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Botulismo e neurotoxina alimentar

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Este artigo trata do botulismo e neurotoxina alimentar. Farei uma abordagem biológica diferente, mas complementar a outros excelentes artigos já publicados aqui na FSB por colegas colunistas.

O botulismo é uma infecção alimentar rara, mas com alta letalidade. Etiologicamente é causada pela toxina de uma bactéria do gênero Clostridium (C. botulinum) amplamente distribuída tanto no solo quanto na água.

Esporulação

Vamos começar com o processo de esporulação. A esporulação pode ser definida como uma forma latente adotada por certas bactérias para sobreviver em condições extremas e inicia-se com a formação do endosporo dentro da célula vegetativa. O endosporo difere da célula vegetativa pela formação de quatro camadas superficiais. A mais externa chama-se exosporium. Dentro dela está a capa dos esporos (ambos formados por proteínas). Dentro deles está o córtex, que é uma camada de peptideoglicanos, e dentro do córtex está o núcleo do esporo e a parede celular normal correspondente à célula vegetativa.

As quatro coberturas adicionais do endosporo fornecem resistência e proteção à célula vegetativa quando as condições externas tornam-se hostis à bactéria. Este processo pode ocorrer em menos de quatro horas. O composto que confere maior resistência ao endosporo uma vez concluído o processo de esporulação é o ácido dipicolínico associado a íons cálcio (dipicolinato de cálcio) e encontra-se no núcleo do esporo.

A esporulação a partir de uma célula vegetativa implica um processo de transformação altamente complexo que envolve a expressão de múltiplos genes com a produção de proteínas em nível mitocondrial, algo que ainda está sendo estudado pelos cientistas, portanto ultrapassa o escopo deste artigo. Mas o que é realmente relevante é que ele transforma uma célula vegetativa hidratada e metabolicamente ativa em um esporo desidratado (o teor de água é de apenas 10% a 25% no centro do esporo) e metabolicamente inerte com muito pouco ou nenhum consumo de oxigênio.

O esporo é uma forma muito eficiente de defesa contra um ambiente hostil e também pode ser ativado quando a bactéria não encontra nutrientes suficientes para continuar com sua forma vegetativa. O esporo tem a capacidade de persistir nesse estado de latência por muito tempo. Existem até estudos que detectaram esporos centenários que então voltam à sua forma vegetativa quando as condições hostis diminuem. Esse processo é chamado de germinação. Quando as condições para as bactérias são favoráveis, esse processo pode ser rápido e atingir o modo vegetativo em apenas 30 minutos.

Mas o leitor pode se perguntar em quais casos é importante levar em consideração o processo de formação do endosporo. Um primeiro esclarecimento é que nem todos os gêneros de bactérias têm essa capacidade. Em todos os casos, trata-se de procariontes gram-positivos, mas para fins de segurança de alimentos, os gêneros Bacillus e Clostridium são de fundamental relevância.

O Clostridium botulinum é o agente que produz a toxina botulínica quando se encontra em sua forma vegetativa, em ambiente sem a presença de oxigênio (anaerobiose) e com nutrientes suficientes para o seu desenvolvimento. É o caso de alimentos em conserva que não foram devidamente preparados.

O caso das conservas caseiras é um dos exemplos típicos. Mas a produção da toxina também pode ser decorrente de processos industriais inadequados. A indústria alimentícia teve que desenvolver procedimentos de esterilização eficazes, como o do leite leite longa vida (UHT), entre outros, para garantir a segurança dos alimentos, sejam eles embalados em potes de vidro, enlatados, ou em outros materiais. Além disso, sempre é preciso levar em  consideração fatores como boa higiene, tempo de cozimento, temperatura superior a 120 graus Celsius, pH adequado ou a combinação desses parâmetros.

A bactéria pode assumir a forma de endosporo, completar o processo de esporulação por tempo indeterminado e voltar a germinar quando as condições forem favoráveis para a produção da neurotoxina. Existem receptores de germinação com a capacidade de detectar a presença de condições adequadas para induzir a germinação. Os esporos germinam rapidamente, dissolvendo suas capas e absorvendo água com sérias consequências para o consumidor. Nos casos mais graves, a toxina afeta o sistema nervoso (neurotoxina) e pode ser letal se não for tratada com urgência. A neurotoxina inibe a formação do neurotransmissor acetilcolina. A toxina é termolábil, ou seja, pode ser inativada pelo cozimento, mas não a bactéria esporulada.

