FSB Entrevista | Angela Busnello

6 min leitura

Nesta entrevista, nossa colunista aqui no Food Safety Brazil, a Angela Busnello, compartilha com vocês um pouco da trajetória de 15 anos como engenheira de alimentos. Angela é consultora de Gestão da Qualidade, instrutora, perita oficial do TJ/RS, perita oficial da Justiça Federal, diretora da empresa Qualität, escritora de posts, mãe do Alexandre, gaúcha e amante do espumante nacional. Entende a vida como um desafio diário, “todos os dias quando acordo sei que terei um dia bem diferente do anterior, nunca gostei da rotina, o desafio me encanta e é assim que construí minha carreira. A frase: Escolha um trabalho que você ame e não terá de trabalhar um único dia de sua vida (Confuncio), se encaixa perfeitamente na minha vida”.

1)  Na sua opinião, como a segurança de alimentos é vista pelas empresas na região sul do país, e quais são os maiores desafios? ( Ana Cláudia)

Ana, atualmente percebo a região sul tomando novos rumos na questão da segurança de alimentos. Consultorias e projetos engessados são coisas do passado, porque não atendem mais a mercados exigentes, as auditorias de clientes ou certificadoras internacionais. Hoje criatividade e bom senso são valorizados para conseguir adequar-se a normas exigentes com menos recursos disponíveis. Antigamente, consultoria terceirizada era coisa de luxo e a ISO 22000 era vendida como o monstro do pântano, ou seja, faziam dela uma ferramenta complicadíssima, e assim valorizava-se os poucos que dominavam a ferramenta. Hoje há informação disponível na internet, o blog  Food Safety Brazil é um bom exemplo disto, pois disponibiliza conhecimento de qualidade sem custo. O cenário mudou e os empresários contratam consultorias por afinidade, competência, e o diferencial são as pessoas, sua forma de atuação; de nada adianta copiar documentos, se você não sabe aplicá-los na prática.

O maior desafio o início de minha carreira: enfrentar um mercado de trabalho que desconhecia a profissão e sua importância. O maior desafio atual como empresária é encontrar pessoas preparadas, dispostas a colocar a mão na massa para atuar neste mercado promissor e exigente, com vontade de fazer a diferença e parceria.

2) Qual foi a maior lição que você aprendeu na carreira de perita? (João Paulo)

João Paulo, a maior lição é que o Brasil tem muito a desenvolver ainda no tema segurança de alimentos. A maioria dos processos judiciais poderiam ser evitados por medidas simples, como boas práticas de fabricação básicas. Algumas empresas ainda possuem a cultura da produtividade em primeiro lugar, a qualidade é vista apenas como protocolo para atender a exigências legais.

Se uma empresa possui um bom programa de gestão implementado, uma gestão de riscos de processos, e a visão da importância de um processo de gestão, evitar gastos astronômicos com processos judiciais e investir em qualidade é o melhor negócio. Infelizmente ainda estamos na cultura do remediar, e os profissionais da área ainda mostram pouco preparo na gestão de custos, o empresário precisa saber o quanto vai ganhar se investir em qualidade, saber os custos da falta dela.

3) Quais os aprendizados você leva para sua vida? Pode compartilhar conosco???

O maior aprendizado, o mais significativo, é a importância da elaboração de produtos seguros. Vivenciei danos irreparáveis na vida das pessoas por perigos que poderiam ter sido perfeitamente evitados se a cultura da segurança de alimentos estivesse implementada de maneira eficaz.  Um exemplo comum são processos realizados por perda de familiares por comer alimentos contaminados, as fraudes intencionais de funcionários por descontentamento com o empregador, milhares de pessoas afetadas por fraude de alimento por ganância, sem pensar nos danos causados as famílias.

4) Qual o maior desafio da atuação de um perito? Pode nos contar os marcos de sua história com a segurança de alimentos? (Silvana Chaves)

Silvana, o maior desafio é a diferença entre os casos, cada caso é único. Precisa estudar toda legislação envolvida para o caso, procurar o laboratório certo para analisar o produto ou quando eu mesma preciso analisar e avaliar, preciso encontrar a metodologia específica para apontar os resultados com precisão. O juiz ou promotor precisam de dados técnicos específicos e com uma linguagem de fácil compreensão, pois não são técnicos na área. 

Vou explicar um pouco sobre como funciona uma perícia de engenharia de alimentos de um alimento com objeto estranho. A prova é enviada para meu escritório, o juiz não liberou visita à fábrica, ou seja, ele vai pagar o valor mínimo apenas para elaborar o laudo, eu preciso ter conhecimentos sobre o processo e saber responder a pergunta inevitável feita pelo advogado: ”Nobre perita, é possível este objeto ser proveniente do processo da ré?” Então estudo e falo de processo produtivo em geral, pois sabemos que processos, fluxos, equipamentos, variam de fábrica para fábrica, então é sempre uma resposta subjetiva para esta pergunta, ou seja, a visita é fundamental, mas nem sempre o juiz autoriza .

