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Exportação bloqueada: alimentos contaminados por insetos

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O pequeno inimigo no caminho das Grandes Negociações

Em um porto movimentado, onde contêineres de alimentos seguem rumo a destinos distantes, um detalhe minúsculo, com seis patas, asas frágeis, talvez um exoesqueleto brilhante, pode interromper um fluxo comercial de milhões de dólares. A cena se repete com frequência perturbadora: um carregamento, após cruzar oceanos, é barrado na inspeção sanitária por contaminação de pragas. O prejuízo não é apenas financeiro, mas institucional, pois afeta a  reputação da empresa.

Se a tarefa de resolver esse problema estivesse em suas mãos, o que faria?

Os principais contaminantes

Relatos apontam que as pragas não apenas embarcam no transporte, mas proliferam nele. O período de viagem, que pode durar de 60 a 120 dias, cria o ambiente favorável para que esses organismos completem seu ciclo de maturação. Entre os vilões mais frequentes, besouros e carunchos se destacam. Diferentemente dos roedores, moscas ou baratas, que não resistem ao confinamento, essas espécies de insetos são pequenas, resistentes e especialistas em se infiltrar nas mercadorias. A ameaça pode estar no alimento já processado, na madeira dos paletes ou até mesmo no próprio piso do contêiner. Nomeamos, então, o nosso inimigo. Agora, como eliminá-lo?

As causas invisíveis

A contaminação começa muito antes do embarque. Em alguns casos, ovos de insetos sobrevivem a processos industriais e eclodem durante a jornada transoceânica. Alimentos como cereais, massas, leite em pó, castanhas e ração animal são particularmente vulneráveis.

Ao desembarcar no país de destino, há dois cenários possíveis: ou o carregamento é retido para fumigação —um processo caro, demorado e que prejudica a imagem da empresa—, ou a carga é descartada, acarretando um prejuízo ainda maior. Em tempos de acirrada disputa comercial, qualquer ocorrência pode ser transformada em uma barreira sanitária estratégica, criando embargos e impactando a balança comercial. Enquanto isso, o exportador se vê no centro de uma tempestade burocrática, carregando a responsabilidade nos ombros sem uma solução clara à vista.

O custo de um erro

Contratar uma empresa estrangeira para realizar a fumigação pode custar milhares de dólares, além dos dias perdidos com o carregamento imobilizado e o impacto nos prazos logísticos. Mas há uma situação ainda mais alarmante: algumas espécies de insetos são consideradas pragas exóticas invasoras. Se identificadas, podem gerar não apenas a rejeição da carga, mas multas exorbitantes.

Recentemente, uma indústria exportadora brasileira foi penalizada após um besouro silvestre comum, de áreas de preservação,  ser encontrado morto dentro de um contêiner 90 dias depois do embarque. O país importador, com regulamentos severos exatamente sobre aquela espécie, aplicou uma sanção financeira monumental.

O controle de pragas para exportação não admite amadorismo. Não se trata apenas de um custo operacional, mas de um diferencial estratégico. Exportadores com essa visão estão um passo à frente da concorrência.

Prevenção: a solução antes do problema

Processo produtivo seguro é obrigação do exportador, e a grande maioria das indústrias é cuidadosa nesse item, mas negligencia outro elemento fundamental. Elas mantêm um programa para controle de pragas insuficiente para vigiar todos os pontos mais vulneráveis: armazenamento e expedição são frequentemente subdimensionados pelas rotinas do controle de pragas. Pequenos erros passam despercebidos internamente, mas as agências reguladoras internacionais não se omitem.

Criar uma rotina eficaz para evitar contaminações exige atenção a detalhes que muitas indústrias ignoram. Veja alguns erros comuns:

  • Paletes contaminados: paletes reutilizados e sujos carregam ovos de insetos. Precisam ser submetidos a higienização e tratamento inseticida antes do uso.
  • Depósitos negligenciados: superfícies podem parecer limpas, mas estruturas de empilhamento, calhas elétricas e telhados costumam ser focos de infestação. A limpeza deve ser ampliada e acompanhada de tratamentos periódicos.
  • Containers contaminados: caminhões e contêineres chegam muitas vezes com resíduos e pragas, mas poucas empresas exigem comprovação regular de tratamento inseticida dessas estruturas.
  • Carregamento ao ar livre: exportadores frequentemente carregam contêineres no meio do pátio, expostos ao ambiente externo, aumentando os riscos de contaminação por insetos silvestres. Idealmente, o carregamento deve ocorrer sempre em docas e isoladas, ou pelo menos com cobertura permanente.
Inspeção por agente da FDA
Fonte: https://www.fda.gov/about-fda

Os principais mercados de exportação de alimentos processados impõem regras rigorosas. Nos Estados Unidos, a FDA e o USDA fiscalizam ativamente; na Europa, a Comissão Europeia mantém regulamentos rigorosos; países árabes e asiáticos seguem diretrizes igualmente exigentes. Empresas exportadoras que não possuem um especialista interno ou parceiro controlador de pragas atento a esses parâmetros, contratam consultorias para ampliar sua proteção contra perdas milionárias.

