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A (in)segurança dos alimentos em grandes eventos: casos reais

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A segurança dos alimentos em grandes eventos é tema de fundamental relevância para evitar surtos de doenças alimentares e garantir uma experiência segura para os participantes.  Assim, trago alguns casos históricos, encontrados nos noticiários, onde a falta de segurança de alimentos teve consequências graves:

1. Woodstock (1969) – EUA

Problema: Contaminação da água e falta de higiene na manipulação de alimentos.
Consequências: Milhares de pessoas sofreram intoxicação alimentar e desidratação devido à escassez de alimentos seguros e água potável.

2. Feira Estadual de Washington (1993) – EUA

Problema: Hambúrgueres contaminados com Escherichia coli O157:H7.
Consequências: Mais de 500 pessoas adoeceram, incluindo crianças que sofreram complicações renais graves. Esse surto resultou em mudanças nas regulamentações sobre segurança de alimentos nos EUA.

3. Festival de Ostras de Britânia (1997) – Canadá

Problema: Ostras contaminadas com o vírus da hepatite A.
Consequências: Mais de 600 pessoas contraíram a doença, o que levou a reforços na fiscalização de frutos do mar.

4. Festival de Cozinha Escolar de Osaka (1998) – Japão

Problema: Contaminação por E. coli O157:H7 em um prato servido para estudantes.
Consequências: Mais de 9.000 crianças adoeceram e algumas precisaram de internação.

5. Jogos Olímpicos de Atenas (2004) – Grécia

Problema: Falta de controle sanitário em pontos de venda de alimentos.
Consequências: Diversos casos de intoxicação alimentar entre atletas e espectadores, pressionando os organizadores a reforçar normas sanitárias em eventos esportivos globais.

6. Commonwealth Games (2010) – Índia

Problema: Água contaminada e higiene precária nos refeitórios da vila dos atletas.
Consequências: Surto de febre tifoide e diarreia em diversas delegações.

7. Festival de Alimentos de Bremen (2019) – Alemanha

Problema: Sobremesas contaminadas por Salmonella.
Consequências: Mais de 400 casos de intoxicação alimentar e necessidade de recall de produtos.

8. Surtos de cólera no Haiti após a Copa do Mundo de 1974

Problema: Água e alimentos contaminados distribuídos em locais públicos.
Consequências: Milhares de casos de cólera foram relatados após eventos comemorativos, agravando a crise sanitária no país.

9. Surto de Salmonella no Festival de Sorvetes de Illinois (1985) – EUA

Problema: Leite não pasteurizado usado na produção de sorvetes.
Consequências: Mais de 16.000 pessoas foram infectadas com Salmonella, resultando em hospitalizações e uma revisão das regulamentações sobre pasteurização de leite.

10. Festa de casamento na Tailândia (1997)

Problema: Uso de carne mal armazenada e contaminada.
Consequências: Mais de 200 convidados sofreram intoxicação alimentar, resultando em algumas mortes.

11. Surto de norovírus nos Jogos Olímpicos de Inverno de PyeongChang (2018) – Coréia do Sul

Problema: Manipuladores de alimentos infectados espalharam o norovírus.
Consequências: Mais de 200 atletas e funcionários adoeceram, afetando competições e forçando uma quarentena emergencial.

12. Rock Werchter Festival (2019) – Bélgica

Problema: Falta de higiene nos food trucks e consumo de alimentos mal preparados.
Consequências: Centenas de pessoas relataram sintomas de intoxicação alimentar e diversos vendedores foram proibidos de atuar em eventos futuros.

13. Campeonato Mundial de Atletismo em Doha (2019) – Catar

Problema: Buffet contaminado servido a atletas.
Consequências: Vários competidores tiveram vômitos e diarreia, impactando seus desempenhos.

14. Casamento Real na Índia (2021)

Problema: Alimentos preparados horas antes sem refrigeração adequada.
Consequências: Mais de 100 convidados foram hospitalizados devido à intoxicação alimentar e uma investigação foi aberta contra a empresa de catering.

15. Festival de Música na Espanha (2022)

Problema: Falta de controle na temperatura de carnes servidas em hambúrgueres.
Consequências: Centenas de pessoas apresentaram sintomas de intoxicação alimentar, levando a multas para os organizadores.

16. Rock in Rio (2011 e 2013) – Rio de Janeiro

Problema: Alimentos contaminados vendidos em barracas de alimentação.
Consequências: em 2011, diversos relatos de intoxicação alimentar foram registrados após o consumo de lanches e bebidas vendidas no evento. Em 2013, a Vigilância Sanitária interditou food trucks e quiosques por condições inadequadas de higiene e armazenamento de alimentos.