Na questão de segurança de alimentos, todos os tipos de problemas são encontrados como:

Pele de rato em molhos de tomate. Eu disse pele não, disse pelo. Os ratos são triturados junto com os tomates, comprovando a falta de boas práticas e controle na recepção de  matérias primas (quando periciei molho de tomate com pele de rato pela primeira vez vomitei muito em pensar nas partes trituradas e não vistas pelo consumidor, uma pele é muito fácil de ver) ;

Pedaços de esteiras, pregos: comum em perícias encontrar por falta de manutenção preventiva e de estudo em perigos;

Cabelo: encontrado em produtos de pequenas empresas e elaborados em supermercados por falha nas boas práticas;

Dente de leite em pão de forma fatiado: o dente estava cortado pela navalha fatiadora de pão ao meio, ou seja, provável fraude do funcionário, que soube exatamente introduzir o dente no processo para ser cortado. Foi descartado a hipótese de ser proveniente da matéria prima devido as malhas do processo assegurarem a retenção de matérias estranhas com tamanho superior a 2 mm. A empresa afirmou possuir sistema de câmaras para atender ao Food Defense, possuía tudo descrito, então perguntei, posso verificar os vídeos?  A resposta foi: as gravações são apagadas em 30 dias. É um ponto a repensar, pois processos judiciais duram anos, e esta seria uma boa prova, guardar por 30 dias é o suficiente? Para perícias de nada adianta.

Pragas: comum receber produtos infestados, neste caso normalmente a fonte não é a indústria de alimentos, e, sim, é proveniente de supermercados e distribuidores, estes quando periciados não possuem controle de pragas e não realizam higienização e monitoramento dos locais infestados. Não possuem nem conhecimento de Boas práticas básicas;

São muitos casos com as mais diversas situações e na maioria o atendimento básico da segurança de alimentos seria o suficiente para evitar multas ou gastos com advogados, com longas e onerosas discussões na justiça.

5) Qual foi o caso mais esdrúxulo em que você já atuou como perita? Qual foi o seu primeiro caso? (Cristina Leonhart)

Cris, o mais esdrúxulo e engraçado foi o caso do consumidor de uma cerveja produzida por uma grande marca nacional, ao  abrir o processo deparei com a seguinte a narrativa:  “ Estava em uma noite no bar do Alemão com meus amigos e na quarta garrafa percebi uma mosca em meu copo, exijo reparação da empresa sobre o dano causado.” 

Bastante óbvio identificar que a mosca veio do bar, não é mesmo?  Depois da quarta cerveja, em um local sem proteção contra pragas, sendo a cerveja um atrativa, a visita na fábrica seria praticamente dispensável. Mas a ordem e a solicitação judicial devem ser cumpridas, ou seja, preciso ir na empresa, verificar  todos os controles, a higienização dos frascos, o controle de pragas, verificar sensores, filtrações e explicar todo processo.

O primeiro caso foi um biscoito com prego dentro, este perfurou a boca do consumidor. A juíza solicitou a realização de uma visita surpresa. Nestes casos vou com uma ordem judicial. Então uma sequência de falhas foram verificadas: a manutenção estava trabalhando ao lado da esteira de biscoitos, com muitos pregos, óleo de máquinas, parafusos… e estavam arrumando uma estrutura aérea em pleno processo de fabricação, ou seja, não existia precaução ao perigo, a esteira estava desprotegida. A peneira  do processo era apenas para grumos de farinha, ou seja, pregos vindos com a matéria prima não eram retidos nesta peneira (realizamos o teste e o prego passou pela peneira).  O detector de metais durante a inspeção estava desligado, mesmo assim realizei os teste e este não detectou o prego, não existiam planilhas de monitoramento e verificação do aparelho.

6) Qual os seus Hobbies preferidos nas suas horas vagas? (Dafné Didier)

Adoro ficar em casa, com meu filho e minha cachorra. A Ioga além de atividade física é minha forma de relaxar das longas viagens. Minha casa é meu refúgio no final de semana, amo a Serra Gaúcha, a comida italiana e as cores dos vinhedos.

7) Sei que tens uma adega particular em casa, me fala um pouco sobre essa paixão! (Dafné Didier)

Eu mesma fiz este projeto, ela é um painel de espumantes. Minha paixão por acompanhar o  processo de elaboração de espumantes: durante a safra, os aromas da fermentação aguçam todos os sentidos, tocam a alma e são inesquecíveis. Gosto de vinho para os dias frios, mas minha paixão é o espumante.

Compartilho com vocês o meu painel e minha paixão.

angela_busnello.2

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