Desde a década de 1980, alguns casos de botulismo infantil foram relatados. Nesses casos, está envolvido o mel produzido pelas abelhas, que contém a forma esporulada que depois germina no aparelho digestivo do bebê, liberando a toxina.

Bioterrorismo

O governo dos Estados Unidos da América, por meio do CDC,  também tomou medidas de contingência face a um ataque terrorista que pode envolver a toxina botulínica como perigo potencialmente letal. Sem tratamento médico imediato, as pessoas com botulismo podem morrer.

A verificação da vida muito longa em forma latente dos esporos também é objeto de estudo dos astrobiólogos.

Referências:

https://www.mayoclinic.org/es/diseases-conditions/botulism/symptoms-causes/syc-20370262#:~:text=El%20botulismo%20es%20una%20afecci%C3%B3n,Clostridium%2

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4098856/

https://cals.cornell.edu/microbiology/research/active-research-labs/angert-lab/epulopiscium-en-espanol/endospora-de-bacterias

Leia também: 

Botulismo alimentar: o perigo das conservas caseiras

Imagem: OPAS 

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Botulismo alimentar: o perigo das conservas caseiras

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Alimentos como palmito, carnes em conserva, picles, compotas de frutas, salames e frutos do mar são deliciosos e facilitam muito o dia-a-dia, devido à facilidade de armazenamento. Mas, se mal processados ou conservados de forma inadequada, eles podem representar um grande perigo para a saúde. Isso acontece porque esses produtos, normalmente vendidos em vidros e latas, podem estar infectados com uma bactéria chamada Clostridium botulinum, que pode formar toxinas e provocar o botulismo, uma séria intoxicação alimentar, que embora seja pouco frequente, é potencialmente mortal.

As toxinas produzidas pela bactéria Clostridium botulinum são consideradas as mais potentes dentre as toxinas conhecidas. O botulismo caracteriza-se como uma doença de extrema gravidade e de evolução aguda, provoca distúrbios digestivos e neurológicos que paralisam os músculos, ao evitar que os nervos liberem um mensageiro químico (neurotransmissor) chamado acetilcolina. A acetilcolina interage com receptores nos músculos e estimula a sua contração.

As conservas caseiras estão entre os alimentos que oferecem maior risco à população consumidora, uma vez que são mais passíveis a falhas durante o processamento, mas outros alimentos como embutidos, salsichas e derivados de leite enlatados podem ser fonte de contaminação para o homem. Os clostridios estão amplamente distribuídos na natureza e chegam aos alimentos devido a falhas de boas práticas durante o processamento. As condições ideais para que a bactéria produza suas toxinas são principalmente a anaerobiose, pH alcalino ou próximo do neutro (4,8 a 8,5) e atividade de água elevada.

As células vegetativas produzem a toxina dentro do recipiente durante o armazenamento, porém essas toxinas perdem sua atividade quando submetidas à temperatura de 80°C durante 30 minutos ou a 100°C por 5 minutos, quando expostas à luz solar por 1 a 3 horas, à temperatura ambiente por 12 horas, ou em 20 minutos em água clorada. Qualquer alimento que possa estar contaminado deve ser manipulado com cautela. Até mesmo quantidades mínimas de toxina que sejam ingeridas, inaladas ou absorvidas pelo olho ou por uma ferida na pele podem causar uma doença grave. Deve-se evitar o contato com a pele, à medida do possível, e lavar as mãos imediatamente após a manipulação dos alimentos.

Há diversos fatores que podem dificultar o desenvolvimento do Clostridium botulinum nos alimentos, uma vez que não é um bom competidor na presença de outros microrganismos: o pH inferior a 4,5 impede sua multiplicação; atividade de água menor que 0,93 é limitante; concentrações de NaCl maiores que 8% impedem a produção da toxina. É importante lembrar que nem sempre ocorrem alterações aparentes nos alimentos, como odor, sabor, cor e textura, bem como nem sempre as latas contendo alimentos contaminados estão estufadas.

A doença não pode ser transmitida de um indivíduo contaminado para outro, apenas através dos alimentos contaminados.

Os esporos do Clostridium botulinum são as formas mais resistentes que se têm encontrado entre os agentes bacterianos, podendo sobreviver por muito tempo em meio líquido ou em estado seco. Podem tolerar temperaturas de 100°C por horas. Para destruir os esporos, os alimentos contaminados devem ser aquecidos a 120°C por 30 minutos.

Quando não é tratado precocemente, o botulismo é potencialmente mortal.

