Tenho certeza que você, assim como eu, já teve a experiência de comprar uma bandeja de morangos e notar que grande parte deles (normalmente, os que ficam escondidos na parte inferior) estão em processo de deterioração já avançado, muitos deles já com fungos de forma escancarada. Ou então deixou os pães de forma no armário e, antes de expirar o prazo de validade deles, notou bolor em uma das fatias.
Como agir nesses casos? Devemos descartar todo o produto? Ou podemos retirar os pedaços com fungo e ingerir o restante?
Confesso que já li de tudo: quem pregue que não faz mal e devemos parar de desperdiçar alimentos, e quem garante que não devemos arriscar nossa saúde e, assim, descartar todo o produto.
Aqui no blog mesmo já noticiamos uma pesquisa do ITAL garantindo que, cortando o pedaço deteriorado da maçã + 1 cm de margem não haveria qualquer risco à saúde. Será que esse raciocínio vale para outras frutas também?
Não, não vale. No caso de deterioração por fungos, o tipo do alimento é um fator muito importante para entender riscos de consumo ou não.
O Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) disponibilizou em seu portal uma lista de perguntas e respostas sobre os fungos, esclarecendo dúvidas importantes.
De forma bem simplificada:
- Existem centenas de milhares de tipos de fungos, sendo a maioria filamentoso e produtor de esporos. São os esporos que dão aos fungos as cores que notamos no produto deteriorado. Os fungos possuem raízes profundas que, muitas vezes, não são visíveis;
- Alguns fungos são causadores de reações alérgicas e problemas respiratórios. E ainda, em determinadas condições, alguns fungos produzem micotoxinas, como a famosa aflatoxina, que tem danos cumulativos no organismo e está associada a alguns tipos de câncer;
- Alguns tipos de queijos, por exemplo, são produzidos com fungos, sem qualquer risco à saúde.
Alimentos firmes, como frutas e vegetais duros (vide caso acima da maçã) são mais seguros para “cortar a parte deteriorada com fungo” e ingerir o restante, pois a condição do alimento não permite que as raízes do fungo se espalhem pelo alimento. No caso do pão, embora seja um alimento sólido, tem uma superfície muito porosa, assim, é muito fácil para o fungo se espalhar por todo o produto, ainda que não esteja visível. O mesmo vale para as frutas macias, como os morangos.
Para facilitar esse entendimento, o USDA disponibilizou uma tabela com as recomendações para cada caso, simplificada a seguir:
TIPO DE ALIMENTO | O QUE FAZER | POR QUE FAZER |
Embutidos, bacon, salsichas, carnes cozidas, pratos prontos caseiros (como lasanha, por exemplo), grãos cozidos (feijão cozido, por exemplo), | Descartar | Produtos com alto teor de umidade podem ter contaminação por fungos além da superfície visível. Também pode haver crescimento de bactérias em paralelo ao crescimento dos fungos |
Salames duros e embutidos defumados | Usar. Retirar a superfície visível do fungo | Para esses produtos, o crescimento de fungos na superfície é considerado normal |
Queijos firmes, duros (cujo processamento não seja baseado na maturação com fungos) | Usar. Cortar, pelo menos 2,5 cm em torno e abaixo da superfície visível do fungo (evitar contato da faca com o fungo para não contaminar as outras partes do queijo). Depois de retirar a parte deteriorada, recobrir o queijo com embalagem limpa | Pela textura firme, os fungos não conseguem penetrar profundamente no queijo |
Queijos feitos com fungo (como Roquefort, Gorgonzola, Brie, Camembert) | Nos queijos macios, como Camembert, descartar o produto contaminado com fungos diferentes do esperado para o queijo.Em queijos duros, como o Gorgonzola, proceder como descrito acima para os queijos firmes | Fungos que não fazem parte do processamento do queijo podem ser perigosos |
Queijos macios (como Cottage, cream cheese)Todos os tipos de queijos fatiados | Descartar | Produtos com alto teor de umidade podem ter contaminação por fungos além da superfície visível. Também pode haver crescimento de bactérias em paralelo ao crescimento dos fungos. Nos fatiados, a contaminação pode ser proveniente do equipamento fatiador |
Geléias | Descartar | O fungo pode ter produzido micotoxinas |
Frutas e vegetais, FIRMES (como repolho, pimentão, cenoura, etc) | Usar. Cortar, pelo menos 2,5 cm em torno e abaixo da superfície visível do fungo (evitar contato da faca com o fungo para não contaminar as outras partes do produto) | Pequenos pontos com fungos podem ser cortados de frutas e vegetais firmes. A textura dificulta que o fungo penetre profundamente no alimento |
Frutas e legumes, MACIOS (como pepinos, tomates, pêssegos, etc) | Descartar | Frutas e vegetais macios podem ter contaminação por fungo além da superfície (ainda que não esteja visível) |
Pães e bolos assados | Descartar | Alimentos porosos podem estar contaminados além da superfície visível |
Assim, caros leitores, a orientação do USDA é para descartamos toda a bandeja de morangos e a embalagem de pães de forma! Claro que muitos dirão: sempre fiz isso e nunca me fez mal!
