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Os alimentos de origem animal importados são seguros?

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Devido à globalização, houve expansão nas transações comerciais entre países e, com isso, aumento na diversidade de alimentos de origem animal importados pelo Brasil. Segundo a FAO, o faturamento mundial de importação de alimentos deve atingir novo recorde em 2021. A projeção provisória da conta mundial de importação de alimentos em 2021 aponta para um recorde de US $ 1,715 trilhão, o que sugere um aumento de 12% em relação ao ano anterior.

No Brasil, a autorização da importação de produtos de origem animal deve atender alguns requisitos, como a equivalência dos sistemas de inspeção sanitária do país exportador com o brasileiro; a declaração formal da autoridade estrangeira de que o estabelecimento exportador atende à legislação sanitária brasileira, e portanto é considerado apto a exportar seu produto para o Brasil; registro e uso de rotulagem que atenda as informações obrigatórias solicitadas pelo Ministério da Agricultura (MAPA).

Os requisitos sanitários variam de acordo com a espécie e o produto a ser importado sendo estabelecidos pelo MAPA por meio de decretos, instruções normativas ou regulamentos.

Durante a expedição do carregamento, as autoridades sanitárias do país de origem efetuam a inspeção da carga. Por isso, os procedimentos realizados no recebimento da carga são considerados uma reinspeção.

Desde 18 de agosto de 2021, a reinspeção dos produtos importados, que anteriormente era realizada pelo Serviço de Inspeção Federal (SIF/DIPOA), passou a ser de responsabilidade da Vigilância Agropecuária Internacional (VIGIAGRO/MAPA).

Os procedimentos realizados na reinspeção são definidos em três níveis: 1 – efetua-se apenas a conferência física; 2 – além da conferência física também é realizado exame físico no produto; e 3 – constituído pela conferência física, exame físico do produto e, quando necessário, coleta de amostras para a realização de análises em laboratórios preferencialmente credenciados pelo MAPA. Estes níveis são definidos por análise de risco, levando em consideração o tipo do produto, o país de origem da carga e se o estabelecimento produtor possui algum histórico de notificações junto ao MAPA.

A conferência física abrange o aspecto das embalagens, a rotulagem adequada, as condições de higiene tanto do produto em si quanto do contentor da carga, as informações da documentação pertinente à carga e temperatura do produto, a integridade e correlação da identificação do lacre no contêiner com a documentação.

No exame físico do produto são avaliadas as seguintes características: odor, coloração, aparência (análise sensorial). Também se verifica a presença de materiais estranhos, compatibilidade entre a forma de apresentação do produto e rotulagem, compatibilidade do produto com a espécie informada na rotulagem, entre outros requisitos específicos para cada tipo de produto. Por exemplo: para pescado verifica-se a presença de parasitas; e em caso de produtos congelados, indícios de descongelamento. Nesta etapa ocorre a investigação de possíveis fraudes, como a substituição de espécies de peixes. Os alimentos mais adulterados no mundo são peixes, leite e mel.

A coleta das amostras é realizada nos casos com suspeita ou indícios de irregularidades, ou para atender aos programas específicos do Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal (DIPOA).

Um dos programas do DIPOA é o Programa de Avaliação de Conformidade de Parâmetros Físico-Químicos e Microbiológicos de Produtos de Origem Animal Comestíveis Importados (PACPOA Importados) que determina seu plano de amostragem de acordo com o volume de importação de produtos de origem animal pelo Brasil, produtos e países de origem com maior número de não conformidades apresentadas em anos anteriores durantes as reinspeções realizadas. As amostras coletadas podem ser submetidas às análises físicas, microbiológicas, físico-químicas, histológicas e de biologia molecular.

Alguns exemplos de análises físico-químicas e microbiológicas realizadas em produtos de origem animal comestíveis importados: para peixe congelado – determinação do percentual de sódio, análise de Salmonella spp, contagem de E. coli; para queijo – contagem de coliformes totais; para manteiga – determinação do teor dos sólidos não gordurosos; para leite em pó – determinação de proteína, determinação de gordura.

Entre os produtos importados submetidos a análises físico-químicas e microbiológicas nos últimos anos, destacam-se leite em pó, manteiga, peixe congelado, peixe em conserva, peixe salgado, carne bovina resfriada ou congelada, concentrado proteico de leite em pó e queijos.

Nos casos em que os produtos apresentam não conformidades nos resultados das análises solicitadas durante a reinspeção, os fabricantes são incluídos no Regime de Alerta de Importação (RAI), especificamente para o produto não conforme.

