Advogada conclui que é inconstitucional não informar a presença de alérgenos em alimentos

4 min leitura

A advogada Maria Cecilia Cury Chaddad já prestou um depoimento para o blog Food Safety Brazil, compartilhando as angústias que ela e outras mães de alérgicos passam para preservar a saúde e desenvolvimento de seus filhos.
Prestes a defender sua tese de doutorado intitulada Direito à informação: proteção dos direitos à saúde e à alimentação da população com alergia alimentar, ela compartilha a conclusão dos anos debruçada na legislação brasileira e internacional sobre alergênicos.

– Por que defender uma tese sobre direito à informação ao consumidor?
Muitos se perguntam: afinal, qual a importância de se destacar a presença de leite ou de ovo em um alimento, se essa referência já aparece de algum modo na lista de ingredientes? Por que os produtos importados e alguns nacionais trazem a informação de que podem conter traços disso ou daquilo? Essas são perguntas que já me fiz na vida (inclusive em relação à presença de glúten, que, a meu ver, obviamente não estaria presente em uma garrafa de água).
Sabe quando que essas informações passam a valer muito? Quando se descobre que há pessoas que, por razoes ainda não muito claras na medicina, nascem ou desenvolvem algum tipo de restrição alimentar por intolerância ou alergia a algum(ns) alimento(s). Nesse dia, aprendemos que há alimentos que podem ser veneno para alguns. E este é o caso do meu filho, que nasceu com sensibilidade para alguns alimentos, obrigando a nossa família a abrir os olhos para o assunto.
Para garantir qualidade de vida para ele, precisamos aprender a ler rótulos e, com o passar do tempo, vendo que ele não melhorava efetivamente mesmo com a dieta bastante restrita, isenta de 7 dos 8 principais alérgenos, descobrimos que, muitas vezes, os rótulos dos produtos alimentícios não nos informam tudo o que poderiam. Os rótulos de boa parte dos produtos disponibilizados à venda não trazem informações quanto ao risco de presença de traços de alérgenos e, no caso das pessoas que têm alergia alimentar, a dieta deve excluir o alérgeno completamente, pois o contato com qualquer substância alérgena pode desencadear o processo de reação, independentemente da quantidade envolvida.
Como sou advogada, resolvi procurar normas que tratassem da rotulagem de alérgenos, pois havia produtos com mais informações e outros com menos, o que me fez perceber que, no Brasil, não havia regra determinando a necessidade de destaque da presença de alérgenos de forma ostensiva e nem tampouco normas tratando da rotulagem de traços de alérgenos. Esse fato me causou certo espanto, pois via muitas embalagens de produtos importados com informações mais detalhadas.
Foi diante desta situação que achei por bem mudar os rumos de minhas pesquisas na pós-graduação e passei a pesquisar o tema da rotulagem de alérgenos, o que resultou na elaboração de tese de doutorado a ser defendida na primeira quinzena de junho de 2013 na PUC/SP sobre o direito à informação acerca da presença de alérgenos em alimentos como forma de se tutelar os direitos à saúde e à alimentação adequada da população com hipersensibilidade alimentar.

-Como  sua tese foi fundamentada?
O direito à saúde, um importante pilar da tese, encontra proteção em relevantes instrumentos internacionais, como a Declaração Universal dos Direitos do Homem (artigo XXV, item 1) e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (artigo 12), e, ainda, na Constituição Federal do Brasil (especialmente artigos 6º e 197).
Da leitura desses instrumentos, verifica-se que referido direito não se limita à ausência de doença, abrangendo também o completo bem-estar físico, mental e social, sendo dever do Estado salvaguardar tal direito, o que, no caso da população alérgica, se dá especialmente com a adoção de medidas que garantam o acesso à informação quanto à presença de alégenos em alimentos.
Paralelamente, foi analisado o arcabouço normativo relacionado ao direito à alimentação, umbilicalmente relacionado ao direito à saúde, cujo fundamento é encontrado na Declaração Universal dos Direitos do Homem (artigo XXV), no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (artigo 11) e na Constituição Federal (artigo 6º).
Neste ponto, destaca-se o entendimento do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU acerca do tema no sentido de que o direito à alimentação abrange três elementos: (i) disponibilidade; (ii) adequação; e (iii) acessibilidade, ganhando maior relevo para a tese a questão da adequação, tendo em vista a interpretação de que esta abrange não apenas a garantia de um “pacote de calorias”, eis que estaria atrelada também à observância das necessidades dietéticas de cada indivíduo.
Ora, se uma pessoa com alguma restrição alimentar não pode consumir um dado alimento, a sua alimentação adequada somente será garantida se ele estiver em condições concretas de evitar o seu consumo, o que demanda necessariamente a disponibilização de informações de forma clara, precisa e acessível.
Ademais, a fim de avaliar a viabilidade de se propor norma impondo o dever de rotulagem destacada de alérgenos, inclusive na forma de traços, foi feito um levantamento das normas sobre rotulagem brasileiras, em sentido amplo, assim como foram analisadas normas sobre rotulagem de alérgenos no direito estrangeiro, passando pela União Europeia, Estados Unidos, Canadá, Japão, Chile e a proposta de regulação que tramita no âmbito do Mercosul, oportunidade em que se verificou que o Brasil está muito aquém em matéria de regulamentação da rotulagem de alérgenos.

