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Quais os possíveis riscos microbiológicos do consumo de queijos artesanais feitos de leite cru?

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A comercialização de queijos artesanais feitos de leite cru (QALC) é permitida em algumas partes do mundo, incluindo o Brasil, mas existem diversos riscos microbiológicos relacionados ao consumo deste alimento que têm sido sistematicamente negligenciados.

No Brasil, mesmo com todos os esforços dos órgãos fiscais, ainda se observam muitos desafios, especialmente no que diz respeito à produção de forma segura deste produto. Neste sentido, é importante destacar alguns pontos que permanecem em discussão como: i) quais os patógenos mais prevalentes nos QALC e os fatores de risco para a sua presença neste alimento, ii) qual a distribuição espacial dos mesmos, iii) se existe um tempo de maturação que torna o QALC inócuo ao consumidor para os patógenos mais prevalentes, e iv) os principais pontos críticos de controle a serem focados por programas de boas práticas agropecuárias (BPA) e de fabricação (BPF) para a produção deste tipo de alimento.

Em Minas Gerais (MG), os modos de fazer QALC foram considerados como patrimônio histórico imaterial da humanidade pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, tendo duas regiões conquistado selos de indicações geográficas (IG): Canastra e Serro. Entretanto, com a publicação da Instrução Normativa nº 30, de 07/08/2013 que, no art.1º, “permite que os queijos artesanais tradicionalmente elaborados a partir de leite cru sejam maturados por um período inferior a 60 (sessenta) dias, quando estudos técnico-científicos comprovarem que a redução do período de maturação não comprometa a qualidade e a inocuidade do produto”, diversas outras regiões começaram a demandar estes estudos, no sentido de reduzir os tempos de maturação e facilitar a comercialização de QALC. Uma crítica que se faz a estes estudos nacionais é que, em sua maioria, têm se baseado em uma amostragem com número limitado de agroindústrias rurais produtoras de QALC (sete ou oito), e comumente são selecionadas aquelas com melhores BPAs e BPFs, que em geral não representam a realidade de produção artesanal de cada uma das regiões.

Este registro de IG tem sido demandado por diversas regiões produtoras de queijos artesanais, tanto de Minas Gerais como de diversos outros estados. Segundo a Coordenação de Incentivo à Indicação Geográfica de Produtos Agropecuários da Secretaria de Desenvolvimento Agropecuário e Cooperativismo (CIG/SDC) do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA), tal registro é um reconhecimento da notoriedade, reputação, valor intrínseco e identidade do produto, além de proteger seu nome geográfico e distingui-lo de similares disponíveis no mercado. Por outro lado, devido a questões inerentes à segurança do consumidor, alguns integrantes do próprio MAPA e de outros órgãos de defesa vêm demonstrando preocupação com a produção de QALC, uma vez que essa prática, planejada inicialmente como uma exceção à regra da pasteurização, para atender nichos específicos de produção e mercado, vem se tornando, no entanto, uma regra utilizada com frequência por regiões produtoras de QALC do país inteiro. Dessa forma, até mesmo regiões que não tinham tradição de produção de QALC estão procurando implantá-la.

Diante do exposto, surge uma questão essencial: quais os perigos microbiológicos principais e os riscos inerentes à saúde do consumidor de um QALC?

Patógenos em QALC produzidos fora do Brasil e surtos humanos

A taxa de surtos causados pelo consumo de leite não pasteurizado (muitas vezes chamado de leite cru) e seus derivados foi 150 vezes maior do que os surtos associados ao leite pasteurizado, de acordo com um estudo do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos da América (EUA). Essa revisão que abrangeu 13 anos também revelou que os estados onde a venda de leite cru era considerada legal tinham mais que o dobro da taxa de surtos dos estados onde era ilegal. Os produtos fabricados com leite cru citados nessa revisão incluíram queijo e iogurte (Langer et al., 2012).

O número de surtos nos EUA causados pelo consumo de leite e derivados não pasteurizados aumentou de 30, durante 2007–2009, para 51, durante o período de 2010 a 2012. A maioria dos surtos foi causada por Campylobacter spp. (77%) e por lácteos não pasteurizados adquiridos de estados em que a venda deste alimento era considerada legal (81%). Durante 2007–2012, um total de 81 surtos associados a lácteos não pasteurizados foi relatado em 26 estados, os quais resultaram em 979 doentes e 73 hospitalizações. Dos 78 surtos com um único agente etiológico, Campylobacter spp. foi o patógeno mais comum, causando 81% (62/78) dos surtos, seguido por Escherichia coli produtora de toxina Shiga (17%, 13/78), Salmonella enterica sorotipo Typhimurium (3%, 2/78) e Coxiella burnetii (1%, 1/78) (Mungai et al., 2015).