Implementado pelo DIPOA e VIGIAGRO, o RAI determina que as próximas cargas referentes ao produto com resultado não conforme sejam retidas ao ingressar o país. E sua liberação só ocorre após pelo menos dez cargas apresentarem resultados laboratoriais conformes.

As cargas submetidas ao procedimento de reinspeção no SIF e que forem consideradas conformes ficam liberadas para o trânsito e comercialização, enquanto as que forem consideradas irregulares pelo VIGIAGRO devem ser devolvidas ao país de origem, inutilizadas, sob acompanhamento do serviço oficial, ou reexportadas para outro destino.

O estabelecimento fabricante pode ter sua autorização de exportação de produtos de origem animal para o Brasil suspensa se, durante os procedimentos do RAI, for identificada alguma irregularidade que possa implicar em risco direto ou indireto à saúde pública.

A reinspeção dos produtos de origem animal importados é a ferramenta para garantir a segurança do alimento que será comercializado no Brasil.

Autores: Yoly Gerpe Rodrigues1, Iracema M. C. Hora1e Flávia A. A. Calixto1,2

1IFRJ, Instituto Federal de Educação, Ciência, Tecnologia do Rio de Janeiro

2FIPERJ, Fundação Instituto de Pesca do Estado do Rio de Janeiro

Referências:

BRASIL. Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento. Decreto nº 10.468, de 18 de agosto de 2020. Altera o Decreto nº 9.013, de 29 de março de 2017, que regulamenta a Lei nº 1.283, de 18 de dezembro de 1950, e a Lei nº 7.889, de 23 de novembro de 1989, que dispõem sobre o Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal – RIISPOA. Diário Oficial da União, Brasília, 19 de agosto de 2020. 

BRASIL. Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento. Instrução normativa nº. 118, de 11 de janeiro de 2021. Aprovar os procedimentos de reinspeção de produtos de origem animal comestíveis importados. Diário Oficial da União, Brasília, 14/01/2021, Edição: 9, Seção: 1, p.13  

BRASIL. Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento.  Instrução normativa nº. 34, de 25 de setembro de 2018. Aprovar os procedimentos de reinspeção de produtos de origem animal comestíveis importados. Diário Oficial da União, Brasília, 14/01/2021, Edição: 9, Seção: 1, p.13  

BRASIL. Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento. Anuário dos programas de controle de alimentos de origem animal do DIPOA. Brasília, Volume 6, Ano 6, 2020

FAO.Food and Agriculture organization of the United Nations. Food Outlook: Biannual report on global food markets. https://doi.org/10.4060/cb4479en, Roma, junho, 2021

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Produção e comercialização de alimentos artesanais – saiba por onde começar para regularizar seu negócio

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Dando continuidade à série do blog Food Safety Brazil sobre alimentos artesanais, um tema que não pode ficar de fora é a legislação sanitária que deve ser atendida para a regularização da produção e comercialização destes alimentos. Porém, como legislação de alimentos é um tema extenso, e no Brasil existe mais de um órgão envolvido na fiscalização, este post contemplará parte das categorias atualmente chamadas de “caseiro/artesanal”.

Para começar a conversa, é interessante colocar que a legislação de alimentos nacional não traz uma definição de alimentos artesanais, embora existam casos particulares como no Estado de São Paulo, onde a Portaria do Centro de Vigilância Sanitária CVS nº 5/2005 aprova normas sobre elaboração e comercialização de alimentos artesanais de origem vegetal. Tal Portaria define como alimento artesanal aquele produzido com características tradicionais, culturais ou regionais, e em conformidade com as exigências específicas de identidade e qualidade estabelecidas pelas legislações de alimentos e aditivos. A revisão da Portaria CVS nº 05/2005 está em Consulta Pública e propõe a seguinte nova definição: alimento de origem vegetal fabricado sob a forma artesanal é aquele produzido por MEI, podendo apresentar, ou não, características tradicionais, culturais ou regionais, em conformidade com as exigências específicas de identidade, qualidade e segurança estabelecidas pela legislação sanitária vigente de alimentos e aditivos. O texto proposto na consulta também é mais completo em relação às exigências de estruturas, procedimentos e documentação.

Há ainda outras discussões recentíssimas que merecem um post à parte, como o Decreto 9.918/2019, que dispõe sobre o processo de fiscalização de produtos alimentícios de origem animal produzidos de forma artesanal. Deste modo, para manter o foco em Food Safety, vamos considerar aqui o que diz o Dicionário Aurélio:

Artesanal – o que é feito sem recurso a meios sofisticados ou a técnicas elaboradas ou industriais.

