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Shigella, pouco comentada, mas muito perigosa!

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Numa viagem que fiz a um país vizinho da América Latina, cujo nome prefiro não citar para evitar criar estigmas, amigos haviam me alertado para o risco de shigelose. Eles sugeriram evitar alimentos crus ou carnes malpassadas e tomar um cuidado especial com a água, pois são comuns os relatos de quem voltou para casa com o problema.

A shigelose é uma doença infecciosa causada pela Shigella spp, um microrganismo patogênico gram-negativo, tipo bacilo, séssil (sem motilidade) e não formador de esporos. As espécies de Shigella, que incluem Shigella sonnei, S. boydii, S. flexneri e S. dysenteriae são agentes altamente infecciosos.

Curioso é que a Shiguella normalmente não é tão comentada como a Salmonella e a E. coli O157:H7, porém tem alta incidência e pode ter alta mortalidade.

A dose infectante é de 10 a 200 células, dependendo da idade e do estado do hospedeiro. A doença causada é muito desagradável, digo por experiência própria. Caracteriza-se por dor abdominal e cólica, diarreia com sangue, pus ou muco; podem ocorrer febre, vômitos e tenesmo (vontade intensa de evacuar, mas a sensação é de não ocorrer esvaziamento completo ou nem ocorrer a evacuação). Em geral, os sintomas iniciam-se 1 ou 2 dias após a exposição às bactérias.

Algumas cepas são responsáveis por uma taxa de letalidade de 10 a 15% e produzem uma enterotoxina tipo Shiga (semelhante à verotoxina da E. coli O157:H7), podendo causar a síndrome hemolítico-urêmica (SHU), a doença de Reiter e artrite reativa.

Frente aos alertas dos amigos, eu e minha esposa tomamos todo cuidado em quase toda a viagem, especialmente tomando apenas água mineral, mas descuidamos nos últimos dias, quando comemos uma salada com peito de frango que nos pareceu estar malpassado. Após uma péssima noite de muita dor e já na volta para o Brasil, em pleno aeroporto, tivemos o principal sintoma grave: ao ir ao banheiro percebemos a incidência de fezes sanguinolentas, o que é bem desesperador.

Água não potável, alimentos crus, carnes malpassadas de aves, leite e derivados estão entre os alimentos associados com shigeloses.

No próprio aeroporto procuramos socorro e fomos encaminhados para um ambulatório. Lá, a médica, com base nos sintomas e na costumeira incidência do problema com os turistas, nos deu rapidamente o diagnóstico de shigelose, nos medicou para seguirmos nossa viagem e acabamos de nos curar já no Brasil.

Neste artigo exploro este patógeno, com o qual tive uma péssima experiência pessoal.

A shigelose, estima-se, é responsável por cerca de 600.000 mortes e dois terços dos casos de diarreia no mundo, sendo endêmica em países em desenvolvimento e de clima tropical, especialmente, para as espécies S. sonnei e S. dysenteriae.

O período de incubação pode variar de 8 a 50 horas. Em média é de 1 a 3 dias, e de cerca de uma semana para a S. dysenteriae.

Todas as pessoas são susceptíveis à Shigelose, no entanto a maioria de mortes ocorre em crianças menores de 10 anos de idade. Crianças de 1 a 4 anos, idosos e imunossuprimidos possuem maior risco, por isso shigeloses são comuns em pessoas com AIDS. A infecção grave, com febre alta, pode estar associada com convulsões em crianças menores de 2 anos.

Logicamente a shigelose também está presente no Brasil. No Estado de São Paulo sabe-se que aproximadamente 2% dos surtos de DTHA (Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar) comunicadas ao CVE (Centro de Vigilância Epidemiológica) são por Shigella, envolvendo, em média, 396 pessoas por ano.

Curiosamente, ao contrário da Salmonella, que está presente na maioria dos animais, o principal reservatório da Shigella são os seres humanos, raramente ocorrendo em animais, porém já foram descritos surtos prolongados em primatas como macacos e chimpanzés.

A principal via de transmissão entre humanos é a fecal-oral, ou seja, deve-se principalmente ao manipulador de alimentos contaminado cuja falta de higiene pessoal leva o patógeno até o alimento em preparo, e daí até a boca do consumidor.

Por isso, garantir que se cumpram regras de BPF como manter banheiros limpos, dotados de lixeiras com tampas de pedal, torneiras com acionamento automático, presença de sanitizante para mãos e treinamento em higiene pessoal é tão importante.

Também é importante cumprir um programa de exames periódicos buscando identificar portadores assintomáticos para poder afastá-los da manipulação direta dos alimentos até que estejam tratados.

A Shigella também pode ser carreada por pragas vetoras como ratos, baratas, moscas e formigas que carregam o patógeno para os alimentos a partir de papel higiênico e vasos sanitários sujos e também pela disposição inadequada de fezes e esgotos. Por isso, um programa de MIP (Manejo Integrado de Pragas) é essencial, e claro, alimentos expostos e não refrigerados constituem um meio para sua sobrevivência e multiplicação.

