O que pode acontecer quando se tornar obrigatório declarar traços de alergênicos?

3 min leitura

No Brasil, diferente de muitos países desenvolvidos e em desenvolvimento, temos legislação limitada referente à informação de alergênicos. Basicamente, é obrigatório declarar se um alimento contém ou não glúten (lei 10674/2003), que protege os celíacos e por tabela, os alérgicos.  No entanto,  a causa mais expressiva de alergias no Brasil é a proteína do leite de vaca e não temos a obrigatoriedade desta informação disponível ao público quando esta pode ocorrer como traços, o que desespera muitos consumidores e mães de crianças com o problema.

 E por que tanta resistência em se estabelecer legislação de rotulagem para alergênicos?

 Uma hipótese que formulo é a enorme quantidade de recalls que poderão vir a onerar a indústria por tardias descobertas que um produto contém os indesejáveis e não declarados traços de algum alimento. Afinal de contas, não é fácil gerenciar alergênicos. Falhas dentro da empresa poderão ocorrer, mas principalmente a indústria tem que arcar com eventuais erros  de seus fornecedores ao por exemplo descobrir que uma matéria-prima foi elaborada em uma linha de produção de múltiplas finalidades e sem higienização adequada.

 Segundo o relatório da Expert Recall, a presença de alergênicos não declarados foi a segunda causa de recalls nos EUA, correspondendo a 28% dos casos, último trimestre de 2012.  Estamos falando de 152 ocorrências! 

 Segundo a compilação do blog eFoodAlerts, só de 01 a 24 de março de 2013, foram totalizados 34 recalls ao redor do mundo por alergênicos, sendo sete nos EUA, dezenove no Canadá e nove na Europa. Na Austrália, a a Food Standards Agency  relatou 211 casos de 2002 a 2011. 

  Notei também que os recalls de alergênicos são classificados como categoria I –  grau máximo de dano à saúde, o que pode ser visto tanto  no site da CFIA (Agência de Inspeção de Alimentos do Canadá) quanto do FDA.

 Fazer um recall representa um enorme custo para empresa. Custos relacionados tanto ao processo logístico, mídia, profissionais à disposição, quanto à de recuperação do desgaste da marca. Ainda por cima o Brasileiro não está muito acostumado com recalls em alimentos, lidando muito mal com este tipo de procedimento. Vide os posts de sátiras para os casos AdeS Maçã e Toddynho.

 Aqui no Brasil tivemos cinco casos de recall por alergênicos, todos por causa de  glúten não declarado na embalagem.  Os autores foram Ajinomoto, em  2010 (tempero Sazón), a Yoki (Lanchinho Yokito)  em 2008,  e Pepsico (Salgadinho Festa Snack) em 2004, conforme consta no site do Ministério da Justiça. A Unilever fez um recall do Cornetto em 2007, também por erroneamente afirmar que o produto “não contém glúten” e a Diageo em 2009, retirou do mercado a cerveja Harp, importada, dados que podem ser confirmados no site do PROCOM de SP.

 O fato de todos os recalls (mas ainda poucos, diga-se de passagem, quando comparados com os outros países citados) estarem relacionados ao glúten, não são mera coincidência. Ora, se eventualmente uma empresa detectar que um fornecedor não controla, por exemplo, a ocorrência de resíduos de soja ou leite, legalmente estaria obrigada a sair desesperadamente avisando seus consumidores e retirando os produtos do mercado? A resposta é não, afinal no Brasil não estão definidos quais alimentos são considerados alergênicos.

Os primeiros passos tem sido dados por várias indústrias sérias, que antecipando-se às tendências de harmonização com o MERCOSUL,  já declarando voluntariamente quando um alergênico pode estar presente, mas ainda temos muitos passos a dar.

 Fabricantes, aproveitem este tempo para organizarem seus processos internos e com seus fornecedores, pois eventuais falhas poderão custar muito caro caso uma nova legislação seja publicada.

 

 

 

One thought on

O que pode acontecer quando se tornar obrigatório declarar traços de alergênicos?

  • Camila Miret

    Muito interessante este post. Acho que outra dificuldade é a quantidade (diversidade) de alergênicos a serem gerenciados. Nas já conhecidas listas de alergênicos do Codex / FDA ou legislação europeia, temos soja, leite, glúten, frutos do mar, amendoim, castanhas, nozes, ovo, gergelim, aipo (salsão), mostarda, entre outros. Porém, já existem evidências de alergias a outros produtos, que embora sejam mais raras, também poderiam (ou deveriam) ser consideradas. Por exemplo: cenoura, tomate, kiwi, maçã, ameixa, banana, melão; certas especiarias e temperos, como coentro, alho, cominho, pimenta; também já houve registro de alergia a milho, semente de girassol e de papoula e até mesmo gelatina, carne de vaca, frango e porco.

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