Uma ampla revisão concentrou informações sobre os perigos microbiológicos presentes em produtos lácteos fabricados com leite cru, em particular queijo, manteiga, creme e leitelho, em diversas regiões do continente europeu, além dos Estados Unidos e Canadá. Nessa revisão, Verraes et al. (2015) apresentam os principais perigos microbiológicos dos queijos produzidos com leite cru (especialmente queijos macios e frescos), confirmando que a maioria está associada à contaminação por Listeria monocytogenes, E. coli produtora de verocitotoxina (VTEC), Staphylococcus enterotoxigênicos, Salmonella spp. e Campylobacter spp. Em adição, também foi possível identificar, em áreas endêmicas, produtos lácteos de leite cru contaminados com Brucella spp. e Mycobacterium bovis. Uma lista não exaustiva de 64 surtos humanos associados ao consumo de produtos lácteos feitos de leite cru foi analisada nessas mesmas regiões. Todos os surtos, exceto um, foram associados ao consumo de QALC. Um surto foi atribuído ao consumo de creme de leite cru, sendo nenhum deles atribuído à manteiga de leite cru ou ao leitelho. Os patógenos mais comumente encontrados nesses 64 surtos envolvendo humanos são apresentados na Figura 1. Importante ressaltar que um surto em humanos causado por Brucella spp. foi associado a QALC maturado por mais de 90 dias (Galbraith et al., 1969).

Figura 1. Surtos de doenças transmitidas por alimentos associados ao consumo de leite cru ou seus derivados não pasteurizados, especialmente queijos, na Europa, EUA e Canadá. VTEC, vetotoxigênicas; TC, transmitidos por carrapatos. (Fonte: Verraes et al. 2015)

Patógenos em QALC do Brasil e surtos associados ao seu consumo

A vigilância de doenças de origem alimentar, também chamadas de transmitidas por alimentos (DTA), teve início no Brasil em 1999. No período de 2000-2021, leite e derivados foi o quinto grupo de alimentos mais implicado nesses surtos no país, sendo responsável por aproximadamente 6% do total notificado ao Ministério da Saúde. 

Diversos surtos humanos têm sido associados especialmente ao consumo de QALC no Brasil. Um surto de glomerulonefrite por Streptococcus equi sub. zooepidemicus acometeu 253 pessoas, causando muitas mortes e sequelas em Nova Serrana, Minas Gerais (MG), de 1997 a 1998 (Balter et al., 2000). Adicionalmente, cinquenta indivíduos ficaram doentes após consumirem QALC contaminados por enterotoxinas estafilocócicas em Manhuaçu, MG, em 1999 (Carmo et al., 2002). Casos de tuberculose zoonótica detectados em pacientes de Juiz de Fora, MG, de 2008 a 2010, foram associados a exposições zoonóticas, especialmente consumo de QALC (Silva et al., 2018). Por sua vez, um surto de toxoplasmose humana ocorrido no município de Montes Claros de Goiás, GO, de 2015-2016, foi associado principalmente ao consumo de QALC. Em um amplo surto de brucelose humana no Brasil, o consumo de lácteos crus foi o principal fator de risco detectado (Lemos et al., 2018).

Ademais, diversos perigos microbiológicos previstos em legislações nacionais têm sido detectados em QALC no Brasil, cujos riscos à saúde pública não podem ser negligenciados. Entre esses, destacam-se Salmonella spp. (Araújo 2004; Menezes et al., 2009) e L. monocytogenes (Zaffari et al., 2007; Carvalho, 2014). Dores et al. (2013), por outro lado, mostraram uma baixa taxa de produção de enterotoxinas clássicas, apenas tipos A e C, por cepas isoladas de S. aureus do queijo Minas Artesanal (QMA). Apesar de a maioria dos isolados não produzirem enterotoxinas clássicas, os autores alertaram que as altas contagens de S. aureus nas amostras de queijo analisadas podem representar possível risco da presença de enterotoxinas não clássicas, as quais não foram avaliadas no estudo.

Por outro lado, igualmente preocupante é o relato de diversos patógenos, a maioria zoonóticos, que não são previstos por legislações específicas para serem pesquisados em QALC, portanto negligenciados, e que podem ser encontrados neste alimento. Kobayashi et al. (2017) detectaram a presença de Campylobacter spp. em amostras de queijos obtidos de vacas leiteiras criadas às margens do rio Tietê, na grande São Paulo. Por sua vez, o gênero Brucella, que foi detectado em diversas amostras de QALC brasileiros, está entre os sete patógenos zoonóticos de maior prioridade global (Miyashiro et al., 2007; Silva et al., 2016; Kobayashi et al., 2017). Vale ressaltar que esse patógeno foi recuperado por cultivo em queijos Coalho e QMA, respectivamente, segundo Bezerra et al. (2019) e Silva et al. (2022), sobrevivendo por até 29 dias em QMAs infectados experimentalmente.

