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Riscos em alimentos orgânicos

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O senso comum sugere que os alimentos orgânicos são mais saudáveis devido ao não uso de pesticidas e outros produtos químicos ao longo do cultivo, impulsionando a crescente tendência de consumo desta categoria de alimentos.

A ideia de que os alimentos orgânicos são isentos de riscos à saúde tem ganhado popularidade, frequentemente associando-os à saudabilidade.

No entanto, esse raciocínio ignora uma faceta crucial em questões relacionadas à segurança dos alimentos: o fato de que os alimentos orgânicos podem ser tão suscetíveis ou mais que os convencionais, a outro tipo de risco, a contaminação microbiológica.

O fato de um alimento ser rotulado como “orgânico” não significa que ele seja isento de riscos, ao contrário, casos históricos comprovam que estão associados a diversos surtos por contaminação, inclusive, com mortes.

Os agricultores orgânicos frequentemente utilizam esterco de animais como fertilizante natural, um método comum para manter o solo fértil. Embora isso seja uma prática considerada ecologicamente sustentável, ela acarreta um risco significativo, uma vez que o esterco, se não tratado corretamente e estabilizado, pode ser uma fonte de patógenos, como Escherichia coli O157:H7 e Salmonella, agentes patogênicos associados a surtos alimentares graves.

Esterco como fonte de patógenos

Aves, incluindo galinhas e frangos, podem ser portadoras assintomáticas da Salmonella devido à maneira como essa bactéria pode infectar o sistema digestivo sem causar sintomas visíveis de doença.

A Salmonella tem a capacidade de sobreviver por longos períodos no ambiente intestinal das aves, podendo ser excretada de forma contínua ou intermitente. Desta forma, a cama de granja, que é rica em minerais importantes para o solo, como nitrogênio, fósforo, potássio e vários outros nutrientes, quando utilizada como fertilizante, devido às fezes infectadas, pode conter altos níveis de Salmonella, e assim, contaminar o solo, as plantas e até as fontes de água próximas, se não houver tratamento correto.

A Escherichia coli O157:H7, por sua vez, é uma bactéria que pode habitar o trato gastrointestinal de ruminantes, considerando que se adapta bem ao ambiente anaeróbico do rúmen e se beneficia do fornecimento de nutrientes que chegam a essa parte do sistema digestivo.

Nos ruminantes, a E. coli O157:H7 pode colonizar o trato intestinal e se multiplicar sem induzir uma resposta inflamatória significativa, portanto, sem causar sintomas evidentes, como diarreia ou outros sinais clínicos.

Além disso, ruminantes como vacas têm uma microbiota intestinal densa e diversificada, o que pode ajudar a modular as interações entre as bactérias patogênicas e o sistema imunológico do animal, dificultando a detecção e a eliminação da E. coli O157:H7, fazendo com que a presença da bactéria não seja perceptível, mesmo quando ela está se multiplicando no intestino.

Embora os ruminantes não apresentem sintomas da infecção, suas fezes podem conter grandes quantidades da bactéria Escherichia coli O157:H7, que pode ser excretada no ambiente.  Desta forma, o esterco desses animais, que é rico em NPK, e assim vantajoso como fertilizante orgânico, pode carrear as bactérias para o solo e, posteriormente, para os alimentos, especialmente aqueles consumidos crus, como vegetais de folhas.

O fato de os animais, tanto aves quanto ruminantes, poderem não demostrar sinais clínicos de infecção, pode levar à subestimação do risco, já que os produtores podem não perceber que seus rebanhos estão liberando essas bactérias patogênicas no ambiente, sendo este, provavelmente, um dos fatores que contribui para surtos em alimentos orgânicos como verduras, legumes e frutas, que podem ser contaminados durante o cultivo ou a colheita.

Note que o risco é maior para alimentos que não passam por tratamento térmico, sendo consumidos in natura, por exemplo, na forma de saladas. A probabilidade do risco cresce, especialmente, quando estes alimentos recebem uma higienização deficitária pré-consumo.