17. Oktoberfest (2017) – Blumenau, SC

Problema: Salsichas e outros embutidos contaminados servidos em barracas.
Consequências: mais de 150 pessoas relataram sintomas de intoxicação alimentar, incluindo vômito, diarreia e febre. A Vigilância Sanitária reforçou inspeções em edições futuras do evento.

18. Casamento no Espírito Santo (2018) – Vila Velha, ES

Problema: Maionese caseira contaminada com Salmonella.
Consequências: 88 convidados adoeceram após consumirem alimentos contaminados. O buffet responsável foi investigado e multado por descumprir normas sanitárias.

19. Evento Corporativo em São Paulo (2019)

Problema: Buffet com alimentos armazenados em temperatura inadequada.
Consequências:

– Mais de 200 funcionários de uma grande empresa passaram mal após o evento.

– Investigação apontou que carnes e molhos estavam fora dos padrões de segurança de alimentos.

20. Festa de Formatura em Minas Gerais (2020) – Belo Horizonte

Problema: Contaminação cruzada em pratos de carne e saladas.
Consequências:

– Cerca de 80 formandos e convidados apresentaram sintomas de intoxicação alimentar.

– O serviço de catering foi fechado temporariamente para inspeção.

21. Campeonato de Surfe em Florianópolis (2022)

Problema: Água contaminada utilizada no preparo de bebidas.
Consequências:

– Mais de 50 atletas e espectadores relataram sintomas de infecção gastrointestinal.

– Medidas emergenciais foram adotadas, como substituição dos fornecedores de alimentos.

22. Carnaval de Salvador (2023)

Problema: Comida de rua mal armazenada e bebidas adulteradas.
Consequências:

– Diversos foliões relataram mal-estar e intoxicação alimentar após consumir espetinhos e sanduíches de vendedores ambulantes.

– A Vigilância Sanitária realizou operações para apreender alimentos impróprios para consumo.

23. Surto de intoxicações na África do Sul (2024)

Problema: contaminação de alimentos por pesticida organofosforado utilizado para combater infestações de ratos em áreas negligenciadas. Além disso, produtos alimentícios vencidos e falsificados também foram responsabilizados por familiares e moradores locais.

Consequências: este surto causou a morte de 23 crianças, levando o presidente Cyril Ramaphosa a adiar sua viagem ao G20 para lidar com a crise sanitária.

Diante destes exemplos e de outros casos semelhantes ocorridos em grandes eventos, ficam as lições aprendidas e alguns pontos essenciais a seguir:

1. Planejamento e Regulamentação

  • Legislação sanitária: Seguir normas da Anvisa (no Brasil) ou órgãos locais de vigilância sanitária dos países envolvidos nos escândalos.
  • Licenciamento: Obter autorizações para manipulação e venda de alimentos.
  • Treinamento: Manipuladores devem ser capacitados em boas práticas de higiene.

2. Controle na manipulação dos alimentos

  • Higienização rigorosa: Mãos, superfícies e utensílios devem ser constantemente higienizados.
  • Separação de alimentos: Evitar contaminação cruzada entre crus e cozidos.
  • Temperatura segura: Alimentos perecíveis devem ser mantidos em temperaturas adequadas (quentes acima de 60°C e frios abaixo de 5°C).

3. Armazenamento e transporte

  • Cadeia de frio: Utilizar caminhões refrigerados ou caixas térmicas para transporte seguro.
  • Validade e embalagem: Produtos devem estar bem embalados e dentro do prazo de validade.
  • Evitar exposição prolongada: Não deixar alimentos expostos ao ar livre por muito tempo.

4. Qualidade da água e bebidas

  • Água potável: Garantir que toda a água utilizada seja segura para consumo.
  • Gelo: Deve ser produzido com água tratada e armazenado corretamente.
  • Descartáveis: Copos e talheres devem ser bem armazenados e higienizados.

5. Estrutura e higiene do local

  • Pontos de venda: Devem estar organizados, limpos e equipados com pias para higienização.
  • Lixo e resíduos: Deve haver coleta regular e separação de resíduos para evitar contaminação.
  • Controle de pragas: Adotar medidas preventivas para evitar insetos e roedores.