Logo, alimento artesanal pode ser compreendido como aquele que é produzido sem o emprego de máquinas industriais ou produzido por “técnicas caseiras” como em batedeira ou liquidificador de uso doméstico ou forno a lenha, etc.

Você sabia que a marmita e os congelados do disque-entrega, o bolo de creme da Dona Beltrana, o pão artesanal do Seu Fulano, o sushi do Seu Ciclano, os docinhos e compotas da Tia XX e as tortas de palmito da Vovó ZZ são alimentos sujeitos às normas sanitárias tanto quanto qualquer outro alimento industrializado que você adquire nos supermercados? Pois é! E isso está previsto em lei há muito tempo. Independentemente do porte da empresa e do tipo de processo, caseiro/artesanal ou industrial, existem regras para legalizar a produção e comercialização de alimentos.

O Decreto-Lei nº 986/1969 prevê em seu artigo 46 que as instalações e os estabelecimentos onde se fabrica, prepara, embala, transporta e vende alimentos devem ser previamente licenciados pela autoridade sanitária competente (municipal, estadual ou federal) mediante expedição do alvará sanitário. Portanto, caso você não tenha alvará sanitário do seu negócio de alimentos, é extremamente importante procurar a Vigilância Sanitária de sua localidade para regularizar sua atividade econômica. Para você que se encontra na cidade de São Paulo, clique aqui para obter instruções de como proceder.

É relevante destacar que, segundo a Lei nº 6437/1977, é infração sanitária construir, instalar ou fazer funcionar em qualquer parte do território nacional estabelecimentos que fabriquem alimentos e bebidas sem licença e autorização do órgão sanitário competente. As penas previstas na lei podem variar de advertência a interdição e multas que vão de R$ 2.000,00 a R$ 75.000,00 nas infrações leves, de R$ 75.000,00 a R$ 200.000,00 nas infrações graves, e de R$ 200.000,00 a R$ 1.500.000,00 nas infrações gravíssimas. A gravidade da infração depende do fato flagrado pela autoridade sanitária e suas consequências para saúde pública. Ou seja, não somente há previsão legal de procedimentos sanitários para regularização de negócios relacionados à alimentação, como também há previsão legal de penalidades. Fica difícil calcular a multa para um caso de venda de maionese “caseira” contaminada com Salmonella e que tenha causado internações e óbitos de consumidores, não? Isto não somente por conta do dolo, como também porque em relação à fiscalização de atividades econômicas como  microempreendedor individual, empreendimento familiar rural e empreendimento econômico solidário há norma especial, como será abordado mais adiante neste post.

Importante colocar que o Código Penal Decreto nº 2848/1940 também engloba alimentos em seu Capítulo III “Dos crimes contra saúde pública”. O artigo 272 do Código estabelece que está sujeito à reclusão de quatro a oito anos e multa, quem fabrica, vende ou expõe à venda, alimento corrompido e nocivo à saúde. Por exemplo, a comercialização de uma compota de frutas caseira contaminada com Clostridium botulinum está enquadrada neste artigo.

E por falar em contaminação, não somente qualquer estabelecimento produtor de alimentos está sujeito à regularização junto ao órgão sanitário competente, como também deve obedecer às normas de Boas Práticas de Fabricação (BPF). A Portaria nº 326/1997 e a RDC nº 275/2002 da Anvisa são as normas que tratam do tema. A Portaria nº 326 estabelece os requisitos gerais (essenciais) de higiene e de boas práticas de fabricação para alimentos produzidos /fabricados para o consumo humano, e a RDC nº 275 dispõe sobre Procedimentos Operacionais Padronizados (POPs) aplicados aos estabelecimentos produtores/industrializadores de alimentos. Um dos tópicos mais relevantes da RDC 275 são os POPs, que devem ser implementados para os seguintes itens:

  1. Higienização das instalações, equipamentos, móveis e utensílios;
  2. Controle da potabilidade da água;
  3. Higiene e saúde dos manipuladores;
  4. Manejo dos resíduos;
  5. Manutenção preventiva e calibração de equipamentos;
  6. Controle integrado de vetores e pragas urbanas;
  7. Seleção das matérias-primas, ingredientes e embalagens;
  8. Programa de recolhimento de alimentos.