Casos históricos de contaminação em alimentos orgânicos

Ao longo dos anos, diversos surtos alimentares foram atribuídos a alimentos orgânicos contaminados por patógenos:

  1. 2004, Espanha: Surto por Salmonella entérica sorotipo Typhimurium foi associado ao consumo de tomates orgânicos. A bactéria foi identificada em tomates vendidos em mercados de diferentes países europeus, principalmente na Alemanha e no Reino Unido. A contaminação foi provavelmente originada por práticas inadequadas de manejo agrícola, como o uso de águas contaminadas para irrigação ou o contato com fertilizantes orgânicos contaminados, como esterco de animais. Embora a Salmonella não seja tão letal quanto E. coli O157:H7, ela ainda representa um risco significativo à saúde pública, com sintomas como diarreia, febre e cólicas abdominais;
  2. 2006, EUA: Surto de E. coli O157:H7 ligado ao consumo de espinafre orgânico. O Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA relatou que esse surto resultou em 199 casos de infecção e 3 mortes, afetando consumidores de vários estados. Investigações subsequentes indicaram que o espinafre foi contaminado por fezes de gado que haviam sido usadas como adubo para o cultivo orgânico;
  3. 2008, Reino Unido: Surto de E. coli O157:H7 ligado ao consumo de alfaces orgânicas. A investigação descobriu que a contaminação ocorreu devido ao uso de esterco de gado não tratado adequadamente, o que permitiu a proliferação da bactéria nos produtos agrícolas. O surto afetou dezenas de pessoas;
  4. 2011, EUA: Surto de E. coli O157:H7 relacionado a brotos de alfafa orgânica, causando dezenas de casos de doenças nos EUA e em outros países. A investigação revelou que os brotos, frequentemente cultivados em condições de alta umidade e calor, foram contaminados com fezes de animais, devido ao uso inadequado de esterco como fertilizante;
  5. 2011, Alemanha: Surto de E. coli O157:H7 atribuído ao consumo de brotos germinados de feijão cultivados de forma orgânica. A investigação revelou que os brotos foram contaminados com E. coli O157:H7, possivelmente devido ao uso inadequado de esterco de animais como fertilizante no cultivo orgânico. Esse surto resultou em 3.950 casos de infecção, com 53 mortes, e afetou vários países europeus;
  6. 2012, França: Surto de E. coli O157:H7, novamente associado ao consumo de brotos germinados orgânicos. Assim como o surto na Alemanha em 2011, esse caso envolveu o uso de esterco de animais como fertilizante nos cultivos orgânicos.
  7. 2022, EUA e Canadá: Surto de hepatite A potencialmente ligado a morangos orgânicos contaminados. Nos EUA, 17 pessoas adoeceram, e no Canadá, 10 casos foram relatados. Os morangos, vendidos sob a marca FreshKampo, foram identificados como a provável fonte do surto;
  8. 2024, EUA: Um surto de E. coli O157 associado a cenouras orgânicas resultou em pelo menos uma morte e dezenas de casos de doença nos Estados Unidos. As cenouras contaminadas foram distribuídas por diversas regiões, vendidas em redes varejistas de alimentos orgânicos, tanto em lojas físicas quanto online;
  9. 2024, Espanha: A Agência Espanhola de Segurança Alimentar e Nutrição (AESAN) emitiu um alerta sobre a presença de Salmonella em brotos orgânicos germinados das marcas BROT D´OR, VERITAS e VEGETALIA. Os produtos foram inicialmente distribuídos na Catalunha e na Comunidade Valenciana, com possível redistribuição para outras regiões;
  10. 2025, Estados Unidos: A Food and Drug Administration (FDA) emitiu um alerta nacional após um surto de Salmonella associado a ovos “cage-free” e “certified organic” produzidos pela empresa August Egg Company. O episódio resultou em 79 pessoas infectadas e 21 hospitalizações em diversos estados norte-americanos, levando ao recolhimento de mais de 1,7 milhão de caixas de ovos;
  11. 2025, Estados Unidos: O Departamento de Agricultura (USDA) divulgou um recall preventivo da carne moída orgânica Organic Rancher Ground Beef, devido à suspeita de contaminação por Escherichia coli O157:H7. Embora não tenham sido confirmados casos de intoxicação até a data do anúncio, o produto foi retirado de circulação em vários pontos de venda do país por representar risco potencial de infecção;
  12. 2025, Suécia: A Agência Sueca de Alimentação (Livsmedelsverket) relatou casos de criptosporidiose associados ao consumo de vegetais folhosos crus, incluindo produtos orgânicos, segundo o relatório “L 2025 NR 03”. As investigações apontaram contaminação cruzada por contato com água e solo contendo o parasita Cryptosporidium, afetando diferentes regiões do país.

