Desenvolver métodos rápidos para a detecção de microrganismos patogênicos em alimentos é uma prioridade para a saúde pública. Pesquisas científicas recentes têm demonstrado que o sonho de conseguir um aparelho portátil capaz de analisar diretamente um alimento e gerar um resultado rápido e confiável está cada vez mais próximo. Agora é a vez de um pesquisador brasileiro apresentar um estudo inovador e extremamente promissor em relação a isso.
O engenheiro químico André Luís Possan (foto), gaúcho de 36 anos, desenvolveu um biossensor magnetoelástico para detecção rápida da bactéria Escherichia coli em água e alimentos. O trabalho foi apresentado como Dissertação de Mestrado em Engenharia de Processos e Tecnologias da Universidade de Caxias do Sul, RS.
Sensores magnetoelásticos são comumente utilizados como marcadores antifurtos no comércio em geral. No estudo de André, para criar o biossensor com capacidade de detectar e quantificar bactérias, o sensor magnetoelástico foi somado a um método imunológico de atração de bactérias. No processo de montagem, o biossensor foi coberto com sucessivas camadas de diferentes materiais para permitir, ao final, a atração de bactérias em sua superfície. Inicialmente, foram aplicadas camadas de espessuras nanométricas de cromo e ouro, que possibilitam a adsorção de um composto orgânico chamado cistamina (CYS) e a formação de camadas auto-organizáveis na superfície do sensor. Em seguida, foi introduzido um anticorpo relacionado com o patógeno alvo para fazer especificamente a ligação com a bactéria presente no meio contaminante. Veja abaixo uma ilustração das camadas do biossensor:
Figura 1. Processos de construção do biossensor magnetoelástico para a detecção e quantificação da E. coli
A figura 1 evidencia que, após a ligação com a bactéria, foi inserido novamente o anticorpo primário e depois um anticorpo secundário que se liga especificamente no primário. Esse anticorpo secundário foi marcado com fluoresceína, composto que emite fluorescência quando visto com filtro apropriado no microscópio. Assim, foi possível visualizar as bactérias que foram ligadas no processo imunológico e causaram a mudança de massa na superfície da liga.
A partir da mudança de massa causada pela ligação das bactérias na superfície do biossensor, ocorrem alterações nas frequências de ressonância magnética. Para medir estas alterações, foi criado um sistema de leitura composto por analisador de redes e solenoide, demonstrado na figura 2.
Figura 2. Sistema de leitura de frequências de ressonância de biossensor magnetoelástico (adaptado de referência)
Na pesquisa, a detecção e contagem do microrganismo ocorreu em soluções contendo uma diluição seriada de E. coli. O tempo para a leitura das amostras com o biossensor foi de cerca de 40 minutos, quando ocorre a saturação das ligações disponíveis na superfície do biossensor.
Em entrevista concedida ao blog Food Safety Brazil, o pesquisador forneceu mais detalhes sobre o dispositivo e também falou sobre seus objetivos e os trabalhos recentes para melhorar a sensibilidade da técnica. Confira:
FSB– Você acredita que será possível realizar análises microbiológicas rotineiras por biossensores em curto prazo? Quais seriam as principais dificuldades para isto?
ALP – Sim, o objetivo é desenvolver um sistema portátil de baixo custo e que use os biossensores magnetoelásticos como transdutor. Em termos de dificuldade, estamos melhorando a superfície da liga magnetoelástica com diminuição da rugosidade, para que as camadas que são colocadas na superfície sejam planas e dispersas, facilitando a ligação das bactérias e melhorando a eficiência do método.
FSB– A técnica desenvolvida em seu trabalho já foi ou poderá ser patenteada?
ALP – Atualmente, não há patentes para um dispositivo completo com o uso de biossensores magnetoelásticos. Pensaremos em patentear quando possuirmos um sistema com melhoria na eficiência.
FSB – Em sua Dissertação, o foco das análises foi a E. coli. Para cada tipo de bactéria será preciso desenvolver um biossensor específico?
ALP – A especificidade é relacionada com o tipo de anticorpo que é acoplado no conjunto de bioconjugado, sobre a liga magnetoelástica. Desta forma, podemos montar um sensor individual para uma bactéria específica ou um conjunto de biossensores para detectar e quantificar diferentes bactérias.
