Em termos industriais, determinar a vida de prateleira ou o prazo de validade dos alimentos é um verdadeiro desafio.
Depois de produzido, um alimento pode ser estocado sob várias temperaturas e condições de umidade. Não existe uma fórmula mágica capaz de contemplar todas as variações. O que se considera, então, são os testes acelerados, nos quais o alimento é armazenado em temperatura e/ou umidade relativa superiores às usuais, para acelerar as reações. As alterações que ocorrem sob diferentes condições são analisadas e são elaborados modelos matemáticos capazes de prever, com alguma segurança, por quanto tempo o alimento permanecerá aceitável.
Na literatura específica, há diversos estudos que contêm informações úteis para quem deseja fazer um estudo de prazo de validade dos alimentos.
Woodroof sugere estocar os alimentos a 38°C e extrapolar os resultados (perda de cor, sabor, textura, valor nutritivo) para temperaturas mais baixas, considerando uma duplicação da velocidade da reação a cada incremento de 10°C na temperatura. Por este critério, a vida de prateleira a 28°C seria o dobro daquela a 38°C. O autor ainda menciona que estudos paralelos devem ser realizados em temperaturas mais próximas daquelas esperadas para o armazenamento a fim de confirmar esta relação. Já para os alimentos congelados, a cada incremento de 3°C na temperatura de estocagem, a velocidade de deterioração aumenta de 2 a 2,5 vezes. Assim, um produto que manteria suas características por 1 ano se fosse estocado a -18°C, pode sofrer as mesmas alterações em 1 mês se for estocado a -9°C.
Outro pesquisador, Hoofnagle, recomenda estocar amostras em várias condições de temperatura e umidade relativa e analisá-las periodicamente. Segundo ele, um procedimento simples para produtos enlatados seria utilizar um lote de 180 amostras, dividindo-o em 100 amostras a 22°C, 50 a 38°C e 30 a 50°C, com análises periódicas a 36, 18 e 3 meses, respectivamente. Segundo este autor, a estocagem a 50°C acelera em 10 vezes a velocidade da reação em relação a 22°C e a estocagem a 38°C acelera em 2 a 3 vezes.
Já participei de estudos para determinar o prazo de validade de balas. Constatamos que as balas armazenadas a 35°C sofriam, em 50 dias, as mesmas alterações sensoriais (perda de brilho, cor e sabor) que balas armazenadas por 9 meses a temperatura ambiente. Neste mesmo estudo, foi interessante constatar que, enquanto as análises sensoriais demonstravam uma sensível perda de qualidade, as análises químicas, como umidade, pH e teor nutricional não indicavam nenhuma alteração.
Num estudo de prazo de validade dos alimentos, os parâmetros considerados críticos podem ser:
- O crescimento bacteriano;
- O aumento ou diminuição de pontuação numa escala de avaliação organoléptica;
- Perda de nutrientes;
- Alteração de sabor causada por oxidação ou hidrólise de gorduras;
- Ganho ou perda de umidade, com alteração de textura;
- Aumento na concentração de estanho e chumbo no caso de produtos enlatados.
Existem modelos matemáticos sofisticados, que expressam as alterações de um alimento em formas gráficas, em termos de três ou mais variáveis. Para quem deseja se aprofundar neste assunto, indico a leitura do livro Reações de Transformação e Vida de Prateleira de Alimentos Processados, uma publicação do Instituto de Tecnologia de Alimentos (ITAL), com a participação de vários pesquisadores. O próprio ITAL oferece anualmente um curso que aborda especificamente este assunto, normalmente no segundo semestre do ano – consulte aqui.
Para terminar, sugiro a leitura da excelente revisão bibliográfica publicada no Boletim do ITAL, v. 17, n.4: Aspectos gerais sobre a vida de prateleira de produtos alimentícios, de Antonio Carlos Dantas Cabral e Maria Helena Costa Fernandes, onde constam as informações sobre os trabalhos citados no início deste texto. Quem se interessar por este material deve se dirigir diretamente ao ITAL.