Esses casos ilustram que os alimentos orgânicos, embora sejam isentos do risco de defensivos agrícolas, estão associados a riscos microbiológicos, inclusive em grau severo, especialmente pela mortalidade dos surtos de E. coli O157:H7.

O uso de esterco como fertilizante, especialmente quando não tratado adequadamente, pode ser uma fonte significativa de patógenos como E. coli O157:H7 e Salmonella, junto a práticas inadequadas de higiene no processo de colheita e manipulação, colocando o consumidor em risco.

No caso específico dos ovos orgânicos e “cage-free”, o risco pode ser até maior que em granjas convencionais, porque as aves têm mais contato com o solo, insetos e fezes de outros animais, o que aumenta a chance de contaminação ambiental. Além disso, como o uso de antibióticos profiláticos é restrito na produção orgânica, galinhas portadoras da bactéria podem permanecer contaminando o ambiente sem apresentar sintomas evidentes.

Estabilização do esterco via compostagem

Esterno de cama de granja ou o esterco bovino não estabilizados significam efetivamente risco microbiológico nos alimentos onde são utilizados como fertilizante. No entanto, com a prática do processo de compostagem o risco pode ser eliminado, obtendo-se húmus, um composto rico em nutrientes como nitrogênio, fósforo e potássio, e o melhor, livre de patógenos.

A compostagem é um processo biológico controlado que promove a degradação da matéria orgânica por meio da atividade de microrganismos aeróbicos. Neste processo, a temperatura no interior da pilha de compostagem pode atingir entre 55°C e 70°C por vários dias, o que é essencial para a sanitização do material, permitindo a eliminação de patógenos como Salmonella spp. e Escherichia coli, reduzindo assim, significativamente os riscos microbiológicos.

Além do calor gerado pela decomposição microbiana, fatores como aeração, umidade e proporção correta de carbono e nitrogênio (C:N) garantem um processo eficiente.

Estudos demonstram que a compostagem pode reduzir significativamente a carga de patógenos em resíduos animais. Por exemplo, uma pesquisa sobre a compostagem de cama de frango registrou temperaturas médias superiores a 40°C do 2º ao 29º dia do processo, com eliminação de coliformes totais e E. coli a partir do 15º dia, indicando a sanitização do material.

Além disso, outro estudo avaliando a compostagem de carcaças de animais mortos observou que microrganismos patogênicos, incluindo Salmonella Typhimurium, foram reduzidos ou eliminados durante o processo, reforçando a eficácia da compostagem na mitigação de riscos microbiológicos.

Outros estudos demonstraram que, em sistemas de compostagem onde a temperatura alcançou 65°C, cepas de E. coli produtoras de toxina Shiga foram eliminadas em 4 dias. Em temperaturas de 56°C e 52°C, a eliminação ocorreu em 4 e 7 dias, respectivamente. Esses dados reforçam a importância de manter condições adequadas de temperatura durante a compostagem para assegurar a inativação de patógenos como E. coli O157:H7.

Há riscos em todos os tipos de alimentos

A segurança dos alimentos não deve ser encarada como uma característica exclusiva de determinados nichos de alimentos, como convencionais ou orgânicos, pois todos os tipos de alimentos têm seus riscos inerentes, seja pela presença de patógenos como E. coli, Salmonella, Listeria, ou outros microrganismos que podem comprometer a saúde dos consumidores, ou pela presença de defensivos agrícolas proibidos, em dosagens acima do limite de tolerância ou inapropriados para o tipo de cultura.

Rótulos de orgânico não significam “livre de risco”, pois o risco de contaminação microbiológica continua presente, podendo inclusive, ser potencializado por fatores como uso de fertilizantes orgânicos, contato com animais, sistema de produção ao ar livre, etc.

O foco, portanto, deve ser a implementação de sistemas eficazes para identificar, adotar medidas de prevenção, monitoramento e controle desses riscos, independentemente do tipo de alimento, incluindo práticas como o manejo adequado e estabilização do esterco, o controle rigoroso das condições de higiene durante a colheita e o processamento, bem como a implantação de sistemáticas de verificação e validação que garantam a segurança dos alimentos para minimizar a contaminação.