FSB – Foi feita alguma estimativa do custo analítico usando este biossensor?
ALP – Os custos comerciais não foram contabilizados no estudo, mas especulamos um valor em torno de 15 reais por sensor, em nível de pesquisa, sendo que o valor maior vem do anticorpo, item mais caro de todos.
FSB – Durante sua pesquisa, você testou vários tipos de superfícies para os biossensores e o limite de detecção para a E. coli no melhor tipo esteve na ordem de 50.000 UFC/mL, o que pode ser considerado alto para este micro-organismo em alimentos. É possível aprimorar o método para níveis de detecção inferiores, como 10 UFC/mL, por exemplo?
ALP – Sim, é possível. A eficiência do sensor esteve em torno de 60%, entre os valores teóricos e os encontrados experimentalmente. Ficou evidenciado através da microscopia eletrônica de varredura (link da dissertação) que uma camada de cistamina (CYS) revestiu de forma dispersa sobre a superfície da liga, formando um desenho que chamamos de “Nazca Lines”. Também é evidenciado que nem toda a liga foi coberta com a CYS, e isso repercute diretamente na eficiência, pois a CYS adsorve na liga magnetoelástica, o anticorpo liga na CYS através de um intermediário (crosslinker) e o anticorpo liga com a bactéria. Se não tem CYS em toda a superfície, a sequência de bioconjugado não se completa. Estamos trabalhando nessa parte, avaliando porque a CYS não cobre toda a superfície da liga, utilizando derivações de concentração, tempo de aplicação, temperatura e agitação. Com a melhoria da eficiência, é possível reduzir o limite de detecção e também detectar menores concentrações de bactérias.
FSB – Será possível testar diretamente um alimento líquido, por exemplo?
ALP – Sim, é possível e esse é o objetivo final: aplicar biossensores magnetoelásticos em soluções contendo bactérias provenientes de leite, carne, urina, sangue, entre outros.
FSB – Atualmente, em seu trabalho de Doutorado, você permanece numa linha de pesquisa semelhante. O que exatamente, você está pesquisando agora?
ALP – Atualmente, trabalhamos na resolução de problemas provenientes dos biossensores magnetoelásticos, mas com outro método. Como a sensibilidade do biossensor magnetoelástico ainda deve ser melhorada, estamos analisando o processo de adsorção de compostos tíós (cistamina, cisteamina, ácido mercaptopropiônico) sobre a superfície de bioeletrodos, através de métodos eletroquímicos. Conhecendo os parâmetros ideais de adsorção como temperatura, concentração, tempo e agitação, teremos os parâmetros ideais para aplicar no método dos biossensores magnetoelásticos. O método eletroquímico opera com energia, a qual permite verificar a adsorção da CYS. No outro método somente aplicávamos a CYS sem verificar a adsorção por mudança de massa e usando valores conhecidos nas referências bibliográficas. A mudança de massa era somente das bactérias, por causa da sensibilidade. Para melhorias no sistema e na busca de maior sensibilidade de detecção e quantificação, estamos em parceria com a universidade Ca’ Foscari de Veneza na busca de conhecimento sobre a tecnologia de fabricação de nanoeletrodos, através do processo seletivo da Capes PDSE 2016/2017.
FSB – Você já publicou artigos em revistas científicas internacionais, sendo que alguns foram estudos realizados durante o desenvolvimento do biossensor. Um artigo final, com a conclusão do estudo, já foi publicado?
ALP – Sim, temos um artigo publicado em janeiro deste ano na revista internacional Materials Science and Engineering, de classificação Qualis A1 em Engenharias II base Capes, com fator de impacto de 3,338. O nome do artigo é: Effect of surface roughness on performance of magnetoelastic biosensors for the detection of Escherichia coli.
Em alguns dias teremos um novo artigo com estudos mais completos sobre o assunto, com microscopias de força atômica das superfícies e eficiência para três tipos de tióis, em trabalho desenvolvido pela mestranda Marcia Dalla Pozza, de Bento Gonçalves, RS.
O blog Food Safety Brazil parabeniza o pesquisador André Luís Possan e lhe agradece pela especial participação em nosso artigo de hoje. Esperamos publicar mais informações sobre estas pesquisas assim que as novidades forem surgindo.
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Pesquisa muito importante!! Parabens ao pesquisador!