-Qual foi a conclusão do seu trabalho?
Após a análise das normas mencionadas e tendo como fundamento o disposto na Constituição Federal, nos tratados internacionais e no Código de Defesa do Consumidor, foi possível sustentar que a adoção de normas sobre rotulagem de alérgenos não só é viável no ordenamento jurídico brasileiro, por não haver impedimentos legais, como é medida de extrema relevância em vista da importância de se salvaguardar o direito à saúde e à alimentação adequada da população alérgica, o que somente se viabiliza por meio da disponibilização de informações precisas nos rótulos dos produtos e junto aos canais de atendimento ao cliente.

Para quem quiser assistir à defesa, que é pública:
Direito à informação: proteção dos direitos à saúde e à alimentação da população com alergia alimentar
11 de junho, 14:30
Local: PUC São Paulo
Rua Monte Alegre, 984

 

16 thoughts on

Advogada conclui que é inconstitucional não informar a presença de alérgenos em alimentos

  • Juliana Balage

    Olá Juliane,
    Muito interessante esse seu post! Esse é um assunto te extrema importância para a população geral e também para aquele que trabalham com alimentos como eu.
    Eu poderia reproduzi-lo no meu Blog (Com os devidos créditos)?
    Desde já obrigada.
    []s
    Juliana

    • Marcelo Garcia

      Oi Juliana,
      Que bom que gostou. O objetivo do blog é multiplicar informação, portanto, siga em frente!
      Aproveite para nos contar qual é o seu blog!

  • Rogéria Rizette

    “Os rótulos de boa parte dos produtos disponibilizados à venda não trazem informações quanto ao risco de presença de traços de alérgenos e, no caso das pessoas que têm alergia alimentar, a dieta deve excluir o alérgeno completamente, pois o contato com qualquer substância alérgena pode desencadear o processo de reação, independentemente da quantidade envolvida.

    Isso resume toda a preocupação que sinto ao comer qualquer coisa industrializada. Sou mãe de uma neném de 3 meses e precisei restringir o leite animal e a soja da minha alimentação porque minha filha é alérgica aos dois, e ainda estou amamentando. Não demorei a perceber que, mesmo evitando os produtos que não continham soja ou leite na listagem de ingredientes, minha filha continuava com as crises alérgicas. A saída foi cortar tudo que era industrializado, fazer tudo em casa, pois não dá para confiar que não vai haver traço de leite e soja que não foram mencionados. Só assim conseguimos controlar o quadro alérgico.

    Boa sorte na sua defesa, e vamos esperar que um dia se reconheça a importância de haver uma legislação que obrigue as empresas a informar a presença de ingredientes alérgenos em seus produtos.

    • Maria Cecília Cury Chaddad

      Obrigada por seu comentário.
      Do lado de cá, não vou esperar por nada. Vou atrás! Se puder divulgar dentre seus conhecidos a importância da rotulagem de alérgenos, ajudará demais. Sonho que se sonha junto é realidade, certo!?

  • Bettina

    Também tenho um filho c alergia alimentar e sofro muito c as embalagens dos alimentos q muitas vezes “omitem” os ingredientes dos alimentos. Tenho quase certeza q o q desencadeou esta alergia foi a ingestão de leite solúvel q foi dada ao meu filho na maternidade Sao Luiz, no 1o ano de vida do meu filho sem o meu consentimento. Um descaso q conde causar diversos danos, na minha opinião de Mae, neouropsicomotor para o RN. Parabéns pelo trabalho. Como faço para receber News do seu trabalho? Obrigada Bettina

    • Maria Cecília Cury Chaddad

      Bettina, meu filho nasceu na mesma maternidade e, mesmo sem ter recebido qualquer LA (fui checar no prontuário através de conhecidos que lá trabalham), apresentou sintomas desde muito cedo. O fato é que, independentemente da causa, temos que lidar com os desafios da rotulagem insatisfatória, dos SACs desinformados e mal treinados e, ainda, com os questionamentos por parte de pessoas próximas e da escola! Longa jornada, não?!
      Academicamente, a tese foi aplaudida, o que foi muito gratificante. Ganhamos adesão de pessoas que, até então, não precisaram parar para pensar nesta causa tão urgente.
      Na medida do possível, compartilharei neste espaço (foodsafetybrazil.com) os avanços.