“Vida de prateleira de um alimento é o tempo em que ele pode ser conservado sob determinadas condições de temperatura, umidade relativa, luz, etc, sofrendo pequenas, mas bem estabelecidas alterações que são, até certo ponto, consideradas aceitáveis pelo fabricante, pelo consumidor e pela legislação alimentar vigente” (do livro Reações de Transformação e Vida de Prateleira de Alimentos Processados).
Leia também:
Data de validade é obrigatória para todos os alimentos?
A data de fabricação nos alimentos embalados é obrigatória?
Alimentos “politicamente seguros”: arsênio, agrotóxicos e mais
Imagem: Limer pack
Marilia
Boa tarde. Gostei muito da matéria e gostaria de saber se voces indicam algum laboratório que faça teste de shelf life acelerado em produtos industrializados?
Grata,
Marcelo Garcia
Marília, o blog não indica produtos ou serviços.
Willian Gomes
Parabéns pelo ótimo artigo! Suas publicações, assim como todas as outras do site têm me ajudado muito a desenvolver meus conhecimentos, ainda básicos, na área alimentícia. Sou estudante de Engenharia de Alimentos na UFLA e logo espero estar trabalhando no setor de segurança dos alimentos.
Paulo Afonso Rossignoli
Muito bom o artigo.
Estou desenvolvendo uma formulação do doce de amendoim com leite condensado, mas tem ficado açucarado e quebradiço. Você tem alguma sugestão para melhora da qualidade ?
Muito obrigado
Humberto Soares
Paulo,
Sua fórmula teria que ser analisada em detalhes, mas experimente utilizar xarope de glicose para diminuir a cristalização, reduzindo um pouco a quantidade de açúcar.
adriana carvalho
Bom dia,
a legislação OBRIGA o teste de shelf life?
onde posso verificar isso?
trabalho em uma empresa que ainda não possui o teste comprovadamente (apenas uma estimativa informal) . podemos ser autuado por isso?
obrigada
Humberto Soares
Adriana,
A legislação obriga a declarar o prazo de validade. Cada empresa é responsável pela maneira como determina este prazo. O importante é que, quando conservado seguindo as indicações do fabricante, o alimento deve garantir ao consumidor suas qualidades nutricionais e sanitárias por todo o prazo de validade.
Você pode consultar a Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), assim como a Resolução 259/2002, da Anvisa, que estabelece os critérios de rotulagem de alimentos.
Há um post no blog que também pode lhe ser útil: http://foodsafetybrazil.org/data-de-validade-e-obrigatoria-para-todos-os-alimentos/#more-23001
Pedro Kenichi Lorandi
Humberto, ótimo artigo! Muito esclarecedor!
Tenho algumas dúvidas relacionadas ao assunto, porém com um outro enfoque. Você poderia me enviar seu e-mail para conversarmos? Fico aguardando seu retorno! Obrigado!
Valéria Monteiro da Silva Eleutério Pulitano
Parabéns, ótimo artigo! Um grande abraço. Gostaria de manter contato com você através de email.
Humberto
Oi, Valéria
Satisfação em revê-la. Enviei msg para seu endereço.
Grande abraço
Paula
Você pode me indicar um curso sobre Extensão de vida de prateleira por teste de shelf life acelerado?
Humberto
O melhor curso de shelf life que fiz foi o do Ital, realizado anualmente. Infelizmente, reduziram a carga horária deste curso pela metade, o que pode ter prejudicado sua abrangência. Mesmo assim, é o que eu recomendo. Tenha em mente que, para determinados casos, um curso só vai lhe dar uma direção e será preciso mais pesquisa e trabalho individual para obter resultado final.
Paulo Rogério Franchin
Eu trabalho na área a 30 anos e sempre uso três temperaturas. Depois trabalho os dados com programas específicos que mais se enquadram aos dados coletados
O resultado sempre é quase 10
Ana Lúcia Lopes Sachetto
Boa tarde
Alguém poderia compartilhar a revisão bibliográfica publicada no Boletim do ITAL, v. 17, n.4: Aspectos gerais sobre a vida de prateleira de produtos alimenticios?