Muitos casos de botulismo de origem alimentar ocorreram após as pessoas comerem alimentos enlatados, conservados ou fermentados que estavam contaminados com toxinas. Os alimentos foram contaminados porque não foram processados corretamente .

Como evitar o botulismo?

As medidas a seguir podem ajudar a evitar o botulismo transmitido por alimentos:

  • Cozinhar alimentos a 79,9 °C (176 °F) por 30 minutos, o que, quase sempre, destrói as toxinas, porém não destrói o agente.
  • Ferver os alimentos em conserva feitos em casa, durante 10 minutos, para destruir as toxinas.
  • Seguir cuidadosamente as instruções para a fabricação de conservas caseiras no Guia Completo do USDA para a Produção Doméstica Externa.
  • Jogar fora alimentos em conserva que estejam desbotados ou com cheiro ruim
  • Jogar fora latas que estejam estufadas ou vazando (latas de leite, fórmulas, etc.)

Pessoas com suspeita de ter botulismo devem ir, imediatamente, ao hospital. Podem ser realizados exames laboratoriais para confirmar o diagnóstico, mas o tratamento não pode ser protelado até que os resultados sejam conhecidos. Para ajudar a eliminar qualquer toxina não absorvida, os médicos podem administrar carvão ativado via oral ou por um tubo que passe pelo nariz ou boca até o estômago.

Algumas pessoas que se recuperam do botulismo sentem-se cansadas e têm dificuldade em respirar, mesmo após vários anos. Em longo prazo, é possível que necessitem de fisioterapia.

Referências:

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-84782008000100049

https://www.cdc.gov/features/homecanning/index.html

https://www.foodsafety.gov/poisoning/causes/bacteriaviruses/botulism/index.html

https://www.fda.gov/downloads/Food/FoodborneIllnessContaminants/UCM297627.pdf

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Consumo de Conservas de Palmito: o que é realmente importante para a segurança?

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Os perigos do “melzinho na chupeta”: risco de botulismo no bebê

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Você sabia que o mel não é recomendado para bebês de até 1 ano de idade?

O problema em dar mel ao bebê é que pode haver esporos da bactéria Clostridium botulinum, que provoca o botulismo infantil. Não importa a marca ou a procedência do mel, o perigo sempre existe.

Como o sistema imunológico dos bebês ainda não está maduro, eles podem pegar uma forma da doença chamada botulismo infantil. Bebês de até 6 meses são especialmente vulneráveis, mas os médicos recomendam que se espere até a criança ter pelo menos 1 ano para dar mel.

Por isso, mesmo que o bebê esteja resfriado, com tosse ou com prisão de ventre e você tenha ouvido falar que mel faz bem, não dê nem um pouquinho à criança se ela tiver menos que 1 ano.

Os esporos do botulismo são muito resistentes e podem sobreviver até à pasteurização e a altas temperaturas. O xarope de milho também pode conter o esporo.


Depois de 1 ano, você pode dar mel, mas cuidado para não abusar. Por ser um alimento extremamente doce, ele pode acostumar mal o bebê, e pode prejudicar os dentes. Prefira oferecer alimentos naturalmente doces como sobremesa (frutas, abóbora, cenoura, por exemplo), e depois limpe bem a gengiva e os dentinhos do bebê.


Vamos aos detalhes – o que é o botulismo infantil

O botulismo infantil é uma doença rara, porém grave, causada pela bactéria Clostridium botulinum que pode ser encontrada no solo, podendo contaminar água e alimentos por exemplo. Além disso, os alimentos mal conservados são uma ótima fonte de proliferação dessa bactéria. Assim, a bactéria pode entrar no organismo do bebê através do consumo de alimentos contaminados e, no organismo, passa a produzir uma toxina que resulta no aparecimento dos sintomas.

A presença da toxina no organismo do bebê pode resultar em grave comprometimento do sistema nervoso, podendo a infecção ser confundida com o acidente vascular cerebral, por exemplo. A fonte mais comum de infecção em bebês com menos de 1 ano é o consumo de mel, isso porque o mel é um ótimo meio de propagação dos esporos produzidos por essa bactéria.

Quais os sintomas do botulismo no bebê

Os sintomas iniciais do botulismo no bebê são semelhantes aos da gripe, no entanto são seguidos pela paralisia dos nervos e músculos da face e da cabeça, que posteriormente evolui para os braços, pernas e músculos respiratórios. Assim, o bebê pode apresentar:

  • Dificuldade em engolir;
  • Sucção fraca;
  • Apatia;
  • Perda das expressões faciais;
  • Sonolência;
  • Letargia;
  • Irritabilidade;
  • Pupilas pouco reativas;
  • Prisão de ventre.

