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Diferenças regulamentares entre os queijos autoral, artesanal e industrial

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Uma pergunta que recebo com frequência é: “por que os queijos que produzimos em indústrias, chamados de “industriais”, precisam seguir padrões rígidos com relação a rotulagem e processos produtivos e os queijos autorais ou artesanais têm rótulos com informações diversas e processos produtivos não regulamentados?”

Algumas definições que podem auxiliar no entendimento:

Queijos Autorais: são produtos que refletem a personalidade e criatividade do produtor, podendo ter características únicas. 

Queijos Artesanais: são produzidos de forma tradicional, com receita e processo que apresentam características próprias, tradicionais, regionais ou culturais. 

Nos dois casos, a rotulagem deve obedecer às regras tanto do MAPA quanto da ANVISA. A rotulagem é imprescindível como forma de trazer informações e segurança para quem irá consumir o produto.

São informações obrigatórias para produtos industriais, artesanais ou autorais:

– Identificação com a denominação do queijo;

– Lista de ingredientes – obedecendo a ordem decrescente, por quantidade, dos ingredientes utilizados;

– Informação nutricional, atendendo às normas da ANVISA com relação à quantidade de nutrientes por porção do produto e por 100 g;

– Presença ou ausência de glúten

– Informação sobre presença de alergênicos e derivados

– Carimbo do órgão fiscalizador – SIF ou SIE ou SIM

– Identificação do fabricante/produtor – dados completos do produtor e local onde o queijo é produzido

Selo Arte/Selo de queijo artesanal, se aplicável

– Lote e validade

– Informação sobre presença de lactose, se aplicável

A Portaria 531/2022 do Ministério da Agricultura, estabelece  os requisitos para concessão dos selos de identificação artesanal ARTE e Queijo Artesanal pelos órgãos de agricultura e pecuária federal, estaduais, municipais e distrital, além de definir os padrões de numeração e logotipos dos selos de identificação artesanal. Esta norma também institui o Manual de Auditoria do processo de concessão de selos de identificação artesanal.

Além da rotulagem e concessão dos selos, a Lei nº 17.453/2021 dispõe sobre a manipulação e o beneficiamento de produtos de origem animal, sob a forma artesanal, bem como sobre sua inspeção e fiscalização sanitária, no Estado de São Paulo.

Tudo isso mostra que na teoria os queijos artesanais e autorais também são regulamentados, fiscalizados e seguem critérios de rotulagem e registro. O que pode gerar questionamentos é se a fiscalização efetivamente acontece. Os estabelecimentos são visitados e realmente os processos são verificados pelos órgãos responsáveis? Os rótulos fora do padrão são questionados pela Vigilância Sanitária e recolhidos dos pontos de vendas?

Entendo que existe a norma e ela precisa ser cumprida. Quando isso não acontece, as penalidades previstas devem ser aplicadas, assim como nos queijos industriais.

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Quais os possíveis riscos microbiológicos do consumo de queijos artesanais feitos de leite cru?

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A comercialização de queijos artesanais feitos de leite cru (QALC) é permitida em algumas partes do mundo, incluindo o Brasil, mas existem diversos riscos microbiológicos relacionados ao consumo deste alimento que têm sido sistematicamente negligenciados.

No Brasil, mesmo com todos os esforços dos órgãos fiscais, ainda se observam muitos desafios, especialmente no que diz respeito à produção de forma segura deste produto. Neste sentido, é importante destacar alguns pontos que permanecem em discussão como: i) quais os patógenos mais prevalentes nos QALC e os fatores de risco para a sua presença neste alimento, ii) qual a distribuição espacial dos mesmos, iii) se existe um tempo de maturação que torna o QALC inócuo ao consumidor para os patógenos mais prevalentes, e iv) os principais pontos críticos de controle a serem focados por programas de boas práticas agropecuárias (BPA) e de fabricação (BPF) para a produção deste tipo de alimento.

Em Minas Gerais (MG), os modos de fazer QALC foram considerados como patrimônio histórico imaterial da humanidade pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, tendo duas regiões conquistado selos de indicações geográficas (IG): Canastra e Serro. Entretanto, com a publicação da Instrução Normativa nº 30, de 07/08/2013 que, no art.1º, “permite que os queijos artesanais tradicionalmente elaborados a partir de leite cru sejam maturados por um período inferior a 60 (sessenta) dias, quando estudos técnico-científicos comprovarem que a redução do período de maturação não comprometa a qualidade e a inocuidade do produto”, diversas outras regiões começaram a demandar estes estudos, no sentido de reduzir os tempos de maturação e facilitar a comercialização de QALC. Uma crítica que se faz a estes estudos nacionais é que, em sua maioria, têm se baseado em uma amostragem com número limitado de agroindústrias rurais produtoras de QALC (sete ou oito), e comumente são selecionadas aquelas com melhores BPAs e BPFs, que em geral não representam a realidade de produção artesanal de cada uma das regiões.