6. Fiscalização e monitoramento

  • Inspeções regulares: Agentes sanitários devem inspecionar os pontos de venda.
  • Testes de qualidade: Monitoramento de amostras para garantir a segurança.
  • Registro de fornecedores: Trabalhar com fornecedores confiáveis e regulamentados.

Em suma, os casos de falhas na segurança de alimentos em grandes eventos no Brasil e no mundo trazem várias lições importantes para organizadores, fornecedores e autoridades sanitárias. Estes surtos de intoxicação alimentar  mostram que a segurança dos alimentos precisa ser uma prioridade absoluta. Com um planejamento adequado, treinamento rigoroso e fiscalização eficiente, é possível evitar riscos à saúde dos participantes de grandes eventos e proteger a reputação dos organizadores. Pense nisso antes de preparar alimentos em massa!

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Cerveja envenenou 6000 pessoas por arsênio e matou mais de 70 na Inglaterra

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Nos anos 1900, mais de 6.000 pessoas na Inglaterra foram envenenadas por cerveja contaminada com arsênio, resultando na morte de mais de 70.  Estima-se que essa grande crise de segurança de alimentos foi se alastrando silenciosamente por anos, por causa de um erro sistemático de diagnóstico.

Os médicos atribuíam aos pacientes “bons de copo” a sentença de neurite periférica, vinculando os sintomas ao alcoolismo, sem enxergar algo muito mais grave que estava acontecendo. As vítimas apresentavam severa fraqueza muscular e dormência nas mãos ou nos pés.

Foi então que o inconformado médico Ernest Septimus Reynolds iniciou uma extensa pesquisa para entender a epidemia. Ele começou com o levantamento de dados de ocorrência na cidade de Manchester, que era muito maior comparado com Londres e outras mais distantes.

Outras cidades das proximidades tiveram suas estatísticas de internações aumentadas, sendo que, em comum, todos os pacientes tinham o currículo de bebedores  regulares de cerveja. Alguns deles apresentavam também alterações na pele, como vermelhidões, descamações, ou pele pálida. Outro ponto comum é que pertenciam às classes sociais mais desvaforecidas, ou então eram indigentes e ou alcoólatras. Contudo, a pesquisa mostrou que essa doença não afetava da mesma maneira os bebedores de vinho ou uísque e também que a quantidade consumida era baixa a moderada em muitos casos. Pesquisando as causas para a fraqueza muscular, amostras de cervejas foram coletadas e foi detectado arsênio. Era hora de rastrear a causa-raiz.

Foi fraude em cima de outra fraude

Uma vez identificadas as cervejarias afetadas, investigou-se a origem do contaminante. Verificou-se que o arsênio estava presente no açúcar invertido fornecido às cervejarias pela Bostock & Co., de Garston. Para reduzir os custos no mercado cervejeiro inglês, algumas cervejarias substituíram o malte de cevada de alta qualidade por malte de baixa qualidade, suplementado com açúcar invertido. Essa prática era um tanto controversa e fez parte da discussão do movimento “Pure Beer”, quando se abriu um inquérito sobre o uso de substitutos da cerveja. Este inquérito, que começou em 1896 e terminou em 1899, concluiu que os substitutos da cerveja não eram “materiais deletérios” sob a Lei de Venda de Alimentos e Medicamentos de 1875 e que não era necessário regulamentar. Bem, para alguns era uma fraude, mas para outros fazia parte de um padrão de “qualidade alternativa”, justamente a qualidade que aquele público consumidor podia comprar.

Lembrando que o açúcar invertido é obtido por hidrólise ácida do açúcar comum (sacarose), que é aquecido na presença de um ácido para formar glicose e frutose. Essa tecnologia era empregada comercialmente desde pelo menos 1814. A Bostock & Co. usou ácido sulfúrico para realizar a hidrólise ácida. Este ácido, adquirido da Nicholson & Sons e, era feito de piritas que continham arsênico, que não era eliminado no processo.

A John Nicholson & Sons, de Leeds, fornecia ácido sulfúrico para a Bostock & Co. desde 1888. Também fornecia para outras duzentas cervejarias. Durante a maior parte do relacionamento comercial, o ácido fornecido era isento de arsênico, com o que hoje em dia chamamos de “food grade”. No entanto, em março de 1900, a Nicholson começou a fornecer ácido sulfúrico não purificado contaminado com arsênio. Essa prática continuou até novembro de 1900, quando se descobriu que o ácido era a causa do surto. Nicholson alegou que não conhecia o uso intencional do ácido por Bostock e que poderia ter fornecido ácido livre de arsênio se isso tivesse sido especificado.

