O controle dos perigos relacionados à presença de alergênicos nas plantas de processamento de alimentos depende de muitos cuidados. Entre eles, certamente estão um bom e atualizado plano HACCP, fornecedores confiáveis e uma equipe de trabalho comprometida. No final de tudo, ainda é preciso verificar se todos os cuidados tomados foram de fato efetivos para garantir que nenhum alergênico está presente no alimento em que não poderia estar. E aí entram as análises laboratoriais.
Muitas empresas utilizam laboratórios especializados para realizar análise de alergênicos em alimentos. Porém, mesmo ao delegar a tarefa a um laboratório terceirizado, é preciso conhecer um pouco sobre os métodos analíticos empregados nas análises.
Para começar, já vamos logo dizendo que, embora existam várias metodologias, nenhuma é perfeita para análise de todos os alergênicos em alimentos. Em termos teóricos, os métodos devem ser selecionados de acordo com o alimento e com o tipo de alergênico pesquisado. Em termos práticos, porém, também é preciso considerar a disponibilidade e o custo das análises. Basicamente, podemos dividir os métodos de detecção de alergênicos em 3 grupos: métodos imunológicos; métodos baseados na detecção de DNA e métodos físico-químicos de separação de proteínas.
1 – Métodos imunológicos
O método imunológico típico é o ensaio de imunoabsorção enzimática ou ELISA (Enzyme Linked Immuno Sorbent Assay). A técnica é baseada em anticorpos, ou seja, um anticorpo similar ao que causa a reação alérgica em humanos detecta a proteína alergênica no alimento. Disponíveis em muitos laboratórios comerciais, estes métodos costumam ser os mais usados pela indústria. Porém, como destaca a Anvisa em seu documento de perguntas e respostas, “embora existam diversos kits comerciais disponíveis, os resultados geralmente não são comparáveis entre si, em função de diferenças nos componentes analisados, na especificidade dos anticorpos, nas condições de extrações e nos efeitos das matrizes alimentares”. Em geral, os imunoensaios funcionam bem para análise de alergênicos em alimentos crus, mas não necessariamente para os processados, isto porque o processamento industrial do alimento pode destruir a estrutura proteica detectável pelo anticorpo. Num ovo cru, por exemplo, é possível detectar a proteína alergênica por teste ELISA, mas o mesmo não acontece num ovo frito. Análises de amendoins e avelãs por kits ELISA costumam ser confiáveis porque já existem métodos validados pela AOAC.
2 – Métodos baseados na detecção de DNA
A técnica mais conhecida é a PCR (Polymerase Chain Reaction ou Reação em Cadeia da Polimerase), que amplifica parte de uma sequência específica de DNA. A detecção de alergênicos alimentares por técnicas como esta é controversa, pois não se detecta a substância em si, mas o DNA marcador. O êxito de um teste PCR vai depender da quantidade de DNA na amostra, da qualidade deste DNA e da ausência de compostos interferentes. Para pesquisar presença de ovo e leite em pó, por exemplo, o método PCR não é confiável. Outro inconveniente desta técnica é que o DNA é instável em meios ácidos, como molho de tomate. Os métodos para análise de alergênicos baseados em PCR costumam ter bons resultados para castanhas, amendoim e soja, porém mesmo neste caso, resultados equivocados ainda podem ocorrer se houver hidrólise das proteínas pelos processos industriais.
3 – Métodos físico-químicos de separação de proteínas
Métodos como a espectrometria de massa (EM) e a cromatografia líquida de alta eficiência (HPLC) baseiam-se na relação massa/cargas dos íons e dependem apenas da sequência de aminoácidos para fazer a identificação de proteínas ou de seus fragmentos (peptídeos). Na análise de alergênicos, estes métodos podem detectar diretamente as proteínas (ou peptídeos) em baixíssimos níveis e com o diferencial de poder analisar múltiplos alergênicos num único teste (o chamado “screening”). Outra vantagem é que, ao contrário das tecnologias baseadas em anticorpos ou DNA, a espectrometria de massa pode detectar mesmo as proteínas com estruturas alteradas pelo processamento industrial, um aspecto importante nos alimentos altamente processados. Mas nem tudo é perfeito: somente algumas matrizes alimentares (produtos de panificação e água de enxágue de equipamentos) tem métodos já validados pela AOAC por espectrometria de massa. Além disso, é uma metodologia relativamente nova e sua aplicação encontra-se algo limitada pelo alto custo dos equipamentos e pela necessidade de conhecimentos especializados para desenvolver os métodos.
Para facilitar o trabalho de escolher o método mais adequado ao seu caso, preparamos uma tabela contendo as indicações, contraindicações, vantagens e desvantagens de cada técnica. Faça o download aqui.
Fonte: Food Drink Europe
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Edineri
O elisa para gluten esta validado pela AOAC?
Humberto Soares
Edineri,
Os testes Elisa são validados pela AOAC para amendoim em cereais, cookies, sorvetes e chocolates.