Este registro de IG tem sido demandado por diversas regiões produtoras de queijos artesanais, tanto de Minas Gerais como de diversos outros estados. Segundo a Coordenação de Incentivo à Indicação Geográfica de Produtos Agropecuários da Secretaria de Desenvolvimento Agropecuário e Cooperativismo (CIG/SDC) do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA), tal registro é um reconhecimento da notoriedade, reputação, valor intrínseco e identidade do produto, além de proteger seu nome geográfico e distingui-lo de similares disponíveis no mercado. Por outro lado, devido a questões inerentes à segurança do consumidor, alguns integrantes do próprio MAPA e de outros órgãos de defesa vêm demonstrando preocupação com a produção de QALC, uma vez que essa prática, planejada inicialmente como uma exceção à regra da pasteurização, para atender nichos específicos de produção e mercado, vem se tornando, no entanto, uma regra utilizada com frequência por regiões produtoras de QALC do país inteiro. Dessa forma, até mesmo regiões que não tinham tradição de produção de QALC estão procurando implantá-la.

Diante do exposto, surge uma questão essencial: quais os perigos microbiológicos principais e os riscos inerentes à saúde do consumidor de um QALC?

Patógenos em QALC produzidos fora do Brasil e surtos humanos

A taxa de surtos causados pelo consumo de leite não pasteurizado (muitas vezes chamado de leite cru) e seus derivados foi 150 vezes maior do que os surtos associados ao leite pasteurizado, de acordo com um estudo do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos da América (EUA). Essa revisão que abrangeu 13 anos também revelou que os estados onde a venda de leite cru era considerada legal tinham mais que o dobro da taxa de surtos dos estados onde era ilegal. Os produtos fabricados com leite cru citados nessa revisão incluíram queijo e iogurte (Langer et al., 2012).

O número de surtos nos EUA causados pelo consumo de leite e derivados não pasteurizados aumentou de 30, durante 2007–2009, para 51, durante o período de 2010 a 2012. A maioria dos surtos foi causada por Campylobacter spp. (77%) e por lácteos não pasteurizados adquiridos de estados em que a venda deste alimento era considerada legal (81%). Durante 2007–2012, um total de 81 surtos associados a lácteos não pasteurizados foi relatado em 26 estados, os quais resultaram em 979 doentes e 73 hospitalizações. Dos 78 surtos com um único agente etiológico, Campylobacter spp. foi o patógeno mais comum, causando 81% (62/78) dos surtos, seguido por Escherichia coli produtora de toxina Shiga (17%, 13/78), Salmonella enterica sorotipo Typhimurium (3%, 2/78) e Coxiella burnetii (1%, 1/78) (Mungai et al., 2015).

Uma ampla revisão concentrou informações sobre os perigos microbiológicos presentes em produtos lácteos fabricados com leite cru, em particular queijo, manteiga, creme e leitelho, em diversas regiões do continente europeu, além dos Estados Unidos e Canadá. Nessa revisão, Verraes et al. (2015) apresentam os principais perigos microbiológicos dos queijos produzidos com leite cru (especialmente queijos macios e frescos), confirmando que a maioria está associada à contaminação por Listeria monocytogenes, E. coli produtora de verocitotoxina (VTEC), Staphylococcus enterotoxigênicos, Salmonella spp. e Campylobacter spp. Em adição, também foi possível identificar, em áreas endêmicas, produtos lácteos de leite cru contaminados com Brucella spp. e Mycobacterium bovis. Uma lista não exaustiva de 64 surtos humanos associados ao consumo de produtos lácteos feitos de leite cru foi analisada nessas mesmas regiões. Todos os surtos, exceto um, foram associados ao consumo de QALC. Um surto foi atribuído ao consumo de creme de leite cru, sendo nenhum deles atribuído à manteiga de leite cru ou ao leitelho. Os patógenos mais comumente encontrados nesses 64 surtos envolvendo humanos são apresentados na Figura 1. Importante ressaltar que um surto em humanos causado por Brucella spp. foi associado a QALC maturado por mais de 90 dias (Galbraith et al., 1969).

Figura 1. Surtos de doenças transmitidas por alimentos associados ao consumo de leite cru ou seus derivados não pasteurizados, especialmente queijos, na Europa, EUA e Canadá. VTEC, vetotoxigênicas; TC, transmitidos por carrapatos. (Fonte: Verraes et al. 2015)

Patógenos em QALC do Brasil e surtos associados ao seu consumo

A vigilância de doenças de origem alimentar, também chamadas de transmitidas por alimentos (DTA), teve início no Brasil em 1999. No período de 2000-2021, leite e derivados foi o quinto grupo de alimentos mais implicado nesses surtos no país, sendo responsável por aproximadamente 6% do total notificado ao Ministério da Saúde. 