Da mesma forma, alimentos convencionais podem ser seguros, desde que técnicas apropriadas de Boas Práticas Agrícolas sejam utilizadas, como visto no artigo “Desafios para o uso seguro de defensivos agrícolas“. Analogamente, alimentos orgânicos também podem ser seguros, desde que técnicas apropriadas, especialmente associadas a manipulação do esterco e sua estabilização via compostagem sejam utilizadas, somando os cuidados com a água para irrigação, evitando contaminação cruzada por proximidade a granjas e currais.

Tanto os alimentos orgânicos quanto os convencionais podem representar riscos à saúde, por isso, a crença de que alimentos orgânicos são automaticamente mais seguros, devido à ausência de pesticidas químicos, é um equívoco, pois há o risco microbiológico, particularmente o risco de contaminação por Escherichia coli O157:H7.

O mapeamento de riscos, a implementação de boas práticas agrícolas e de processamento, e a educação contínua dos produtores são essenciais para garantir que os alimentos cheguem ao consumidor de forma segura.

Aprofunde sua visão sobre o tema com os artigos:

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Um surto de origem alimentar que ficou na história: Jack in the Box

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Um dos surtos mais marcantes de doenças transmitidas por alimentos ocorreu em 1993, nos Estados Unidos, envolvendo a contaminação do hambúrguer da rede Jack in the Box pela bactéria Escherichia coli 0157:H7.

Este surto ficou na história por vários motivos. Primeiramente, pelo número de pessoas, pois atingiu cerca de 700 pessoas, em quatro estados, sendo a maioria delas formada por jovens e crianças, incluindo quatro que morreram. O caso recebeu ampla cobertura da mídia, com as vítimas e suas famílias contando suas histórias na televisão. As indenizações pagas às vítimas na Justiça somaram mais de 50 milhões de dólares. Uma menina de nove anos que se recuperou parcialmente depois de sofrer falência renal e outras complicações, incluindo 42 dias em coma, recebeu uma indenização de 15 milhões de dólares da empresa. Os prejuízos totais quase levaram a grande rede de restaurantes à falência. A segurança do tradicional hambúrguer americano nunca tinha sido tão questionada.   

 O surto

Em 13 de janeiro de 1993, o Departamento de Saúde de Washington foi notificado de que um grupo de crianças com síndrome urêmica hemolítica (HUS), doença grave secundária à infecção por E. coli, estava sendo tratado em um hospital de Seattle e que havia um aumento nos atendimentos de emergência de pacientes com diarreia sanguinolenta. O Departamento entrevistou os pacientes para a investigação epidemiológica e descobriu que quase todos tinham consumido hambúrgueres dos restaurantes Jack in the Box dias antes de adoecer.

A investigação do surto levou à descoberta de que os hambúrgueres produzidos pela empresa Von, da Califórnia, e vendidos pela rede Jack in the Box eram a fonte do surto.  A linhagem de E. coli pertencente ao sorotipo O157:H7 foi isolada de 11 lotes de hambúrgueres e o Jack in the Box anunciou o recall destes lotes, mas recuperou apenas cerca de 20 por cento do produto implicado. Os hambúrgueres contaminados tinham sido distribuídos aos restaurantes da rede em quatro estados e o surto contabilizou ao final os seguintes números:

  • Em Washington: 602 pacientes com diarreia sanguinolenta, 144 pessoas hospitalizadas, 30 desenvolveram HUS e três morreram;
  • Na Califórnia: 34 casos, 14 pessoas hospitalizadas, 7 desenvolveram HUS e uma criança morreu.
  • Em Idaho: 14 casos, 4 pessoas hospitalizadas e uma desenvolveu HUS;
  • Em Nevada: 59 pacientes, 9 hospitalizações, 3 desenvolveram HUS, não houve mortes.

Setenta e três restaurantes da rede Jack in the Box foram implicados no surto. Cinco plantas de abate nos Estados Unidos e uma no Canadá foram identificadas como as prováveis fontes da carne usada pela empresa Von na produção dos hambúrgueres vendidos ao Jack in the Box.