Além destas normas extremamente conhecidas pelos profissionais de Food Safety, a RDC nº 216/2004 também estabelece procedimentos de Boas Práticas para serviços de alimentação, visando garantir as condições higiênico sanitárias do alimento preparado. E o que são serviços de alimentação? De acordo com a RDC nº 216/2004 da Anvisa, toda atividade econômica que inclua manipulação, preparação, fracionamento, armazenamento, distribuição, transporte, exposição à venda e entrega de alimentos preparados ao consumo (por exemplo, cantinas, bufês, confeitarias, cozinhas industriais, cozinhas institucionais, delicatéssens, lanchonetes, padarias, pastelarias, restaurantes, rotisserias) é um serviço de alimentação.

Quer dizer que o apartamento da Sra. XX onde são produzidos aqueles bolos de milho artesanais é um serviço de alimentação? Depende. Trata-se de um ponto que em Assuntos Regulatórios é chamado Grey Zone, ou seja, as normas vigentes não estão claras, ou não abordam o tema, ou ainda, há margem para diferentes interpretações. Então, voltando ao apartamento. Há manipulação, preparo, fracionamento (deliciosas fatias embrulhadas no capricho!) e venda de bolo de milho? Sim. Portanto, é possível entender que se trata de serviço de alimentação.

Contudo, existem normas específicas em nível estadual e municipal, o que aumenta a Grey Zone, e acarreta maior variação no entendimento geral do tema. Vale observar a norma estadual Portaria CVS nº 01/2019 da Secretaria do Estado de Saúde (São Paulo), a qual disciplina o licenciamento dos estabelecimentos de interesse da saúde, que inclui alimentos. Tal Portaria determina os estabelecimentos sujeitos a licença de funcionamento, e os divide em: i. grupo fabril, ii. atacadista e iii. varejista. A fabricação artesanal está incluída em grupo fabril, portanto, de acordo com a Portaria CVS nº 01/2019, a produção artesanal (e caseira) é considerada atividade de fabricação. Porém, como nem todo estado tem sua norma, é possível supor que em geral se entende como fabricação, apesar de que a norma federal permita interpretar que é serviço de alimentação.

Mas, como se trata de Segurança dos Alimentos, independentemente de fabricação ou serviço de alimentação, é crucial a adoção de Boas Práticas. Logo, a RDC nº 216/2004 da Anvisa também é uma legislação extremamente importante para quem deseja produzir e comercializar alimentos, já que o mercado está bastante propício para isso, como foi abordado no primeiro post da série. Semelhantemente a RDC nº 275/2002, a RDC nº 216 define boas práticas que devem ser seguidas para a produção segura de alimentos, e aborda itens referentes a:

  1. Edificação, instalações, equipamentos, móveis e utensílios;
  2. Higienização de instalações, equipamentos, móveis e utensílios;
  3. Controle integrado de vetores e pragas urbanas;
  4. Abastecimento de água;
  5. Manejo de resíduos;
  6. Manipuladores (saúde e higiene);
  7. Matérias-primas, ingredientes e embalagens;
  8. Preparo do alimento;
  9. Armazenamento e transporte do alimento preparado;
  10. Exposição ao consumo do alimento preparado;
  11. Documentação e registro (é necessário ter Manual de Boas Práticas e POP Procedimentos Operacionais Padronizados para: a) Higienização de instalações, equipamentos e móveis; b) Controle integrado de vetores e pragas urbanas; c) Higienização do reservatório; d) Higiene e saúde dos manipuladores).
  12. Responsabilidade: o responsável pelas atividades de manipulação dos alimentos deve ser o proprietário ou funcionário designado, devidamente capacitado, sem prejuízo dos casos onde há previsão legal para responsabilidade técnica. O responsável pelas atividades de manipulação dos alimentos deve comprovar a realização de curso de capacitação, abordando, no mínimo, os seguintes temas: a) Contaminantes alimentares; b) Doenças transmitidas por alimentos; c) Manipulação higiênica dos alimentos; d) Boas Práticas.

O último item “Responsabilidade” merece destaque, pois muitas vezes a contratação de um Responsável Técnico é uma das exigências das quais os “produtores caseiros/artesanais” querem fugir, evitando custos com a contratação de profissional habilitado. Porém, importante saber que nem toda atividade exige responsabilidade técnica. A RDC nº 216/2004 da Anvisa prevê que há situações nas quais o responsável pode ser o proprietário ou funcionário designado, desde que capacitado, ou seja, deve receber treinamentos como citado anteriormente. O Sebrae oferece curso on line gratuito, assim como a Anvisa oferece gratuitamente o curso Boas Práticas de manipulação em serviços de alimentação, entre outras opções facilmente encontradas em busca rápida na internet.  Algumas prefeituras, como a de São Paulo, também oferecem cursos gratuitos.