Diversos surtos humanos têm sido associados especialmente ao consumo de QALC no Brasil. Um surto de glomerulonefrite por Streptococcus equi sub. zooepidemicus acometeu 253 pessoas, causando muitas mortes e sequelas em Nova Serrana, Minas Gerais (MG), de 1997 a 1998 (Balter et al., 2000). Adicionalmente, cinquenta indivíduos ficaram doentes após consumirem QALC contaminados por enterotoxinas estafilocócicas em Manhuaçu, MG, em 1999 (Carmo et al., 2002). Casos de tuberculose zoonótica detectados em pacientes de Juiz de Fora, MG, de 2008 a 2010, foram associados a exposições zoonóticas, especialmente consumo de QALC (Silva et al., 2018). Por sua vez, um surto de toxoplasmose humana ocorrido no município de Montes Claros de Goiás, GO, de 2015-2016, foi associado principalmente ao consumo de QALC. Em um amplo surto de brucelose humana no Brasil, o consumo de lácteos crus foi o principal fator de risco detectado (Lemos et al., 2018).

Ademais, diversos perigos microbiológicos previstos em legislações nacionais têm sido detectados em QALC no Brasil, cujos riscos à saúde pública não podem ser negligenciados. Entre esses, destacam-se Salmonella spp. (Araújo 2004; Menezes et al., 2009) e L. monocytogenes (Zaffari et al., 2007; Carvalho, 2014). Dores et al. (2013), por outro lado, mostraram uma baixa taxa de produção de enterotoxinas clássicas, apenas tipos A e C, por cepas isoladas de S. aureus do queijo Minas Artesanal (QMA). Apesar de a maioria dos isolados não produzirem enterotoxinas clássicas, os autores alertaram que as altas contagens de S. aureus nas amostras de queijo analisadas podem representar possível risco da presença de enterotoxinas não clássicas, as quais não foram avaliadas no estudo.

Por outro lado, igualmente preocupante é o relato de diversos patógenos, a maioria zoonóticos, que não são previstos por legislações específicas para serem pesquisados em QALC, portanto negligenciados, e que podem ser encontrados neste alimento. Kobayashi et al. (2017) detectaram a presença de Campylobacter spp. em amostras de queijos obtidos de vacas leiteiras criadas às margens do rio Tietê, na grande São Paulo. Por sua vez, o gênero Brucella, que foi detectado em diversas amostras de QALC brasileiros, está entre os sete patógenos zoonóticos de maior prioridade global (Miyashiro et al., 2007; Silva et al., 2016; Kobayashi et al., 2017). Vale ressaltar que esse patógeno foi recuperado por cultivo em queijos Coalho e QMA, respectivamente, segundo Bezerra et al. (2019) e Silva et al. (2022), sobrevivendo por até 29 dias em QMAs infectados experimentalmente.

C. burnetii, outro patógeno altamente infeccioso e resistente ao calor, mantido na natureza por um amplo espectro de espécies animais, especialmente ruminantes, seus principais reservatórios, também precisa ser considerado. Classificado na categoria B de agente para bioterrorismo, altas taxas de prevalência de DNA de C. burnetii têm sido relatadas em queijos de origem bovina, ovina ou caprina em diversas regiões do mundo. Estudos indicam que C. burnetii pode permanecer viável após, pelo menos, 8 meses de maturação em queijos duros feitos com leite não pasteurizado, sob pH ácido e baixa atividade de água. No Brasil, o agente foi detectado recentemente pela primeira vez em QALC (Rozental et al., 2020; Nascimento et al., 2021) em diferentes regiões produtoras de QMAs.

M. bovis foi detectado em queijo coalho artesanal de duas regiões do Nordeste (Cezar et al., 2016), sendo este patógeno agente etiológico da tuberculose zoonótica em humanos, umas das quatro zoonoses de maior prioridade global. Carneiro et al. (2022) detectaram leite contaminado pelo complexo M. tuberculosis no Amazonas, a matéria-prima para fabricação de um tipo de QALC.

Pela primeira vez no Brasil células viáveis de M. avium spp. paratuberculosis (MAP) foram também recuperadas do queijo coalho por Faria et al. (2014), patógeno posteriormente identificado em outros queijos deste tipo (Albuquerque et al., 2019), o que implica na evidência deste alimento como uma possível fonte de exposição humana ao MAP; patógeno este suspeito de desencadear, entre outras, a doença de Crohn em humanos (Albuquerque et al., 2019). Como agravante, M. bovis e MAP sobrevivem à maturação e estocagem de QALC por mais de 60 dias, chegando a 10 meses em alguns tipos de queijos (Spahr et al., 2001; Verraes et al., 2015).