A rede Jack in the Box cancelou seus contratos com os fornecedores de hambúrgueres e exigiu novas garantias de segurança. Em resposta, uma das maiores empresas fornecedoras de hambúrgueres dos EUA desenvolveu, em conjunto com a companhia farmacêutica DuPont, um novo teste para detectar a E. coli O157:H7, usando PCR, Reação em Cadeia da Polimerase. A técnica por PCR é mais rápida que os testes microbiológicos tradicionais. Um novo sistema de amostragem também foi implantado na empresa para aumentar a segurança dos produtos.

Sobre a bactéria E. coli 0157:H7

Escherichia coli é um habitante normal do trato intestinal dos animais, incluindo o homem. Algumas cepas, no entanto, podem causar doenças gastrointestinais nos seres humanos e são coletivamente denominadas de E. coli diarreiogênicas. Atualmente, há seis grupos patogênicos de E. coli diarreiogênicas, que englobam diferentes sorotipos. O sorotipo O157:H7 pertence ao grupo das E. coli entero-hemorrágicas (EHEC) ou produtoras de toxina shiga (STEC) e pode causar colite hemorrágica, doença que pode resultar em um quadro conhecido como síndrome urêmica hemolítica (HUS).

Segundo Dra. Tereza Cristina Rocha Moreira de Oliveira, do Depto de Ciência e Tecnologia de Alimentos da Universidade Estadual de Londrina, as pesquisas mostram que o trato intestinal de ruminantes, particularmente bovinos e ovinos, parece ser o principal reservatório das cepas entero-hemorrágicas de E.coli O157:H7. Nos últimos anos, entretanto, destaca a pesquisadora, aumentou significativamente o número de surtos associados com outros veículos além da carne, particularmente as frutas, os sucos de frutas, os vegetais e as saladas preparadas com vegetais. Os vegetais da produção orgânica também podem ser veículos desta bactéria patogênica, uma vez que adubo orgânico de origem bovina costuma ser utilizado. “É importante lembrar que E. coli O157:H7 é o sorotipo mais associado a surtos de colite hemorrágica e HUS, porém outros sorogrupos e sorotipos de E. coli podem produzir toxina shiga e causar doença grave, como o sorotipo 0104:H4 e o sorogrupo O121”, completa ela.

O cozimento ou fritura dos hambúrgueres não deveria ter destruído a E. coli?

Naquela época, as normas do estado de Washington requeriam que os hambúrgueres atingissem temperatura interna de 68°C, temperatura necessária para destruir a E. coli 0157:H7. Porém, o requisito da FDA, a Agência Nacional, era de apenas 60°C, que era a temperatura utilizada na rede Jack in the Box. Após o ocorrido, o padrão de temperatura interna de 68°C passou a ser utilizado em todo o território estadunidense. Além disso, foi exigido que todo produtor de carne nos EUA implantasse e seguisse programas de APPCC, pois mesmo o produto cru deve ter boa qualidade sanitária, não podendo depender do calor para obtenção de um alimento final seguro.

No Brasil, a Portaria 2619/2011, da Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo, estabelece que todas as partes do alimento atinjam no mínimo 74°C ou combinações de tempo e temperatura equivalentes, como 65°C por 15 minutos ou 70°C por 2 minutos.

E no Brasil, temos E. coli 0157:H7 nos alimentos?  

“Vários trabalhos avaliando grande número de amostras de alimentos indicaram uma baixa frequência de isolamento de E. coli O157:H7 em produtos brasileiros”, informa Dra. Tereza Cristina. “Esses dados, porém, devem ser interpretados com cuidado uma vez que no Brasil não há um monitoramento sistemático que possa indicar a verdadeira situação da ocorrência dessa bactéria em alimentos”. Ainda segundo a pesquisadora, Centros de Vigilância Epidemiológica de vários estados brasileiros já registraram casos de HUS, o que evidencia a necessidade de monitoramento das linhagens produtoras de toxina shiga (STEC), pois a experiência tem mostrado que, em um mundo globalizado, microrganismos emergentes podem ser rapidamente disseminados.

O blog agradece a participação da Dra. Tereza Cristina Rocha Moreira de Oliveira, da Universidade Estadual de Londrina.  

Leia também:

Os 4 piores surtos de origem alimentar da década

Top 5: Sorotipos de Salmonella relacionados a surtos alimentares

Como se determina a segurança de um novo aditivo alimentar?

