Legislações de alimentos ao gosto da sociedade: risco ou avanço?

3 min leitura

Salaminho liberado na mala

Vejo amigos e parentes celebrando a possibilidade de trazerem queijos, salames e outros quitutes do exterior, sem o risco de serem multados em aeroportos. Tal liberdade se deu agora, após a publicação da instrução normativa 11, no dia 10/05, que estabelece uma cota de até 5 kg por pessoa para entrada em nossas fronteiras de alimentos que passaram a ser considerados de risco insignificante. “A medida visa atender a uma demanda da sociedade “, afirmou a então ministra da Agricultura, Kátia Abreu.  Isso me fez refletir se legislações em alimentos ao gosto da sociedade são um risco ou um avanço.

A “demanda” da ex-ministra me soou como “medida popular para fazer brasileiros felizes”. É fato que produtos processados em muitos países contam com sistemas de segurança e são realmente seguros, mas a alegria dos viajantes deve ser o motivo principal para esta liberação? Neste post compartilhamos um estudo que mostra que 15% dos alimentos apreendidos nos aeroportos apresentavam algum tipo de contaminação.

Rótulo mais claro para alérgicos

O caso exitoso do movimento Põe no Rótulo, que levou à publicação da RDC 26/15, obriga as empresas a informarem claramente nas embalagens a presença de alergênicos em alimentos industrializados. Fruto da organização popular, os interessados, na maioria mães de crianças alérgicas, sabiam muito bem dos riscos que corriam por já terem vivenciado na prática reações, muitas levando à emergência médica, e em alguns casos, à óbito. Este movimento contou com o apoio da classe médica, e de muitas celebridades que se manifestaram publicamente nas redes sociais. O grupo foi fortemente atuante na imprensa e na televisão até alcançar sua conquista.

Bela Gil e Carbofurano

Surpreendente foi, também, ver como a apresentadora Bela Gil reverteu uma consulta pública  da Anvisa sobre o agrotóxico Carbofurano com apenas um post no Facebook. A mobilização feita em fevereiro deste ano,  elevou de 31% para 69% o percentual de votantes em favor do banimento do agrotóxico no Brasil. Na opinião de Bela, a ação se deu “por que meu público tem visão muito próxima da minha, a favor de alimentação orgânica”. O parecer final da Anvisa não foi publicado, mas fica a questão: o público leigo tem formação técnica compatível para sugerir leis com base científica? Entende de toxicologia, estudos que levam anos para serem conclusivos?

Xô Organismos Geneticamente modificados

São numerosos os estudos sobre a inocuidade dos OGM, e há outros tantos sobre possíveis malefícios. A polêmica já foi tratada aqui. Contudo, é fruto de um consenso popular a aversão a organismos geneticamente modificados, sendo que este posicionamento, fortalecido por organizações ambientais, levaram 19 países europeus a rechaçar a tecnologia, havendo um movimento “GMO-Free” amadurecido no velho continente.

Hambúrguer sem hidróxido de amônia nos EUA

Jamie Oliver, o chef inglês, fez muito barulho ao divulgar na mídia que os hambúrgueres da maior cadeia de fast food do mundo utilizava hidróxido de amônia como ingrediente de suas formulações nos Estados Unidos  (caso Pink Slime). Vale ressaltar que neste país, o FDA considera o aditivo seguro, liberado para ser aplicado com esta finalidade. Um ano depois, a rede anunciou ter mudado sua formulação, embora faça questão de dizer que a melhoria não tem relação com o movimento.

Conclusão:

O fato é que a influência de celebridades, mídias sociais, organizações de consumidores ou ativistas parece ter, nos dias de hoje, um papel sem precedentes na formação de leis e de condutas da indústria de alimentos. Pensar que as legislações de alimentos formuladas de acordo com o gosto da sociedade serão sempre baseadas em critérios técnicos e científicos, chega a ser utópico.