No Brasil, a avaliação da presença de vírus gastroentéricos na água e em alimentos prontos para consumo, como o leite e queijo, também não é exigida pelas normativas sanitárias vigentes – RDC 724/2022 e IN 161/2022 (Brasil, 2022). Em termos de segurança de alimentos, mundialmente, os norovírus são considerados os mais importantes agentes em surtos de gastroenterite aguda (GA) de origem alimentar de etiologia não bacteriana (Forsythe, 2010). São vírus geneticamente diversos e extremamente infecciosos e, consequentemente, mesmo em baixa concentração podem causar GA (Bosch et al., 2011). Além do norovírus, o adenovírus (AdV) também possui importância epidemiológica em surtos de GA, particularmente o AdV-40 e o AdV-41. Além disso, o AdV é recomendado como biomarcador de contaminação fecal, sendo considerado na avaliação da qualidade da água, devido a sua ampla distribuição, alta concentração, bem como estabilidade e resistência às condições ambientais adversas (Rames et al., 2016). Considerando-se que humanos e animais são hospedeiros do AdV, existe a possibilidade de transmissão zoonótica (Borkenhagen et al., 2019). Estudos virais em matrizes de queijos são bem escassos, e recentemente, três reportaram a presença de vírus gastroentéricos em queijos no Brasil. Silva et al. (2021), em um estudo transversal randomizado, demonstraram a presença de norovírus genogrupo I em 26,0% (26/100), AdV em 14,0% (14/100) e a codetecção de ambos em 3,0% (3/100) das amostras de QALC (QMA e Coalho) obtidas dos estados de MG e Piauí, no período de 2017 a 2018. Melgaço et al. (2018) detectaram o HAdV em 10% (9/10) e norovírus genogrupos I e II em 1,1% (1/90) das amostras de queijo Minas e do tipo prato comercializadas no estado do Rio de Janeiro, em 2015. Além disso, a presença de rotavírus A (RVA), outro importante vírus gastroentérico, foi apontada no estudo de De Castro Carvalho et al. (2020) em amostras de QALC obtidas da região de Mariana/MG, em 2015, após a ruptura de uma barragem que afetou a qualidade ambiental da região.

Considerações finais

É importante reforçar que os requisitos sanitários para a produção de QALC devem ser estabelecidos com o objetivo primordial de proteger a saúde da população, não devendo ser equivocadamente reduzidos a trâmites burocráticos para viabilizar determinada atividade comercial

Entretanto, vários perigos microbiológicos detectados em QALC brasileiros, com a maioria deles sendo causas de zoonoses, ainda não fazem parte de legislações específicas direcionadas aos alimentos de origem animal no Brasil. Assim, como muitos dos patógenos negligenciados em QALC por legislações nacionais sobrevivem ao longo da maturação, os baixos tempos exigidos neste processo para diversos QALC brasileiros (< 25 dias) precisam ser revistos, levando em conta patógenos que não foram considerados pelos diversos estudos técnico científicos em curso, tais como Brucella, C. burnetii, Mycobacterium bovis e vírus entéricos, etc.

Portanto, o presente artigo tem como objetivo alertar autoridades sanitárias dos setores de Agricultura e Saúde, que esta questão fundamental à saúde humana precisa ser fortalecida e continuar a ser revista com um enfoque de Saúde Única.  Por meio deste enfoque holístico, a autorização de produção e comercialização de QALC deve incluir o controle ou a eliminação de agentes zoonóticos, tais como os causadores da brucelose, em rebanhos cujos leites serão destinados à produção destes queijos, além de BPA e BPF ao longo da cadeia de produção deste alimento.

Ressalta-se que estas práticas que objetivam a segurança do alimento ao consumidor devem ser reforçadas por protocolos claros de inspeção final do produto e por trabalhos de educação continuada, direcionados tanto aos produtores como aos consumidores de tal alimento. Enfim, as questões histórico-culturais e socioeconômicas que envolvem os QALC são importantes, mas aquelas relacionadas à segurança do alimento e à proteção do consumidor devem ser igualmente priorizadas.

Autores: Marcio Roberto Silva1, João Batista Ribeiro1, Guilherme Nunes de Souza1, Karina Neoob de Carvalho Castro1, Henrique de Oliveira Frank1, Flábio Ribeiro de Araújo2, Elba Regina Sampaio de Lemos3, Marize Pereira Miagostovich3, Carina Pacheco Cantelli3, Jorlan Fernandes de Jesus3, Ricardo Souza Dias4, Ricardo José de Paula Souza e Guimarães5, Humberto Moreira Húngaro6, Maria Aparecida Scatamburlo Moreira7, André Almeida Santos Duch8, Rômulo Tadeu Pace de Assis Lage8, Liliane Denize Miranda Menezes8, Paulo Martins Soares Filho9, Antônio Augusto Fonseca Júnior9, Patrícia Gomes de Souza9, Juliana Nunes Carvalho10, Letícia Scafutto de Faria6, Amanda Gonelli Gonçalves6, Vitória Barbosa Conceição6, Sabrina Galvão de Andrade Bohnenberger6, Roberta de Matos Caetano4, Christina Pettan-Brewer11

1Embrapa Gado de Leite, 2Embrapa Gado de Corte, 3Fiocruz, 4Fundação Ezequiel Dias, 5Instituto Evandro Chagas, 6Universidade Federal de Juiz de Fora, 7Universidade Federal de Viçosa, 8Instituto Mineiro de Agropecuária, 9Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, 10Agência de Defesa e Fiscalização Agropecuária do Estado de Pernambuco,  11Universidade de Washington

 Referências

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Casu Marzu, um queijo nada seguro

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O “casu marzu” é um queijo tradicional italiano, produzido na região da Sardenha. O queijo pode ser fabricado com leite de ovelha e bovino, cru ou pasteurizado, sendo que seu diferencial é a “maturação” pela ação de larvas da mosca de queijo: Piophila casei. É conhecido na Itália por diversos nomes: casu becciu (queijo velho), casu fattittu (queijo pronto), muuidu hasu (queijo de pasta mole), casu frazigu (queijo podre), casu modde (queijo molle), casu gumpagadu (queijo com vermes).