Analu Abreu
Olá. Trabalho fornecendo pão de mel e alfajor para o comercio local, porém preciso aumentar o tempo de validade para colocá-los em comercio maiores. Como faço e quem preciso procurar para saber como e o que usar nos meus produtos?
Obrigada.
Humberto
Oi, Analu
Seu caso é para uma consultoria específica. Um profissional com boa formação na área de alimentos, avaliando sua formulação, as características de seu produto final e o grau de proteção que a embalagem confere ao alimento, poderá lhe indicar a melhor alternativa.
Jaqueline
Gostei muito das informações, trabalho em uma empresa de temperos naturais (desidratados), preciso fazer o teste de shelf life, colocar em estufa a 38°C seria o suficiente? Conhece algum artigo sobre temperos para me indicar?
humberto
Jaqueline
Inicialmente, é preciso armazenar o alimento em pelo menos 2 temperaturas controladas, para obter um gráfico e calcular os parâmetros cinéticos das reações. Não conheço trabalhos específicos sobre shelf life de temperos;sugiro consultar as plataformas Scielo e Elsevier.
piscilla
Bom dia Humberto,
Estou a procura de uma empresa que aumente o Shelf life do meu produto. Trabalho com um tipo de bolo coberto com chocolate industrializado mas o meu tempo de prateleira me limita para 30 dias e estou precisando no minimo de 60. Aqui no meu estado não tem nenhuma empresa que possa me ajudar. Qual voce indica aqui na regiao nordeste??
humberto
Piscilla
Na sua região também não conheço empresas que façam este trabalho e o blog não tem a política de fazer este tipo de divulgação. Sugiro entrar em contato com os departamentos de Engenharia de Alimentos ou Tecnologia de Alimentos das universidades públicas que estiverem mais próximas do seu negócio. Várias instituições têm empresas-júnior onde alunos em final do curso trabalham em pequenos projetos orientados pelos professores. Este tipo de atividade costuma ter baixo custo porque representa melhoria de formação dos alunos. Mesmo se não tiverem empresa-junior, converse com professores da área, talvez lhe indiquem uma solução.
Marina de Souza
Boa tarde, eu preciso realizar um teste de Shelf life no meu produto. Gostaria de saber onde consigo arranjar artigos ou mais informações sobre Woodroof
humberto
Marina,
Neste link, é possível encontrar referências para vários trabalhos deste pesquisador:
https://link.springer.com/chapter/10.1007%2F978-94-011-7385-8_14
Sugiro também consultar o ITAL e a biblioteca da FEA/Unicamp.
Clayton
Humberto Soares como fazer o cálculo de um pão, pra achar a perda de umidade pão tipo Hambúrguer. Um exemplo de g, do produto 64,6
Humberto
Sua pergunta está incompleta.
Fernanda Brito
Olá Humberto!
Preciso estipular um prazo de validade para batata palha que será comercializada em embalagens maiores que as que vemos normalmente nas prateleiras.
Você acha que só uma análise sensorial mensal, ou quinzenal com provadores treinados e uma posterior análise microbiológica quando for notado alterações orgnanolépticas no produto seria suficiente para essa determinação?
obrigada.
humberto
Fernanda,
Analise se, além do tamanho, o material de embalagem será exatamente o mesmo e considere também as embalagens secundárias, caixas, etc. A periodicidade da análise sensorial vai depender do histórico de alteração do produto. Se as reações são rápidas, o período deve ser curto. Quanto aos testes microbiológicos, recomendo sua realização independentemente das alterações organolépticas, pois pode haver contaminação sem alteração sensorial. Como a embalagem é maior, o consumo pode não ocorrer numa única vez. Neste caso, informe também a validade depois de aberto o pacote.