O botulismo no bebê é facilmente confundido com a paralisia própria de um acidente vascular cerebral, no entanto a falta de diagnóstico e tratamento adequado do botulismo pode agravar o quadro e levar ao óbito devido à elevada concentração de toxina botulínica circulante no sangue do bebê.

Diagnóstico

O diagnóstico é mais fácil quando existe a informação de histórico alimentar recente da criança, mas só pode ser confirmado através de exame de sangue ou da cultura de fezes, pela verificação da presença da bactéria Clostridium botulinum.

Inicialmente, deve-se suspeitar de botulismo com base em resultados clínicos. O tratamento não deve ser adiado por causa de resultados pendentes. O botulismo infantil pode ser confundido com sepsia, distrofia muscular congênita, atrofia muscular espinal, hipotireoidismo e hipotonia congênita benigna.

Tratamento

O tratamento é iniciado assim que houver suspeita do diagnóstico; esperar os resultados dos testes confirmatórios, que podem levar dias, é perigoso. O tratamento do botulismo no bebê é feito com a lavagem estomacal e intestinal para retirar qualquer resto alimentar contaminado. A imunoglobulina anti-botulismo intravenosa (IGB-IV) pode ser utilizada, mas produz efeitos colaterais que merecem atenção. Em alguns casos é necessário que o bebê respire com a ajuda de aparelhos por alguns dias e, na maior parte das vezes, ele se recupera completamente, sem maiores consequências.

Não devem ser administrados antibióticos porque podem lisar o C. botulinum no intestino e aumentar a disponibilidade de toxina.

Outras informações

Embora tenha sido comprovada a contaminação de bebês que consumiram alimentos industrializados e formulações próprias, pesquisas indicam que um terço dos casos de botulismo infantil ocorridos no mundo tem histórico de ingestão de mel, fazendo com que esse alimento seja contraindicado para crianças com menos de 1 ano de idade (Aron, 1979; Europen Commission, 2002).

Apesar de mais de mil casos de botulismo infantil já terem sido relatados em todo mundo, devido à semelhança com outras síndromes, acredita-se que os diagnósticos errôneos encobrem grande parte da ocorrência dessa doença. Cerca de 4,5 a 15% dos casos da “Síndrome da Morte Súbita do Bebê ou “Morte do Berço” foram posteriormente confirmados como botulismo infantil (Mugnol, 1997; Europen Commission, 2002). Devido à crença de que o mel tem propriedades terapêuticas, esse alimento é fornecido para crianças em substituição ao açúcar e mesmo como remédio. Por isso, acredita-se que os casos de botulismo de lactentes decorrentes da contaminação de mel são maiores do que o revelado.

As análises de amostras de mel indicam que entre 2% e 15% do mel em todo o mundo está contaminado com esporo de Clostridium botulinum, havendo uma incidência maior de contaminação em amostras coletadas nos próprios apiários (até 23%); Midura et al., 1979; Nevas et al., 2006). Segundo pesquisas realizadas pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), cerca de 7% do mel brasileiro de Apis mellifera está contaminado com Clostridium botulinum (Schocken-Iturrino et al. 1999; Rall et al., 2003). Há estudos que demonstraram que essa bactéria não está presente somente no mel, mas também nas abelhas, na cera e no pólen (Nevas et al. 2006).

Como o Clostridium botulinum está amplamente distribuído no meio-ambiente, a contaminação do mel pode ocorrer a partir do néctar e pólen, pela própria abelha, ar, etc. Nesses casos não existe forma de evitar a contaminação. Por outro lado, por ser resistente ao calor, a pasteurização do mel não elimina este microrganismo. Somente temperaturas superiores a 100°C podem afetar o agente causador do botulismo e aquecer o mel a essa temperatura destrói suas propriedades físico-químicas.

Não existem dados sobre a presença desse esporo em mel de abelhas sem ferrão (Melipona). Como essas espécies utilizam barro na construção dos ninhos, é possível que a quantidade de Clostridium botulinum nesse tipo de mel seja maior do que a existente no mel de Apis mellifera.

Leia mais em:

https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/2935/S0103-84782008000200016.pdf?sequence=1&isAllowed=y
http://www.revistaseletronicas.fmu.br/index.php/ACIS/article/view/1073/945

Fonte da imagem: Flitparalisante

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