Hoje vamos falar um pouco sobre o requisito adicional de Gerenciamento de Alergênicos na versão 6 da FSSC 22000.
A nova versão apresenta o tema de forma mais detalhada e com exigências mais claras. Para empresas que já atendem à legislação brasileira e têm implementado um programa de gestão de alergênicos não há muito mistério. Entretanto, acho que vale uma discussão para melhor entendimento de cada requisito. Para isso, vou esmiuçar cada item que o requisito adicional trata, dando dicas e fazendo comentários com base na experiência e nas melhores práticas conhecidas.
Se você tem interesse em aprofundar-se mais no assunto, recomendo ler a coletânea de posts sobre alergênicos que já publicamos no blog.
Mesmo para indústrias de embalagens, este requisito adicional é aplicável. Por isso, para entender um pouco mais sobre alergênico neste segmento recomendo estes posts: Procedimento para controle de alergênicos em embalagens e Controle de alergênicos na indústria de embalagens.
Para quem vai estruturar este programa ou deseja melhorar o que já possui, recomendo este documento da Anvisa como modelo a ser seguido. Nele é apresentado um passo a passo para implementar o Plano de Controle de Alergênicos. Bom trabalho!
Agora vamos ao que interessa.
O requisito adicional determina que “a organização deve possuir um plano de gerenciamento de alérgenos que inclua”:
a) “Lista dos alérgenos manipulados no local, inclusive em matérias-primas e produtos acabados”
Para ter esta informação é primordial realizar questionamento aos fornecedores de matérias-primas, que são os que detêm o conhecimento sobre o processo, os ingredientes alergênicos utilizados na planta, os compartilhamentos de linha e o risco de contaminação cruzada.
Para isso é recomendável ter um formulário onde perguntas direcionadas são realizadas. Este registro deve ser mantido atualizado para garantir que a comunicação adequada esteja ocorrendo. Segue aqui um exemplo.
b) “Avaliação de risco abrangendo todas as fontes potenciais de contaminação cruzada com alérgenos”
Para atendimento a este requisito, uma forma de demonstrar evidência é identificar o perigo alergênico no APPCC nas etapas do processo, em virtude de compartilhamento de linha, de equipamentos, de utensílios ou por proximidade, e realizar análise do risco considerando a probabilidade de ocorrência e a severidade.
Outra forma também é no próprio procedimento de gestão de alergênicos já documentar esta avaliação, de forma simples, como por exemplo uma tabela com as seguintes informações:
Etapa |
Risco alergênico envolvido |
Controles existentes
|
Pesagem de matérias-primas |
Contaminação cruzada por compartilhamento de utensílios de pesagem |
Utensílios dedicados e segregados por cor para cada alergênico; Treinamento dos responsáveis |
Pesagem de matérias-primas |
Contaminação cruzada por compartilhamento de local/ambiente |
Determinação de horários específicos para pesagem de matérias primas alergênicas e não alergênicas; Instrução de limpeza do local após pesagem de alergênico; Troca de uniforme entre pesagem de alergênico e não alergênico |
c) “Identificação e implementação de medidas de controle para reduzir ou eliminar o risco de contaminação cruzada, com base no resultado da avaliação de risco”
Para cada etapa onde seja identificado risco de contaminação cruzada de alergênico (seja risco baixo ou alto), medidas preventivas devem ser implementadas de forma robusta. Por exemplo: Área de pesagem de matérias primas – risco de contaminação cruzada por compartilhamento de utensílios de pesagem – Exemplos de controles: uso de utensílios dedicados, segregação de local de pesagem, troca de uniforme entre pesagem de alergênico e não alergênico, ordem/sequenciamento de pesagem do não alergênico para alergênico, higienização das mãos e limpeza do local após manipulação de matéria prima alergênica. Fazer esta identificação e implementação para todas as etapas que apresentam risco de contaminação cruzada.
Segue sugestão de post sobre limpeza para controle de alergênicos.
d) “A validação e verificação dessas medidas de controle devem ser implementadas e mantidas como informação documentada. Quando mais de um produto for produzido na mesma área de produção com diferentes perfis de alérgenos, o teste de verificação deve ser realizado com uma frequência baseada no risco, por exemplo, testes de superfície, amostragem de ar e/ou testes de produtos”
Todos os controles implementados precisam ter evidência de que são de fato eficazes. Para isso, a validação dessas medidas de controles devem contemplar, por exemplo:
– testes analíticos quantitativos em equipamentos (ex. análise residual de alergênico após limpeza em amostra de água de enxágue, swab de equipamentos)
– testes analíticos quantitativos em produto (ex: análise residual de alergênico em produto fabricado posteriormente após limpeza da linha com produção de alergênico)
– testes e entrevistas com os responsáveis pelos monitoramentos dos controles
Acesse aqui e aqui posts sobre validação de limpeza de alergênicos.