Gabriel Kaneko da Silva
Humberto, teria alguma maneira de estipular a vida de prateleira de um alimento sem fazer análises? Talvez algum material para fazer comparações ou alguma coisa na legislação que permita isso?
Sou de uma empresa júnior de engenharia de alimentos e estamos com um problema neste tipo de serviço. Caso puder, me envie um e-mail, por favor!
Obrigado desde já!
humberto
Gabriel,
Se já houver produto bastante semelhante no mercado, pode-se tomar esta validade como “ponto-de-partida”, porém um trabalho sério não pode dispensar análises de acompanhamento.
Allan Batista
Olá Humberto!
Gostaria de saber se você indica algum artigo para realizar testes acelerados do tempo de pratilheira de balas e pirulitos. Em sua publicação o sr. mencionou que já fez análises nesse grupo alimentar, qualquer informação será muito bem vinda. Tenha um ótimo dia!
humberto
Allan,
Parte do trabalho foi publicada no BJFT, revista do ITAL, disponivel em:
http://www.ital.sp.gov.br/bj/artigos/bjft/2006/p06244.pdf
Outra parte saiu nos anais deste Congresso:
https://docs.ufpr.br/~erscta8/pagcqa.htm
O restante permaneceu como tese de mestrado de Regiane Barbieri Mazzoni, disponível apenas na biblioteca da Universidade Estadual de Londrina.
Fábia Sabino
Oi Humberto, por acaso li sua matéria agora e gostaria de mais informações sobre o tema, para realizar estudos de shelf life. Você poderia me passar um e-mail de contato?
Parabéns, ótima matéria.
Humberto Soares
Obrigado, Fábia. O blog não oferece consultoria a questões personalizadas. Enviei mensagem para seu e-mail.
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Ilana
Gostaria de ter acesso as suas sugestões de leitura. Meu trabalho da Pós é exatamente sobre esse assunto. Não consigo ter acesso ao material da ITAL.
Humberto Soares
Oi, Ilana
Você deve entrar em contato diretamente com o ITAL. No site do instituto (http://www.ital.sp.gov.br/), utilize a opção “Fale conosco” e faça sua solicitação.
Abraços
Regina
Humberto, estou buscando mais informações sobre shelf life acelerado. Você pode por favor me passar um e-mail de contato?
Humberto Soares
Oi, Regina
Sugiro consultar os materiais sugeridos no texto. O blog não fornece consultoria para questões personalizadas.
Pingback:
Larissa
Para produtos refrigerados, no teste acelerado, qual o incremento de temperatura recomendado para dobrar a velocidade de reação?
Humberto Soares
Larissa
Vai depender do alimento e dos parâmetros críticos. Para uma primeira avaliação, pode-se considerar 10 graus acima da temperatura de refrigeração usual.
Rosana Mendes Roversi
Humberto, assim que comecei a ler o artigo desconfiei que seria de sua autoria. pela qualidade da redação. No final confirmado. Estou iniciando um estudo de vida útil de vinho em lata. Pretendo usar 38°C para acelerar as alterações. Vamos ver o resultado!
Um abraço
Humberto Soares
Oi, Rosana
Obrigado pelo retorno. É bom saber que os leitores apreciam nosso cuidado. Sobre o seu estudo, envie-nos um resumo quando terminarem, para publicarmos. Este assunto (prazo de validade) é sempre um desafio em nossa área.
Grande abraço pra você!
Rodrigo meireles
Olá humberto !
Sou fabricante de balas, minha produção é em tacho aberto, produzo atualmente balas mastigaveis usando a proporcão 70/30 açúcar/glucose e coloco acido citrico no inicio do processo. Alguma sugestao pra evitar a mela das balas, sei que em tacho aberto é um pouco dificil.
Humberto Soares
Rodrigo,
Não adicione ácido cítrico no início do processo. Este ácido vai “inverter” o açúcar e provocar a mela das balas. Só adicione o ácido DEPOIS da massa cozida. Pode colocar antes do estiramento da massa nas “puxadeiras”.