Enfim, a decisão é pessoal, mas que vale a reflexão, sempre vale!
A dica é tentar consumir esses produtos mais propensos à deterioração por fungos tão logo sejam comprados. E nunca estocar em casa! E, pensando mais a fundo, acho que vale abrir a bandeja de morangos ainda no caixa do supermercado. Tem fungo: nem leva para a casa!
E vocês, o que pensam a respeito?
Fonte de imagem: Forum Microbiologia
Marilucia Bonassi
Prezados Colegas;
Além de nos preocuparmos diariamente com os requisitos de Segurança dos Alimentos que ingerimos, como artigo apresentado pela ação dos bolores nos aimentos em geral,devemos nos questionar também quanto a qualidade nutricional destes após as alterações bioquímicas sofridas, além das organolepticas que não são consideradas, principalmente se estes produtos são comercializados sem fonte de procedência e registros junto aos órgãos governamentais
Graziela Junqueira
Obrigada por complementar, Marilucia.
Nosso foco aqui é a Segurança do Alimento, mas também é muito importante acrescentar as perdas nutricionais.
Tatiane
Muito bom este post!
Graziela Junqueira
Obrigada, Tatiane.
Vinicius
Interessante, mas esta distinção entre o que é vegetal duro e macio não é muito objetiva. Ao meu ver, pêssego pode ser mais duro que pimentão ou repolho. Já comprei pessego que é difícil morder, por ex. O que eu percebo é que, se a fruta ou legume está com uma pequena parte podre, mas o restante turgido, firme, com aspecto saudável, significa que as células estão vivas e se defendendo dos fungos e bactérias que tentam avançar, e que efetivamente conseguem apenas quando as celulas morrem. O mesmo já não vale para o pão, que não é um alimento composto por celulas vivas, mas sim um substrato inanimado cuja defesa são os conservantes artificiais, quando há. Neste caso, quando os esporos são visíveis, realmente as hifas já estão por toda parte, pois o conservante já não faz mais efeito. Agora, considerando que as toxinas são proteínas, o cozimento não as desnatura?
Michel lacerfa
Se eu comer os demais morangos q estava juntos com os mofados faz mal?
Keli Sant
E se descartar a parte com mofo e fazer higienização com hipoclorito?
Emiliana
Foi de extrema importância este conteúdo pra mim. Comprei uma bandeja de morango e o vendedor me deu duas caixas pelo preço de uma, já que estava estragando (em uma das embalagens tinha um morango preto). Comprei para fazer bolo e vender, e não sei ao certo se fazer geléia deles mataria os fungos. Prefiro não me arriscar a perder a confiança dos meus clientes.
Eu não gostaria de comer algo que foi feito com com ingredientes de má qualidade
O vendedor dos morangos não corre perigo por acusação de intoxicação alimentar ao vender produtos assim?