Tradicionalmente, a produção do casu marzu ocorre nos meses mais quentes, quando o aumento da temperatura favorece o ciclo de vida da mosca do queijo, frequentemente presente nas queijarias. O ciclo da mosca começa no final de maio, auge da primavera italiana, e seu fim ocorre no final de outubro, auge do outono. Durante esse período, há uma média de seis ciclos biologicamente completos das moscas que, muitas vezes, se sobrepõem cronologicamente.

No período em que as moscas começam a voar, a presença de estufamento precoce e rachaduras na crosta do queijo favorecem a infestação pelas moscas e a deposição de ovos pelo inseto. A colonização pelas larvas é facilitada pela adoção de algumas medidas, como a redução da concentração de sal e do tempo de imersão na salmoura; uma prensagem menos intensa; a perfuração proposital da crosta; o uso de óleos que atraem a mosca; a exposição das formas nos ambientes mais quentes da queijaria; a diminuição das “viragens” do queijo.

Após a colonização do queijo, sua parte superior é removida e é triturada e empilhada nas formas, para atrair ainda mais moscas. Essas moscas colocam cerca de 140 a 500 ovos, dos quais se desenvolvem as larvas. Essas larvas possuem habilidade de realizar saltos frequentes (23 cm de comprimento e 20 cm de altura máxima). A duração média do estágio larval é de cinco dias, mas em condições adversas de temperatura pode ser prolongado.

A próxima fase é a pupação, que tem uma duração de 12 dias.  Geralmente ocorre após as larvas terem deixado o queijo, mas a presença de pupas pode, algumas vezes, ser observada no interior do queijo. Em condições climáticas favoráveis (25°C, 60% de umidade) o ciclo biológico da Piophila casei é completado em cerca de 20 dias.

Durante a colonização do queijo, as larvas modificam a consistência da massa pela ação mecânica e enzimática, assim o queijo se torna muito macio. Porém, a ação direta das larvas no queijo pode provocar várias doenças como miíase nasal, miíase de cólon e genital. Além disso, as larvas também podem atuar como um vetor para esporos de Clostridium botulinum. A proteólise do queijo também pode resultar em metabólitos nocivos, como as aminas biogênicas.

O queijo tem sido consumido na Sardenha há séculos, mas para as autoridades de saúde pública e segurança de alimentos da União Europeia, o casu marzu é um perigoso transmissor de doenças. Assim, a produção comercial e a venda do queijo foram banidas desde a década de 1990. Porém, o interesse despertado pelo “casu marzu” nos consumidores contribuiu ao longo dos anos para o desenvolvimento de uma produção ilegal, mas bem lucrativa: a produção estimada é de mais de 1.000 queijos por ano.

Atualmente, há um grande interesse para que o casu marzu seja declarado como alimento tradicional pela União Europeia e possa ser fabricado e comercializado sem problemas. Também há o desenvolvimento de estudos para produzi-lo em um ambiente controlado. Por enquanto, a UE faz vista grossa para a produção ilegal de casu marzu e talvez você possa encontrar o queijo na Sardenha e quem sabe experimentar essa iguaria.

Referência: MAZZETTE, R. et al. PRODUZIONE DI “CASU MARZU” IN CONDIZIONI CONTROLLATE: VALUTAZIONE DELL’EFFETTO DELLA COLONIZZAZIONE DA Piophila casei SULLE CARATTERISTICHE MICROBIOLOGICHE E CHIMICHE DEI FORMAGGI. A.I.V.I., Sassari, v. 7, n. 0, p.45-54, mar. 2010.

Imagem: Seafoodsherpa.com

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A maturação e a qualidade microbiológica de queijos

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Os microrganismos são um componente essencial de muitas variedades de queijo e desempenham um papel fundamental durante sua fabricação e maturação. A microbiota desejável é constituída pelas bactérias do ácido lático e são transferidas para a massa do queijo pelo leite cru ou adicionadas na forma de cultura starter. As principais estirpes são: Lactococcus lactis, Streptococcus thermophilus, Lactobacillus helveticus e Lactobacillus delbrueckii. Esses microrganismos são responsáveis pelo desenvolvimento de ácidos durante a maturação do queijo, processo em que a cultura starter, juntamente com a flora secundária, promove uma série complexa de reações bioquímicas que desenvolvem o sabor e a textura.  Esta flora secundária é composta por misturas complexas de bactérias, leveduras e bolores.

As bactérias do ácido lático também produzem bacteriocinas, que são peptídeos ou proteínas antimicrobianos naturais, que junto das modificações físico-químicas levam à eliminação de bactérias indesejáveis no queijo. Além disso, a atuação de enzimas originadas do próprio leite e do agente coagulante tornam o ambiente adverso à sobrevivência de patógenos, fundamentais para a segurança microbiológica do queijo. Os principais microrganismos patogênicos encontrados no queijo são: Salmonella spp., Escherichia coli, Listeria monocytogenes e Staphylococcus aureus. Estes microrganismos são eliminados do leite por meio da pasteurização.