C. burnetii, outro patógeno altamente infeccioso e resistente ao calor, mantido na natureza por um amplo espectro de espécies animais, especialmente ruminantes, seus principais reservatórios, também precisa ser considerado. Classificado na categoria B de agente para bioterrorismo, altas taxas de prevalência de DNA de C. burnetii têm sido relatadas em queijos de origem bovina, ovina ou caprina em diversas regiões do mundo. Estudos indicam que C. burnetii pode permanecer viável após, pelo menos, 8 meses de maturação em queijos duros feitos com leite não pasteurizado, sob pH ácido e baixa atividade de água. No Brasil, o agente foi detectado recentemente pela primeira vez em QALC (Rozental et al., 2020; Nascimento et al., 2021) em diferentes regiões produtoras de QMAs.

M. bovis foi detectado em queijo coalho artesanal de duas regiões do Nordeste (Cezar et al., 2016), sendo este patógeno agente etiológico da tuberculose zoonótica em humanos, umas das quatro zoonoses de maior prioridade global. Carneiro et al. (2022) detectaram leite contaminado pelo complexo M. tuberculosis no Amazonas, a matéria-prima para fabricação de um tipo de QALC.

Pela primeira vez no Brasil células viáveis de M. avium spp. paratuberculosis (MAP) foram também recuperadas do queijo coalho por Faria et al. (2014), patógeno posteriormente identificado em outros queijos deste tipo (Albuquerque et al., 2019), o que implica na evidência deste alimento como uma possível fonte de exposição humana ao MAP; patógeno este suspeito de desencadear, entre outras, a doença de Crohn em humanos (Albuquerque et al., 2019). Como agravante, M. bovis e MAP sobrevivem à maturação e estocagem de QALC por mais de 60 dias, chegando a 10 meses em alguns tipos de queijos (Spahr et al., 2001; Verraes et al., 2015).

No Brasil, a avaliação da presença de vírus gastroentéricos na água e em alimentos prontos para consumo, como o leite e queijo, também não é exigida pelas normativas sanitárias vigentes – RDC 724/2022 e IN 161/2022 (Brasil, 2022). Em termos de segurança de alimentos, mundialmente, os norovírus são considerados os mais importantes agentes em surtos de gastroenterite aguda (GA) de origem alimentar de etiologia não bacteriana (Forsythe, 2010). São vírus geneticamente diversos e extremamente infecciosos e, consequentemente, mesmo em baixa concentração podem causar GA (Bosch et al., 2011). Além do norovírus, o adenovírus (AdV) também possui importância epidemiológica em surtos de GA, particularmente o AdV-40 e o AdV-41. Além disso, o AdV é recomendado como biomarcador de contaminação fecal, sendo considerado na avaliação da qualidade da água, devido a sua ampla distribuição, alta concentração, bem como estabilidade e resistência às condições ambientais adversas (Rames et al., 2016). Considerando-se que humanos e animais são hospedeiros do AdV, existe a possibilidade de transmissão zoonótica (Borkenhagen et al., 2019). Estudos virais em matrizes de queijos são bem escassos, e recentemente, três reportaram a presença de vírus gastroentéricos em queijos no Brasil. Silva et al. (2021), em um estudo transversal randomizado, demonstraram a presença de norovírus genogrupo I em 26,0% (26/100), AdV em 14,0% (14/100) e a codetecção de ambos em 3,0% (3/100) das amostras de QALC (QMA e Coalho) obtidas dos estados de MG e Piauí, no período de 2017 a 2018. Melgaço et al. (2018) detectaram o HAdV em 10% (9/10) e norovírus genogrupos I e II em 1,1% (1/90) das amostras de queijo Minas e do tipo prato comercializadas no estado do Rio de Janeiro, em 2015. Além disso, a presença de rotavírus A (RVA), outro importante vírus gastroentérico, foi apontada no estudo de De Castro Carvalho et al. (2020) em amostras de QALC obtidas da região de Mariana/MG, em 2015, após a ruptura de uma barragem que afetou a qualidade ambiental da região.

Considerações finais

É importante reforçar que os requisitos sanitários para a produção de QALC devem ser estabelecidos com o objetivo primordial de proteger a saúde da população, não devendo ser equivocadamente reduzidos a trâmites burocráticos para viabilizar determinada atividade comercial

Entretanto, vários perigos microbiológicos detectados em QALC brasileiros, com a maioria deles sendo causas de zoonoses, ainda não fazem parte de legislações específicas direcionadas aos alimentos de origem animal no Brasil. Assim, como muitos dos patógenos negligenciados em QALC por legislações nacionais sobrevivem ao longo da maturação, os baixos tempos exigidos neste processo para diversos QALC brasileiros (< 25 dias) precisam ser revistos, levando em conta patógenos que não foram considerados pelos diversos estudos técnico científicos em curso, tais como Brucella, C. burnetii, Mycobacterium bovis e vírus entéricos, etc.

