3 min leituraEm julho de 2025, a Food Safety Authority of Ireland (FSAI) divulgou seu relatório anual, trazendo um dado que acendeu o sinal vermelho na cadeia global de segurança dos alimentos: os recalls motivados por alérgenos não declarados superaram, pela primeira vez, os casos de contaminação microbiológica.
Foram 126 alertas alimentares registrados no ano, sendo 56 relacionados a falhas na declaração de alérgenos como leite, ovo, gergelim, nozes, glúten e mostarda. Embora o dado se refira à realidade irlandesa, ele carrega um impacto que extrapola fronteiras, pois revela uma vulnerabilidade crescente e global na comunicação dos riscos ao consumidor alérgico.
Entre 2020 e 2025, o número de alertas alimentares por alérgenos na Irlanda cresceu 38%, superando pela primeira vez os casos de contaminação microbiológica. Esse salto revela uma tendência clara: falhas na gestão e comunicação de riscos alérgicos vêm se tornando o principal motivo de acionamento das autoridades sanitárias.
Enquanto a Europa avança em ferramentas de rastreabilidade e protocolos de avaliação de risco para alérgenos, o Brasil ainda busca consolidar as mudanças exigidas pela RDC nº 727/2022. Essa regulamentação representou um avanço significativo ao exigir termos padronizados e destaque gráfico, além de vedar o uso de expressões genéricas. A implementação, contudo, tem demandado adequações operacionais contínuas por parte da indústria, que busca garantir conformidade ao mesmo tempo em que aprimora práticas internas de rastreabilidade, validação e comunicação.
A complexidade do tema é global. Em diversos países, o controle de alérgenos exige não apenas conformidade com a legislação vigente, mas também a adoção de protocolos baseados em risco, capazes de diferenciar entre presença acidental, traços não intencionais e ingredientes declarados. Ferramentas como o VITAL Program, amplamente adotado na Austrália, e o regulamento europeu EU 1169/2011, exemplificam abordagens que buscam equilibrar rigor técnico com clareza para o consumidor. Em ambos os casos, a comunicação de risco é construída com base em evidências analíticas, níveis de referência e protocolos validados de limpeza e segregação.
Mesmo com diferentes modelos regulatórios, há um ponto de convergência: a necessidade de alinhar formulação, rotulagem, logística e informação ao consumidor de forma integrada e transparente. Em diversas partes do mundo, falhas simples — como alterações na composição sem revisão do rótulo, ou ausência de validação de limpeza entre lotes com e sem alérgenos — continuam a ser causas frequentes de recall.
Essas falhas, além de gerarem custos elevados com logística reversa e destruição de produtos, também impactam diretamente a saúde pública e a reputação das marcas. Casos de reações alérgicas graves, hospitalizações e perda de confiança do consumidor se tornam frequentes quando o controle falha.
Abaixo, alguns exemplos verídicos ilustram esse cenário:
Ano |
Empresa / País |
Alimento |
Alérgeno não declarado |
Impacto |
Fonte |
2025 |
La Fiesta / EUA |
Pan Ralado |
Gergelim |
Recall nacional; gergelim não declarado nos EUA |
Link |
2025 |
Wegmans / EUA |
Nonpareils de chocolate |
Leite |
Possível risco de anafilaxia por traços de leite |
Link |
2025 |
Costco (Kirkland) / EUA |
Sweet Cream Butter |
Leite |
Recall de 79.000 lbs por erro de rotulagem |
Link |
2025 |
Pearl Milling (Quaker) / EUA |
Mistura de panqueca |
Leite |
Risco elevado de reações alérgicas graves |
Link |
2024 |
RV Pharma / EUA |
Welby B12 |
Amendoim |
Contaminação cruzada com amendoim |
Link |
2025 |
Casa Mamita (Aldi) / EUA |
Churros congelados |
Leite |
Erro de rotulagem causou recall nacional |
Link |
2024 |
Whitley’s / EUA |
Mix de castanhas |
Amendoim, leite, soja, trigo, gergelim |
Falha generalizada em rotulagem de vários alérgenos |
Link |
2025 |
Patties Food Group / Austrália |
Roast Chicken Roll |
Amendoim, crustáceos |
Alérgenos não listados; recall preventivo |
Link |
2024 |
Nocelle Foods / Austrália |
Ranger Mix |
Caju |
Risco à população com alergia a castanhas |
Link |
Esses episódios reforçam o valor estratégico da gestão de alérgenos como parte integrante dos programas de segurança de alimentos. Para os profissionais da área, a atenção deve estar voltada não apenas ao cumprimento normativo, mas à eficácia prática dos controles implementados — o que inclui capacitação de equipes, validação laboratorial de limpeza, segregação física e revisão de rotulagem por múltiplos setores envolvidos.
Diversas empresas globais já adotam políticas internas de validação cruzada entre áreas de qualidade, P&D e rotulagem, garantindo que mudanças em ingredientes acionem automaticamente revisão dos rótulos e treinamento das equipes.
Recomendações práticas para controle de alérgenos na indústria
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Treinamento contínuo de colaboradores sobre manipulação segura e rotulagem clara;
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Validação de limpeza entre lotes com e sem alérgenos, por meio de testes laboratoriais;
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Auditorias internas e revisão de rótulos por múltiplas áreas (qualidade, P&D, marketing);
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Aplicação de ferramentas analíticas baseadas em risco, como o VITAL Program;
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Comunicação clara com o consumidor, inclusive em canais digitais e SAC.
Diante da crescente exigência por transparência e responsabilidade compartilhada, o controle de alérgenos se consolida como um indicador de maturidade do sistema de gestão da qualidade. O alerta vindo da Irlanda não se restringe a um contexto local: ele ecoa como uma oportunidade para reforçar políticas internas, revisar fluxos operacionais e investir em soluções baseadas em ciência e prevenção.
Afinal, comunicar corretamente os riscos não é apenas uma exigência legal — é um compromisso ético com a saúde, a integridade e a confiança do consumidor.
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