Nos dias 19 e 20 de julho passados, aconteceu a Conferência Internacional em Segurança dos Alimentos, Controle de Qualidade e Gerenciamento de Risco em Produtos Agrícolas, organizada pela Eurofins. A empresa gentilmente cedeu uma vaga para o Blog Food Safety Brazil compartilhar as novidades apresentadas em Indaiatuba, SP. Neste post, comento a apresentação sobre análises de alergênicos em alimentos.
Dr. Bert Pöpping, diretor de desenvolvimento científico da Eurofins, falou sobre análise e monitoramento de alergênicos, destacando inicialmente os pré-requisitos para um bom gerenciamento de alergênicos, como conhecer seus insumos, seus processos e saber controlar os perigos a eles relacionados. Atenção especial deve ser dada à possibilidade de mudança na formulação ou no processo dos fornecedores, assim como para a própria mudança de um fornecedor.
A troca de produtos numa mesma linha tem que gerar questionamentos: será que um mesmo procedimento de limpeza é capaz de garantir a remoção de qualquer alergênico? O mesmo vale quando um único produto é fabricado em diferentes unidades da empresa: trata-se realmente do mesmo produto? Todos os ingredientes provém dos mesmos fornecedores?
O controle dos perigos relacionados à presença de alergênicos deve se apoiar numa documentação sólida, num plano HACCP, em auditorias de fornecedores e nas análises laboratoriais efetuadas. Quando se pensa na análise laboratorial, o primeiro cuidado deve ser com a amostragem, pois lotes muito grandes são representados por diminutas amostras que ainda serão fracionadas no laboratório para a análise final. Na medida do possível, analisar mais de uma amostra de cada lote seria o procedimento recomendável.
E aí vem uma questão fundamental: qual método utilizar?
O método de PCR ou Reação em Cadeia da Polimerase (Polymerase Chain Reaction), que amplifica ou copia cadeias de DNA, é uma das técnicas mais utilizadas. No entanto, seu uso não é irrestrito. A albumina de ovo, por exemplo, por não conter DNA, não é detectada por este método, mesmo contendo grandes quantidades de proteína alergênica. Não obstante, como destacou Dr. Bert, é possível adquirir no mercado kits PCR para detecção de proteínas de ovo. Na Europa, o aipo ou salsão (celery) é considerado substância alergênica, ao contrário da salsinha (parsley). No entanto, como são vegetais que tem DNA muito parecido, análises por PCR costumam indicar presença de aipo em alimento que contenha salsinha. Bert destacou que os métodos baseados em PCR são sempre passíveis de questionamentos, não funcionam bem para ovo e leite e tem bons resultados para castanhas, amendoim e soja, porém mesmo neste caso, a possibilidade de hidrólise das proteínas pelos processos industriais (extrusão, concentração, etc) ainda pode gerar resultados equivocados.
Os métodos imunoenzimáticos (ELISA ou Enzyme-Linked Immunosorbent Assay) são testes que permitem a detecção de anticorpos específicos. Pöpping citou o exemplo de um pão contendo sete tipos de proteínas alergênicas que só teve três delas detectadas por este método. O processamento industrial do alimento pode destruir a estrutura proteica detectável pelo anticorpo. Num ovo cru, por exemplo, é possível detectar a proteína alergênica por teste ELISA, mas o mesmo não acontece num ovo frito.
Por não depender de uma estrutura, mas apenas da sequência dos aminoácidos, a espectrometria de massa desponta como o melhor método para detecção das proteínas alergênicas, com a vantagem de poder detectar múltiplos alergênicos numa única análise. Trata-se, porém, de um método caro, disponível ainda para poucos laboratórios e validado somente para algumas matrizes alimentares (produtos de panificação e soluções de enxágue de equipamentos).
Em resumo, não há um método perfeito para análise de todos os alergênicos. Os métodos devem ser selecionados de acordo com a matriz a ser analisada. O método de PCR é usado com frequência muito mais por razões econômicas que por razões técnicas. Os imunoensaios funcionam bem para alimentos crus, mas não necessariamente para os processados. A espectrometria de massa funciona muito bem para as matrizes já validadas, mas é pouco acessível por questões de custo e disponibilidade de equipamentos.
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Juliane
Humberto,
Extremamente didádico o seu post. Creio que muitos leitores como eu não sabiam que as análises para detecção de alergênicos tinham tantas particularidades. As proteínas são distintas, bem como suas matrizes. A interação entre outros componentes faz sim a diferença. Ficarei atenta. Parabéns a você e à Eurofins.
Juliane
Humberto, seu post foi extremamente esclarecedor. No dia-a-dia os usuários dos laboratórios desconhecem os prós e contras de cada método analítico. Parabéns a você e a Eurofins pelo serviço de utilidade pública!
Rhani
Boa tarde, Humberto!Parabéns pelo post!Faço pesquisa quantificando proteína de soja em hambúrgueres pela técnica de espectrometria de massa de razão isotópica. Você saberia me passar mais informações sobre o assunto? ” A espectrometria de massa funciona muito bem para as matrizes já validadas, mas é pouco acessível por questões de custo e disponibilidade de equipamentos” .
Grata pela atenção.
Humberto Soares
Prezada Rhani
Fico feliz que tenha gostado do post. Quanto a sua pergunta, não sou especialista em espectrometria de massa, no texto apenas fiz o relato da apresentação de um especialista. No caso tratado no post, a preocupação era determinar a presença ou ausência de proteína alergênica num alimento (ou na água de enxague de um equipamento) ao nível de traços, para garantir a eficácia dos processos de limpeza. O apresentador se referia ao fato de este tipo de análise (espectrometria de massa) ser a mais indicada pela maior exatidão, porém os métodos só foram validados para determinadas matrizes alimentares: produtos de panificação e água de enxague de equipamentos. Para os demais alimentos, segundo ele, faltavam métodos validados.