Para entender se o seu negócio necessita de responsável técnico é importante procurar a Vigilância Sanitária de sua localidade; a necessidade está relacionada à natureza de sua atividade econômica (CNAE – Classificação Nacional de Atividade Econômica estabelecida pela CONCLA – Comissão Nacional de Classificação). A Prefeitura do município de São Paulo disponibiliza aqui um documento orientador com a lista completa da CNAE relacionada a alimentos. Ao clicar na CNAE correspondente ao seu negócio, você acessa orientações completas sobre documentos necessários para regularização e indicação da necessidade ou não de responsável técnico. Veja um exemplo da CNAE 1096-1/00 “Fabricação de alimentos e pratos prontos”.

Ainda sobre CNAE, é necessário ressaltar que existem diversas divisões, grupos, classes e subclasses dentro da Seção Alimentação. Por exemplo, em “Serviços de catering, bufê e outros serviços de comida preparada” estão contemplados serviços de bufê para banquetes, coquetéis, recepções, etc, a preparação de refeições em cozinha central por conta de terceiros (catering) para fornecimento a empresas de linhas aéreas e outras empresas de transporte, as cantinas, restaurantes de empresas e outros serviços de alimentação, e a preparação de refeições ou pratos cozidos, inclusive congelados, entregues ou servidos em domicílios. A marmita do disque-entrega ou a maionese da Tia XX se enquadra nesta classificação. Confira aqui.

Outro exemplo: o grupo “Restaurantes e outros serviços de alimentação e bebidas” contempla serviços ambulantes de alimentação, tais como, serviço de alimentação de comida preparada, para o público em geral, em locais abertos, permanentes ou não: food truck, pipoqueiro, quiosque, barraqueiro, trailers, carrocinhas e outros tipos de ambulantes de alimentação preparada para consumo imediato, incluindo alimentos preparados em máquinas de serviços automáticas. A barraquinha de compotas artesanais da Vovó XX está enquadrada aqui.

Cozinhar é relativamente simples, mas como demonstrado até aqui,  fabricar e comercializar alimentos exige a correta regularização da atividade perante as autoridades sanitárias. Garantir a segurança dos alimentos é uma questão legal. E até aqui foi abordada a produção e venda direta de alimentos para o consumidor, que está sujeita às normas sanitárias, apesar de não caracterizar industrialização de alimentos. Segundo o Decreto nº 7212/2010 que regulamenta a cobrança, fiscalização, arrecadação e administração do Imposto sobre Produtos Industrializados IPI, seu artigo 5º inciso I esclarece que não é considerada industrialização “o preparo de produtos alimentares, não acondicionados em embalagem de apresentação, em restaurantes e semelhantes, desde que os produtos se destinem a venda direta a consumidor”.

Embora os alimentos caseiros/artesanais não sejam industrializados, em relação à Food Safety, cabe abordar a tão complexa questão da rotulagem. Segundo a RDC nº 259/2002 da Anvisa, todo alimento pronto para oferta e embalado na ausência do consumidor tem uma lista de informações mandatórias que devem estar no rótulo, entre elas, conteúdo líquido, origem, nome e endereço do fabricante, denominação de venda, lista de ingredientes, lote, validade e instruções de uso ou preparo (quando aplicável). Além desta norma, há outros regulamentos não menos relevantes, especialmente no tocante à saúde do consumidor, tais como as legislações que estabelecem a obrigatoriedade da rotulagem nutricional (RDC n º 360/2003), declaração da presença de glúten (Lei nº 10674/2003), declaração da presença de lactose (RDC nº 136/2017) e informação de alergênicos (RDC nº 26/2015), entre outras. E como estão os biscoitinhos artesanais feitos pela Dona XX, vendidos na barraquinha da Tia Fulana? Existe lista de ingredientes ou declaração da presença de trigo e leite, cuja presença pode ser letal para um consumidor alérgico a um destes componentes? Foram elaborados seguindo as Boas Práticas que determinam separação de utensílios e etc?