  • Ivone Parreiras

    …é medida de extrema relevância em vista da importância de se salvaguardar o direito à saúde e à alimentação adequada da população alérgica, o que somente se viabiliza por meio da disponibilização de informações precisas nos rótulos dos produtos e junto aos canais de atendimento ao cliente.˜
    Sim, as informações precisas são de suma importância/sobrevivência, para muitos alérgicos. Gostaria de receber post sobre o resultado de sua defesa.

    • Maria Cecília Cury Chaddad

      A banca foi um sucesso, graças a Deus.
      Os professores demonstraram bastante adesão à causa, ofereceram sugestões para melhor abordagem do tema na prática.
      Uma verdadeira aula.
      Obrigada pela torcida.

  • Fernanda

    O alérgico tem um direito constitucional ignorado. Quanto tempo será que leva para o Brasil se assemelhar aos países referência em rotulagem? Eu imagino que tenha muito trabalho pela frente… meu filho também é alérgico, completa 5 anos domingo, e assim como o da Cecília foi muito prejudicado pela rotulagem, ainda não está curado. Pra quem “estuda” o universo da alergia alimentar é frustrante saber que se você fosse alérgico nos EUA, por exemplo, teria um “mundo” adequado à sua restrição, teria restaurantes, padarias, mercados, etc que poderia frequentar sem problemas. Aqui o alérgico tem que procurar “brechas” para se inserir na sociedade, contar com informação de SAC para tudo,cria traumas psicológicos para tratar os físicos, ou seja, a constituição não o contempla. Parabéns pela escolha do tema, a nossa luta não é diferente das das outras minorias!

    • Maria Cecília Cury Chaddad

      Fernanda, foi esta constatação, a partir da comparação com outros ordenamentos jurídicos, de que é possível um mundo mais inclusivo para as pessoas com alergia alimentar que me deu força para escrever minha tese.
      Quanto mais divulgarmos esse assunto, maior a chance de que haja um movimento mais concreto de rotulagem no futuro próximo.

  • Maria Cecília Cury Chaddad

    Oi, Juliana.
    Procurei por seu blog sem sucesso. De minha parte, pode divulgar este tema.
    Obrigada pelo interesse.

  • controledequalidade@oggisorvetes.com.br

    Matéria sobre rotulagem/alergenicos.

  • Daiana Schutzler

    Descobri recentemente que meu filho Arthur tem alergia amendoim. E em contato com esse mundo dos alérgicos me deparei com diversas situações que antes desconhecia e uma delas é que bolachas ou chocolates podem contem na massa derivados de amendoim sem conter essa informação no rótulo, o que pode ser fatal para meu filho. Por isso Cecília, parabéns pela atitude. Precisamos que os rótulos tenham essas informações (EUA isso é lei).

    • Maria Cecília Cury Chaddad

      Daiana,
      Agradeço por seu comentário. Como você, fico surpresa com o fato de que o Brasil não segue o exemplo de outras nações que, com sucesso, rotulam os alérgenos de maneira destacada nos rótulos dos produtos.
      Ainda hoje, estava lendo uma pesquisa promovida por um médico do Mount Sinai Medical Center em 2012 que mostrou as estatísticas de reações advindas do consumo de substâncias alérgenas APESAR DA INDICAÇÃO DESTACADA NO RÓTULO (http://pediatrics.aappublications.org/content/130/1/e25.full.pdf). Por aqui, onde não temos esse tipo de norma, em um país no qual se exigir que um leigo saiba identificar as proteínas quando a nomenclatura foge do comum (caseinatos para leite, por exemplo).
      Caso ainda não tenha lido, sugiro a leitura do seguinte texto: http://www.asbai.org.br/revistas/vol351/vol351-artigos-de-revisao-01.pdf.
      Em tempo, como a rotulagem preventiva (contaminação cruzada) ainda é tema em aberto mesmo noutros Países, não deixe de ligar nos SACs sempre (http://foodsafetybrazil.com/dia-do-saco-cheio/).
      Boa sorte nos cuidados com seu filho.

  • Elaine Suely Andrade dos Passos

    Maria Cecília li a matéria que foi publicada na Folha de São Paulo e me interessei pelo assunto pois vou escrever uma dinâmica com subsídios teóricos para os pais que frequentam o Projeto Primeira Infância Completa (PIC) da Secretaria Municipal de Educação do RJ. É a primeira vez que lido com o tema e gostaria de mais subsídios. Procurei sua tese na internet mais não fui feliz na busca. Você pode disponibilizá-la?
    Aguardo notícias,
    Abraços e Parabéns,
    Elaine

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