Portanto, o presente artigo tem como objetivo alertar autoridades sanitárias dos setores de Agricultura e Saúde, que esta questão fundamental à saúde humana precisa ser fortalecida e continuar a ser revista com um enfoque de Saúde Única.  Por meio deste enfoque holístico, a autorização de produção e comercialização de QALC deve incluir o controle ou a eliminação de agentes zoonóticos, tais como os causadores da brucelose, em rebanhos cujos leites serão destinados à produção destes queijos, além de BPA e BPF ao longo da cadeia de produção deste alimento.

Ressalta-se que estas práticas que objetivam a segurança do alimento ao consumidor devem ser reforçadas por protocolos claros de inspeção final do produto e por trabalhos de educação continuada, direcionados tanto aos produtores como aos consumidores de tal alimento. Enfim, as questões histórico-culturais e socioeconômicas que envolvem os QALC são importantes, mas aquelas relacionadas à segurança do alimento e à proteção do consumidor devem ser igualmente priorizadas.

Autores: Marcio Roberto Silva1, João Batista Ribeiro1, Guilherme Nunes de Souza1, Karina Neoob de Carvalho Castro1, Henrique de Oliveira Frank1, Flábio Ribeiro de Araújo2, Elba Regina Sampaio de Lemos3, Marize Pereira Miagostovich3, Carina Pacheco Cantelli3, Jorlan Fernandes de Jesus3, Ricardo Souza Dias4, Ricardo José de Paula Souza e Guimarães5, Humberto Moreira Húngaro6, Maria Aparecida Scatamburlo Moreira7, André Almeida Santos Duch8, Rômulo Tadeu Pace de Assis Lage8, Liliane Denize Miranda Menezes8, Paulo Martins Soares Filho9, Antônio Augusto Fonseca Júnior9, Patrícia Gomes de Souza9, Juliana Nunes Carvalho10, Letícia Scafutto de Faria6, Amanda Gonelli Gonçalves6, Vitória Barbosa Conceição6, Sabrina Galvão de Andrade Bohnenberger6, Roberta de Matos Caetano4, Christina Pettan-Brewer11

1Embrapa Gado de Leite, 2Embrapa Gado de Corte, 3Fiocruz, 4Fundação Ezequiel Dias, 5Instituto Evandro Chagas, 6Universidade Federal de Juiz de Fora, 7Universidade Federal de Viçosa, 8Instituto Mineiro de Agropecuária, 9Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, 10Agência de Defesa e Fiscalização Agropecuária do Estado de Pernambuco,  11Universidade de Washington

 Referências

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Você conhece a abordagem One Health?

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Ainda hoje, as DTHA – doenças de transmissão hídrica e por alimentos -, matam mais de 400 mil e adoecem 30 milhões de pessoas por ano em todo o mundo1. A produção, o preparo e o consumo dos alimentos estão intimamente ligados à saúde humana e a saúde do planeta. Dois terços das doenças infecciosas emergentes resultam de zoonoses e, além disso, algumas práticas da produção de alimentos, principalmente na cadeia primária, podem contribuir com a resistência aos antimicrobianos e dissipação de patógenos2,3.

Adicionado a essa problemática, temos o fato de que uma simples refeição cotidiana pode ter matérias-primas vindas de diferentes países, com diferentes práticas de food safety. A globalização das cadeias de produção tem criado condições favoráveis para a emergência, reemergência e distribuição de patógenos oriundos dos alimentos e tem criado uma barreira adicional ao já difícil desafio de detecção/identificação e efetiva resposta às ameaças à saúde que o consumo de alimentos não seguros pode oferecer3.

Apesar da existência de inúmeros métodos diagnósticos e do avanço da tecnologia a serviço da Microbiologia de Alimentos, nós voltamos aos mesmos problemas. Por um lado, o que temos em mãos é uma cadeia de produção de domínio global, heterogênea, porém necessária para suprir a demanda alimentar ao redor do mundo. De outro, temos o fato de que a maioria das doenças de transmissão hídrica e alimentar são preveníveis4. Olhando para essa balança e levando em consideração que a saúde animal, humana e do ambiente estão conectadas, é necessário o estabelecimento de um novo paradigma: um que mude de uma abordagem reativa para uma antecipatória, proativa e que considere a interconectividade entre múltiplos setores – uma abordagem baseada no conceito de One Health ou “Saúde Única”.