Rotulagem de alimentos caseiros/artesanais não só é questão legal, como também merece atenção em relação à saúde pública. Embora as legislações atuais que versem sobre rotulagem não sejam tão claras sobre estes casos de comercialização direta ao consumidor de alimentos caseiros/artesanais, o tema já tem sido ventilado em discussões na Anvisa, exatamente pela relevância em saúde. Por outro lado, existe margem para interpretação da norma vigente quando se trata por exemplo do bolo preparado, fatiado e embalado pela Sra. XX na sua casa do sítio, e vendido no condomínio da Vovó ZZ lá na cidade. Não é um alimento pronto para oferta embalado na ausência do consumidor? A venda de alimentos em desacordo com as normas sanitárias de rotulagem também é infração sanitária sujeita a penalidades, de acordo com a Lei nº 6437/1977, já citada anteriormente.

E por falar em “venda direta ao consumidor” versus “exposição do alimento caseiro/artesanal pronto para oferta e embalado na ausência do consumidor”, eis aqui mais um tópico complexo para interpretação e aplicação das normas. A exposição do produto pronto para consumo e embalado na ausência do consumidor permite o entendimento de que o tal produto caseiro/artesanal é industrializado, tendo em vista a definição de industrialização do Decreto nº 7212/2010 já mencionado. Afinal, o bolo preparado, fatiado e embalado pela Sra. XX na sua casa do sítio, e vendido no condomínio da Vovó ZZ lá na cidade, não é exatamente venda direta para o consumidor, supondo que a Sra. XX tenha vendido suas fatias de bolo para Vovó ZZ, que por sua vez, revende o bolo em seu condomínio. Sendo assim, tal como os estabelecimentos, os produtos também têm seu processo de regularização junto ao órgão sanitário. Trata-se do Comunicado de Início de Fabricação de Alimentos que deve ser feito junto a VISA – Vigilância Sanitária da localidade, de acordo com a Resolução nº 23/2000 da Anvisa. A Resolução nº 23 trata do Manual de Procedimentos Básicos para Registro e Dispensa da Obrigatoriedade de Registro de Produtos Pertinentes à Área de Alimentos. Alimentos como biscoitos, pães, chocolates, bolos prontos, doces de frutas são dispensados de registro, mas devem ter o Comunicado de Início de Fabricação.

Entretanto, novamente é importante entender se há norma estadual ou municipal. A Portaria CVS nº 01/2019, citada anteriormente, prevê simplificação de procedimentos sanitários de acordo com o grau de risco do produto, por exemplo: emissão de licença sanitária sem inspeção prévia e dispensa do comunicado de início de fabricação. A conserva vegetal, por exemplo, é atividade de alto risco, e para esta fabricação é exigida a inspeção prévia para obtenção da licença. Frente a tão ampla e complexa temática, é importante abordar mais uma norma sanitária. Trata-se da RDC nº 49/2013 da Anvisa que dispõe sobre a regularização para o exercício de atividade de interesse sanitário do microempreendedor individual, do empreendimento familiar rural e do empreendimento econômico solidário.

A RDC nº 49/2013 da Anvisa estabelece em seu artigo 11 que a fiscalização de vigilância sanitária deverá ter natureza prioritariamente orientadora, considerando o risco sanitário. Ou seja, aqui a fiscalização adota caráter moderno e diferente do regime de punição do poder estatal, devido ao risco relacionado à atividade ser considerado baixo, o que segundo a Anvisa não faz a norma permissiva, mas somente facilitadora. Necessário esclarecer que a RDC nº 49 não dispensa a regularização sanitária do negócio, mas tão somente a simplifica, como previsto no artigo 8º.

Neste sentido, por último, é relevante acrescentar a recém publicada Resolução nº 51/2019 (Comitê para Gestão da Rede Nacional para Simplificação do registro e da legalização de empresas e negócios), a qual trata da definição de baixo risco para os fins da Medida Provisória nº 881/2019 (Medida da Liberdade Econômica). Tal Resolução nº 51/2019 define diversas atividades econômicas relacionadas à alimentação, tais como comércio de alimento e bebidas, restaurantes e similares, padarias, fabricação de massas alimentícias, entre outras, como atividades de baixo risco, as quais estarão sujeitas a procedimentos simplificados para sua regularização junto à autoridade sanitária. Novidades virão por aí!

Enfim, quando se trata de Segurança dos Alimentos, a regra é única, seja industrializado, caseiro ou artesanal, não está dispensado de regularização junto à autoridade sanitária e do cumprimento das normas de Boas Práticas de Fabricação. Quanto a outras categorias “artesanais/caseiras” de origem animal não abordadas neste post, tais como queijos, leites, doce de leite, produtos apícolas, produtos cárneos (embutidos, por exemplo), trata-se de alimentos sob competência do MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, cujas normas serão abordadas em breve na série do blog Food Safety Brazil sobre alimentos artesanais. Não perca os próximos posts! É uma questão de segurança na produção de alimentos!

