Tive uma grata oportunidade de ser Gerente de duas áreas ao mesmo tempo: Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) e Qualidade. Aos olhos leigos, pode parecer coisa trivial – duas áreas técnicas, um engenheiro de alimentos seria mais do que suficientemente apto para administrar esse rojão.
Contudo, apesar de ter tido experiências anteriores COM área de Qualidade, esta foi a primeira vez em que eu estava, de fato, NA própria área. Para uma pessoa formada em P&D, foi um grande abrir de olhos.
Uma das primeiras coisas que me chamou a atenção foi a precária formação dos profissionais de P&D em questões de segurança de alimentos e qualidade. Apesar de ser a área de onde, teoricamente, brotam os produtos – e, por consequência, os processos – da empresa, você encontra pouquíssimos profissionais com cursos mais aprofundados sobre estas questões. Em congressos ou feiras voltadas à Qualidade, muitos nunca foram.
Sem minimizar o trabalho duro do pessoal de P&D – porém é corriqueiro que a área de Qualidade tenha que “corrigir o curso” tardiamente, quando o produto poderia ter saído do porto na direção certa.
É claro que há casos e casos, mas de modo geral o P&D emprega um grande esforço no produto em si – relegando a documentação do processo, a análise de novos riscos de ingrediente, produto e processo e as avaliações de impacto sobre os processos de higienização e manutenção existentes para um segundo plano. Sai o produto do forno, e a batata quente troca de mão: resta à Produção e à Qualidade se virarem para fazer aquilo se encaixar na rotina e nos planos de Qualidade existentes.
É um retrabalho que tem custos tangíveis e intangíveis muito altos. O custo tangível é fácil de mensurar:
- Reprocessos;
- Produtos fora da especificação;
- Adequações de equipamentos, instalações e utilidades não previstas;
- Multas por não-atendimento de prazos de entrega, são alguns exemplos.
O custo não tangível, aquele que fica implícito, afeta todas as áreas e corrói os demonstrativos da empresa, é o mais perverso. Estou falando aqui de:
- Equipes que não trabalham mais em comum acordo;
- Atraso de projetos importantes pela atenção dedicada à correção dos projetos anteriores;
- Perdas de eficiência produtiva por inúmeros testes mal planejados na linha de produção;
- E o muito comum: cabo de guerra. Só que neste caso, a empresa é o cabo e vai acabar no chão.
É tão fundamental o papel de P&D na área de Segurança de Alimentos, que é de se espantar que tantos profissionais tenham apenas um conhecimento superficial do assunto. Devo confessar que eu, também, sofria deste mal. Quando assumi uma Coordenação de Segurança de Alimentos, não tinha nem ideia de onde estava me metendo.
Porém, como já está provado repetidas vezes, a experiência é mãe do aprendizado. Nada como ser jogado no caldeirão para saber a temperatura da água. Por isso, até hoje defendo a inclusão do maior número de pessoas de P&D na equipe HACCP, equipe de análise de risco, equipe de segurança de alimentos, ou seja lá como essa equipe se chama na sua empresa – a sua empresa já fez o dever de casa, não é?
Se possível, todo o P&D deve pertencer à equipe. No mínimo dos mínimos, o mesmo treinamento dado aos membros desta equipe de segurança de alimentos deve ser ministrado a todo o pessoal de P&D.
Fazendo um resumo de quais são os impactos de P&D na Segurança de Alimentos (e para não apenas dizer, 100%), montei o quadro abaixo, que traz as principais consequências nas atividades típicas da área de P&D.
É muito fácil sair fazendo. Quem trabalha com P&D, facilmente se empolga com a adrenalina que dá ao lançar um produto atrás do outro e vê-los na gôndola. Contudo, lançamento mal planejado e malconduzido expõe as fraquezas da empresa ao consumidor – e, por fim, pode decretar o seu fracasso.
Já pensou que sua vida seria bem mais fácil se você não tivesse que refazer ou corrigir tanto? Que tal sermos um pouco mais conscientes do nosso papel como desenvolvedores – afinal, das nossas bancadas saem alimentos que são inerentes à vida.
Da próxima vez que o pessoal da Qualidade lhe chamar para um curso de Segurança de Alimentos, esqueça o smartphone na sua mesa. Vá com ouvidos de ouvir e olhos de ver. Você, colega de P&D, é dessa praia, sim. Se ainda não entende o que é um plano HACCP, já passou da hora.
Angela Busnello
Parabéns , excelentes colocações , refletem perfeitamente a realidade.
Cristina Leonhardt
Oi, Angela! Obrigada! Espero que o text ajude a aumentar a consciência dos colegas para a relevância da sua atuação.
Mariana Bertelli
Excelente texto. Em nossas abordagens para auxiliar a área da qualidade no combate à fraude, temos percebido um descolamento entre as duas áreas, que são na verdade complementares. É necessário e urgente que as indústrias tenham uma visão mais holística da qualidade, com interseções com as áreas de P&D, mas também de marketing e mesmo vendas. Qualidade é um valor preciosíssimo para as marcas, mas pouco valorizado mesmo no contexto interno…
Cristina L
Oi, Mariana, demorei demais para lhe responder! Concordo plenamente, este descolamento não beneficia ninguém – apenas causa alienação. Que possamos trabalhar mais em colaboração e esquecer essas linhas que separam as áreas.
Não há “nós” e “eles”.
Há apenas “NÓS”!
Elisabete F. Netto
Perfeito texto.
Cristina L
Obrigada, Elisabete!
Mariana Lima
Adorei o texto, tenho muita vontade de ingressar na área de P&D, mas atualmente estou na segurança de alimentos e pensava que seria mais difícil a transição de carreira, mas realmente olhando pra esse lado, me sinto mais confiante pra conquistar essa meta.