Sob a ótica da abordagem One Health, de acordo com a OMS, para a promoção da “Saúde Única” é preciso fortalecer a avaliação, gestão e comunicação de risco na área de Food Safety5. Portanto, a obtenção de informações sobre os perigos em toda a cadeia, de forma global e local, é essencial para alcançar o desenvolvimento integrado e a implementação de opções de gestão com base no risco5. Entretanto, hoje, dentro de uma indústria, estamos lidando com problemas complexos, onde reservatórios e dinâmicas de sobrevivência dos micro-organismos estão mudando e, muitas vezes, contrariando o que tradicionalmente foi estabelecido como conhecimento a respeito deles. Fatos como estes desafiam não somente a capacidade da Microbiologia como ciência de controlar esses agentes e garantir alimentos seguros, como também a forma com que podemos promover a saúde dialogando com a realidade da cadeia de produção de alimentos, sem desconsiderar seus aspectos econômicos e de real aplicabilidade5.

Nesse sentido, de forma prática e do ponto de vista microbiológico, podemos considerar como ferramentas importantes da abordagem One Health: o monitoramento ambiental, monitoramento de prevalência e carga microbiana patogênica, além de manejo e comunicação de dados por toda a cadeia, incluindo saúde animal3.

One Health approach na prática

Teoricamente, todas essas ferramentas citadas já são conhecidas e sabemos que existem diferentes tecnologias que teoricamente nos permitem aplicá-las com excelência. Entretanto, a realidade dos ambientes de produção de alimentos no Brasil demanda que os métodos sejam ajustados a todas as suas peculiaridades e factíveis ao cenário real de produção.

Sempre alinhada com as necessidades da indústria e movida pelo compromisso com a Saúde Pública, a Hygiena traz soluções que contribuem para a atuação preditiva, identificação de riscos e tomada de decisão por toda a cadeia de produção de alimentos, do campo à mesa:

 – No que tange ao monitoramento ambiental, além do tradicional teste de ATP generalista, a tecnologia da bioluminescência, desde que aliada a outros componentes enzimáticos específicos, consegue nos entregar resultados quantitativos e em Unidades Formadoras de Colônia (UFC) para micro-organismos indicadores – Enterobacteriaceae, Contagem Total, Coliformes & E. coli – entre 6 e 8h. A linha MicroSnap oferece respostas acuradas, através de metodologia validada pela AOAC que pode ajudar no estabelecimento e monitoramento de pontos críticos por todo o processo de produção, na caracterização da “house-flora” e, até mesmo, em um maior controle do uso de sanitizantes e produtos aplicados para redução química de contaminantes.

 – Direcionando o foco para monitoramento de patógenos, no controle ambiental, o ideal é a aplicação de ferramentas analíticas de fácil manejo e rápida resposta. Pensando que o objetivo é a localização de prováveis fontes de contaminação no processo, é possível lançar mão de metodologias de screening, que utilizam, por exemplo, substratos cromogênicos e fluorescentes para rápida triagem de superfícies e avaliação da limpeza. A linha InSite da Hygiena, entrega resultados para Salmonella e Listeria spp./ Listeria monocytogenes em até 48h, em uma única etapa, necessitando de quase nenhuma estrutura de laboratório e com performance comprovada pela AOAC.

 

Além disso, um grande aliado no processo de monitoramento de patógenos é o estabelecimento de carga microbiana em adição ao teste de prevalência, seja no ambiente (de produção ou criação animal) ou no produto acabado. O uso de ferramentas quantitativas, como o SalQuant BAX Hygiena, fornece dados para entender onde a contaminação se iniciou, quais são as fontes de entradas de contaminantes no processo, qual a predição de contaminação no produto final, além de auxiliar de uma maneira geral, no planejamento da intervenção química e física para redução de patógenos dentro do ambiente de produção. Se aplicada de forma integrada com os demais tipos de monitoramento, a quantificação de patógenos é peça fundamental para a construção de “biomapas” microbianos, que auxiliam no estabelecimento assertivo de parâmetros de controle e asseguram a liberação de alimentos mais seguros6.

Por fim, a moderna abordagem One Health demanda a capacidade não só de realizar testes, mas de manejar dados e ser capaz de comunicá-los entre os diferentes setores de forma fácil. A SureTred Cloud, ambiente em nuvem para gestão de dados da Hygiena, possibilita compilar todos os resultados em um único local, com interface em tempo real e acesso hierarquizado para proteção de dados da empresa. A ferramenta oferece geração de gráficos, relatórios, estabelecimento de tendências, manejo de diferentes equipamentos e plantas de produção, além de conectividade com sistemas LIMS.

Trabalho tripartite

A Hygiena é uma empresa com mais de 20 anos de história, desenvolvendo soluções inovadoras para o mercado de Food Safety, sempre em parceria com a indústria e a comunidade acadêmica. Acreditamos que somente a ação conjunta entre os setores e o fortalecimento da Cultura Food Safety podem nos conduzir, efetivamente, para a conquista da Saúde Única. Entre em contato conosco, queremos saber como podemos ajudar!