Porém, quando se utiliza leite cru para a produção de queijo a eliminação dos patógenos ocorre através da maturação. Durante a maturação, as principais alterações físico-químicas que controlam o crescimento de microrganismos em queijos ocorrem em função do conteúdo de água, da concentração de sal e do pH. A perda de água é natural durante a maturação do queijo, de modo que a redução da umidade acontece junto ao aumento da concentração do sal no queijo. Por sua vez, a acidez do queijo cresce em função da produção de ácido lático pelas bactérias láticas, diminuindo o pH. Estes fatores levam a uma diminuição na atividade da água, contribuindo para o controle microbiológico.

Ao longo da maturação, o controle da temperatura e da umidade relativa são de extrema importância para a redução da microbiota indesejável. Sabe-se que estes fatores são agentes condicionantes que tornam o desenvolvimento da flora desejável ou indesejável do queijo viável. Essas condições junto com o tempo de maturação são necesssárias para que cada tipo de queijo tenha sua característica. Esse controle torna o processo de maturação caro pois demanda, em geral, instalações especiais.  Devido a isso, muitos produtores acabam comercializando seus queijos antes do tempo adequado de maturação. Este fato representa um risco à saúde do consumidor.

A maturação de queijos é muito complexa, sendo influenciada tanto pela composição e qualidade do leite, como também pelas condições do processamento. É, portanto, um processo fundamental na fabricação de queijos de leite cru, capaz de melhorar sua qualidade microbiológica, mesmo quando existe a presença de patógenos. Este processo envolve mudanças físico-químicas, microbiológicas e bioquímicas que resultam no desenvolvimento das características finais do produto e garantem que o queijo seja um alimento com qualidade microbiológica adequada.

Referências:

BRENNAN, N. M. et al. Bacterial surface-ripened cheeses. In:Cheese: chemistry, physics and microbiology. Academic Press, 2004. p. 199-225.

BERESFORD, T. P. et al. Recent advances in cheese microbiology. International Dairy Journal, v. 11, p. 248–256, 2001.

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Pesquisa realizada na Unicamp traz resultados animadores sobre a inibição de Listeria monocytogenes em queijos artesanais

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É sabido que os queijos artesanais à base de leite cru são mais suscetíveis à contaminação por bactérias causadoras de doenças, como a Listeria monocytogenes, principalmente quando fabricados sem os devidos cuidados higiênico-sanitários. Fernanda Bovo Campagnollo, pesquisadora de pós-doutorado na Faculdade de Engenharia de Alimentos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), sob orientação do professor Anderson de Souza Sant’Ana, obtiveram resultados animadores para produção de queijos em pesquisa realizada no laboratório de Microbiologia Quantitativa de Alimentos. Os pesquisadores selecionaram seis cepas de bactérias láticas com capacidade de inibir o crescimento da Listeria monocytogenes em queijo Minas frescal e de inativar a bactéria no queijo Minas curado. Além disso, o tempo de maturação do queijo curado foi reduzido.

Hoje, o tempo de maturação dos queijos artesanais, produzidos com leite cru, permitido pela legislação federal é de 60 dias. Este período é importante para a eliminação de patógenos no queijo e garantir sua segurança. Porém, para queijos produzidos em queijeiras de região de indicação geográfica certificada, este período é variável. No caso do queijo Minas artesanal curado, o período de maturação tem duração específica para cada microrregião produtora, sendo de 14 dias para o queijo de Araxá, de 17 para o Serro, e de 22 dias paras os queijos produzidos nas demais regiões do estado de Minas Gerais. Este período foi definido por meio de estudos técnicos-científicos que comprovaram a segurança microbiológica dos queijos.

Em função da forma artesanal de produção do queijo Minas – que durante o processo é muito manipulado e passível de contaminação microbiana – são necessárias algumas ações para garantir a seguridade do produto. Assim, para se obter um produto de qualidade e seguro para o consumo é necessário que os produtores sigam  uma série de cuidados, como o controle sanitário do rebanho, a obtenção higiênica do leite, a utilização das boas práticas de fabricação, do tempo mínimo de maturação e o registro da queijaria. Porém, nem todos os produtores seguem esses cuidados, resultando na contaminação do queijo por microrganismos patogênicos, dentre eles a Listeria monocytogenes.  Para resolver o problema da contaminação do queijo e da diminuição do tempo de maturação, a pesquisadora buscou a solução no próprio queijo.

Muitos estudos mostraram que as bactérias lácticas isoladas de queijo produzem bacteriocinas – compostos com atividade antimicrobiana, capazes de impedir o crescimento de microrganismos patogênicos, inclusive Listeria. Porém, não havia estudos sobre a utilização de cepas de bactérias lácticas para combater a Listeria em queijos, como o queijo Minas frescal e o curado. Os pesquisadores da Unicamp coletaram amostras de queijos Minas artesanal em cinco microrregiões tradicionais em Minas Gerais – Araxá, Campo das Vertentes, Canastra, Cerrado e Serro. A partir dessas amostras de queijo foram isoladas cepas de bactérias lácticas. Após uma série de testes laboratoriais, seis cepas de bactérias láticas, com elevada capacidade em inibir o crescimento da Listeria monocytogenes, foram selecionadas.