Quanto à questão da acessibilidade e custo, são poucas as empresas que tem estes equipamentos e mesmo os laboratórios que oferecem serviços às empresas não costumam usar este método, pelo alto custo.
Espero ter ajudado e agradeço pela participação.
Thaise Costa Almeida
Boa tarde,
Somos uma indústria de alimentos e temos uma máquina que embala produto a base de soja e outros alimentos também. Gostaria de saber se vocês fazem análise para verificação de que após a limpeza dessa máquina fica ou não resíduos de soja?
Aguardo retorno
Thaise Costa
Andrea
trabalho em uma indústria de massa e fabrico no mesmo equipamento massa semola e semola com ovos. Gostaria de saber se existe um kit de detecção rápida, se a necessidade de utilização de equipamentos, para a verificação da limpeza ou traços de ovos nos produtos produzidos. Desde já agradeço
Rita de Cássia
Existe algum método para detecção de alergênicos em equipamentos após sua higienização? (Trabalho com farinha de trigo, ovos e leite ).
Obrigada.
Marcelo Garcia
Rita, sua mensagem foi encaminhada à empresas especializadas. Aguarde contato. Juliane
Fabiana Ferreira
Esse post de 2012 já relevante, acaba de adquirir uma relevância maior nesse momento em que as industrias precisam se adequar a legislação de alergênicos. De fato, existe um desafio quanto ao método de analise de produto, especialmente sendo o alimento tão complexo. Além disso, deve-se determinar uma forma de padronizar a limpeza e deixa-la a mais eficiente possível com ferramentas mais simples como por exemplo swab de detecção de proteína. Dessa forma a industria consegue dar andamento nas analises especificas sem grande risco de variações nos resultados.
Ronney Mendes
Sou médico alergista.
Tenho muitos pacientes alérgicos á milho.
Recentemente uma paciente minha alérgica á milho reagiu ao usar um pasta de dente que contem GOMA XANTANA e SORBITOL. Ou seja, não tenho dúvidas que estes” derivados” do milho podem conter proteínas dos mesmo com a literatura já aponta.
Eis que fiquei atento á essa possível reação cruzada em outras situações.
Um paciente meu tem APLV e Alergia á milho.
Não está reagindo bem á determinada fórmula hidrolizada para APLV.Ela contém “xarope de glicose” como ingrediente. O SAC deles me informa que é o xarope é extraído do milho mas que é realizado um processo que garante a não alergenicidade do mesmo.
Minha pergunta. É possível haver este processo?
Obrigado.
Marcelo Garcia
Prezado Ronney, obrigada por participar. Nossos colunistas foram acionados para lhe dar um retorno. Juliane Dias
Humberto
Prezado Ronney
Nossa intenção era escrever um post bem fundamentado sobre o assunto que levantou: a presença ou não de traços de proteína de milho no xarope de glicose. Não conseguimos, no entanto, o retorno técnico que esperávamos por parte de um grande fabricante deste produto no Brasil. Pelo conhecimento que tenho do assunto, de fato, no processo de fabricação, retira-se a proteína do milho e o xarope é obtido basicamente do amido de milho. No entanto, pode restar um residual proteico de até 0,2% de proteína no xarope. Resta saber se esta quantidade seria suficiente para causar a resposta do individuo alérgico, tendo que considerar ainda a quantidade do xarope na fórmula do produto em questão.
RONNEY CORREA MENDES
Muito Obrigado. Informação útil.
Informo que um paciente meu alérgico á milho reagiu à um medicamento que contém xarope de milho, logo a quantodade de proteína residual pode ( em alguns casos raros) desencadear sintomas mesmo!
OBRIGADO!!!
Gabriela
Parabéns pelo post, em farinha de trigo eu conseguiria detectar se tem traço de aveia, centeio e soja??
Humberto
Prezada Gabriela
Ao nível de pesquisa científica, sim, mas para uso comercial sua pergunta tem que ser dirigida a um laboratório especializado neste tipo de ensaio. Por conduta ética, não podemos divulgar nomes de empresas em nossos textos, mas vc os consegue em uma pesquisa rápida na internet. Obrigado por participar.
Patricia Iglezias
Prezado Humberto, excelente post. Trabalho no varejo de alimentos especiais para alérgicos ao leite, ovos, glúten, soja e outros e convivo diariamente esta luta para ter certeza da ausência de alergênicos nos produtos e esclarecer nossos clientes, geralmente familiares angustiados, sem informações e conhecimento técnico.
Seu post foi muito esclarecedor e justifica também os investimentos que as empresas terão que fazer para viabilizar as análises e dar segurança das informações nos rótulos que deverão constar estas informações. Parabéns!
Humberto
Obrigado pelo incentivo, Patrícia. Imagino a preocupação de alérgicos e familiares antes de ingerir cada alimento, tendo que ler rótulos e imaginar se pode ou não haver algum tipo de contaminação. Pelo que vimos na apresentação, o desafio da indústria é, além de segregar os alergênicos na planta, encontrar as análises mais adequadas para garantir que não houve contaminação. Porém, as técnicas analíticas ainda precisam evoluir.
SUELI COUTINHO
Boa Tarde,
Gostaria de saber se alguém já teria alguma experiência relacionada a limpeza de linha em relação ao óleo de soja. visto que o mesmo é considerado alergênico, porém não tem a proteina para ser identificado nas análises propostas.
Grata