Lauane Gonçalves de Araújo é bióloga formada pela UNESP (Botucatu-SP), especialista em Microbiologia em Saúde Pública pelo Instituto Adolfo Lutz, mestre e doutoranda em Infectologia Molecular e Microbiologia pela UNICAMP. Atuou em laboratórios de Saúde Pública e microbiologia clínica, bem como é assessora técnica e líder de Serviços Técnicos em empresas do mercado de food safety. Atualmente, é especialista de suporte técnico na Hygiena, responsável pelo atendimento técnico-científico de contas-chave, treinamentos, palestras e atividades educacionais e estratégicas da empresa.

Referências

1.       1. WHO. World Health Organization. Estimates of global burden of foodborne diseases. 2019.

2.     2. Wielinga PR, Schlundt J. Food Safety: at the center of a One Health approach for combating zoonoses. Curr Top Microbiol Immunol. 2013;366:3-17. doi: 10.1007/82_2012_238.

3.     3. Institute of Medicine. 2012. Improving Food Safety Through a One Health Approach: Workshop Summary. Washington, DC: The National Academies Press. https://doi.org/10.17226/13423.

4.     4. WHO. World Health Organization. Global strategy for food safety 2022–2030: towards stronger food safety systems and global cooperation.

5.     5. FAO, UNEP, WHO, and WOAH. 2022. One Health Joint Plan of Action (2022–2026). Working together for the health of humans, animals, plants and the environment. Rome. https://doi.org/10.4060/cc2289en.

6.     6. Vargas DA, Rodríguez KM, Betancourt-Barszcz GK, Ajcet-Reyes MI, Dogan OB, Randazzo E, Sánchez-Plata MX, Brashears MM, Miller MF. Bio-Mapping of Microbial Indicators to Establish Statistical Process Control Parameters in a Commercial Beef Processing Facility. Foods. 2022 Apr 14;11(8):1133. doi: 10.3390/foods11081133.

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Contaminação de chocolates com Salmonela – entrevista com Donizeti Cezari

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Após casos recentes envolvendo contaminação de chocolates com Salmonela, fomos conversar com Donizeti Cezari, que trabalhou por mais de 40 anos na área de Qualidade na Nestlé, sendo os últimos 16 como Gerente Corporativo de Gerenciamento da Qualidade na Nestlé Brasil. Ele tem um amplo repertório de conhecimento e experiência no assunto.

Vanessa: Donizeti, é um prazer enorme ter a sua experiência compartilhada com os leitores do Blog. Muito obrigada por aceitar o convite!

Donizeti: É um grande prazer ter essa oportunidade de poder compartilhar um pouco de nossa experiência em assunto tão relevante para os profissionais que atuam na área de Segurança dos Alimentos. Devo deixar claro que não sou um profundo conhecedor do mundo microbiológico, mas por força de necessidade em minha área de atuação, aprendi muito com muitos profissionais e continuo aprendendo sempre com diversos materiais que são postados aqui no blog. Portanto, vocês prestam um serviço de extrema relevância na preparação dos profissionais que atuam nessas áreas e espero que eu possa também contribuir um pouco com as informações que estão neste post.

Vanessa: Por que de repente nos deparamos com tantos casos de Salmonela nesta categoria de produto? É um tema novo? Na sua opinião, quais fatores podem estar relacionados aos casos recentes de recall?

Donizeti: Como você deve ter acompanhado ao longo do tempo, contaminações microbiológicas em alimentos não são assunto novo. Especificamente na categoria de chocolates, as ocorrências são mais raras devido a tratar-se de um alimento de menor risco microbiológico comparado com outros produtos alimentícios, mas quando há ocorrência, ela sempre é de grande repercussão devido ao sistema de produção ser em grande escala. A ocorrência de eventual contaminação microbiológica na fabricação de chocolates pode estar associada a dois eventos: matérias-primas ou processo. A qualidade das matérias-primas e seleção dos fornecedores assume uma enorme importância na garantia da qualidade devido ao fato de que, no processamento propriamente dito de chocolate, não há etapas em que se pode reduzir ou eliminar uma eventual contaminação microbiológica. Na fabricação de chocolates não há tratamento térmico, nem aplicação de outras tecnologias que possam eliminar eventuais contaminações vindas das práticas do processo ou das matérias-primas. No caso de ocorrência mais recente na Europa, pelo que acompanhei nas publicações, a origem da contaminação foi justamente a matéria-prima manteiga láctea. Outro caso ocorrido anos atrás, também na Europa, estava relacionado com vazamentos de água de esgoto que contaminou o processo.

Portanto, vejo como fatores que possam estar associados a esses casos, falha na seleção de fornecedores ou na manutenção dos equipamentos das fábricas.