Fontes:

Food Safety News, BeefpointWikipedia 1, Wikipedia 2Bill Marler

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Doenças transmitidas por alimentos que deixaram sequelas graves – casos reais

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No meio das possibilidades que vão de um breve mal-estar até morte, existe uma categoria de doenças transmitidas por alimentos que deixam sequelas graves, afetando a qualidade de vida de suas vítimas. Vamos à algumas histórias:

CASO 1: Jovem de 20 anos contrai E. coli e luta para andar novamente

Stephanie Smith shops at Teals Market in Cold Spring, Minn., on Tuesday, August 11, 2009. (Ben Garvin for the Times)
Stephanie Smith shops at Teals Market in Cold Spring, Minn., on Tuesday, August 11, 2009. (Ben Garvin for the Times)

A jovem Stephanie Smith, dos Estados Unidos, tinha 20 anos e era professora de dança para crianças quando ingeriu num churrasco de família um hambúrguer contaminado com E. coli em 2007. Após a ingestão da bactéria, a jovem desenvolveu anemia hemolítica, uremia (insuficiência renal aguda), tendo ficado 9 meses internada em hospital, incluindo mais 3 meses de coma induzido para prevenir convulsões. Também ficou paralisada e fez inúmeras sessões de fisioterapia, para ganhar forças e tentar andar novamente sem a necessidade de cadeira de rodas.

A ligação da doença de Stephanie com o hambúrguer foi por acaso, principalmente porque ela praticamente não come carne e porque a tia dela ainda tinha alguns hambúrgueres congelados, da mesma marca e data de fabricação que aqueles que tinham sido consumidos. A mãe de Stephanie havia pensado inicialmente que a contaminação tinha sido dada pelo consumo de espinafres, alimento regular na dieta da filha, que naquela época também tinham sido relacionados a um surto de E. coli. No entanto, as análises apontaram que a cepa de E. coli que infectou Stephanie era geneticamente idêntica a outra que também tinha aparecido em outros casos de contaminação relacionados ao mesmo hambúrguer.

As investigações apontaram que a contaminação ocorreu num hambúrguer fabricado pela Cargill e distribuído e vendido nas lojas do Sam’s Club, da rede Walmart, já que os outros casos também estavam ligados exatamente ao mesmo lote de hambúrguer. Stephanie teve a reação mais extrema e grave de todos os consumidores afetados. O lote foi todo rastreado, e tinha sido fabricado com carne de diversos abatedouros (incluindo de outros países), sendo difícil determinar exatamente em qual ponto ocorreu a contaminação. A Cargill havia feito análise do produto acabado, mas não havia análise de todos os lotes de matéria-prima (faltou o certificado da carne comprada no Uruguai). Além disso, a investigação apontou que a equipe de qualidade da Cargill havia feito auditorias nos fornecedores, e que em alguns deles, havia falhas graves de higiene e segurança de alimentos, mas a comunicação interna foi insuficiente, o problema não chegou à direção da empresa e nenhuma ação foi tomada. As autoridades americanas e canadenses (o produto também foi distribuído no Canadá) também demoraram a alertar o público. A Cargill teve que recolher cerca de 380 toneladas de produtos e arcar com milhares de dólares no tratamento dos consumidores doentes, incluindo as sessões de fisioterapia de Stephanie e seu tratamento hospitalar. E é provável que Stephanie ainda necessite de transplantes, hemodiálise e outros cuidados durante a sua vida.

 

CASO 2: Menina australiana de 7 anos fica tetraplégica e sem capacidade de fala após ingerir refeição contaminada com Salmonella