Após validados os controles, é necessário continuamente avaliar a manutenção da eficácia. Isso é alcançado através das atividades de verificação, que podem ser variadas, mas precisam estar definidas, planejadas e implementadas.
Alguns exemplos de atividades de verificação:
– análise swab de local sem alergênico (monitoramento ambiental de alergênicos)
– análise swab de superfície de contato após limpeza de alergênico
– análise swab de uniformes de colaboradores que circulam em áreas não alergênico e alergênico
– análise qualitativa de alergênico-alvo em amostra de água de enxágue após limpeza
– análise qualitativa de alergênico-alvo em amostra de produto sem alergênico após limpeza
– entrevistas com os responsáveis
– verificação dos registros de limpeza entre produto com alergênico e sem alergênico
e) “Rótulos de precaução ou de alerta só devem ser usados quando o resultado da avaliação de risco identificar a contaminação cruzada de alérgenos como um risco para o consumidor, mesmo que todas as medidas de controle necessárias tenham sido efetivamente implementadas. A aplicação de rótulos de advertência não isenta a organização de implementar as medidas necessárias de controle de alergênicos ou realizar testes de verificação”
Bastante similar ao conceito da RDC 727/22 em relação à rotulagem de alergênicos. Aqui o requisito deixa claro que o fato de a rotulagem de precaução indicar “pode conter” não exime a obrigatoriedade da empresa em implementar um Programa de Controle de Alergênicos com medidas preventivas de contaminação cruzada.
f) “Todo o pessoal deve receber treinamento em conscientização sobre alérgenos e treinamento específico sobre medidas de controle de alérgenos associados à sua área de trabalho”
Costumo dividir em dois tipos as capacitações sobre alergênicos. Uma é mais genérica, somente para conscientização do risco de alergênico à saúde de quem possui alergia alimentar e os cuidados necessários. A outra é por setor, com ementa específica relacionada aos controles daquela área.
Exemplos:
– Treinamento de Conscientização de Alergênico (público-alvo: todos!) – ementa mais simples e tempo de menor duração;
– Treinamento Boas Práticas de Gestão de Alergênico por setor (público-alvo: setor x) – ementa mais aprofundada, detalhada, com dinâmicas, podendo ser on the job e com maior tempo de duração. A ideia é cada setor receber um treinamento personalizado para sua atividade e esgotar ao máximo às dúvidas dos responsáveis.
g) “O plano de gerenciamento de alérgenos deve ser revisado pelo menos uma vez ao ano e após qualquer mudança significativa que afete a segurança do alimentos, um recall público ou recolhimento do produto pela organização como resultado de um ou mais alérgeno, ou quando as tendências na indústria mostrarem contaminação de produtos similares relacionados com alérgenos. A revisão deve incluir uma avaliação da eficácia da medida de controle existente e a necessidade de medidas adicionais. Os dados de verificação devem ser analisados e usados como entrada para a revisão”.
A sistemática de gestão de alergênicos precisa ser revisada no mínimo anualmente, conforme deixou claro o requisito. Isso porque os cenários mudam. Veja alguns exemplos de mudanças que podem impactar no resultado dos controles de alergênicos:
– mudança de contexto
– novos produtos
– novas matérias primas
– novos fornecedores
– mudanças de leiaute
– novos equipamentos e materiais de contato
– alteração em produto químico de limpeza
– alteração em instrução de limpeza
– mudança de pessoal
É tanta coisa que muda em um único ano! Por isso deve estar programada na agenda da ESA a revisão do Plano de Gerenciamento de alergênicos. Uma forma de evidenciar isso é através da elaboração de um relatório contemplando avaliação de todas as mudanças ou até mesmo um checklist com perguntas investigativas para ajudar a ESA na revisão pormenorizada de todos os controles e cenários existentes.
h) “Apenas Categoria D (Processamento de feed e pet food) – Onde não houver legislação relacionada a alérgenos para o país de venda referente a produtos para alimentação animal, esta seção dos requisitos do Esquema pode ser indicada como ‘Não Aplicável’, a menos que uma declaração relacionada a um status de alergênico tenha sido feita no produto”.
Esta indicação de não aplicável pode ser feita no Manual do SGSA da organização ou em outro documento relevante.
LUIZ ANTÔNIO GONÇALVES DE AZEVEDO
Achei sensacional seu artigo. Parabéns e obrigado por compartilhar.
vanessa
Obrigada Luiz! Feedbacks como o seu nos motivam a escrever mais!! Abraços