Por outro lado, por ter chegado ao nível da necessidade de proceder um recall, percebe-se que houve ainda falha na gestão dos dados gerados durante o controle da qualidade. A avaliação feita pelas autoridades identificou registros de dados positivos de contaminação, para os quais parece que não foi dada a devida atenção pela liderança da empresa. Isso é muito sério, pois a área de gestão da qualidade tem que prestar um serviço em prol da segurança do consumidor e também deve assegurar a imagem das marcas da empresa.

Vanessa: Quais controles devem ser adotados pelas indústrias para evitar perigos microbiológicos na produção de chocolates?

Donizeti: Nas matérias-primas, uma parte importante é a logística de transporte. Massa de cacau, manteiga e alguns outros ingredientes, como açúcar, são transportados a granel. Desta forma, deve-se assegurar que os tanques e contêineres tenham um processo assegurado de limpeza que não comprometa a qualidade microbiológica do ingrediente transportado. Parece-me que foi uma das hipóteses levantadas neste caso mais recente da contaminação vinda da manteiga. Neste sentido, a escolha e seleção dos transportadores dessas matérias-primas deve passar por um processo de validação de limpeza e higienização, como também de auditorias frequentes. Deve-se assegurar que esses tanques sejam dedicados somente para esse fim.

Não podemos esquecer ainda de todo o processo de controle de qualidade pelo qual essas matérias-primas devem passar durante o recebimento. O controle deve incluir a análise de microrganismos patógenos e de indicadores que possam identificar possíveis falhas no processo de limpeza ou no tratamento das matérias-primas.

O Plano de Controle de Qualidade deve incluir também o controle do meio ambiente, mesmo que este represente baixo risco. Recomenda-se que o controle inclua patógenos (Salmonellas sp, por exemplo) e microrganismos indicadores (Enterobacteriaceas). A experiência tem demonstrado que a contaminação por patógenos geralmente vem acompanhada de outros microrganismos que possibilitam a indicação de falha de limpeza e higienização do processo. A análise de microrganismos indicadores geralmente é mais rápida que a dos patógenos. Portanto, o acompanhamento dos níveis desses microrganismos não pode ser negligenciado.

Vanessa: Quais os desafios na hora de assegurar a eficácia da higienização a seco em indústrias de alimentos com baixa atividade de água?

Donizeti: Nas indústrias que trabalham com alimentos com baixa atividade de água, conforme minha experiência, considero que há três aspectos importantes para assegurar um ambiente livre de contaminações: o primeiro, que considero o mais importante, é a definição de zoneamento; o segundo é a manutenção dessa área para que se evite a entrada de água via fissuras ou trincas nas lajes, paredes ou algum outro tipo de infiltrações; e terceiro, evitar ao máximo o uso de limpeza úmida nessa zona, identificada como de alto nível de higiene.

Eventualmente, se houver a necessidade de fazer alguma higienização, esta tem que ser muito bem limitada e controlada.

A ideia é que se deve manter a área sempre limpa (limpeza a seco, de preferência com uso de equipamentos de aspiração), com os cuidados necessários na entrada para evitar carregar uma contaminação (controle de acesso). Geralmente constroem-se barreiras de forma que haja um local para a troca de uniformes e calçados ao entrar em área delimitada como de alto nível de higiene. E pela ausência de água nessa área, elimina-se um importante fator de crescimento e desenvolvimento microbiano.

Vanessa: Em relação ao monitoramento ambiental, você tem alguma dica ou sugestão de amostragem ideal de análises de superfícies de equipamento, áreas, pessoas e produto?

Donizeti: O monitoramento microbiológico ambiental nessa área de alto nível de higiene, onde se inclui a área de processamento e equipamentos, é de suma importância e deve ser construído com base em uma análise de risco feita no local. A definição do tipo de amostragem, frequência e quais os microrganismos a serem analisados, seja do ambiente ou do produto final, vai depender justamente dessa análise de risco feita in loco e por profissionais devidamente qualificados para tal.

Particularmente, não sou favorável a fazer amostragem das mãos de operadores, pois o mais importante é que a empresa desenvolva um programa de Cultura da Qualidade em que a aplicação das Boas Práticas de Fabricação seja de alto nível por todos na organização. Uniformes sempre limpos, lavagem e higienização das mãos são mais importantes que investir em fazer análise de swab das mãos. Neste sentido, espera-se que a empresa disponha de dispositivos instalados que atendam essa necessidade em locais estrategicamente definidos. Não se pode exigir que as pessoas lavem as mãos se não houver condições adequadas para tal exigência.

Vanessa: Após estes casos, muitas empresas que fabricam chocolate ou que o utilizam como matéria prima, passaram a se preocupar ainda mais. Qual sua recomendação para estas empresas? Ao que elas devem se atentar? Precisam fazer algo mais?

