Hoje parece impossível ir ao mercado sem encontrar embalagens estampando frases como “rico em ferro”, “fonte de cálcio” ou “enriquecido com vitaminas do complexo B”.
Somado a isso, cresce o consumo de suplementos multivitamínicos e packs prontos, muitas vezes sem orientação profissional.
O resultado? Uma equação perigosa: nutrientes essenciais sendo consumidos muito além da quantidade recomendada.
A nutrigenômica, ciência que estuda como nutrientes interagem com nossos genes, mostra que cada pessoa responde de forma diferente aos alimentos. Mas na prática, estamos vivendo o oposto da personalização: uma avalanche de fortificação industrial mais a suplementação indiscriminada que ignora a individualidade e empurra muitos para o risco da hipervitaminose.
Neste artigo você vai entender:
- Como a nutrigenômica se conecta à segurança de alimentos;
- O impacto da fortificação em larga escala nos industrializados;
- A sobreposição com suplementos e os riscos do consumo desenfreado;
- Como fazer escolhas mais seguras e conscientes no dia a dia.
O que é nutrigenômica
A nutrigenômica busca compreender como genes e nutrientes interagem. Ela abre caminho para dietas personalizadas, adaptadas ao DNA de cada indivíduo. Mas enquanto a ciência caminha nessa direção, o mercado de alimentos e suplementos empurra a população para o excesso padronizado.
A nutrigenômica emergiu no início dos anos 2000 com o avanço das tecnologias de sequenciamento genético, possibilitando compreender como as variações no DNA influenciam a resposta individual aos nutrientes. Inicialmente focada em pesquisas laboratoriais, a área vem evoluindo para aplicações práticas, como dietas personalizadas, que buscam otimizar a saúde e prevenir doenças através da alimentação alinhada ao perfil genético de cada indivíduo. Este avanço tecnológico permitiu ampliar a compreensão da interação gene-nutriente, marcando uma revolução na ciência nutricional.
O boom da fortificação industrial de alimentos
Farinha de trigo enriquecida com ferro e ácido fólico, leite “rico em cálcio e vitamina D”, cereais matinais “fortes em vitaminas”, bebidas lácteas com adição de zinco… A fortificação tem sua importância na prevenção de deficiências de nutrientes na população (exemplo clássico: redução da anemia com a fortificação de farinhas).
Mas quando somamos todos os produtos que consumidos diariamente, biscoitos, achocolatados, pães, bebidas, a ingestão de micronutrientes pode ultrapassar com facilidade a Ingestão Diária Recomendada (IDR).
Algumas variações genéticas comuns ilustram o impacto dessa individualidade alimentar. Como exemplo, polimorfismos no gene MTHFR (metilenotetrahidrofolato redutase) podem influenciar a metabolização do ácido fólico, essencial para prevenir defeitos congênitos em fetos. Pessoas com variantes menos eficientes desse gene podem necessitar de diferentes formas ou quantidades de folato. Outro exemplo é a intolerância à lactose, genética e comum, que determina a capacidade de digerir o açúcar do leite. Além disso, variações que afetam o metabolismo da cafeína, do álcool e do sódio podem modificar os riscos de consumo padrão desses componentes em alimentos industrializados. Ignorar essas diferenças, especialmente quando há uma fortificação padronizada, pode levar a efeitos adversos para muitos indivíduos.
Suplementos + alimentos industrializados = sobreposição perigosa

Agora imagine esse cenário:
- Café da manhã com cereal enriquecido, leite fortificado e suco adicionado de vitamina C;
- Almoço acompanhado de um multivitamínico “para garantir energia”;
- Pré-treino com pack de cápsulas contendo as mesmas vitaminas já presentes nos alimentos.
Essa sobreposição silenciosa pode levar a quadros de excesso, muitas vezes confundidos com “sintomas vagos” como dor de cabeça, enjoo, fadiga e que em casos mais graves evoluem para problemas hepáticos, renais e até malformações em gestantes (ex.: excesso de vitamina A).
O que a ciência e a toxicologia mostram
- Vitaminas lipossolúveis (A, D, E e K) acumulam-se no organismo, aumentando risco de intoxicação.
- Minerais em excesso (ferro, zinco, selênio) podem causar desequilíbrios e interações negativas com medicamentos.
