Recall voluntário: será que eu devo iniciar um?

3 min leitura

Os colegas já sabem que os recalls estão pipocando no Brasil, desde que a RDC 24/15 entrou em vigor. Estamos todos ouriçados: é um tal de recall de atomatados, de paçoca cremosa, de queijo, de geleia, de palmito. A ferramenta de Produtos Irregulares (que inclui a pesquisa de recalls) da Anvisa já está no ar, e através dela podemos saber que 24 recalls já foram iniciados no Brasil desde janeiro deste ano.

E agora o colega está aí, olhando para o resultado de análise positivo para Salmonella e pensando: inicio ou não inicio o recolhimento voluntário?

Se eu tivesse que tomar esta decisão hoje, com base no que já vi no mercado a respeito dos recolhimentos, eu iniciaria o mais rápido possível. Vamos fazer esta análise juntos?

Como vocês já viram no post de maio, quando tínhamos um recall voluntário e um mandatório, a visibilidade na mídia foi bem diferente. A se pesar o fato de que “pelo de rato” e “informação de rotulagem” são causas bem distantes no sentido “causar ojeriza”, os recalls de atomatados têm ganhado grande notoriedade na mídia à medida que se acumulam.

Poderíamos fazer uma leitura aqui de que os recalls voluntários tendem a passar “incólumes” pelo crivo social, porém o mais recente recall do queijo parmesão demonstra que isso não é verdade.

Ainda estamos aprendendo a lidar com recalls de alimentos, e isto inclui a grande mídia brasileira não especializada no assunto. Para entender, basta ver as manchetes que os jornais usaram para divulgar a notícia (se bem que temos exemplos de mídia especializada fazendo exatamente o mesmo – vai entender).

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O mesmo recall de queijo ralado nos aponta uma tendência bem importante: o controle da informação. Quando inicia um recall, a empresa ou a Anvisa precisa informar o motivo para tal – motivo que fica publicado no Diário Oficial da União e vai parar na página de Produtos Irregulares.

Quando a Anvisa inicia o recall, ela tende a ser bem descritiva neste motivo. Dois exemplos recentes:

  • Geleia de Morango: Laudo Fiscal definitivo nº 92 CP/2016 emitido pelo LACEN-SC, que detectou micélio de fungo (fungo filamentoso) não típico do produto, presença de duas larvas mortas, matérias estranhas indicativas de falhas das boas práticas e 01 pelo de roedor inteiro, matéria indicativa de risco acima do limite máximo de tolerância pela legislação vigente;
  • Peixe Congelado Cação em Postas: Laudo de Análise Fiscal Inicial nº 3736.00/2015 (definitivo) emitido pela Fundação Ezequiel Dias (IOM/FUNED), que apresentou resultado insatisfatório na análise de contaminantes metálicos devido à quantidade de mercúrio (1,35 ± 0,06 mg/kg) acima do limite máximo permitido (1,00 mg/kg);
  • Suplemento Vitamínico e Mineral, Goji Berry: A presença de “Goji Berry” e “Guaraná e Acaí” na composição dos Suplementos Vitamínicos e Minerais (isentos de registro) tornam esses produtos como de registro obrigatório na categoria de Novos Alimentos ou Novos Ingredientes por serem comercializados na forma de cápsulas e, por isso, requerem avaliação prévia para comprovação de segurança.

E quando o recall é voluntário? Neste caso, a empresa informa o motivo à ANVISA. Vamos a alguns exemplos?

  • Queijo Parmesão Ralado: Comunicado de recolhimento voluntário encaminhado pela empresa, que informou a impossibilidade de garantir a total qualidade e inocuidade dos lotes do produto;
  • Tari Combi PCH: Comunicado de recolhimento voluntário encaminhado pela empresa, já que os lotes descritos neste comunicado apresentaram uma pré-reação não prevista de seus componentes, causando a formação de um gás dentro das embalagens.

Você percebe a diferença no texto?

É claro que a ANVISA tem o poder de pedir informações adicionais, e o consumidor pode fazer pressão sobre as empresas para esclarecer que problema de inocuidade é esse. Se você me conhece, sabe bem que eu defendo a bandeira da transparência em outras bandas.

A questão aqui é como gerenciar uma crise: se você pretende estar no comando dela ou se você quer deixar outras pessoas liderarem o barco no seu lugar. A experiência americana com recalls diz que estar com as rédeas na mão, assumir suas falhas, ser humilde e transparente com o mercado gera os melhores resultados.

Contudo, é com você e o seu resultado de Salmonella na mão: vai iniciar agora mesmo ou esperar a notícia sair na mídia?

5 thoughts on

Recall voluntário: será que eu devo iniciar um?

  • Mariana

    Cristina, excelente material para a equipe de segurança de alimentos!
    Sobre recall, em relação ao simulado, você acha adequado realizer o teste de recall a partir de situação hipotética em que a Anvisa nos comunica da necessidade? Ou para testes é uma melhor prática considerer sempre o recall voluntário? Qual sua opinião sobre esse assunto?

    Muito obrigada!

    • Cristina L

      Olha, Mariana, eu diria que faria a simulação em ambos os casos.

      Contudo, “digamos” que a empresa não esteja ciente que a Anvisa recolheu uma amostra de seu produto, e que esta amostra deu resultado com desvio. Neste caso, a empresa “poderia” ser pega de surpresa – então este seria o pior caso.

      Eu uso aspas porque as VISAS notificam as empresas, estas têm prazos para contestação, análise de contra-prova, e somente depois disso a ANVISA publica o recolhimento. Ou seja, na prática, em ambos os casos, a empresa teria como “se preparar”.

      A meu ver, os dois grandes problemas encontram-se na decisão de chamar um recall voluntário e posteriormente na rastreabilidade (que, salvo exceções, tem problema). Faria uma simulação considerando esses dois pontos.

  • Marcelo Garcia

    Cris, muito boa a informação sobre produtos irregulares, ainda que na minha opinião, a Anvisa pudesse disponibilizar filtros e outras ferramentas que ajudassem na interpretação dos dados.

    E também fico indignada com a obscura “impossibilidade de garantir a total qualidade e inocuidade dos lotes do produto”.

    • Cristina L

      Pois é, Juliane… para a minha análise “grosseira”, os filtros que existem são suficientes, mas acredito que com o passar do tempo – e o acúmulo de recalls – teremos uma montanha de informações difíceis de entender.

      Ainda está faltando aquela comunicação clara das empresas também, não acha?

  • Fabiana Ferreira

    Adorei esse post! Parabéns! Importante sempre considerar em caso de analises microbiologicas a polemica do reteste. Retestar uma amostra que apresentou positividade para um patogeno traz o risco do restestenão confirmar o primeiro resultado e isso não quer dizer que o risco nao existe. A distribuição dos microorganismos no alimento não é homogenea. Dai a importancia em trabalhar com metodos validados e ter uma equipe bem treinada e um laboratório com boas praticas.

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