Os queijos Minas frescal foram avaliados ao longo de 15 dias sob refrigeração e o queijo Minas curado foi avaliado ao longo de 22 dias de maturação. Os pesquisadores observaram como essas cepas de bactérias selecionadas influenciaram o desenvolvimento da Listeria e o tempo de maturação do queijo curado, quando comparados com amostras de queijo sem adição das misturas de bactérias. Os resultados mostraram que estas cepas quando aplicadas na produção do queijo foram eficazes para interromper o crescimento da Listeria no queijo Minas frescal (efeito bacteriostático) e de inativar o patógeno no queijo Minas curado (efeito bactericida).

Confira abaixo a entrevista realizada com a pesquisadora Fernanda Bovo Campagnollo:

O queijo Minas artesanal é um queijo de leite cru amplamente consumido e muito apreciado. Como surgiu a ideia para a sua pesquisa?

As diferentes variedades de queijos Minas artesanais, algumas produzidas há mais de 200 anos, vêm apresentando consumo crescente e grande apreciação entre os consumidores brasileiros devido às suas características peculiares, como sabor acentuado e uso de matérias-primas diferenciadas e selecionadas, além de incluir em cada tipo de queijo a influência das condições climáticas e geográficas de cada região onde são produzidos. Destaca-se que com o aumento do interesse por queijos artesanais, muitos produtores vêm se especializando, buscando aumentar a qualidade do seu produto e atender à legislação pertinente para poder realizar a sua comercialização em nível nacional, e não apenas regional ou estadual.

Apesar do aumento no consumo e do interesse por parte dos produtores em oferecer produtos de maior qualidade, a produção artesanal de queijos, principalmente aquela que utiliza o leite cru, traz algumas preocupações como o controle da sanidade do rebanho, nível de atendimento às boas práticas de fabricação na produção do queijo, adequação das instalações e equipamentos, qualidade das matérias-primas, além de muitos produtores realizarem a produção e a comercialização dos queijos informalmente. Se as condições mínimas de higiene não forem atendidas, microrganismos patogênicos como, por exemplo, Listeria monocytogenes, podem contaminar o ambiente de produção e consequentemente o queijo.

Porém, a matriz do queijo é um sistema complexo que apresenta vários fatores de competição microbiana contra patógenos, que quando ajustados de maneira adequada, podem agir como barreiras à multiplicação desses microrganismos. Dentre esses fatores de competição microbiana, destacam-se as próprias características intrínsecas do queijo (baixa atividade de água, baixo pH e elevado teor de sal) e a presença de bactérias ácido láticas, sejam estas endógenas (com origem no próprio leite) ou adicionadas propositalmente (através de culturas iniciadoras). Tais bactérias são capazes de produzir compostos antimicrobianos como ácido lático, peróxido de hidrogênio, diacetil e bacteriocinas.

Entretanto, nem todas as bactérias láticas são capazes de produzir esses compostos ou de produzi-los em quantidade suficiente para inibição dos patógenos, sendo necessária a seleção daquelas com atividade antilisterial, por exemplo. Dado o exposto, nosso projeto de pesquisa objetivou a coleta de amostras de queijos Minas artesanais de diferentes regiões produtoras do estado; o isolamento das bactérias láticas com atividade antilisterial a partir de testes laboratoriais; seleção das cepas com maior atividade para criação de uma mistura padronizada de bactérias láticas; e, finalmente, aplicação dessa mistura de bactérias láticas na produção dos queijos estudando-se a sua capacidade de inibir o desenvolvimento ou causar a inativação da Listeria monocytogenes, além de analisar o efeito na redução do tempo de maturação. Em adição ao queijo curado, essa mistura de bactérias láticas foi aplicada em queijo Minas frescal, já que o consumo desse produto no Brasil é amplamente difundido.

Além do presente projeto, existe outro projeto sendo concluído em nosso laboratório, o qual realizou um estudo extenso sobre a ecologia microbiana de queijos coloniais e artesanais brasileiros de várias regiões. O estudo vai revelar também dados sobre a incidência e contagem de patógenos como Salmonella, Listeria monocytogenes e Staphylococcus aureus em mais de 500 amostras de queijos artesanais e coloniais, coletados de norte a sul do Brasil. Dados sobre a composição química também serão apresentados. Ambos os projetos receberam financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).

Como sua pesquisa vai contribuir para a produção de queijos artesanais, sem que os mesmos percam suas características?