Dados da OMS mostram aumento global de casos de hipervitaminose em países onde a suplementação cresce junto com a indústria de alimentos fortificados. No Brasil, embora faltem dados oficiais consolidados, estudos regionais e relatos emergenciais indicam um aumento no consumo indiscriminado de suplementos vitamínicos e multivitamínicos, muitas vezes sem acompanhamento profissional. Pesquisa da Sociedade Brasileira de Nutrição realizada em 2023 apontou que cerca de 40% dos adultos entrevistados fazem uso habitual de suplementos, muitos combinando esses produtos com alimentos industrializados fortificados, potencializando riscos de hipervitaminoses. Casos clínicos frequentes relatam sintomas inespecíficos como fadiga, dores de cabeça e náuseas, que podem estar associados ao consumo excessivo desses micronutrientes.
Interações pouco discutidas
Além do excesso, há outras interações:
- Vitamina K interfere em anticoagulantes;
- Ferro reduz absorção de antibióticos;
- Zinco atrapalha alguns anti-hipertensivos.
Essa informação raramente aparece de forma clara nos rótulos, o que torna ainda mais difícil para o consumidor comum avaliar riscos.
A regulamentação atual da Anvisa exige informações sobre composição nutricional e advertências básicas, mas ainda carece de regras específicas sobre alertas para a sobreposição de nutrientes oriundos da combinação de alimentos fortificados e suplementos. A rotulagem raramente informa sobre o risco potencial de toxicidade por consumo concomitante, dificultando a avaliação consciente do consumidor. Além disso, a ausência de padronização nessas informações aumenta o desafio para profissionais de saúde no acompanhamento dos casos de excesso nutricional.
A nutrigenômica nos lembra que não existe “dose padrão” de saúde.
Cada organismo responde de forma única, mas a realidade atual é que estamos expostos a uma combinação de alimentos industrializados fortificados e suplementos com micronutrientes em quantidades padronizadas que muitas vezes ultrapassam os limites seguros individuais.
Informação e acompanhamento profissional são fundamentais para transformar a promessa de saúde em benefício real, e não em excesso perigoso.

Antes de colocar no carrinho ou engolir uma cápsula:
- Olhe o rótulo: veja se o alimento já contém vitaminas e minerais adicionados.
- Some o todo: considere não apenas o suplemento, mas todos os industrializados que consome.
- Evite duplicar: packs + multivitamínicos + produtos fortificados = risco de excesso.
- Informe seu médico ou nutricionista sobre suplementos e alimentos enriquecidos que consome.
- Desconfie de promessas milagrosas de energia ou imunidade em cápsulas.
O futuro da nutrigenômica aponta para avanços digitais que prometem revolucionar o acesso à alimentação personalizada. Aplicativos de dieta baseados em perfis genéticos, alimentos personalizados impressos em 3D e o uso crescente de inteligência artificial para combinar dados genéticos, hábitos e preferências são tendências já em desenvolvimento. Além disso, acredita-se que regulamentações mais rígidas, alinhadas ao avanço da ciência, irão exigir maior transparência nas informações oferecidas ao consumidor. Essas inovações poderão tornar a promessa da nutrigenômica em benefícios concretos, minimizando riscos e potencializando a saúde de forma individualizada.
Compartilhe este artigo com quem você sabe que consome suplementos juntamente com muitos produtos industrializados. Informação é prevenção.
Diogo Ximenes tem mais de 17 anos de experiência na área de qualidade e segurança de alimentos. Construiu uma trajetória sólida desde o laboratório de controle de qualidade até a liderança de equipes e implementação de sistemas de gestão reconhecidos. Foi responsável pela certificação FSSC 22000 em duas indústrias sucroalcooleiras e pela implantação da ISO 17025:2017 em laboratório industrial, elevando padrões de precisão e conformidade. Durante a pandemia, liderou a produção e regulamentação de 11 produtos antissépticos, unindo conhecimento técnico e visão estratégica. Pós-graduado em engenharia de alimentos, certificado como Auditor Líder FSSC 22000 v6 e em Design Sanitário EHEDG, segue comprometido em promover a excelência, inovação e sustentabilidade na indústria de alimentos.
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