Já diz nossa carta magna, tão citada nos últimos dias: “o poder emana do povo”. Se o povo tem competência e consegue fazer bom uso deste poder, estamos diante de um avanço. Se este mesmo povo pode nos levar à decisões equivocadas, estamos diante de um risco.

Fonte da imagem: Minhoca nas salsichas.

3 thoughts on

Legislações de alimentos ao gosto da sociedade: risco ou avanço?

  • Cristina L

    Oi, Ju, muito bom apanhado geral destas regras.

    Eu fui uma que comemorou o relaxamento da regra – afinal, quem come sou eu. Não estou trazendo para vender, nem para distribuir em mercado nacional, os poucos produtos que cabem em malas. Se, nos produtos que trago, 15% estiver contaminado, paciência. É um risco que eu assumo livremente, no exercício dos meus direitos como cidadã.

    Fontes minhas, que acompanharam a discussão da rotulagem de alergênicos na ABIA, me citam que justamente o fato desta norma ter emanado de uma associação civil foi um dos maiores empecilhos. Nunca antes a indústria brasileira havia se deparado com tamanha organização em prol de uma causa (ressalta-se, justíssima). Parece que mexeu no “coreto” de quem estava acostumado a ter um outro jogo.

    A meu ver, da mesma forma com a Bela Gil poder influenciar uma decisão (e seu ponto de vista deve ser respeitado – o Brasil é o maior consumidor mundial de agrotóxicos! fato que já falamos aqui no blog – aqui: http://artywebdesigner.com.br/brasil-lidera-consumo-mundial-de-agrotoxicos/).

    Não me pareça que a sua opinião seja não-embasada. Se o carbofurano é o pior entre os piores, cabe ponderação – porém a mensagem da sociedade é clara: queremos que seja reduzido este consumo.

    De mais a mais, é um movimento de politização e consciência de consumo que o Brasil está passando na rabeira de outros mercados, que já tem associações de consumidores fortes e atuantes, que sentam na mesa dos legisladores e demandam mudanças. Não creio que exista volta, e que a indústria possa usar de subterfúgios quando o seu próprio consumidor simplesmente não quer o que ela tem a oferecer.

    No Brasil, especialmente, a população em geral tem baixa confiança nas instituições (aqui entrando empresas, governos, ONGS), como mede todos os anos o Barômetro de Confiança da Edelman. Em 2016, apenas 48% dos brasileiros confiava nas instituições locais.

    Há muito o que caminhar no sentido de transparência – por parte de quem produz e legisla – para que o consumidor volte a confiar no que é “seguro” para o seu consumo, quando a mensagem parte destes dois grupos.

    Fora isso, o consumidor vai continuar acreditando mais em seus amigos (peers – 78% de confiança) e em figuras emblemáticas, do que nos CEOs das empresas (49%, como consta no mesmo relatório).

    • Marcelo Garcia

      Cristina,obrigada pelos dados que corroboram a tendência. Toda engrenagem regulatória traz algum tipo de risco: a que ocorre à portas fechadas, sob o patrocínio da de corporações, pode ignorar os interesses e até a saúde e do consumidor.
      Já a embalada por pressões populares (seja das figuras emblemáticas ou dos amigos) estão sujeitas à manipulação, falácias e modismos sem embasamento científico, podendo limitar a adoção de avanços científicos ou condenar soluções viáveis. Um exemplo é a tecnologia de irradiação, que nem mencionei aqui e que poderia ter um lugar muito maior no mercado se não houvesse preconceito contra ela.

  • Silvania Camilo

    Boa tarde!!

    Ótima explanação. Concordo e inclusive já havia questionado essa liberação, em resposta a um post.
    Ao meu ver, creio que essa abertura possa trazer riscos a saúde. Mesmo embalado, etiquetado e tudo mais, o produto pode estar contaminado.

    Essas são questões muito sérias, que não deveriam ter influencia de “personalidades”, nas decisões.

    Vamos assistir aos próximos capítulos.

    Att.

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