Um bom teste para avaliar o nível de percepção do parceiro controlador? Peça um resumo deste artigo em um minuto. Se não conseguir traduzir a complexidade do problema de maneira clara, talvez precise atualizar sua percepção.

A realidade da exportação brasileira

Empresas brasileiras já lidam com desafios como flutuações cambiais e regras alfandegárias. O controle de pragas não pode ser mais um obstáculo. A mentalidade precisa mudar, não basta apenas evitar infestações dentro da fábrica. É essencial monitorar toda a cadeia logística, do armazém ao porto de destino.

Os profissionais desse setor precisam enxergar além dos limites da planta industrial. O risco pode estar na carreta, no navio ou até no ambiente em que o contêiner foi armazenado antes do embarque. Se o exportador ainda não percebeu necessidade, o time de qualidade e especialistas no controle de pragas podem apontar como um controle rigoroso pode ser o diferencial competitivo no mercado global.

Uma selva de leões

Se você chegou até aqui, é porque entendeu que esse problema exige conhecimento técnico, estratégia e ação imediata. Quer melhorar processos, implementar novos protocolos ou simplesmente dominar esse assunto? Seja um leão neste assunto.

Deixo um conselho: capacite-se. Leia, estude, procure especialistas. E, acima de tudo, leve a sério cada detalhe dessa cadeia (ou selva). Bons estudos. Sua jornada pode começar lendo alguns conteúdos alinhados a essa visão: a, b e c.

Se precisar, estamos aqui.

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Como consultar os agrotóxicos que podem ser utilizados nos alimentos e quais os limites máximos

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No Brasil e em diversos países do mundo, cada vez mais agricultores vêm produzindo alimentos sem a utilização de agrotóxicos, transgênicos ou fertilizantes químicos, em um conceito que está se popularizando como agroecologia. No entanto, a utilização de produtos fitossanitários, incluindo os de uso aprovado para a agricultura orgânica, é ainda para a grande maioria, essencial para a produção comercial, desde que sejam controladas sua produção, comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente, conforme previsto no Artigo 225 da Constituição Federal.

Neste contexto, dúvidas sobre quais produtos fitossanitários podem ser utilizados para a produção de alimentos de origem vegetal e animal e quais os limites autorizados para o uso (também denominados “tolerâncias”) são frequentes, buscando atender clientes cada vez mais exigentes, requisitos governamentais cada vez mais complexos, utilizando o mínimo de recursos com sustentabilidade e rentabilidade. A pedido dos leitores, abordaremos neste post aspectos relevantes da legislação brasileira sobre este assunto. 

Recomendo a leitura de um post anterior sobre este tema direcionado para produtores e exportadores, contendo mais informações sobre as “Tolerâncias de Importação”, termo utilizado quando nos referimos ao LMR estabelecido com base na prática agrícola (GAP) de outro país, normalmente necessário quando a cultura agrícola não existe no país importador, quando o ingrediente ativo não possui registro no país importador ou quando o LMR no alimento é muito baixo no país importador.

A Lei Federal nº 7.802/1989 regulamenta através do Decreto nº 4.074/2002 e suas respectivas atualizações, que agrotóxicos, seus componentes e afins só poderão ser produzidos, exportados, importados, comercializados e utilizados, se previamente registrados, de acordo com as diretrizes e exigências dos órgãos federais responsáveis pelos setores da saúde, do meio ambiente e da agricultura.

O registro federal é concedido pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) mediante a avaliação agronômica através da aprovação do rótulo e bula do produto, ficando sob responsabilidade do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) a avaliação ambiental e ecotoxicológica e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), a avaliação toxicológica do produto abrangendo os riscos à saúde do trabalhador (exposição ocupacional), assim como os riscos à saúde do consumidor e do alimento tratado.

