sermos um país ainda em desenvolvimento, mas de trazer à tona o tema Food Safety no cenário brasileiro. Não basta pegarmos a literatura e os estudos que estão sendo produzidos lá fora apenas, por melhores que sejam, mas há que entendê-los dentro de nossa realidade, adaptá-los, e só assim, trabalharmos para o que efetivamente se deseja com isso, que é a produção de alimentos seguros.

Por fim, lembre que você que foi capaz de ler e entender um texto como este é a exceção em nosso país, por isso, tem uma responsabilidade a mais em cooperar para a implantação da Cultura Food Safety em nossos cenários produtivos de alimentos e bebidas.

Para quem quiser ler um pouco mais:

  1. Cultura de Segurança dos Alimentos: pequenas iniciativas, grandes resultados!
  2. Cultura Food Safety – Caminhos e Desafios da Liderança
  3. O que é cultura e como nossos hábitos transformam as organizações
  4. Cultura de segurança de alimentos: uma jornada
  5. Cultura da Segurança dos Alimentos: 7 práticas vencedoras para definir um tom positivo!
  6. Gestão da cultura organizacional e a segurança dos alimentos
  7. Food Safety para crianças nas escolas – como ensinar boas práticas e garantir que a segurança dos alimentos se torne um hábito desde a infância
  8. GFSI lança paper sobre Cultura de Segurança de Alimentos
  9. Cultura de Accountability na Segurança dos Alimentos
  10. Exemplos para engajamento e alcance da maturidade em Cultura de Segurança de Alimentos

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