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Novas perspectivas para o autocontrole na indústria brasileira de alimentos

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Com o início de um novo governo no Brasil, já eram aguardadas mudanças na gestão das questões relacionadas ao agronegócio.

Mudanças são importantes para motivar a melhoria do sistema produtivo e de fiscalização.

Portanto, no dia 21 de fevereiro de 2019 ocorreu em Brasília-DF o Seminário SDA/MAPA sobre Boas Práticas de Fabricação e Autocontrole, organizado pela Secretaria de Defesa Agropecuária (SDA). Acesse o folder do evento aqui

O Seminário foi realizado em um formato bem dinâmico, com transmissão ao vivo pelas redes sociais do Ministério da Agricultura, perguntas feitas online e respondidas em um debate com os palestrantes ao fim de cada painel.

O evento trouxe um histórico a respeito dos programas de autocontrole no Brasil por meio da discussão das dificuldades atuais tanto do setor produtivo como do setor governamental, para a partir dessa discussão traçar um alinhamento sobre uma visão moderna para o autocontrole.

Cabe, porém, o questionamento: por que tratar deste tema agora?

Para responder, temos que mergulhar na palestra de abertura do evento, feito pela Ministra de Estado da Agricultura Pecuária e Abastecimento, Sra. Tereza Cristina.

A Sra. Ministra citou a importância do autocontrole para o Brasil como fator de atendimento às necessidades do consumidor em relação à segurança do alimento e à reputação da indústria. Ressaltou que a valorização da marca das empresas gera como resultado a garantia de que o Brasil será reconhecido como protagonista no setor agropecuário mundial.

Ela também discorreu sobre a necessidade de diálogo entre os envolvidos na cadeia de produção de alimentos. Falou sobre a importância de revisão dos programas de autocontrole como fator de valorização da carreira dos fiscais e dos auditores federais.

Ao fim de seu discurso, a Sra. Ministra pediu para que todos tivessem a mente aberta para debater e construir esse novo momento da defesa agropecuária através de um sistema de autocontrole melhor, para o Brasil ocupar mais espaço no mercado internacional. Ou seja, a Ministra deixou claro que o objetivo é melhorar a competitividade brasileira, usando técnicas modernas de autocontrole, mas sem perder o foco na saúde do consumidor e valorizando os fiscais e auditores.

Na abertura do evento, também tiveram a palavra representantes do poder Legislativo, de órgãos envolvidos no agronegócio e do Secretário de Defesa Agropecuária, Sr. José Guilherme Tollstadius Leal.

Para discussão dos temas técnicos, o evento foi divido em 3 grandes painéis:

  • PAINEL I – As Boas Práticas de Fabricação e o Autocontrole no Brasil e no Mundo: Conceitos e Histórico.
  • PAINEL II – Ações conduzidas no âmbito da SDA voltadas para as boas práticas de fabricação e o autocontrole
  • PAINEL III – Ações de modernização e desburocratização utilizando-se de instrumentos de Boas Práticas de Fabricação e Autocontrole: Riscos e Oportunidades

Como destaque no Painel I, podemos citar a abordagem sobre as certificações em segurança de alimentos internacionalmente reconhecidas e seu impacto positivo no Autocontrole, e a explicação do Programa OEA (Operador Econômico Autorizado) da Receita Federal, como um modelo de sucesso de ferramenta de controle. Saiba mais sobre o Programa OEA na IN RFB 1598 de 2015 acessando este link.

No painel II destacamos a abordagem do representante da SFA de Ribeirão Preto (Superintendência Federal de Agricultura) que trouxe um caso de sucesso em relação ao controle de aflatoxina da cadeia de produção de amendoim e a palestra do representante do setor de sementes, abordando o formato de certificação de sementes híbridas de milho, onde o modelo foi construído com a participação da iniciativa privada e do poder público. Leia mais sobre a Lei de Sementes aqui.

O terceiro e último painel trouxe nas palavras da representante da SFA de São Paulo a visão sobre a necessidade de revisão normativa e de alteração no modo de trabalho da defesa agropecuária, pois não podemos tratar autocontrole de forma moderna, sem uma legislação também moderna, que traga mais claramente as responsabilidades neste processo. Ainda nesse painel, houve a fala do representante da USP, trazendo exemplos de sistemas informatizados para auxiliar no tratamento e análise dos dados. Uma vez que o autocontrole gera dados, os mesmos precisam ser analisados em conjunto com outros registros para ajudar a tomada de decisão por parte da fiscalização.