Monica Samaan, uma menina saudável de 7 anos vivendo num subúrbio de Sydney, entrou em coma durante 6 meses, teve o cérebro profundamente afetado e acabou ficando tetraplégica e sem capacidade de fala após ingerir um lanche de frango da rede KFC contaminado com Salmonella. O caso ocorreu em 2005. Os pais de Monica e um irmão também comeram o mesmo lanche, tiveram diarreia e vômitos, porém se recuperaram rapidamente. Monica hoje tem quase 15 anos, e é completamente dependente de cadeira de rodas e dos cuidados de seus pais e irmãos, e de acordo com os médicos, os danos ao sistema nervoso foram tão profundos que ela não será capaz de falar novamente ou de se mover. A família de Monica entrou com um processo contra o KFC, no valor de 8 milhões de dólares australianos (cerca de 17 milhões de reais), alegando que a contaminação no lanche provocou todos os danos à filha. Após ouvir os depoimentos de todas as partes em abril de 2012, um juiz de Sydney ordenou o pagamento daquele valor como indenização e ressarcimento de todas as despesas que a família de Monica teve com os tratamentos, bem como toda a adaptação da casa e os cuidados que serão necessários até o fim da vida dela. O pai de Monica teve que pedir demissão do emprego para poder ajudar a cuidar da filha. O KFC entrou com recurso, alegando que a família não tinha como comprovar que comeu o lanche e que ficou doente em função dele, e que as lojas possuem o mais alto grau de higiene. Em setembro de 2012, Monica e sua família reencontraram o KFC no tribunal mais uma vez, e os depoimentos apontaram que a loja onde o lanche foi adquirido não apresentava condições adequadas de higiene e segurança de alimentos. Alguns funcionários admitiram que os produtos nem sempre eram manipulados com as mãos limpas ou com luvas e que os produtos que caíam no chão também eram reaproveitados. O KFC alegou “falha na consideração de evidências” e “erro nas constatações factuais por parte do juiz”, além de pesos equivocados dados a certas evidências. Ainda não existe um desfecho para este triste caso. A família de Monica aguarda o pronunciamento do juiz após o recurso do KFC.

 

Mais informações:

http://www.nytimes.com/2009/10/04/health/04meat.html?pagewanted=all

http://www.foodpoisonjournal.com/food-poisoning-watch/stephanie-smith-remains-in-a-wheelchair-fighting-to-walk-and-dance-once-again-she-ate-an-e-c/#.UPloKCd9KSp

http://www.huffingtonpost.com/2012/09/19/monika-samaan-kfc-lawsuit-brain-damage-salmonella_n_1897019.html

http://www.thesun.co.uk/sol/homepage/news/4282773/5million-compo-for-KFC-chicken-Twister-poisoning-of-wheelchair-bound-Monika-Samaan.html

 Leia também o post:

Doenças transmitidas por alimentos podem ter consequências por toda a vida

 

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Estamos vivendo a era da Contaminação Cruzada Global?

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Don Zinc, Ph.D.  do Center for Food Safety and Applied Nutrition resgatou o case de 2006 quando um surto de do E. Coli O157:H7 em espinafre fez 5 vítimas fatais e 276 doentes em cinco estados dos Estados Unidos.

Pois bem, na época as autoridades ficaram estarrecidas com a questão: mas como um patógeno sempre associado a produtos de origem animal foi ocorrer em um produto vegetal?

Percebam a proximidade da plantação de espinafre e da área de criação de bovinos, vizinhas “de porta”. Num contexto como este, como proteger o solo e a água de irrigação? Como gerenciar os dejetos dos animais? Após assistir esta palestra, cheguei a conclusão que chegamos a um dilema fruto do que eu batizaria de “Contaminação Cruzada Global”. No passado, o campo, as residências, as pastagens e as indústrias estavam geograficamente separadas a ponto de não termos grandes preocupações. Com o aumento populacional, está cada vez mais difícil preservar cada ecossistema, uma vez que estamos ocupando cada vez mais áreas e todas elas estão se aproximando num ciclo muito perigoso.

Na faculdade e na minhas iniciações científicas em microbiologia nos anos 90, havia uma linha divisória muito clara separando alimentos de alto risco e baixo risco, nas quais as carnes, ovos e laticínios estavam disparados no topo da lista de preocupações. Vegetais contaminados por conta da água eram assuntos para países em desenvolvimento e com saneamento básico muito precário. Mas hoje estamos falando dos Estados Unidos da América! Estamos falando de Listeria monocytogenes em melão cantaloupe, de Salmonella em amendoim, alface ou tomates, norovírus em morangos. E a E.coli O157:H7 portanto não é mais exclusividade de hambúrguer mal passado.

Para dar mais um exemplo de como as fronteiras são transponíveis, um período de cheias como este, como evitar a contaminação cruzada eventualmente existente em diferentes cultivos vizinhos?

 

E essa contaminação também pode ocorrer para dioxinas, metais pesados, defensivos agrícolas… mas isso é assunto para outro post!