O diagnóstico ocorre por identificação sorológica ou molecular, por meio de cultura de amostras de fezes, considerando que a Shigella pode ser mais difícil de ser cultivada se as amostras de fezes não forem processadas em poucas horas. Na situação que vivi, a médica deu o diagnóstico sem recorrer a exames laboratoriais, sendo suficiente o descritivo dos sintomas e o histórico recorrente entre os turistas.

O tratamento consiste na hidratação oral ou venosa, e em algumas circunstâncias (como foi o nosso caso, em que havia muito sangue nas fezes), com antibiótico. Geralmente, trata-se de infecção autolimitada, durando de 4 a 7 dias.

Enfim, tome cuidado com a Shigella. Ao viajar, consuma apenas água potável, evite carne malpassada e alimentos crus.

Você já teve uma experiência semelhante? Deixe seu comentário!

Leia também:

Estudio de la shigelosis em el Peru – PAHO

Análise do potencial patogênico, diversidade genotípica e perfil de resistência de linhagens de Shigella sonnei isoladas de 1983 a 2014 no Esatado de SP – USP

Tendência de resistência antimicrobiana para espécies de Shigella no Peru 2011 – 2020 – JAC

Mapa do Peru indicando distribuição geográfica onde foram isoladas cepas de Shigella.

Shigella sp: um problema de saúde pública

Antibioticoterapia na diarreia aguda por Shigella: qual a melhor opção?

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Troque o pano de prato a cada duas horas

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Já falamos aqui sobre os perigos em relação aos panos de prato, que podem ser veículos de contaminação na cozinha.

O que não tínhamos apresentado é um trabalho científico feito no Brasil reconhecido por uma revista internacional sugerindo um tempo máximo para a troca dos mesmos.

Os pesquisadores “sujaram” diversos panos de prato com um simulante de alimento (albumina) e os inocularam com S. aureus, Salmonella enteritidis, E. coli e Shigella Sonei. Depois incubaram a 30oC e analisaram a contagem e presença de ATP com o decorrer do tempo, verificando depois de 2 horas foi percebido aumento da carga microbiana, sendo que este tempo foi sugerido como máximo para troca e lavagem dos panos.Também concluíram que as bactérias são transferíveis do tecido para uma superfície de aço inox.

Baixe o trabalho aqui.

 Agradecemos ao professor Eduardo Tondo da UFGRS por compartilhar o material com o blog Food Safety Brazil

Evaluation of bacterial multiplication in cleaning cloths containing different quantities of organic matter

Sabrina Bartz, Ana Carolina Ritter, Eduardo Cesar Tondo

Journal of Infection in Developing Countries, 2010; 4(9):566-571.

 

 

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Diagnóstico de gastroenterite com 11 testes simultâneos é realidade

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Quem já não teve um piriri por causa de algum alimento e ficou sem saber qual foi o agente causador?

Em 15 de janeiro último, a Food and Drug Administration liberou a comercialização nos Estados Unidos do primeiro teste que pode detectar simultaneamente 11 causas de gastroenterites a partir de uma única amostra do paciente.

A gastroenterite infecciosa é uma inflamação do estômago e dos intestinos causada por certos vírus, bactérias ou parasitas. A doença é transmitida por água e alimentos contaminados e, em alguns casos, também por superfícies contaminadas e pelo contato pessoal. Os sintomas mais comuns incluem vômitos e diarreia, que podem ser mais graves em crianças, idosos e pessoas com sistemas imunológicos debilitados.

O novo teste, realizado por técnica molecular a partir da extração e amplificação dos ácidos nucleicos, foi desenvolvido pela empresa Luminex, de Austin, Texas e tem o nome comercial de xTAG GPP (Painel Patógeno Gastrointestinal). Ele detecta as seguintes causas de gastroenterite:

 Bactérias

 – Campylobacter

 – Clostridium difficile toxin (C. difficile) A B

 – Escherichia coli O157

 – Escherichia coli enterotoxigênica (ETEC) LT / ST

 – Salmonella

 – Shigella

 – E. coli produtora de toxina shiga (STEC) stx 1/stx 2

Vírus

 – Norovirus

 – Rotavírus A

Parasitas

 – Cryptosporidium

 – Giardia

O teste leva apenas 5 horas para fornecer resultados, o que pode permitir aos médicos e profissionais de saúde pública uma rápida identificação da origem dos surtos de gastroenterites. Segundo a empresa fabricante, o grupo de patógenos analisados corresponde a mais de 90% das causas de gastroenterite.  

De acordo com o comunicado do FDA, o fabricante demonstrou o desempenho do xTAG GPP mediante análises de amostras de quase 2000 pacientes com suspeita ou confirmação de gastroenterite infecciosa. Os resultados foram comparáveis aos de ensaios já reconhecidos para detectar separadamente os 11 agentes. Todos os resultados positivos do novo teste são considerados presuntivos e precisam ser confirmados por testes adicionais.

Resta saber quando este teste chegará ao Brasil. 

Fonte: Food Safety News

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