Para quem estava se questionando se a nova regra do recall “iria pegar” (um dia seremos aquele povo que segue as leis apenas porque elas existem?), duas notícias recentes trouxeram a confirmação.
Em uma delas, a Santa Helena, tradicional fabricante de doces à base de amendoim, anuncia recolhimento voluntário de uma série de lotes de produtos diversos, devido a erros de rotulagem do glúten.
Um dos erros já estava sendo anunciado nos grupos de alérgicos no Facebook, desde meados de maio, conforme mostra a foto abaixo.
Do outro lado da moeda, a Anvisa publicou no Diário Oficial da União a emblemática proibição de comercialização de extrato de tomate da marca Elefante, da Cargill – outra figurinha carimbada das gôndolas. A proibição consta da Resolução RE 1408/2016 e prevê recall de produtos.
Neste caso, chama a atenção alguns fatores:
- O lote em questão (LO11810) tem validade até 07/10/2016, o que quer dizer que foi fabricado em 2015;
- O laudo inicial que apontou a irregularidade (pelo de roedor acima do limite máximo de tolerância) também é de 2015, e apenas após a análise de contra-prova foi publicada a decisão de recolhimento.
Qual a real possibilidade de que seja recolhida “a maior quantidade possível” (conforme prevê o artigo 16 da RDC 24/15) de um produto, quando ele já está há tantos meses nas gôndolas?
A RDC 24/2015 prevê especificamente que as empresas façam a chamada do recolhimento em suas páginas e nas mídias sociais (parágrafo único do capítulo IV). Vamos analisar:
- A Santa Helena tem uma chamada fixa do recall em destaque, na página inicial do seu site:
- Também já fez dois chamados até o momento na página da Paçoquita no Facebook:
- Enquanto isso, a Cargill não possui chamado na sua página (cargill.com.br). O site específico do Extrato Elefante estava fora do ar quando pesquisamos (o site Cargill direcionava para www.extratoelefante.com.br/);
- Posteriormente, encontramos o site elefantebr.com.br, direcionado pela página do Facebook abaixo. Não foi encontrado chamado para o recolhimento;
- O extrato de tomate Elefante possui um comunicado a respeito na sua página do Facebook:
Cabe salientar que a Cargill encontra-se dentro do prazo de 48h previsto no artigo 23, pelo menos a contar da publicação no DOU (a Anvisa possui outras formas de se comunicar com a empresa, que não são tão visíveis ao público).
Apesar da postura de cada empresa – no quesito comunicação com o consumidor – ser amplamente diferente, e inversamente proporcional à penetração do produto em questão, podemos ver uma falha comum no quesito “razão para o início do recall”.
Qual seria esta falha?
Em ambos os casos, o produto chegou às gôndolas, o erro foi detectado (seja pelo consumidor final, seja pela agência reguladora) e apenas após esta detecção houve o início do recolhimento (no caso do extrato, iniciativa por parte da agência).
Como nossa editora-chefe já questionou, será que estamos usando o recolhimento como uma medida preventiva ou ação corretiva?
Claro que já é um passo: estamos presenciando a iniciativa por parte de uma marca reconhecida no mercado em reduzir o impacto da alteração de rotulagem que está em curso (conforme o comunicado da Paçoca Cremosa), o que é louvável num cenário que ainda não tem a transparência como principal valor.
A ver pela postura – e agressividade – dos consumidores no Facebook, em cada um dos posts linkados acima, percebe-se claramente que cada notícia ressonou de forma diferente no mercado.
O recall voluntário foi recebido pelo público consumidor de uma forma diferente do que o recall iniciado pela Anvisa (inclusive, o recall da Santa Helena não foi parar na mídia, como aconteceu com o Elefante).
Cabe, portanto, a reflexão: qual o impacto sobre a imagem que estes dois recalls causarão às suas respectivas empresas? Serão impactos iguais? Ou serão impactos diferentes?
Fica aqui então o chamado do Food Safety Brazil a todas as empresas que nos seguem: assumam suas falhas. O consumidor já sabe que as empresas são passíveis de erro – e prefere que eles sejam assumidos, ao invés de descobertos.
Faça seu dever de casa. Reforce a sua rastreabilidade e monte um bom plano de recolhimento e recall (pode começar com este post aqui).
E por fim: abra a comunicação com o consumidor (= repense seu SAC). Quanto mais efetivo, empático e aberto for este canal, mais suave será o seu gerenciamento de crises.
