Aprovar fornecedor que tem falhas no HACCP é tomar remédio falso

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“Qualificar fornecedor que tem falhas no HACCP é como tomar remédio falso”, afirma Ellen Lopes

Muitas vezes, ao analisar o Plano HACCP de um possível fornecedor, nos deparamos com inconsistências preocupantes. Para citar um exemplo, já encontrei numa lista de perigos para uma determinada matéria-prima, simplesmente o termo “bactérias patogênicas”, em vez da especificação exata das bactérias. Neste caso, a equipe HACCP não considerou que as condições para o controle das bactérias variam significativamente de uma para outra. Outras vezes, Planos com identificação inadequada de PCCs e falhas na validação das medidas de controle vêm acompanhados de um Certificado ou são aprovados por empresas contratadas para auditar fornecedores. E aí ficamos pensando: que tipo de auditoria foi feita para aprovar este sistema?

Durante o IV Encontro de Profissionais da Garantia da Qualidade (ITAL, 04 e 05 de setembro de 2013), Ellen Lopes, doutora em sistemas de gestão de segurança de alimentos pela FCF/USP e profissional com vasta experiência na área, abordou justamente este tipo de situação. Usando uma definição ampla de fraude, segundo a qual “fraude é qualquer crime ou ato ilegal para lucro daquele que se utiliza de algum logro ou ilusão praticada na vítima como seu método principal”, Ellen considera que estes serviços são tão fraudulentos quanto a venda de remédios falsos.  

A qualificação do fornecedor é essencial para a gestão do próprio Plano HACCP. Cálculos estatísticos demonstram que a inspeção e análise da matéria prima não podem garantir a segurança do alimento, a menos que se faça uma amostragem enorme e inviável.

Segundo Ellen, ao escolher uma empresa para qualificação de seus fornecedores com base exclusivamente no preço do serviço, as empresas podem estar se expondo a sérias vulnerabilidades. Ela citou o caso de uma empresa que contratou serviços para realização de 37 auditorias de qualidade e segurança de alimentos em fornecedores. Nestas auditorias, 300 itens foram analisados em 6 horas, ou seja, o auditor teve 1,4 min para analisar cada item! Nestas condições, não foi surpresa que tempos depois surgisse problema de corpos estranhos nas matérias-primas. Ellen questiona também qual a filosofia da empresa contratada ao aceitar este tipo de atividade. Outros exemplos foram apresentados, como uma auditoria em empresa de grãos na qual o item “política de vidros” foi considerado não aplicável. Em outra auditoria, foram aprovados fornecedores de leite em pó que não tinham sistema de qualificação para os produtores do leite in natura.

Um ponto destacado na apresentação de Ellen foi a identificação de PCCs com técnicas inadequadas. Por que isso ocorre? Segundo o Codex Alimentarius, um PCC é uma etapa no processo onde um controle pode ser aplicado, e é essencial para prevenir, eliminar ou reduzir a um nível aceitável um perigo à segurança do alimento. A identificação de PCC pode ser facilitada pela aplicação de uma árvore decisória, porém a aplicação de árvore decisória deve ser flexível.  Há mais de uma possibilidade de árvore decisória e não existe uma que seja perfeita, milagrosa, e que não requeira experiência ou energia para pensar. Além disso, outros sistemas lógicos podem ser usados. O Plano HACCP é dependente de insumos, processos, público alvo, tudo isso gerido pelo conhecimento e, portanto, deve ser dinâmico. Não pode haver aplicação cega de uma árvore decisória ou mesmo de uma matriz de risco, sem uma avaliação crítica do resultado. Nas considerações do FDA sobre o HACCP, disponíveis em seu site (www.fda.gov), está bem claro que “a árvore decisória não substitui o conhecimento de um especialista”.

Outro ponto importante destacado por Ellen foram as falhas na validação. Validar implica em garantir que as medidas de controle adotadas são de fato capazes de controlar os perigos à segurança de alimentos que foram identificados. Uma pergunta que vale ouro é: como validar? Um caminho é basear-se em requisitos e normas legais ou ainda em experimentos e dados de trabalhos científicos, porém nestes casos destaca-se sempre que o modelo deve ser aderente à realidade e ou, se aplicável, a contagem de microrganismos deve estar dentro de limites aceitáveis. Outras possibilidades de validação incluem experimentos realizados pela própria empresa, uso de dados históricos estatisticamente válidos ou um teste desafio. Aqui o importante é testar sempre o pior caso.

Por último, a palestrante lembrou da importância da validação de softwares, da calibração dos instrumentos de medição e ainda, da necessidade de validar as análises laboratoriais e realizar teste de proficiência dos analistas. Sistemas de controle mais complexos, como rastreabilidade, necessitam de simulações para verificação de sua eficácia. Auditorias de sistemas podem ser verificadas pela capacitação dos auditores e ainda mediante uma avaliação por terceiros treinados ou acreditados. 

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