No contexto de Segurança de Alimentos, a ANVISA é a autoridade brasileira responsável pelo estabelecimento dos Limites Máximos de Resíduo (LMR) e a publicação das monografias dos ingredientes ativos, e pela recomendação da Ingesta Diária Aceitável (IDA) obtida a partir do processo conhecido como “avaliação de risco”.

O LMR é o nível máximo oficialmente permitido em alimento após o uso de produtos agrícolas de acordo com as Boas Práticas Agrícolas (Good Agricultural Practices, GAP). É obtido por meio do registro de produtos e estabelecido por ingrediente ativo (i.a) em culturas específicas, alimentação e processados de origem vegetal (ex.: frutas, cereais, óleo de soja, etc) e para alimentação e processados de origem animal (ex.: ovo, leite, carnes, etc.), podendo ser estabelecido também para grupo de culturas, como por exemplo as culturas com suporte fitossanitário insuficiente – CSFI (minor crops), conforme legislação específica do país ou região, e sua unidade é expressa em mg i.a./kg (ppm – partes por milhão).

Para o estabelecimento destes limites, considera-se que toda a cultura é tratada com o produto, utilizando o pior cenário. Estes são calculados com base nos limites toxicológicos, maior consumo “per capita” e a partir de dados oriundos de Estudos de Resíduos conforme requerimentos da Resolução Diretoria Colegiada RDC nº 4/2012 da ANVISA, gerados de acordo com uma prática agrícola específica:

  • Dose máxima de aplicação
  • Número máximo de aplicações
  • Menor intervalo entre aplicações
  • Menor intervalo entre a última aplicação e a colheita Û Menor Carência (Intervalo de Segurança)

Analogamente, a legislação brasileira da produção orgânica Lei 10.831/2003, regulamentada pelo Decreto nº 6.323/2007 e suas respectivas atualizações, dá tratamento diferenciado aos insumos destinados à agricultura orgânica, por serem considerados produtos de baixo impacto ambiental e também de baixa toxicidade, sem deixar de lado a preocupação com a saúde, o meio ambiente e a eficiência agronômica. Deste modo, os agrotóxicos ou afins que tiverem em sua composição apenas produtos permitidos na legislação de orgânicos, recebem, após o devido registro, a denominação de “produtos fitossanitários com uso aprovado para a agricultura orgânica”.

No Brasil, somente são estabelecidos limites máximos de resíduos para as culturas vegetais in natura, através da publicação da monografia do ingrediente ativo pela ANVISA, sendo esta portanto, o resultado da avaliação (ou reavaliação) toxicológica dos ingredientes ativos destinados ao uso agrícola, entre outros, e traz informações como os nomes comum e químico, a classe de uso, a classificação toxicológica e as culturas para as quais os ingredientes ativos encontram-se autorizados, com seus respectivos limites máximos de resíduo, que podem ser consultadas no site da ANVISA.

O MAPA disponibiliza um sistema de agrotóxicos fitossanitários (AGROFIT), oficialmente instituído como cadastro oficial dos agrotóxicos, produtos técnicos e afins registrados no Brasil através da Portaria Nº 23, de 6 de abril de 2016, que está em processo de auditorias, a fim de verificar a confiabilidade dos dados, entre outros, cabendo aos interessados solicitar as devidas correções quando necessário. Este cadastro é uma fonte de pesquisa para o controle de pragas, doenças e plantas daninhas na agricultura brasileira, contém todos os produtos e ingrediente ativos registrados, textos explicativos, fotos, bem como os dados de LMRs atualizados ANVISA e do CODEX, conhecido como “CXL – CODEX MRL”.

Uma vantagem do AGROFIT em relação ao sistema da ANVISA é a possibilidade de pesquisar nas opções por marca comercial, cultura, indicação de uso, ingrediente ativo, titular do registro, classificação toxicológica e classificação ambiental, muito útil para obter informações sobre a tolerância (limite máximo de resíduo) de diversos ingredientes ativos para diversas culturas, sendo que na ANVISA só está disponível a consulta por ingrediente ativo.

A recente Instrução Normativa Conjunta MAPA/ANVISA – INC N° 01, de 28 de junho de 2017, estabelece critérios para o reconhecimento de limites máximos de resíduos de agrotóxicos em produtos vegetais in natura (revogação da Resolução GMC Nº 14/95 “Resíduos Praguicidas em Produtos Agropecuários Alimentícios In Natura”) entre os Estados Partes do Mercosul. Esta instrução normativa conjunta visa facilitar os processos de importação e exportação destes produtos no comércio intrabloco, considerando a diversidade de agrotóxicos autorizados pelos diferentes países para os produtos vegetais in natura comercializados entre os Estados Partes, garantindo que haja critérios adequados e conferindo agilidade ao comércio.