Bônus: o carvão da secagem do malte também estava contaminado

Os peritos da época tinham outras frentes de pesquisa e não se deram por satisfeitos com a conclusão de que o ácido sulfúrico sozinho foi a causa-raiz do problema.  Eis que uma segunda fonte de contaminação foi identificada: a cevada maltada. Para realizar a secagem do malte, utilizavam-se fornos a coque ou carvão. O coque é um tipo de combustível derivado da hulha. Quando o arsênio estava presente no combustível, ele se depositava na cevada antes da maceração, permanecendo no produto final. A investigação sobre o surto revelou que a maioria dos casos de neuropatia alcoólica endêmica em Manchester foram, na verdade, envenenamento por arsênio mal diagnosticado, sendo esta rota alternativa responsável pelo envenenamento de milhares de pessoas nos anos anteriores ao surto.

Comportamento do mercado e punição aos fabricantes

Como sempre ocorre após uma crise dessas, de largo impacto na opinião pública, medidas foram tomadas. As autoridades da época determinaram que qualquer cerveja produzida a partir do açúcar invertido da Bostock fosse imediatamente recolhida e, se fosse considerada contaminada, destruída. Além disso, nenhuma cerveja deveria ser expedida sem ter sido previamente testada, e certificados que verificassem a sua ausência de arsênio deveriam ser emitidos com a cerveja.

Após a divulgação da causa do envenenamento pela mídia, notou-se uma redução considerável no consumo de cerveja na região.

Qualquer semelhança não é mera coincidência. Escândalos sempre mexem com a opinião pública, o que pode ser conferido nas publicações de noticiário do Brasil sobre o famoso caso de uma cervejaria no Brasil que causou  mortes e sequelas em várias pessoas.

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Em defesa de seu mercado, cervejarias e pubs usaram a panfletagem e os cartazes (como o mostrado abaixo) para divulgar que seus produtos eram livres de arsênio. Outras deixavam claro que não utilizavam açúcar do fornecedor culpado e que faziam análises do produto.

Quanto ao recall, a resposta da indústria cervejeira foi variada. Houve uma reação de compromisso com a segurança de alimentos forte e imediata  liderada pela grande cervejaria de Manchester Groves e Whitnall, que chegaram a enviar telegramas a todas as tabernas e pousadas que haviam comprado sua cerveja. As cervejarias descartaram milhares de barris de cerveja jogando-os nos esgotos da cidade.

Outras cervejarias demoraram a tomar uma atitude, sendo necessário criar uma lei segundo a qual seriam multadas se a sua cerveja ainda pudesse ser comprada pelos investigadores. Além disso, pubs foram multados por vender cerveja contaminada,  mesmo tendo sido notificados pelo fabricante sobre a presença de arsênio.

A Bostock & Co. entrou em falência e processou a Nicholson & Sons por danos, por violação de uma condição implícita na Lei de Venda de Mercadorias de 1893. O caso foi julgado no Tribunal Superior: o juiz concedeu a Bostock a indenização do valor do ácido contaminado e o valor de seus produtos perdidos, mas nenhuma indenização especial pela perda de reputação ou pelos danos reclamados pelos cervejeiros, decorrentes do uso do produto contaminado na fabricação de seu açúcar. A Nicholson & Sons sobreviveu e mais tarde foi adquirida por outra empresa.

Os efeitos sobre o mercado cervejeiro foram efêmeros e o consumo de cerveja foi retomado ao longo do ano. As tentativas de reviver o movimento da cerveja pura foram anuladas pelo relatório da comissão técnica e pelo fato de que o arsênio estava presente tanto na cevada maltada quanto no açúcar. Parecia não haver efeitos diretos na legislação resultante do incidente.

O dia seguinte… danos além dos efeitos agudos

O envenenamento resultou na nomeação de uma Comissão Real liderada por Lord Kelvin, que apresentou um relatório preliminar em 1901 e um relatório final em 1903.

Em 1901, um declínio considerável na taxa de natalidade foi observado em Manchester, Salford e Liverpool. Este declínio foi maior nas áreas mais afetadas, levando a Comissão Real a concluir que a causa foi a epidemia.

Fontes: 

https://en.wikipedia.org/wiki/1900_English_beer_poisoning

Death in the beer-glass: the Manchester arsenic-in-beer epidemic of 1900-1 and the long-term poisoning of beer (inclui as imagens utilizads aqui), de TN Kelynack, W Kirkby (Life time)

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