4 min leituraUma premissa cada vez mais disseminada diz: “o que é natural é bom, o artificial faz mal à saúde”. Gostaria de desconstruir este conceito, falando um pouco sobre ciência dos alimentos.
Para isso, vou discutir algumas “verdades” que tem se fortalecido perante os consumidores:
As duas primeiras vêm das máximas de Michel Pollan, estudioso da alimentação moderna, e a terceira é considerada, na prática, uma “verdade universal”.
Não é tão fácil separar o que é natural do artificial. Deve ser por isso que até hoje, mesmo com a pressão do mercado, incluindo petições públicas de associações de consumidores, o FDA se esquiva de publicar um requisito legal de rotulagem a respeito, restringindo-se a ponderar que: “a Agência não se opõe ao uso do termo natural se o alimento não contém corantes adicionados, aromatizantes artificiais ou substâncias sintéticas” como pode ser lido aqui.
Segundo o dicionário (Aurélio, 8ª ed), natural significa: “1. Da natureza 2. Em que não há trabalho ou intervenção do homem (…) 9. Diz-se de alimento que não contém preservativos, nem aditivos artificiais, mas que foi submetido a certos beneficiamentos.” Artificial é o que é produzido pela arte ou pela indústria. Assim, se eu extrair o pigmento natural da beterraba para usar como corante, ele pode “se tornar” artificial pelo fato do processo acontecer numa indústria? E a estévia, que precisa passar por refino, perde a “naturalidade”? O pão feito em casa é artificial ou natural, se a farinha veio de uma indústria? Se quiser mais exemplos como esses, leia Natural x artificial – qual o propósito desta diferenciação?
Natural, mas não tão bom, pois a dose faz o veneno
Para dar corpo ao debate, separei uma pequena lista de substâncias da natureza que passaram por algum beneficiamento e que comprovadamente causam danos à saúde. A maioria é bem familiar a todos os consumidores.
– Cloreto de sódio – O sal de cozinha tem 40% de sódio na sua composição e está abundantemente presente nos oceanos na concentração de 3,5%. No soro fisiológico, que imita a concentração em nosso sangue, está na concentração de 0,9%. As doenças causadas pelo mineral que é um conservante milenar, além de condimento indispensável, incluem hipertensão, insuficiência cardíaca ou renal, aumento das chances de doenças autoimunes e agravamento da osteoporose.
– Sacarose (açúcar de mesa): o vilão do momento para a medicina, a quem são atribuídos os grandes males da saúde humana atualmente como obesidade e elevação de triglicérides, estopim para vários males conhecidos.
– Etanol – Esse você conhece, né? Obtido por fermentação e garante os vinhos, cervejas e muitas tantas alegrias. Difícil alguns admitirem os efeitos nocivos, essa substância é obtida por fabricação milenar artesanal destas bebidas. A dose faz o veneno e não estou incluindo os destilados, que requerem maior complexidade na industrialização.
– Acrilamida – se considerarmos que “artificial” é algo obtido numa indústria, então realmente esta substância não deveria estar nesta lista. Ela é formada no aquecimento de carboidratos a altas temperaturas. Como há pessoas que preferem fazer pão caseiro e fritar suas próprias batatas em casa para fugir dos industrializados e se sentirem mais seguras, é importante orientar que a a formação desta substância pode acontecer na sua casa, bastando deixar “bem dourados” os assados e as frituras. Saiba como evitar aqui.
A vovó reconhecia como comida
Segundo a premissa de que as avós é que produziam alimentos seguros e saudáveis, vamos resgatar ingredientes que são comida. Por exemplo: sua avó fazia doce de abóbora com cal virgem? Então pode, né? Afinal era a vovó! E se você lesse num rótulo o aditivo “óxido de cálcio” num produto industrializado, teria o mesmo apetite?
Que alimento reconfortante e digno de ser servido às crianças é a gelatina! Minha avó sempre nos servia. Você sabe como é produzida a gelatina? Incomodaria saber que para fazer a extração a partir do couro de bovinos ou ossos de suínos, é necessário o uso de algum ácido como sulfúrico, clorídrico ou fosfórico e um álcali como hidróxido de sódio (soda)?
Se um bolo industrial apresentar no rótulo pirofosfato ácido de sódio, bicarbonato de sódio e fosfato monocálcico, seria motivo para deixar na prateleira? Se você acha que sim, recuse também o bolinho quentinho da sua avó pois esta é a composição do fermento que ela usa!
Assim, é preciso ter muita cautela ao se fazer a associação automática de que se algo é “reconhecido pelas avós” então é natural ou não é um aditivo tal qual o usado na indústria.
Origem natural, mas com nome estranho ou difícil de pronunciar?
Em relação aos nomes, a maioria das substâncias são apresentadas aos consumidores nos rótulos com nomes técnicos, e não por apelidos populares. Há ingredientes que parecem mais familiares do que outros. Resta saber quem é quem, e o que afinal podem provocar à saúde.
A goma xantana está na moda na gastronomia, pois torna simples engrossar um molho já no final do seu preparo. Há quem queira passar longe deste produto da fermentação por bactérias por causa do nome não familiar. (alguém se lembrou do iogurte, tão saudável, obtido por fermentação?)
O ácido etanoico, é o nosso milenar vinagre. Trocou o nome científico pelo apelido, ficou mais fácil, né?
Beta caroteno, soa saudável? Esse pigmento carotenóide oxidante(uau) presente na abóbora, cenoura e mamão realmente são essenciais ao organismo.
Conclusão
Bem, a conclusão a que espero que tenham chegado é que generalizações são sempre arriscadas. Conhecimento técnico-científico sobre o que se está comendo vem antes de se acolher modismos e frases de efeito. Essas frases podem sim, conter sabedoria se bem interpretadas, mas podem também levar a distorções. Mesmo nós, leitores deste blog e profissionais da área, temos dificuldades em enxergar as fronteiras controversas de certas definições. Nos cabe ajudar ao leigo a ter mais dados para se localizar num mar de informações.
Então, antes de espalhar e cultivar informação sem embasamento, estude. Busque fontes confiáveis, converse com profissionais do ramo, colha mais de uma opinião. Não se prive de certos alimentos sem o devido embasamento e não “vá de cabeça” no conceito “o artificial é que é o vilão” pois tanto a natureza oferece perigos quanto os homens também produzem muita coisa boa para a humanidade.
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