Dentre os critérios apresentados para efeito de reconhecimento dos limites máximos de resíduos (LMRs) de agrotóxicos entre os Estados Partes do MERCOSUL, é obrigatório, entre outros, que:

  • O ingrediente ativo esteja registrado no país exportador;
  • Os LMRs adotados pelo país importador sejam cumpridos pelos Estados Partes do MERCOSUL;
  • Quando não há LMR estabelecido para o produto vegetal no país importador, deve ser adotado como referência o LMR do Codex Alimentarius para o produto em questão, disponíveis no site da organização.

Cabe ressaltar que o “CXL – CODEX MRL” é estabelecido por órgãos independentes de “experts” sob a responsabilidade do Codex Alimentarius administrado conjuntamente pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (Food and Agriculture Organization, FAO) e Organização Mundial de Saúde (World Health Organization, WHO). Estes limites são utilizados como referência também por países em desenvolvimento que não possuem legislação específica.

Na ausência de limites nacionais (ANVISA/Mercosul) ou Codex, temos adotado como principal referência a União Europeia. Os limites estabelecidos pela União Europeia podem ser obtidos nos links abaixo:

  • Agrotóxicos:

http://ec.europa.eu/food/plant/pesticides/eu-pesticides-database/public/?event=download.MRL

  • Drogas Veterinárias:

Regulamento 37/2010, que pode ser obtido no site http://eur-lex.europa.eu/homepage.html?locale=pt. Acessar a “última versão consolidada”, que incorpora eventuais atualizações.

  • Contaminantes:

Regulamento 1881/2006, que pode ser obtido no site http://eur-lex.europa.eu/homepage.html?locale=pt.

Acessar “última versão consolidada”, que incorpora eventuais atualizações.

Para monitorar o cumprimento da legislação sobre o uso de produtos fitossanitários e seus limites legalmente permitidos, são estabelecidos programas de monitoramento para gerenciamento de risco, dentre os quais destacam-se o Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA) sob coordenação da ANVISA com o objetivo de garantir que produtos como frutas, verduras e legumes cheguem à mesa do consumidor brasileiro com qualidade e segurança; e o Plano Nacional de Controle de Resíduos e Contaminantes (PNCRC/Animal) sob a coordenação do MAPA para promover a segurança química dos alimentos de origem animal produzidos no Brasil, entre eles ovos, leite e mel encaminhados para processamento e animais encaminhados para abate em estabelecimentos sob Inspeção Federal, através de testes que incluem drogas veterinárias autorizadas (para as quais é testado o atendimento dos limites aplicáveis) e proibidas (incluindo hormônios), agrotóxicos, contaminantes inorgânicos, micotoxinas e dioxinas.

Apesar destes programas de monitoramento não definirem quais análises devem ser realizadas pelos operadores privados das cadeias, as normas e resultados são recomendados como referência para a análise de risco das empresas e elaboração de programa próprio de monitoramento e controle de resíduos.

Portanto, é recomendável considerar as moléculas autorizadas no país (no caso de produtos importados, no país de origem) e estimativas de volume de uso de produtos aprovados e não aprovados para alimentos de origem vegetal e animal em questão utilizando as referências citadas anteriormente.

Os LMRs regulamentam e aprovam os níveis de resíduos, e desta forma, indicam possíveis divergências entre as práticas agrícolas e a bula do produto, quando são encontrados resíduos acimas destes limites.

Exceder um LMR é uma violação da regulamentação e do comércio podendo acarretar consequências indesejáveis como problemas com governos e possíveis ações regulatórias entre países, rejeição de produtos/produção, restrições pré-embarque (ex.: necessidade de sempre analisar os resíduos), publicidade negativa, entre outros.

O uso de produtos não autorizados pelos órgãos do governo, acima do limite máximo permitido, bem como contrabandeados ou falsificados pode resultar em sanções administrativas, cíveis e/ou criminais conforme previsto na legislação vigente.

Devido a diferentes práticas agrícolas nos países e dificuldades na harmonização dos limites máximos de resíduo estabelecidos globalmente, é fundamental consultar os dados disponibilizados nos sites das agências regulatórias destes países ou regiões e realizar o monitoramento de resíduos para evitar restrições no comércio.

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