Para finalizar, tivemos a palestra do representante da ANFFA Sindical, que abordou a necessidade de capacitação do corpo de fiscais e auditores e de melhoria na interlocução entre o setor público e privado.

Concluindo, o Brasil e seu setor produtivo evoluíram, mas a ferramenta de autocontrole não acompanhou essa evolução. A defesa agropecuária foi e continua sendo fator importantíssimo para garantia da segurança dos alimentos no Brasil, mas temos novos desafios para o futuro: melhorar a capacitação do quadro técnico de fiscais, revisar a base legal e implantar ferramentas modernas de tecnologia da informação.

O objetivo agora é trabalhar com autocontrole e inteligência da informação para que tenhamos um resultado de análise de riscos que nos aponte a melhor forma de fiscalizar.

Como resultado do seminário, foi publicada a Portaria 24, assinada pelo Secretária de Defesa Agropecuária em 21 de fevereiro de 2019, criando o Comitê técnico para discussão sobre autocontrole. Esse comitê será multissetorial e irá trabalhar nas atividades necessárias para revisão e modernização do autocontrole.

Rosinely Casadó F. Martins é engenheira de alimentos graduada pela Unicamp em 1995. Trabalhou no segmento de carnes e na indústria de bebidas. Atuou 17 anos como Coordenadora Técnica de Auditoria e como auditora e consultora nos segmentos alimentício, farmacêutico, cosméticos, alimentação animal e domissanitário. Atua na área de treinamentos desde o ano 2000, ministrando cursos para diversos setores da cadeia produtiva e também é tutora em Curso de Especialista em Gestão de Segurança de Alimentos. Presta serviços de auditoria, treinamento e consultoria. Foi palestrante no Seminário SDA sobre Autocontrole em 21/02/2109, em Brasilia-DF. 

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Alimentos artesanais: a regulamentação da lei 13.680/2018

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No post intitulado “Segurança de alimentos artesanais e a nova lei nº 13.680/2018”, publicado no blog, falamos sobre a Lei nº 13.680/2018 e informamos que uma das mudanças era a transferência da competência de fiscalização e inspeção sanitária de produção dos órgãos de agricultura para a saúde. Porém, em julho de 2018, como publicado em nota, o Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) criou um grupo de trabalho para aprofundar a análise jurídica sobre a nova lei. Uma das conclusões do grupo foi que a legislação recente não transfere a competência de fiscalização e inspeção sanitária de produção dos órgãos de agricultura para a saúde. Isso, a princípio, significaria que a inspeção permanece como está.

Segundo a nota do CFMV, a nova lei não muda a antiga lei (Lei nº 1.283, de 18 de dezembro de 1950) que dispõe sobre a inspeção industrial e sanitária dos produtos de origem animal. De outro modo, afirma que a fabricação e a comercialização de alimentos artesanais de origem animal continuam submetidas à fiscalização dos órgãos de saúde pública. No entanto, com a publicação da nova lei 13.680/2018 foi acrescentado um novo artigo, no qual fica regulamentado que para a comercialização interestadual a fiscalização de um produto registrado deve ser feita por qualquer sistema de inspeção de saúde pública, seja ele federal, estadual ou municipal. Contudo, a lei não esclarece como isso deve ocorrer.

Anteriormente à sanção da nova lei o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) já haviam se pronunciado sobre a nova Lei e sobre o que compete a cada órgão em sua área de atuação na fiscalização de alimentos. Assim, Mapa e Anvisa entendem que a inspeção de produção de produtos de origem animal, mesmo de produtos artesanais, cabe ao órgão de agricultura e não ao de saúde.

A nova lei trouxe três atualizações importantes e que ainda necessitam de regulamentação: a fiscalização por sistema de inspeção de saúde pública, a criação de um selo nacional “ARTE” e a natureza prioritariamente orientadora da fiscalização. O processo será conduzido pelo Mapa e o CFMV solicitou representatividade no grupo de especialistas que irá debater a regulamentação dos produtos artesanais. O processo de regulamentação da Lei nº 13.680/2018 e seus desdobramentos precisam ser discutidos e aprofundados. Por isso, estaremos de olho, junto aos órgãos representativos de produção de alimentos, para acompanhar todo esse processo.

Fonte:

Grupo de trabalho do CFMV revê lei dos produtos artesanais e apresentará propostas para a regulamentação 

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