Publicamos uma matéria mês passado sobre “A medicina veterinária Legal”, na qual explicamos a perícia veterinária forense e diferenciamos a perícia civil (não oficial) da criminal (oficial). A matéria foi muito elogiada e resolvemos então entrevistar um perito veterinário oficial, que atuasse na área de produtos de origem animal, e encontramos o médico veterinário Antônio Pires, Perito Criminal Federal do Departamento da Polícia Federal, que se prontificou em esclarecer as perguntas do blog.
1) Qual a atuação do médico veterinário perito na área de alimentos? Poderia citar algum exemplo de investigação da polícia federal?
A segurança de alimentos é uma preocupação cada vez maior por parte de governos, indústrias e consumidores. Dentre os alimentos, os de origem animal são vistos como importantes veículos de doenças, além de serem veiculadores de substâncias químicas e físicas. E ainda que não apresentem potencial de causar riscos concretos à saúde humana, sendo inócuos, os alimentos de origem animal devem ser idôneos (em conformidade com suas especificações).
O médico veterinário, por sua formação, é o profissional envolvido em todas as etapas de garantia de inocuidade e idoneidade dos produtos. O perito criminal médico veterinário atua em casos de suspeita de contaminação, adulteração e outras práticas comerciais desonestas envolvendo alimento para consumo humano. Nesses casos, o perito incumbe-se de avaliar a inocuidade e idoneidade de tais alimentos através de análises apropriadas. O tipo penal relacionado está descrito no artigo 272 do Código Penal.
A Polícia Federal já promoveu diversas ações de combate à fraude alimentos de origem animal. Dentre elas podem-se destacar as Operações “Ouro Branco”, de combate à fraude no leite e “Vaca Atolada”, de combate à fraude na carne.
2) O perito veterinário trabalha em consonância com outros peritos biólogos, agrônomos, etc., dependendo do caso investigado?
A Polícia Federal dispõe de diversas especialidades na perícia criminal e, comumente, as equipes de periciais são multidisciplinares, inclusive sendo compostas por peritos de diferentes áreas de estudo, tais como ciências biológicas e exatas. Eventualmente, crimes envolvendo fraudes em alimentos podem ser caracterizados através de pericias contábeis ou computacionais.
Casos em que os peritos veterinários trabalham com peritos de outras áreas das ciências biológicas são muito comuns. Uma situação típica ocorre nos casos de avaliação de imóveis rurais, quando agrônomos, veterinários e biológicos trabalham em conjunto, cada qual na sua área.
3) Quem vai a campo nos casos de abertura ou instauração de inquérito são os agentes, o perito criminal federal (no caso veterinário), ou ambos?
No caso de Operações Policiais envolvendo fraudes em alimentos, em geral, as equipes são compostas por peritos veterinários, que se valem do momento da deflagração para caracterizar o local do crime. Locais onde ocorrem fraudes em alimentos apresentam maquinário e insumos típicos que podem ajudar nas investigações, indo além das análises isoladas do produto questionado propriamente dito, posteriormente. Os peritos também são os responsáveis pela coleta de amostras, garantindo assim a adequada cadeia de custodia do material.
4) No caso da famosa operação “leite compensado” do Rio Grande do Sul, como você atuaria, tecnicamente falando, no uso de suas atribuições legais?
O primeiro passo na atuação do perito veterinário é a caracterização do local de crime. Crimes de fraude em alimentos apresentam locais típicos, com maquinário e insumos apropriados aquela fraude. Uma boa perícia de local, por vezes, já caracteriza o crime. O próximo passo é uma adequada coleta de amostra, garantindo uma correta cadeia de custódia. O processo analítico, próximo passo, em geral, é realizado em laboratórios parceiros com a presença do Perito. Os laboratórios da rede Lanagro são os mais comumente acionados nesses casos. O perito também é o responsável pela análise dos resultados produzidos e redução de todos os achados em laudo de perícia criminal.
5) Constantemente lemos na mídia sobre escândalos de fraudes em leite, carne de frango, pescado, etc. A polícia federal tem feito um excelente trabalho de investigação e prisão dos envolvidos, contudo ainda existe recidivas. Na sua opinião o que deveria ser mudado para que a casuística fosse insignificante?
O primeiro passo para coibir a fraude em alimentos de origem animal é uma fiscalização federal forte, isenta e autônoma. São os órgãos de fiscalização que estão presentes no dia-a-dia nas indústrias e são, efetivamente, os responsáveis por coibir práticas desonestas e abusivas no que diz respeito à sanidade e inocuidade de alimentos.
O próximo passo é a adequada comunicação entre os órgãos de fiscalização com os órgãos de persecução penal, seja civil ou federal, onde os órgãos de polícia irão instruir investigações para dirimir as questões de foro penal.
Mini currículo
Graduado em Medicina Veterinária pela UFMG. Mestre em Medicina Veterinária – Área Tecnologia e Inspeção de Produtos de Origem Animal – UFMG. Ex-Fiscal Federal Agropecuário (MAPA). Atua como Perito Criminal Federal (Departamento de Polícia Federal) -Área Medicina Veterinária.
Marcelo Garcia
Muitas vezes não temos ideia do papel destes profissionais especializados na proteção dos direitos e saúde dos consumidores, bem como nas penalizações de crimes que podem ser classificados como hediondos em minha opinião. Obrigada por trazer mais luz sobre o tema, Humberto.
Humberto V. F. da Cunha
Obrigado Ju. O intuito é trazer clareza ao leitor, abraços.
Giovanna Gouveia
Oi, preciso do seu contato para uma entrevista URGENTE. Você tem algum email? Ou alguem conhece o email dele?
Ingrid Mengue Klaus
Nossa muito bacana, eu mesma desconhecia essa função dentro da polícia federal, ficamos sempre com aquela figura do FFA no que diz respeito aos processos de fiscalização e autuação, muito obrigada pelo esclarecimento, e parabéns pela entrevista.
Humberto Cunha
Ingrid, agradeço seu comentário, pois certamente você conseguiu enxergar a espinha dorsal do texto que talvez outros não tenham visto. Muitas vezes quando pensamos em serviço público para o veterinário estamos condicionados a pensar no cargo de FFA do MAPA. Saber quais são as atribuições do Perito Criminal da PF (veterinário) abre nossos olhos para explorar novos horizontes, até mesmo pouco explorado nas universidades. Abraços.
Laura Perin
Obrigada pelo esclarecimento,sou estudante de Medicina Veterinária e descobri agora sobre a possibilidade de trabalhar como médica veterinária na Polícia Federal.Com certeza a entrevista saciou algumas dúvidas que eu tinha referente ao assunto.Muito bom, parabéns pela bela profissão.
Maria Cecília Monteiro
Olá,
tenho dúvidas sobre o concurso. Os últimos editais não incluem a área 11 que é a do Médico Veterinário.Isso quer dizer que não poderia prestar a prova, pois não há vagas??
O perito formado em veterinária é treinado apenas para esses casos que tenha relação com veterinária? Afinal, somos também cientistas laboratoriais. Podemos tanto trabalhar a campo como em laboratório em perícias de casos de homicídios, drogas e afins, não apenas alimentícios ou de produção animal.
Gostaria que me sanassem essa dúvida. É raro abrirem vagas federais para veterinários?
Obrigada.
Stefany
Gostaria de saber dos editais que saiu agora, nao tem para médico veterinário. Isso quer dizer que nao podemos fazer a prova?