Para validar ELISA para glúten, importantes questões ainda precisam ser consideradas: “o kit é adequado para o tipo de alimento?”, “o método detecta aveia?”, “o kit superestima o conteúdo de glúten se o centeio estiver presente?”
Para se aprofundar, sugiro estes dois artigos científicos:
1. Accuracy of ELISA Detection Methods for Gluten and Reference Materials: A Realistic Assessment, J. Agric. Food Chem., 2013, 61 (24), pp 5681-5688
2 Validation Procedures for Quantitative Gluten ELISA Methods: AOAC Allergen Community Guidance and Best Practices, Journal of AOAC International Volume 96, Number 5, pp. 1033-1040
Rafael
Tenho uma dúvida em relação ao método Elisa, o mesmo tem limite de quantificação de 2,5 ppm, se o resultado da análise for menor que 2,5 ppm, eu poderia afirmar que o produto está livre de alergênico?
Humberto Soares
Rafael,
Sua pergunta é ótima, mas a resposta é: Não. Com base em sua análise, a única informação obtida é que seu produto contém menos de 2,5 ppm da substância pesquisada por esta técnica de analise (ELISA) e utilizando este kit de ensaio. O conhecimento técnico-científico disponível atualmente não é suficiente para estabelecer limites de segurança que sejam capazes de proteger todos os indivíduos com alergias alimentares. Além disso, os métodos analíticos disponíveis não são capazes de garantir a completa ausência de constituintes alergênicos. Por isso, a RDC 26/2015 estabeleceu que “alegações sobre a ausência de alimentos alergênicos não podem ser utilizadas em alimentos comercializados no Brasil até que critérios específicos estejam estabelecidos num regulamento técnico específico”.
Rafael
Entendi. Então como eu faria para validar o Programa de Controle de Alergênicos?
Humberto Soares
Rafael,
O programa de controle de alergênicos pode ser validado com base nos limites de detecção dos métodos de análises que são utilizados. A validação se limita à sensibilidade do método: se seu limite é 2,5 ppm pela técnica X e o resultado estiver abaixo do limite de detecção, será considerado validado. No Relatório de Validação deverá constar que o resultado foi negativo conforme método X e limite de detecção Y. Além disso, durante a operação, as condições de processo, limpeza, etc, devem ser reproduções fiéis das usadas na Validação.
É importante lembrar, mais uma vez, que “não rotular a presença de um alergênico” é diferente de “declarar a ausência do alergênico”. Declarar a ausência não é permitido pela Norma em hipótese alguma. Já a decisão de rotular ou não a presença de um alergênico compete à Equipe de Segurança de Alimentos, embasada em informações científicas, considerando o perigo ao consumidor alérgico e as limitações operacionais e analíticas em cada caso.
Aureo Murador Filho
Bom dia!
Gostaria de saber onde encontro a AOAC para arroz e feijão.
Muito obrigado.
Humberto Soares
Aureo
Primeiramente é preciso definir quais substâncias você quer analisar em arroz e feijão, pois para cada uma poderá ser usado um método diferente. A partir daí, consulte um laboratório especializado e questione se as metodologias para as análises que você deseja são validadas pela AOAC. Se desejar confirmar a informação dada pelo laboratório, solicite os dados: Fabricante do kit, Marca, Licença e tipo do Método e consulte o site da Associação (www.aoac.org) ou mais especificamente a página:
http://www.aoac.org/iMIS15_Prod/AOAC/RI/PTMM/AOAC_Member/RICF/RIVM_M.aspx?hkey=d1da913f-214e-4084-9fec-1f6944bbeb1d.
Suzane Parreira
Qual teste indicado para:detectar proteina da aveia, e também detectar lactose?
Humberto
Suzana
Em termos de excelência, para detectar aveia o melhor método seria a espectrometria de massa, pelas vantagens que citamos no texto.
Para a lactose, o HPLC seria o mais recomendado, por ser um método de referência, sensível e permitir a diferenciação entre os carboidratos da amostra. Também existem métodos para lactose, validados pela AOAC, por outras técnicas, como polarimetria, gravimetria, infravermelho e ensaio enzimático.
Rafael
Para validar um sistema de higienização de setores em relação ao glúten, segue o mesmo princípio que é utilizado para validar um Programa de Controle de Alergênico por exemplo?
Renata Benito Damiatti
Bom dia,
Qual teste indicado para detectar proteína de soja no arroz?
Humberto Soares
Renata,
Supondo que os grãos estejam crus, as três técnicas citadas no texto podem ser utilizadas. Neste caso, a escolha vai envolver uma comparação de sensibilidade, praticidade e custo entre as opções disponíveis.
Simone
Humberto, boa tarde!!!
Realizei o teste de lactose em alimento em um laboratório que utilizou a metodologia AOAC 20th edition, porém fiquei em dúvida se o teste era realmente sensível para identificar pequenas quantidades de lactose (até 10mg/100g). Por favor, qual seria o método mais confiável, neste caso?