Fica aqui também o desejo de ver o Artigo 20 se materializar. Lá diz: A Anvisa deve disponibilizar em seu sítio eletrônico a relação dos recolhimentos de produtos em andamento e finalizados no país.
Caso alguém tenha encontrado onde fica esta relação, a autora agradece o link 😉
Quem quiser aprender um pouco mais sobre este assunto pode assistir gratuitamente à minha palestra na Fispal, no dia 15 de junho, em São Paulo.
Ps.: Lá no ano passado a Graziela já alertava que 2016 seria o ano dos recalls por rotulagem de alergênicos. Não é que ela estava certa?
Patricia
Realmente, anvisa lanca a normativa mas tem um poder de reação aos fatos bastante lento. Por que nao interditar o lote cautelarmente quando da reprovacao da primeira análise. Tinha de Esperar a contraprova pra fazer isso?
Concordo com a questao do consumidor. Recebemos muitas reclamacoes de consumidores no local onde eu trabalho e eu acho que todas as empresas e orgaos publicos necessitam trabalhar bastante a quesTao do consumo conscience. O consumidor precisa reconhecer seu papel na cadelas produtiva para que a mesma possa ser fortalecida e para que os orgaos de fiscalizacao possam exercer seu papel de modo Mais efetivo…o que nao é possivel devido, muitas vezes, a grande quantidade de reclamacoes, algumas vezes infundadas, outras Mais relacionadas Ao relacionamento com a empresa do que ás questoes de saude propriamente dicas. Tudo isso impossibilita o desenvolvimento de acoes Mais efetivas e de focar no que é de fato Mais importante,
Parabens pelo artigo. Gostei muito. Voces produzem conteudo muito bom!
Cristina L.
Oi, Patrícia!
Olha, separar o joio do trigo entre as reclamações de consumidores requer muito treinamento no SAC e um ouvido e olhar bastante empático com o que se está sendo dito (e também o que está implícito na fala!).
Sobre a medida cautelar, acredito que a Anvisa ainda esta testando o seu “poder” frente a estes gigantes…
Sobre o papel do consumidor, publicamos um post recentemente, você viu? http://foodsafetybrazil.org/o-papel-do-consumidor-para-a-garantia-da-qualidade/
Graziela Junqueira
Cristina,
Que arraso esse post!
Cristina L.
Obrigada, Grazi! Você foi a inspiração 😉
Marcelo Garcia
Excelente conteúdo pois trata de um assunto do presente, resgatando o passado e trazendo visão do futuro sobre o assunto do recolhimento de alimentos.
Cristina L.
Bacana, Ju! Dá uma olhada que as imagens não estão carregando…
Natalia de Paula
Link ANVISA do extrato de tomate Elefante;
http://novoportal.anvisa.gov.br/noticias/-/asset_publisher/FXrpx9qY7FbU/content/anvisa-proibe-venda-de-lote-de-extrato-de-tomate-elefante/219201?p_p_auth=Si1QsUYF&inheritRedirect=false&redirect=http%3A%2F%2Fnovoportal.anvisa.gov.br%2Fnoticias%3Fp_p_auth%3DSi1QsUYF%26p_p_id%3D101_INSTANCE_FXrpx9qY7FbU%26p_p_lifecycle%3D0%26p_p_state%3Dnormal%26p_p_mode%3Dview%26p_p_col_id%3Dcolumn-4%26p_p_col_count%3D2
Cristina L.
Oi, Natalia!
Obrigada por comentar. Veja que este é o mesmo link que já está no texto, que se refere às notícias da Anvisa. Contudo, o Artigo 20 fala de uma área específica com a relação dos recalls em andamento e realizados no Brasil.
Se tiver conhecimento deste link, agradecemos!
ester cândido
Cristina, eu achei sobre o extrato da Cargill mas nao sobre o creme de amendoim da paçoquita.Talvez porque tenha sido voluntario e não fruto de fiscalização.Abaixo deixo o link e o caminho que fiz.
Sobre o Recall da Santa Helena, que segue a RDC24/2015 e e precisa seguir as determinações estabelecidas pela agência houve um outro problema. Consumidores não estão acessando a lista de produtos.Como não pode ter imagem do produto no Aviso muitos estão associando o nome Paçoquita ao quadrelete de paçoca (que é sem glúten) e não ao creme de amendoim. O nome do produto causa confusão e a Aência deveria ter permitido a divulgação da imagem do produto no aviso de recall.
http://portal.anvisa.gov.br/produtos-irregulares#
Pagina inicial/Autuação/Fiscalização e Monitoramento/Consultas e Serviços/Fiscalização de Produtos Irregulares-Anvisa