As figuras foram tiradas da palestra que aconteceu na Abrapa, Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, no XI Simpósio  Internacional de Inocuidade de alimentos que aconteceu no dia 17 de Setembro, evento sempre impecavelmente organizado pelo comitê técnico.

 

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E.coli produtoras de enterotoxinas

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No primeiro semestre de 2011, os jornais e revistas noticiaram o surto de pessoas infectadas por bactérias em alimentos na Europa. O surto, causado pela presença de uma variedade da bactéria Escherichia coli (E. coli) em brotos de feijão, atingiu mais de 3000 pessoas e vitimou dezenas delas na Europa.
A E. coli é uma bactéria encontrada naturalmente no intestino de humanos e animais. Existe uma variedade de cepas de E. coli, algumas inofensivas e outras que podem causar graves doenças. “A cepa de E. coli que causou o surto, parece estar presente no trato gastrointestinal de bovinos e provavelmente de outros animais de sangue quente, e não causam doença nestes. No caso da Europa, a contaminação do alimento incriminado, que foi o broto de feijão de uma fazenda na Alemanha, pode ter acontecido por conta do uso adubo orgânico que não tenha sido bem compostado, e/ou, com as fezes de algum animal que pode ter contaminado a água de irrigação das plantações”, explica a pesquisadora do CCQA, Neliane F. de Arruda Silveira.
Nos anos 90, uma outra cepa patogênica da E. Coli (O157:H7) contaminou carnes e alimentos dos EUA e diversos países, infectou a população e causou doenças com o sintomas semelhantes aos observados no surto atual, como a paralisação dos rins em casos onde a doença evoluía. Nesse período, um projeto do CCQA (Microbiologia) em parceria com o CTC realizou um estudo, a fim de buscar indícios dessa bactéria nos alimentos do País.
“Na época, a carne foi o alimento mais incriminado. Então, visitamos frigoríficos de todos os portes, para recolher amostras para análise do ambiente, de carcaças e de produtos processados de carnes, como o hambúrger. Não encontramos nenhum indício da bactéria patogênica”, conta a pesquisadora Neliane F. de Arruda Silveira, que junto com a também pesquisadora do CCQA, Neusely da Siva, realizou o projeto.
O resultado do estudo, que durou quase quatro anos, intrigou a comunidade científica em congressos internacionais, que queria saber o motivo pelo qual a bactéria que estava em diversos países, não tinha sido encontrada, no estudo em nosso País. “Acreditamos que o nosso tipo de gado, o confinamento, a lavagem antes do abate, e a maneira como trabalham os frigoríficos foram alguns dos fatores que contribuíram para que aquela bactéria especifica, não fosse encontrada na ocasião, nesses produtos”, explica Neliane.
Apesar dessas duas cepas bacterianas patogênicas da E. Coli serem diferentes, a pesquisadora afirma que a forma de prevenção foi, e continua sendo, a mesma em todos os casos. O cuidado com a higiene durante o processamento dos alimentos e na conservação e utilização dos alimentos a nível domestico. São fatores básicos e primordiais para criar uma barreira a possíveis surtos, como o que está ocorrendo na Europa.
“Não há situação para pânico. Se mantivermos as condições de higiene das indústrias e tomarmos certos cuidados em casa, provavelmente não acontecerá um surto como o da Europa. Pode até acontecer algum caso esporádico, mas surtos , se nos precavermos , acreditamos que não”.
DICAS : A pesquisadora Neliane dá algumas dicas que podem afastar o risco de contaminação dos alimentos a nível de consumidor
• Não deixar alimentos fora da geladeira por mais de 2 horas.
• Não consumir carnes cruas ou mal cozidas –
• Não misturar alimentos de cozinha sujos com alimentos prontos
• Não deixar os alimentos expostos a temperaturas altas
• Lavar bem e higienizar os alimentos que são consumidos crus como as folhas, com cloro
• Lavar muito bem as mãos ,com sabão ou sabonete asséptico especialmente antes e depois de refeições.
• Não consumir alimento suspeito, com prazo de validade vencido, ou que apresentam injúrias nas embalagens e muitas vezes estão em oferta nos supermercados.

 Post enviado pela pesquisadora Neliane Silveira, do CCQA, Instituto de Tecnologia de Alimentos de Campinas.

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