Nosso objetivo foi isolar bactérias láticas com capacidade antilisterial das próprias amostras de queijos Minas artesanais de forma que essas bactérias quando aplicadas nesses queijos não alterassem as suas características. A microbiota existente no queijo é bastante diversa e inclui diferentes espécies e cepas de bactérias láticas, motivo pelo qual nós escolhemos criar uma mistura padronizada de bactérias láticas selecionadas ao invés de se utilizar apenas uma cepa com atividade antilisterial. Agora que comprovamos a atividade antilisterial da mistura, nosso próximo passo é testar a influência dessas cepas nas características sensoriais do queijo. Portanto, nossa pesquisa visa contribuir para uma produção de queijo artesanal mais segura.

A legislação brasileira exige que queijos curados produzidos com leite cru sejam maturados por no mínimo 60 dias a fim de garantir a segurança microbiológica do produto (MAPA, 2000). Tais produtos só podem ser maturados por um tempo menor caso o produtor comprove através de estudos técnico-científicos que a redução do período de maturação não compromete a qualidade e inocuidade do produto (MAPA, 2011). Nossos resultados mostraram que as células de Listeria monocytogenes foram sendo inativadas ao longo do período de maturação, não sendo mais detectadas após 15 dias no caso dos queijos curados produzidos com leite cru e após 21 dias nos queijos curados produzidos com leite pasteurizado, enquanto que nos grupos controle o patógeno conseguiu sobreviver ao longo de todo o período estudado. Tradicionalmente, maturam-se os queijos Minas artesanais por um período de 17 a 22 dias, sendo assim, o uso das bactérias láticas com atividade antilisterial pode contribuir para que esses produtores artesanais possam comercializar seus queijos com um tempo menor de maturação.

MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, 2000. Resolução Nº 7, de 28 de Novembro de 2000. Critérios de funcionamento e de controle da produção de queijarias, para seu relacionamento junto ao serviço de inspeção federal.

MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, 2011. Instrução Normativa Nº 57, de 15 de Dezembro de 2011. Critérios adicionais para produção de queijo artesanal.

Sua pesquisa foi sobre a seleção e atividade antilisterial de bactérias láticas em queijos artesanais.  Como essas bactérias láticas atuam no combate à Listeria nos queijos?

As bactérias láticas selecionadas apresentam uma elevada atividade antilisterial, isto é, dentre todas as cepas isoladas e testadas para essa característica, apenas 6 cepas foram selecionadas devido à sua capacidade de inibir/inativar o crescimento de Listeria monocytogenes em meio laboratorial e posteriormente em queijos Minas frescal e curado. O combate à Listeria nos queijos é realizado através de um mecanismo de competição por nutrientes e pela produção de compostos com ação antimicrobiana. As bactérias láticas conseguem se desenvolver mais rapidamente que o patógeno, evitando assim que ocorra a multiplicação ou sobrevivência deste no queijo.

Os testes realizados apontaram que, no caso do queijo Minas frescal, as bactérias selecionadas foram capazes de impedir a multiplicação da Listeria monocytogenes, exercendo um efeito bacteriostático, enquanto no caso do queijo Minas curado, as bactérias láticas apresentaram a capacidade de inativar as células desse patógeno, exercendo um efeito bactericida. O efeito de inibição/inativação das bactérias láticas sobre a Listeria foi maior no queijo curado devido à associação dos compostos antimicrobianos produzidos pelas bactérias láticas às propriedades intrínsecas mais desfavoráveis ao crescimento do patógeno, como menor atividade de água e menor pH, além de maior concentração de sal.

Sobre as bactérias láticas selecionadas em sua pesquisa, quais são suas expectativas para a sua aplicação na produção de queijos artesanais?

O projeto foi desenvolvido no laboratório de Microbiologia Quantitativa de Alimentos (LMQA) da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) sob a supervisão do professor Dr. Anderson de Souza Sant’Ana. Estamos buscando parceiros interessados em utilizar as culturas e que queiram colaborar para a continuidade do projeto e desenvolvimento do produto em um formato que possa ser comercializado pelos produtores de queijo. Adicionalmente, temos planos de estudar como estas (e outras) bactérias láticas podem ser combinadas visando à melhoria de outras características dos queijos, como propriedades sensoriais, textura, etc.

Outro projeto financiado pela FAPESP e que está sendo desenvolvido no LMQA está estudando o melhoramento de cepas de bactérias láticas isoladas destes queijos usando a técnica de engenharia evolutiva. Na prática, seria um melhoramento destas bactérias baseando-se na seleção natural após sua exposição continuada a fatores seletivos (“pressões seletivas”). A ideia é obter cepas mais eficazes na inibição de alguns patógenos, sendo robustas também para redução do tempo de maturação. Nosso laboratório de pesquisa está sempre buscando novos parceiros interessados em aplicar nossos produtos e também a criar novos produtos, assim como estamos abertos ao desenvolvimento de projetos que busquem solucionar problemas comuns ao dia-a-dia dos produtores de leite e derivados, seja no âmbito industrial ou artesanal.

O artigo Selection of indigenous lactic acid bacteria presenting anti-listerial activity, and their role in reducing the maturation period and assuring the safety of traditional Brazilian cheeses (doi: 10.1016/j.fm.2018.02.006), pode ser lido na revista Food Microbiology (www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0740002017310717).

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