Donizeti: Cada evento dessa magnitude merece atenção especial e minha recomendação é que sempre se faça uma análise profunda do acontecimento e que se responda à seguinte pergunta:

– Há possibilidade de evento similar ocorrer com a minha empresa?

Se a resposta for sim, então é importante fazer uma avaliação ampla para descobrir se há vulnerabilidade que possa impactar os seus negócios (é importante que a Alta Direção da empresa tenha conhecimento dessas vulnerabilidades). É hora, então, de tomar providências imediatas e colocar um plano de ação eficaz para evitar algum eventual prejuízo por esse tipo de ocorrência.

Um dos aspectos que mais interfere no contexto de tomada de decisão de um recall é a rastreabilidade. Ter a certeza de saber em qual dimensão está contido o problema nem sempre é uma resposta rápida e precisa. Portanto, os exercícios necessitam incluir esse aspecto para avaliar quão robusto está o sistema de rastreabilidade da empresa. Especificamente, na fabricação de chocolates, muitas vezes a dificuldade é definir onde está o “ponto de corte” em relação à abrangência de possíveis lotes contaminados.

Vanessa: Você já vivenciou situações que envolveram recall? Quais conselhos você poderia compartilhar sobre ações a serem tomadas no gerenciamento da crise e na forma de comunicar com o público?

Donizeti: Sim, já vivenciei situações que envolveram recall e outras em que quase chegamos lá. São experiências que trazem muitos aprendizados, mas preferiria ter esses aprendizados de outra forma do que passar por tais situações.

O importante é ter em mente que as crises são muito particulares, ou seja, você pode estar muito bem preparado, mas há sempre algo que foge do controle. Mas se a empresa tem uma equipe multidisciplinar e multifuncional preparada e efetiva, pode ter maior sucesso na gestão de uma crise. Portanto, recomendo fazer exercícios frequentes e muito próximos da realidade, variando os tipos de eventuais problemas para que estejam o mais preparados possível para uma eventual situação de crise.

A equipe deve ter um Sistema de Alerta Precoce (conhecido em inglês como Early Warning System) em que se possa tomar ações preventivas que podem até prevenir uma eventual crise, ou mesmo minimizá-la devido às ações tomadas antecipadamente, sem que o problema chegue ao nível de gerar uma crise.

No plano de gestão de crises é fundamental a forma de comunicação. A mensagem deve ir diretamente ao ponto, resumida e clara. A comunicação que se faz externamente deve ser aquela divulgado internamente, com os devidos ajustes para adaptação de linguagem, mas a parte central deve ser a mesma.

Na comunicação externa, não se pode esquecer de fazê-la de forma a atender as exigências legais nos locais onde os produtos foram comercializados (principalmente se houve exportações, deve-se atender aos requisitos legais dos países importadores). Importante ainda é que não se deve esquecer de fazer a comunicação chegar aos seus clientes também.

Após passadas todas as fases da crise, deve-se desenvolver um plano de recuperação da imagem, como também fazer uma avaliação da ocorrência com o objetivo de colher os aprendizados, ou seja, analisar as ações e medidas que deram resultados positivos e aquelas que não foram efetivas.

Vanessa: Uma mensagem final aos nossos leitores?

Donizeti: Segundo minha experiência, profissionais de qualidade, principalmente aqueles que estão em posição de liderança e que necessitam tomar decisões, não podem negligenciar nenhum resultado que demonstre algum desvio, principalmente relacionado com controle microbiológico. Numa eventual detecção de anormalidade, tome ações imediatas para identificação da causa-raiz. Não fique sentado no ar-condicionado e na frente de seu computador. Vá ao local que possa estar associado ao problema. Pratique o “boss”: boots on the shop floor, conhecido também como “tbc”: tire a b… da cadeira. Lá você aprende e toma decisões muito mais assertivas.

 

Donizeti Cezari é bacharel em Química (UNESP), com especialização em Engenharia da Qualidade (FAAP), MBA em Administração de Negócios (INSPER) e diversos outros cursos de especialização nas áreas de ciência dos alimentos e gestão da qualidade. Atuou em Controle, Garantia e Gestão da Qualidade na Nestlé, incluindo experiência internacional na Região do Norte da África, Oriente Médio e Europa. Após mais de 42 anos dedicados à área de qualidade, aposentou-se em agosto de 2020. Em 2021, voltou a atuar, agora como consultor e mentor em gestão da qualidade, por meio da Cezari – Consultoria e Mentoria em Gestão da Qualidade Ltda. www.cezariqualidade.com.br – onde a melhoria da Qualidade através da Cultura da Qualidade, agilidade, inovação no sistema de gestão, redução de perdas e desperdícios são as áreas-foco de sua atuação.

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