Carne pode ter formol?

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A internet ficou polvorosa quando a mídia relançou uma matéria de dezembro alegando que uma empresa famosa do ramo de alimentos foi multada em aproximadamente R$ 7 milhões pelo PROCON do Paraná, devido um laudo laboratorial que indicava a presença de formol em uma peça bovina.  Foram analisados diferentes cortes cárneos deste frigorífico, porém apenas uma das peças – uma capa de filé resfriada embalada a vácuo – apresentou presença do formaldeído com “odor não característico”. Amostras de outras empresas também foram analisadas e nenhuma não conformidade foi detectada (saiba mais aqui).

O diretor do Procon envolvido no processo informou que os exames ocorreram devido à queixa de um consumidor que comprou duas peças de capa de filé da empresa em questão, e as mesmas estavam impróprias para o consumo. Em detrimento à queixa, várias amostras foram recolhidas pelo Procon e pela Vigilância Sanitária, sendo encaminhadas para exames no laboratório da Universidade local.

Existem vários questionamentos que eu faria como leitor e profissional do ramo:

  • Embora o formol tenha função de preservação, estagnando o crescimento microbiológico, por que uma empresa multinacional aplicaria propositalmente um produto proibido? Tantos milhões gastos em marketing e se submeter a este procedimento fraudulento seria muita estupidez;
  • Supondo que não tenha sido por ordem da alta direção, como um funcionário de “chão de fábrica” aplicaria esse produto por sabotagem? A RDC 36/09 proibiu a venda do formol 37% em farmácias, supermercado, loja de conveniência, entre outros. Isto é, a aquisição deste produto não é tão fácil;
  • Apenas em UMA AMOSTRA em questão detectou presença do formaldeído. Essa representatividade é muito baixa e pode ser considerado um viés;
  • O mesmo laudo que constatou a presença do Formol, apresentou a descrição de “odor não característico” de formol. O formaldeído é um aldeído, logo extremamente volátil. Sendo a embalagem a vácuo, não deveria apresentar algum odor estranho no momento da abertura?
  • Foi realizada contra-prova? Diante da baixa representatividade eu questionaria se não houve falha na análise laboratorial, ou seja, um resultado falso positivo.

Reflexão é importante ao nos depararmos com este tipo de informação, pois propagá-la (principalmente via internet) é como um vírus letal em um ambiente fechado. Por isso o objetivo deste post é trazer algumas informações científicas, para que possamos refletir neste caso e possivelmente para outros que virão.

Se a palavra “formol ou formaldeído” te lembra um corpo embalsamado numa mesa de aço fria, você não é exceção, porém o que é o formaldeído?

O formaldeído pertence à classe dos aldeídos, sendo um composto químico simples, feito de hidrogênio, oxigênio e carbono, cuja fórmula é CH2O (Figura 1), porém todas as formas de vida orgânicas – bactérias, plantas, peixes, animais e seres humanos – produzem naturalmente formaldeído como uma consequência dos processos em metabolismo celular (Leia aqui).

Figura 1 – Composição Química formaldeído (Formol)

molecula

Em todas as espécies animais, o formaldeído é um intermediário metabólico essencial das células, na qual pode ser formado a partir de grupos hidroximetil durante os processos de metilação e de desmetilação enzimática. Também é um composto essencial na biossíntese de purinas, timidina e certos aminoácidos (Saiba mais aqui).

As concentrações NORMAIS de formaldeído nos alimentos são resumidos pela OMS (1989): frutas e vegetais conter entre 3 e 60 mg/kg; de leite de aproximadamente 1 mg/kg; de carne e peixe 6-20 mg/kg e moluscos de 1-100 mg/kg. Água de beber geralmente contém <0,1 mg/L.

Para detecção do formol em carnes é utilizada a PROVA PARA FORMALDEÍDO, onde basicamente o reagente floroglucina reage com o formaldeído em meio alcalino, produzindo o derivado hidroximetilado, de coloração salmão fugaz (INSTITUTO ADOLFO LUTZ, 1985).

Em nota, a empresa questionou o PROCON: “solicitamos informações sobre os procedimentos e critérios usados na realização dos testes. Até agora, os laudos apresentados por eles são inconclusivos e sequer indicam a suposta quantidade de formol identificada na amostra de carne testada”. (leia aqui).

A pergunta que não quer calar é: Por que não foi revelada a quantidade (mg/kg) do formaldeído detectado na análise? Não poderia estar dentro dos limites normais? O Codex Alimentarius permite níveis seguros de inúmeros resíduos em alimentos. Constatar PRESENÇA de um resíduo não significa que a saúde do consumidor será lesada, desde que não ultrapasse os valores estipulados.

Não exerço papel de advogado, tampouco posso denegrir o status de qualidade da empresa. Meu dever é passar todas as informações pelo crivo científico e convido você a fazer o mesmo, não só desta vez, mas também para as próximas.

Segurança para o consumidor:

O Departamento de Toxicologia e Medicina do Meio Ambiente do CDC (Centers for Disease Control and Prevention), em estudo, relatou quais são os efeitos da ingestão do formaldeído em animais de acordo com a tabela abaixo (Mais informações consulte CSF e ATSDR):

Dose (mg/kg/dia) Efeitos nos animais
251 a 300 Diminuição da ingestão de água e alimento; queda de peso; efeitos gastrointestinais como erosão e úlcera; alteração bioquímica e histopatológica do fígado; alteração renal como sangue oculto, mudança da densidade e volume urinário; diminuição de expectativa de vida.
201 a 250 Sem estudos.
151 a 200 Efeitos testiculares como alteração da morfologia do espermatozoide.
101 a 150 Diminuição da ingestão de água e alimento; queda de peso; efeitos gastrointestinais como erosão e úlcera; alteração bioquímica e histopatológica do fígado; alteração renal como sangue oculto, mudança da densidade e volume urinário.
50 a 100 Diminuição da ingestão de alimento; queda de peso; efeitos gastrointestinais como erosão e úlcera; alteração bioquímica e histopatológica do fígado; alteração renal como sangue oculto, mudança da densidade e volume urinário.
0 a 50 Sem efeitos.

Referências:

INSTITUTO ADOLFO LUTZ. Normas analíticas do Instituto Adolfo Lutz. v.1: Métodos químicos e físicos para análise de alimentos. 3. ed. São Paulo: IMESP, 1985. p. 271- 272.

World Health Organization (WHO), 1989, online. Environmental Health Criteria 89, Formaldehyde. Disponível online.

Créditos de imagem: Revista Globo Rural.

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